Não dá para dizer que “De canção em canção” (2016) seja
exatamente sobre o rock and roll, ainda que a temática esteja presente dentro
de sua trama que tem como uns dos seus principais cenários os bastidores de
shows e festivais do gênero, além de trazer personagens relacionados ao meio.
Na realidade, esse filme mais recente do diretor norte-americano Terrence Malick
parece compor uma particular trilogia existencial-artística com os dois filmes
anteriores do cineasta, “A árvore da vida” (2011) e “Amor pleno” (2012). Nas
três obras, há uma síntese estética-temática a versar sobre um mal-estar
existencial contemporâneo que se formata como um peculiar conto moral-místico.
Dentro de tal concepção narrativa e textual, Malick destrincha uma formatação
poética e intrincada, em que a fotografia esplendorosa e uma edição que parece
se desenvolver como se fosse um fluxo de consciência não obedecem às regras “normais”
da técnica – é de se reparar, por exemplo, um predomínio de cenas em que o
áudio não se liga com exatidão ao que está na imagem, gerando um efeito
sensorial que tanto desconcerta pelo inusitado quando encanta pela genialidade
de sua execução. É na recusa de “De canção em canção” em se vincular a uma
ortodoxia estilística que o filme efetivamente se aproxima do rock and roll.
Tal estilo musical sempre foi marcado por uma contradição – ao mesmo tempo que
apresenta uma corrente tomada pelo tradicionalismo e pela busca pelo “sucesso”
comercial, há também uma linha que se expande para um universo de ousadia e
inquietação artísticas, e que entra em choque com a realidade do mercado. A
produção de Malick busca a ligação com essa segunda vertente rocker, tanto na
maneira como mostra a relação entre o músico BV (Ryan Gosling) e seu
empresário/produtor Cook (Michael Fassbender), marcada por um jogo ambíguo de
admiração e exploração, quanto na forma como a própria música se insere na
narrativa. Não à toa, a grande presença musical em cena é da cantora e
compositora Patti Smith, artista de grande força lírica e messiânica, que se
insere na trama em diálogos inspiradíssimos e também com algumas de suas
melhores canções em algumas das cenas mais antológicas do filme.
2 comentários:
O penúltimo filme do Malick também é muito bom, se chama 'O cavaleiro de copas'. Vale a pena conhecer.
Visualmente adorei! Terrence Malick é um daqueles diretores que ou se ama ou se odeia. Sua estética apurada, de linguagem rebuscada e muito existencialismo conquista o público com a mesma intensidade que o afasta, e um exemplo dessa relação de amor e ódio é seu novo trabalho DE CANÇÃO EM CANÇÃO, que novamente traz um elenco estelar com Michael Fassbender, Ronney Mara, Ryan Gosling (Do óptimo Novo Filme Blade Runner 2049 ), Natalie Portman e ainda conta com várias outras participações mais do que especiais, que falaremos mais a frente. DE CANÇÃO EM CANÇÃO é a prova de que o talento contemplativo e filosófico de Malick pode abordar vários temas e tomar várias formas, afinal, não importa o que façamos ou como vivamos – a reflexão sempre será necessária. Nossa existência depende disso, pois assim como disse o filósofo francês René Descartes no livro O Discurso do Método de 1637: “Desde que eu duvide, eu penso; porque eu penso, eu existo”.
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