Em relação ao longa-metragem anterior de Gustavo Spolidoro, “Morro
do céu” (2009), o filme mais recente do diretor gaúcho, “Errante – Um filme de
encontros” (2014), representa uma radicalização dentro da sua concepção no
gênero documentário. Spolidoro deixa a narrativa e a câmera fluírem de acordo
com seus sonhos e devaneios, além de contarem também com os acasos do destino.
Não se trata de uma obra que busca a perfeição formal e mesmo uma linha
temática que se mostre coerente sempre. Por vezes, tal síntese
estética-existencial é incômoda, quase resvalando num aparente “amadorismo”,
principalmente em seu terço inicial, quando o cineasta parece estar procurando
um caminho mais definido e deixa expresso para o espectador suas inquietações e
ambições para o seu filme. Numa dessas suas digressões, Spolidoro cita Jean
Rouch e isso não é gratuito, pois “Errante” trafega numa bifurcação entre o
documentário etnológico de Rouch e o gosto pelos depoimentos de entrevistados
que variam naturalmente entre o banal e o profundo que era típico na
filmografia de Eduardo Coutinho. Essa junção de influências e referências,
contudo, não implica num simples pastiche de estilos alheios. Pelo contrário:
há uma aura de certa originalidade que em determinado momento, de maneira
sutil, envolve a plateia pela maneira como o insólito se insere dentro do
cotidiano. Dentro de um “roteiro” em que convivem em bizarra harmonia na mesma
trama estrangeiros radicados no Brasil ou apenas de passagem, idosos
aposentados jogando conversa fora ou vagado pela cidade num rumo obscuro, um
criador de marionetes, um jogador de bocha que se diz entendido em fósseis,
gatos domésticos e cachorros vira-latas, o fluxo sensorial e mesmo conceitual
da câmera de Spolidoro deseja se interligar com o olhar do próprio espectador
ao sugerir que se esse último concentrasse a sua atenção naquilo que lhe parece
corriqueiro e desimportante poderia encontrar algo de estranho e fascinante, e
, quem sabe, haveria até a possibilidade de ingressar universo quase paralelo.
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