Se em “Castanha” (2014) o diretor Davi Pretto focava o seu
olhar sobre um sombrio cenário urbano de Porto Alegre, em “Rifle” (2016) volta
sua câmera para um ambiente rural contemporâneo. Não se trata, entretanto, de uma
revisão óbvia de um desgastado cinema “regional” típico de uma ala das
produções gaúchas contemporâneas. Na produção em questão, alguns preceitos
típicos do gênero faroeste recebem uma releitura radical e peculiar e se entrelaçam
com os elementos de forte teor social do subtexto do roteiro. Em uma descrição
mais simbólica, é como se a estrutura narrativa clássica estabelecida em “Os
brutos também amam” (1953) fosse perpassada pelo viés melancólico e naturalista
do conceito do “gaúcho à pé” firmado na obra literária concebida por Cyro
Martins. Assim, o que está em pauta não é uma visão idealizada e idílica
daquele interiorano puro e corajoso, discutível mito tão valorizado em
comemorações “farroupilhas” e afins, mas sim o sujeito humilde inserido num
contexto sócio-econômico de exploração e abandono. Ainda que tomado por esse
caráter de crítica social, a perspectiva do roteiro foge de maniqueísmos e
outras simplificações – a revolta e fúria do protagonista Dione diante do
assédio inclemente de um grande latifundiário é difusa e desordenada, fruto de
uma alienação incontornável, fazendo com que seus atos de brutalidade soem
patéticos e pouco eficazes. Dentro desse complexo panorama existencial, as
escolhas estéticas e narrativas de Davi Pretto são desconcertantes, em que um
classicismo imagético que evoca o cinema de grandes paisagens de John Ford se
une com naturalidade a uma encenação vigorosa e precisa herdada do neo-realismo
italiano. Nesse último aspecto, é extraordinário o trabalho de direção dos
atores amadores, em que a força das composições dramáticas do elenco está
justamente na veracidade de suas caracterizações (a forma truncada como falam
configura um quase dialeto em que a riqueza do sentido está dentro do contexto
daquilo que falam e não nos conceitos previsíveis de dicção e clareza). No
mais, Preto pontua “Rifle” com detalhes narrativos expressivos como a sóbria e
expressiva trilha sonora baseada em drones sonoros e na bela homenagem que faz
ao clássico “Targets – Na mira da morte” (1968) na sequência em que Dione sai
atirando a esmo em veículos que transitam solitários em estradas pampeanas.
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