segunda-feira, setembro 26, 2016

Mate-me por favor, de Anita Rocha da Silveira ***1/2

Dentro da narrativa de “Mate-me por favor” (2015), pode-se perceber referências e citações culturais diversas – algumas passagens de interação entre os personagens remetem a antigas tiras e animações dos Peanuts (é de se reparar que adultos nunca aparecem em cena, como era habitual no universo de Charlie Brown e seus amigos); uma atmosfera misto de hedonismo e tédio faz lembrar filmes de Larry Clark e Harmony Korine; composições visuais e tiradas irônicas se conectam com o cinema underground brasileiro (a sequência onírica em que sangue em profusão sai da boca da protagonista Bia é semelhante àquela que ficou célebre com Helena Ignêz em “Sem essa, Aranha”); a síntese entre a escatologia e o patológico faz lembrar tanto boa parte da filmografia de David Cronenberg quanto os quadrinhos de Charlie Burns. O filme da diretora Anita Rocha da Silveira, entretanto, está longe de se resumir a uma simples junção de tiradas artísticas espertas. A cineasta combina com bizarra naturalidade esses elementos diversos, compondo uma obra que se estrutura como um conto entre o fabular e o horror para fazer uma sardônica e desoladora reflexão sobre a juventude e o cenário sócio-cultural brasileiro. No terço inicial do filme, o tom da narrativa demora a encaixar, principalmente pelo fato da complexidade de como o fantástico e o realismo devem se entrelaçar. Quando Anita Silveira consegue azeitar a conexão entre esses dois planos existenciais, “Mate-me por favor” se configura como uma doentia e encantadora viagem pelo imaginário pequeno-burguês ocidental. A trama até sugere inicialmente um viés de suspense tradicional ao enfatizar o mote do mistério de um assassino de adolescentes, mas aos poucos esse foco vai se dissipando e a caracterização de personagens e situações se torna difusa. Em meio a coreografias funk, pregações evangélicas alucinadas, sexualidade à flor-da-pele e desencontros amorosos “boy meets girl” a lá John Hughes, as jovens criaturas que se arrastam na narrativa como fotogênicos zumbis entram numa espiral de morbidez e desagregação mental que desemboca numa perturbadora e apocalíptica sequência final. Ao invés das leituras reducionistas a simplificar os males da sociedade contemporânea como patéticas projeções maniqueístas, a obra de Anita Silveira vê a violência que grassa na atualidade como a manifestação de um imaginário coletivo distorcido por valores hipócritas e obscurantistas.

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