Por mais que “Aquarius” (2016) possa estar dividindo
opiniões e causando polêmicas variadas, um aspecto é inegável no filme do
diretor Kleber Mendonça Filho: a capacidade de captar o espírito de uma época.
É impressionante como ao longo da trama se identifica questões que trazem uma
identificação com o cotidiano contemporâneo do espectador. Estão lá o conflito
e preconceito de classes, a brutalidade verbal e física nas relações humanas, a
ambição econômica e social tomada como valor fundamental, a degradação da
concepção humanista de vida, a relação intrínseca entre religião e poder
econômico, o moralismo obtuso como máscara de interesses obscuros. Mendonça
Filho embaralha toda essa temática conturbada dentro de uma estrutura narrativa
típica de um filme de horror, envolvida em uma linguagem cinematográfica
repleta de simbologias simples e eficazes. O fato de se valer do cinema de
gênero é uma sacada estética e existencial extraordinária por parte do
cineasta, fazendo lembrar um recurso narrativo semelhante que Marco Dutra havia
articulado no impressionante “Quando eu era vivo” (2014) – ainda que a temática
se associe a um viés realista, o barroquismo formal e o exagero na encenação e
em determinadas passagens do roteiro amplificam ainda mais o mal-estar em
decorrência de uma sociedade em desequilíbrio moral e ético. Tudo na
protagonista Clara (Sônia Braga) remete ao arquétipo de uma heroína: a defesa
irredutível de seus direitos, a percepção humanista aguçada, o gosto cultural
hiper-sensível (que é um gancho genial para uma trilha sonora repleta de canções
magníficas), enquanto o seu antagonista Humberto Carrão (Diego Bonfim), um ganancioso
especulador imobiliário, recebe uma caracterização entre o odioso e o patético.
Tais elementos na composição dramática, associados a passagens da trama que
configuram um embate contundente entre o “bem” e o “mal”, podem sugerir um
aparente e simplista maniqueísmo da obra. O que evidencia na realidade,
entretanto, é uma postura artística ousada e desafiadora por parte de “Aquarius”
no questionamento de valores de uma sociedade dominada pelo mercantilismo e
exploração humana. O filme de Mendonça Filho exala uma fúria sincera e
visceral, tendo por resultado final uma catarse desconcertante e redentora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário