Alguns aspectos insólitos da concepção de “Tangerine” (2015)
têm feito com que essa produção norte-americana dirigida por Sean Baker seja
mais encarada como uma curiosidade do que uma obra efetivamente instigante.
Comenta-se bastante o fato de ser protagonizado por dois travestis, fala-se
também da questão de ter sido filmada com aparelhos iPhones. Ocorre,
entretanto, que o filme acaba transcendendo o status de mera excentricidade por
méritos artísticos bem contundentes. As escolhas formais e temáticas acima
mencionadas não se revelam gratuitas e se integram com naturalidade dentro de
uma proposta muito bem definida por parte de Baker. As tomadas gravadas por
celulares podem por vezes dar um caráter rústico para a produção, mas aos
poucos o olhar do espectador vai se acostumando com essa plasticidade crua e
que dá à narrativa uma atmosfera que alterna com sensibilidade entre o sórdido
e o encantamento. A forma com que tal direção de fotografia “suja” e compacta
se casa com uma trilha sonora de temas dançantes e eletrônicos frenéticos
oferece uma ambientação perturbadora e cativante, dando uma cara genuína e
crível para a encenação vigorosa tramada por Baker. Nesse sentido, o desempenho
dos travestis Kitana Kiki Rodriguez e Mya Taylor nos papéis principais são
marcantes nas variações entre o histrionismo e a sutileza dramática e
complementam com notável coerência a própria formatação estética e existencial
de “Tangerine”, algo como uma tradicional comédia de erros recriada sob uma
ótica pós-moderna a refletir um fascinante mundo em desiquilíbrio.
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