sexta-feira, setembro 30, 2016

O vale do amor, de Guillaume Nicloux ***1/2

Uma das fases mais expressivas na filmografia do diretor Roberto Rossellini foi quando ele incorporou o seu estilo naturalista que havia depurado em suas primeiras obras no neo-realismo italiano dentro de um formato de conto moral-metafísico. Em parceria com a sua esposa na época, Ingrid Bergman, lançou obras memoráveis nessa particular formatação (Stromboli, Europa 51, Viagem à Itália). A produção francesa “O vale do amor” (2015) se mostra como uma vigorosa extensão desses preceitos artísticos de Rossellini. Na maior parte de sua duração, a narrativa se mostra vinculada a uma encenação e ambientação de fortes tons naturalistas, em que a direção de fotografia de enquadramentos secos e iluminação crua e a edição de poucos cortes e ritmo austero acentuam uma atmosfera que beira o sufocante, tanto pela sensação física de calor severo que os protagonistas interpretados por Gérard Depardieu e Isabelle Huppert sentem por se encontrarem no escaldante Vale da Morte nos Estados Unidos quanto pelo mal estar psicológico causado pelo suicídio do filho de ambos. Há algo na encenação e no roteiro que evoca o documental, principalmente pelo fato de que características das personas de Depardieu e Huppert são incorporadas em seus personagens. Só que aos poucos alguns elementos de cinema fantástico vão se inserindo na narrativa, fazendo com que a atmosfera da obra trafegue ambiguamente entre uma possível desagregação mental dos indivíduos e uma comovente hipótese de transcendência mística. O fato de “O vale do amor” nunca deixar exatamente claro o que está acontecendo na tela aumenta a sua aura de mistério e explicita um perturbador teor sensorial à flor-da-pele.

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