Formatar um estilo autoral dentro do cinema de gênero parece
ser a grande obsessão artística do diretor brasileiro Marco Dutra. Depois de
enquadrar o horror num viés de crítica social em “Trabalhar cansa” (2011) e num
bizarro trinômio família-religiosidade-loucura em “Quando eu era vivo” (2014),
em “O silêncio do céu” (2016) o cineasta volta sua atenção para o suspense com
fins de realizar uma contundente reflexão sobre a violência e o sexismo. Logo
no início do filme, ele já afasta a trama de clichês recorrentes dentro do
gênero em questão – mais importante para o protagonista Mario (Leonardo
Sbaraglia) do que saber quem são os estupradores da sua esposa Diana (Carolina
Dieckmann) é entender o contexto que levou a tal fato e também colocar em
cheque suas fobias (inclusive aquela que impediu que ele fizesse algo para
impedir o ato brutal que presenciou). Nessa perspectiva, Dutra constrói uma
narrativa bastante atmosférica, valendo-se de uma eficiente narração de teor
literário e uma encenação baseada fortemente na linguagem gestual e nos
silêncios expressivos. A fotografia sombria e a elegante edição acentuam ainda
mais a perturbadora aura de mistério da obra. Ao se aprofundar em sua investigação
pessoal, Mario não se vê de frente apenas aos seus antagonistas, mas também
diante dos desejos da sua mulher e de seus próprios medos e preconceitos. A
vingança que engedra pode até inicialmente evocar algo de catártico, mas na
verdade deixa claro a inevitabilidade de suas frustrações existenciais. Ainda
que não tenha aquele genial clima de demência entre o desconcertante e o
comovente de “Quando eu era vivo”, “O silêncio do céu” reforça o nome de Marco
Dutra como um dos talentos mais expressivos a aparecerem no cinema nacional nos
últimos anos.
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