Dentro da narrativa de “Mate-me por favor” (2015), pode-se
perceber referências e citações culturais diversas – algumas passagens de
interação entre os personagens remetem a antigas tiras e animações dos Peanuts
(é de se reparar que adultos nunca aparecem em cena, como era habitual no
universo de Charlie Brown e seus amigos); uma atmosfera misto de hedonismo e tédio
faz lembrar filmes de Larry Clark e Harmony Korine; composições visuais e
tiradas irônicas se conectam com o cinema underground brasileiro (a sequência
onírica em que sangue em profusão sai da boca da protagonista Bia é semelhante
àquela que ficou célebre com Helena Ignêz em “Sem essa, Aranha”); a síntese
entre a escatologia e o patológico faz lembrar tanto boa parte da filmografia
de David Cronenberg quanto os quadrinhos de Charlie Burns. O filme da diretora
Anita Rocha da Silveira, entretanto, está longe de se resumir a uma simples
junção de tiradas artísticas espertas. A cineasta combina com bizarra
naturalidade esses elementos diversos, compondo uma obra que se estrutura como
um conto entre o fabular e o horror para fazer uma sardônica e desoladora reflexão
sobre a juventude e o cenário sócio-cultural brasileiro. No terço inicial do
filme, o tom da narrativa demora a encaixar, principalmente pelo fato da
complexidade de como o fantástico e o realismo devem se entrelaçar. Quando
Anita Silveira consegue azeitar a conexão entre esses dois planos existenciais,
“Mate-me por favor” se configura como uma doentia e encantadora viagem pelo
imaginário pequeno-burguês ocidental. A trama até sugere inicialmente um viés
de suspense tradicional ao enfatizar o mote do mistério de um assassino de
adolescentes, mas aos poucos esse foco vai se dissipando e a caracterização de
personagens e situações se torna difusa. Em meio a coreografias funk, pregações
evangélicas alucinadas, sexualidade à flor-da-pele e desencontros amorosos “boy
meets girl” a lá John Hughes, as jovens criaturas que se arrastam na narrativa
como fotogênicos zumbis entram numa espiral de morbidez e desagregação mental
que desemboca numa perturbadora e apocalíptica sequência final. Ao invés das
leituras reducionistas a simplificar os males da sociedade contemporânea como
patéticas projeções maniqueístas, a obra de Anita Silveira vê a violência que
grassa na atualidade como a manifestação de um imaginário coletivo distorcido
por valores hipócritas e obscurantistas.
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