Seria muito fácil enquadrar “Cinco graças” (2015) naquele
escaninho de obras a retratar o difícil cotidiano das mulheres em países
dominados pelo fundamentalismo religioso islâmico. Tal vertente praticamente se
tornou um gênero em si nos últimos anos, e em boa parte dessas produções o
valor político e social é bem mais preponderante do que o valor artístico
delas. Ocorre que a obra da diretora Deniz Gamze Ergüven tem uma abrangência
bem mais ampla do que esse reducionismo. Para começar, trata-se de um filme de
admirável acabamento estético e narrativo. Os planos iniciais logo de cara já
mostram que se trata de um trabalho diferenciado – é uma encenação sedutora,
enfatizando muito o aspecto sensorial, principalmente na questão com que lida
com a sensibilidade feminina diante de uma situação de repressão moral. Nesse
sentido, a sequência em que as cinco irmãs tomam banho no mar e brincam com
alguns garotos é antológica na sua fluência e carga simbólica imagética, em que
nenhum momento se nega a sensualidade inerente delas em nome de uma “inocência”
maniqueísta. Pelo contrário: é uma visão bastante desafiadora ao enfatizar o
direito de exercer a sua sexualidade da maneira como bem entender. Talvez o
aspecto mais fascinante da abordagem de Ergüven é justamente como ela faz
conciliar com naturalidade e de maneira intrínseca essa visão conceitual de
mundo com um formalismo sofisticado repleto de nuances estéticas (ainda que por
vezes o roteiro tenha algumas concessões previsíveis), fazendo com que “Cinco
graças” tenha um alcance universal muito maior que a simples crítica ao
fundamentalismo islâmico. Na verdade, é um contundente libelo pela liberdade
comportamental diante de qualquer ortodoxia religiosa, independente de ser de
matiz oriental ou ocidental.
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