sexta-feira, setembro 30, 2016

O silêncio do céu, de Marco Dutra ***1/2

Formatar um estilo autoral dentro do cinema de gênero parece ser a grande obsessão artística do diretor brasileiro Marco Dutra. Depois de enquadrar o horror num viés de crítica social em “Trabalhar cansa” (2011) e num bizarro trinômio família-religiosidade-loucura em “Quando eu era vivo” (2014), em “O silêncio do céu” (2016) o cineasta volta sua atenção para o suspense com fins de realizar uma contundente reflexão sobre a violência e o sexismo. Logo no início do filme, ele já afasta a trama de clichês recorrentes dentro do gênero em questão – mais importante para o protagonista Mario (Leonardo Sbaraglia) do que saber quem são os estupradores da sua esposa Diana (Carolina Dieckmann) é entender o contexto que levou a tal fato e também colocar em cheque suas fobias (inclusive aquela que impediu que ele fizesse algo para impedir o ato brutal que presenciou). Nessa perspectiva, Dutra constrói uma narrativa bastante atmosférica, valendo-se de uma eficiente narração de teor literário e uma encenação baseada fortemente na linguagem gestual e nos silêncios expressivos. A fotografia sombria e a elegante edição acentuam ainda mais a perturbadora aura de mistério da obra. Ao se aprofundar em sua investigação pessoal, Mario não se vê de frente apenas aos seus antagonistas, mas também diante dos desejos da sua mulher e de seus próprios medos e preconceitos. A vingança que engedra pode até inicialmente evocar algo de catártico, mas na verdade deixa claro a inevitabilidade de suas frustrações existenciais. Ainda que não tenha aquele genial clima de demência entre o desconcertante e o comovente de “Quando eu era vivo”, “O silêncio do céu” reforça o nome de Marco Dutra como um dos talentos mais expressivos a aparecerem no cinema nacional nos últimos anos.

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