terça-feira, setembro 06, 2016

Aquarius, de Kleber Mendonça Filho ****

Por mais que “Aquarius” (2016) possa estar dividindo opiniões e causando polêmicas variadas, um aspecto é inegável no filme do diretor Kleber Mendonça Filho: a capacidade de captar o espírito de uma época. É impressionante como ao longo da trama se identifica questões que trazem uma identificação com o cotidiano contemporâneo do espectador. Estão lá o conflito e preconceito de classes, a brutalidade verbal e física nas relações humanas, a ambição econômica e social tomada como valor fundamental, a degradação da concepção humanista de vida, a relação intrínseca entre religião e poder econômico, o moralismo obtuso como máscara de interesses obscuros. Mendonça Filho embaralha toda essa temática conturbada dentro de uma estrutura narrativa típica de um filme de horror, envolvida em uma linguagem cinematográfica repleta de simbologias simples e eficazes. O fato de se valer do cinema de gênero é uma sacada estética e existencial extraordinária por parte do cineasta, fazendo lembrar um recurso narrativo semelhante que Marco Dutra havia articulado no impressionante “Quando eu era vivo” (2014) – ainda que a temática se associe a um viés realista, o barroquismo formal e o exagero na encenação e em determinadas passagens do roteiro amplificam ainda mais o mal-estar em decorrência de uma sociedade em desequilíbrio moral e ético. Tudo na protagonista Clara (Sônia Braga) remete ao arquétipo de uma heroína: a defesa irredutível de seus direitos, a percepção humanista aguçada, o gosto cultural hiper-sensível (que é um gancho genial para uma trilha sonora repleta de canções magníficas), enquanto o seu antagonista Humberto Carrão (Diego Bonfim), um ganancioso especulador imobiliário, recebe uma caracterização entre o odioso e o patético. Tais elementos na composição dramática, associados a passagens da trama que configuram um embate contundente entre o “bem” e o “mal”, podem sugerir um aparente e simplista maniqueísmo da obra. O que evidencia na realidade, entretanto, é uma postura artística ousada e desafiadora por parte de “Aquarius” no questionamento de valores de uma sociedade dominada pelo mercantilismo e exploração humana. O filme de Mendonça Filho exala uma fúria sincera e visceral, tendo por resultado final uma catarse desconcertante e redentora.

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