O protagonista efetivo de “O abraço da serpente” (2015) é o
índio Karakamate, com a trama do filme mostrando tal personagem em dois
momentos distintos de sua vida. Assim, a real perspectiva do que se vê em tela
é de tal indivíduo. Ocorre que essa ótica particular também acaba se refletindo
na própria narrativa da obra, em um sentido que a lógica indígena altera alguns
dos elementos tradicionais da linguagem cinematográfica, principalmente no que
diz respeito ao gênero aventura. A evolução do roteiro até obedece a alguns
limites conhecidos, em que o desenrolar dos fatos implica numa evolução que
esclarece as motivações obscuras dos personagens e situações da história. O que
diferencia, entretanto, é que a dinâmica narrativa se torna mais reflexiva,
ligada a simbologia e metáforas fascinantes em seus significados e
profundidade. O formalismo concebido pelo diretor colombiano Ciro Guerra está
em forte sintonia com essa visão existencial, fazendo com que os elementos
estéticos se combinem com notável coerência – a fotografia em preto e branco
remete a uma atmosfera de mistério, a edição precisa e serena evoca um ambiente
de conto atemporal, a trilha sonora é econômica e marcante ao sublinhar as
cenas com temas que entrelaçam regionalismo e leves dissonâncias. Mesmo o ponto
nevrálgico da temática da trama, o conflito entre valores ocidentais contra o
ideário indígena e a força da natureza, encontra algo de inusitado, pois ao
invés daquele retrato de uma floresta amazônica como um inferno verde para o
homem branco, o que se tem é um meio em desequilíbrio pela inserção dos valores
cristãos-capitalistas dentro de um ambiente marcado pela relação simbiótica
entre humanidade e natureza. São nessas pontuais e sutis transgressões
artísticas que “O abraço da serpente” se mostra como um trabalho instigante e
memorável.
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