A presença de Hilton Lacerda, diretor de “Tatuagem” (2013),
na elaboração do roteiro de “Corpo elétrico” (2017) não é gratuita, assim como
o fato do diretor Marcelo Caetano ter participado em produções como “Boi neon”
(2015), “Mão só há uma” (2016), “Aquarius” (2016) e o próprio “Tatuagem”. Seu
longa-metragem de estreia como cineasta se coloca numa certa tradição recente
das obras mencionadas, combinando temática e encenação de caráter libertário e
estética criativa e de feroz coerência artística. Por vezes, a ambição do filme
no seu retrato-manifesto existencial esbarra em algumas soluções óbvias do
roteiro, principalmente na sequência em que o protagonista Elias (Kelner
Macêdo) é assediado moralmente por seu chefe para não se misturar com seus
colegas subordinados. Mas tal equívoco é apenas um detalhe menor, pois o que
predomina na narrativa é um formalismo desconcertante, que se alterna de
maneira fluida entre o rigor realista e atmosferas hedonistas que beiram o
delirante. A naturalidade e rigor com que tal concepção artística é colocada em
prática geram alguns momentos antológicos, como o plano-sequência em que Elias
e amigos descem uma rua e desenvolvem uma interação cênica repleta de nuances
dramáticas-cômicas ou as cenas em que uma gangue de drags tocam o horror nas
ruas e em boates. Além disso, as despudoradas cenas de sexo são filmadas dentro
de uma síntese de fúria e lirismo, enquanto a sequência de encenação do
casamento de um casal proletário repleto da junção de signos ritualísticos de
diversas religiões e culturas traz uma atordoante carga simbólica de
contestação sócio-política. Coroando tais escolhas artísticas ousadas, há uma
poética conclusão da trama que se mostra em sensível e contundente sintonia com
o belo discurso temático-estético de “Corpo elétrico”.
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