segunda-feira, março 14, 2016

O abraço da serpente, de Ciro Guerra ***1/2

O protagonista efetivo de “O abraço da serpente” (2015) é o índio Karakamate, com a trama do filme mostrando tal personagem em dois momentos distintos de sua vida. Assim, a real perspectiva do que se vê em tela é de tal indivíduo. Ocorre que essa ótica particular também acaba se refletindo na própria narrativa da obra, em um sentido que a lógica indígena altera alguns dos elementos tradicionais da linguagem cinematográfica, principalmente no que diz respeito ao gênero aventura. A evolução do roteiro até obedece a alguns limites conhecidos, em que o desenrolar dos fatos implica numa evolução que esclarece as motivações obscuras dos personagens e situações da história. O que diferencia, entretanto, é que a dinâmica narrativa se torna mais reflexiva, ligada a simbologia e metáforas fascinantes em seus significados e profundidade. O formalismo concebido pelo diretor colombiano Ciro Guerra está em forte sintonia com essa visão existencial, fazendo com que os elementos estéticos se combinem com notável coerência – a fotografia em preto e branco remete a uma atmosfera de mistério, a edição precisa e serena evoca um ambiente de conto atemporal, a trilha sonora é econômica e marcante ao sublinhar as cenas com temas que entrelaçam regionalismo e leves dissonâncias. Mesmo o ponto nevrálgico da temática da trama, o conflito entre valores ocidentais contra o ideário indígena e a força da natureza, encontra algo de inusitado, pois ao invés daquele retrato de uma floresta amazônica como um inferno verde para o homem branco, o que se tem é um meio em desequilíbrio pela inserção dos valores cristãos-capitalistas dentro de um ambiente marcado pela relação simbiótica entre humanidade e natureza. São nessas pontuais e sutis transgressões artísticas que “O abraço da serpente” se mostra como um trabalho instigante e memorável.

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