A intenção do diretor Ceyda Torun em “Gatos” (2016) não é
apenas mostrar como os felinos são animais peculiares e cativantes (ainda que
faça isso muito bem). Perpassa por toda a narrativa do filme um sutil conceito
artístico-existencial – ao mostrar a relação cotidiana entre os moradores de
Istambul com gatos de ruas, a obra valoriza um forte teor humanista e que por
vezes insinua uma atmosfera de mistério típico que ronda o imaginário sobre
tais animais. Em um mundo cada vez mais marcado pelo avanço
capitalista-tecnológico desumanizador, a convivência entre humanos e felinos
remete a uma ligação mais profunda com a natureza e mesmo com o desconhecido.
No caso dos bichos em questão, tal relacionamento é ainda mais fascinante, no
sentido que a personalidade de gatos é algo que beira o inescrutável. Afinal,
eles são bem mais imprevisíveis que outros animais domésticos, tendo em várias
situações atitudes inexplicáveis até para aquilo que é considerado instintivo.
Tal caráter indomável revela um perfil de desafio perante à ordem “humana”, o
que ajuda a explicar boa parte do fascínio que eles exercem. O filme de Torun
consegue captar com sensibilidade e contundência toda essa complexidade de
sensações e comportamentos, oferecendo um formalismo repleto de nuances
estéticas extraordinárias que realçam com vigor a beleza e a estranheza de tal
universo temático, vide a direção de fotografia de notável detalhismo imagético
e o misto de exotismo e pungência dos temas musicais da trilha sonora (aliás,
dentro desse conjunto audiovisual, não há como não se lembrar de outro marcante
documentário ambientado em Istambul, “Atravessando a ponte”).
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