O primeiro longa-metragem dirigido por Wes Anderson, “Pura
adrenalina” (1996), traz boa parte daquilo que uma obra de estreia de um
cineasta autoral costuma apresentar, principalmente no sentido de apresentar
uma grande série de ideias e concepções criativas que no conjunto geral nem
sempre conseguem serem sintetizadas em um equilíbrio narrativo constante. Ainda
assim, é um filme bastante empolgante na sua combinação de comédia amalucada,
policial desajeitado e melodrama agridoce, fórmula essa que seria ainda melhor
delineada em produções posteriores. É curioso ainda observar como Anderson na
época mostrava um forte vínculo com certas convenções formais e temáticas
típicas daqueles filmes envolvendo road movies e jovens ingênuos e
inconsequentes tão caros a uma determinada linhagem do cinema norte-americano.
Esses clichês narrativos, entretanto, são trabalhados com um saudável misto de
ironia e sensibilidade, além de serem perpassados com um olhar artístico
bastante pessoal por parte de Anderson. No mais, de se destacar a antológica
sequência do roubo frustrado em uma transportadora, a ótima trilha sonora
cancioneira e as memoráveis atuações dos irmãos Wilson em início de carreira e
do veterano James Caan.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, dezembro 28, 2018
quinta-feira, dezembro 27, 2018
O beijo no asfalto, de Murilo Benício ***1/2
Pode-se dizer que a narrativa na versão cinematográfica de “O
beijo no asfalto” (2018) dirigida por Murilo Benício avança de forma linear.
Isso não quer dizer, entretanto, que estamos diante de mais uma adaptação
convencional da obra de Nelson Rodrigues. O cineasta envereda por uma escolha
estética bastante intrigante, dividindo a encenação em três planos: o ensaio em
uma mesa com os atores, a ação que se desenvolve em âmbito de cinema e a
dramatização como peça teatral. Em todas essas direções, sempre fica presente
de maneira visível para o espectador uma desconstrução da ilusão de “realidade”
– os artistas discutem as nuances do texto original, as câmeras interagem de
maneira ostensiva com o elenco, a plateia no teatro se mostra presente em
outras passagens. Tais detalhes formais não levam para um distanciamento
emocional em relação àquilo que se vê na tela, mas sim para explicitar a atemporalidade
da dramaticidade e lucidez do texto original, além de acentuar o vigor da
encenação proposta por Benício. A sensacional direção de fotografia de Walter
Carvalho a valorizar um expressionista preto-e-branco colabora para a sensação
de uma sombria e sufocante atmosfera de opressão e hipocrisia moral. A arejada
modernidade dessa concepção artística não se resume a uma mera experiência de
estilização, fazendo com que o texto de Nelson Rodrigues ganhe uma perturbadora
ressonância existencial com o tenebroso cenário sócio-político do Brasil atual.
quarta-feira, dezembro 19, 2018
As viúvas, de Steve McQueen ***1/2
Em um primeiro momento, “As viúvas” (2018) pode aparentar ser
mais um filme rotineiro na linha “um assalto perfeito”. A presença de Steve
McQueen na direção, entretanto, afasta bastante o longa do lugar comum. Sua
abordagem narrativa é fortemente sóbria, evitando excessos óbvios e
desnecessários – nesse sentido, por exemplo, é de se observar como a elegante
trilha sonora pontua com discrição e sensibilidade as sequências mais tensas da
obra. Em essência o filme realmente pertence ao gênero policial de ação, mas
sabe valorizar a densidade dramática dos momentos mais intimistas e a
caracterização psicológica consistente de seus personagens. O roteiro apresenta
um subtexto bem delineado e lúcido em seus contornos sócio-políticos e mesmo de
contestação aos valores de uma sociedade patriarcal. E o que coroa essas boas
soluções artísticas da obra é a encenação minuciosa de McQueen, tanto nas
sequências de ação marcadas por um detalhismo visual e coreográfico
impressionante quanto nas cenas focadas em diálogos rascantes. Todo esse rigor
formal e narrativo acaba gerando algumas passagens antológicas, como aquele
plano-sequência em que o político em campanha Jack Mulligan (Colin Farrell)
percorre um trajeto em que vai de uma praça popular no centro de Chicago, onde
fazia um comício, até a sua burguesa casa em uma zona nobre da cidade, em
expressiva simbologia audiovisual a sinalizar de maneira contundente uma
equação baseada em demagogia, alienação e exploração sócio-econômica. No mais, “As
viúvas” também pode servir como um alento para aqueles que estão sentindo falta
daqueles filmes policiais mistos de casca-grossa e cerebrais que o mestre
Michael Mann tanto gosta de fazer.
terça-feira, dezembro 18, 2018
Aquaman, de James Wan *1/2
A presença do roteirista Geoff Johns nos créditos de “Aquaman”
(2018) é decisiva. Ele foi o responsável pelo roteiro da série própria do
personagem no reboot que o universo DC sofreu em 2012. E as histórias eram
ruins, das piores que o célebre herói dos mares já teve em sua trajetória nos
quadrinhos. É justamente essa fase que serve como base para a trama do filme
dirigido por James Wan e é aquela velha história: o que começa errado
dificilmente tem chances de terminar bem... Voltando a falar do roteiro, é
claro que em uma produção blockbuster não há uma grande obrigação artística em
ser original, sendo que acumular clichês temáticos faz parte do jogo. Por
vezes, esse procedimento reciclador pode ser feito com competência e vigor e
gerar algo de empolgante, mas não é o caso de “Aquaman” – a impressão constante
é de que os roteiristas chupinharam na maior cara de pau várias passagens da
trilogia de “O senhor dos anéis” e da forma mais mecânica e artificial
possível. Embalando a picaretagem há uma encenação risível de primária nos
momentos mais dramáticos e uma opulência visual vazia e asséptica (é de se
reparar que nas sequências envolvendo personagens baleados, destroçados e
dilacerados não há sangue!!). Para coroar todos esses equívocos, Jason Momoa é
inexpressivo demais e pouco carismático para segurar o papel principal (isso
falar que sua truculência beira a escrotidão). Ok, algumas sequências de ação
até são divertidas na sua coreografia e por vezes a caracterização visual de
alguns efeitos especiais são interessantes. Mas isso é muito pouco para
aguentar longas duas horas e meia de barulheira e breguice. No cômputo geral, “Aquaman”
confirma que a DC continua soando perdida em suas adaptações para o cinema,
estando bem longe do padrão de qualidade dos Estúdios Marvel. Só geek sem noção
pode gostar dessa presepada.
segunda-feira, dezembro 17, 2018
Que mal eu fiz a deus, de Philippe de Chauveron *
Por mais que possa se pretender como uma espécie de retrato
da França multicultural atual, a verdade é que a produção “Que mal eu fiz a
deus?” (2014) apenas reforça
preconceitos e estereótipos sobre a temática do racismo e da xenofobia devido à
incapacidade do diretor Philippe de Chauvenon de dar alguma profundidade e
consistência dramática (ou mesmo irônica) para a sua obra. O filme se dilui
através de clichês cômicos gastos e empilhados sem a menor criatividade e vigor,
além de contar com um roteiro que acumula caracterizações caricaturais de
personagens e situações. Na comparação com outros filmes mais recentes que
também flertaram de maneira mais marcante com esse mesmo assunto, como “A
esquiva” (2003) e “Entre os muros da escola” (2008), o longa de Chauveron se
revela constrangedor.
sexta-feira, dezembro 14, 2018
A estrela nua, de José Antônio Garcia e Ícaro Martins ***1/2
Havia uma vertente do cinema paulista nos anos 80 que acabou
se tornando quase um subgênero dentro da história do cinema brasileiro,
representando uma série de filmes que buscavam uma linguagem pós-moderna em
suas respectivas concepções e realizações. Obras que juntavam metalinguagem,
estética estilizada, citações fílmicas e literárias, aproximação com o universo
da música que beirava um formato video-clipeiro. Talvez o grande representante
dessa linhagem de filmes nacionais foi o diretor Guilherme de Almeida Prado,
mas alguns outros diretores também conseguiram entregar alguns trabalhos
memoráveis. Entre eles, estão José Antônio Garcia e Ícaro Martins, cineastas
responsáveis por “A estrela nua” (1985). O filme em questão se enquadrava em
todas as características acima citadas, mas está muito longe do meramente
genérico. As citações à filmografia de Roman Polanski são até bem óbvias - no
contexto da obra, entretanto, têm um efeito dramático mais que eficiente. A
trilha sonora de Arrigo Barnabé tem a síntese exata entre a esquisitice e o
climático e realça com sensibilidade a atmosfera entre o luxuriante e o doentio
que perpassa a narrativa. Coroando as boas soluções temáticas e formais da
obra, há uma atuação marcante de Carla Camurati como protagonista em que a
loucura e a sensualidade convivem com naturalidade perturbadora.
quinta-feira, dezembro 13, 2018
Em chamas, de Chang-Dong Lee ****
A construção do suspense no produção sul-coreana “Em chamas”
(2018) se efetiva por meios narrativos bastantes distantes daqueles que estamos
acostumados em produções ocidentais no gênero. Isso porque o diretor Chang
Dong-Lee se propõe apresentar para o espectador quase que apenas sugestões de
soluções de roteiro e uma forma de filmar que beira o elíptico na maneira que
uma encenação detalhista, por vezes quase repetitiva, se alia a um formalismo
que procura o contemplativo e o atmosférico. Aqui e ali na trama se insere
motes tradicionais – pode ser que tenha havido um desaparecimento (ou mesmo
assassinato) de uma personagem importante, talvez esteja em cena um psicopata
matador de belas mulheres, há a possibilidade de que um sádico jogo de
gato-e-rato tenha se estabelecido entre protagonista e antagonista. Para o
filme, entretanto, a verdade é que pouco importa amarrar as pontas soltas desses
aspectos temáticos. O que realmente é vital é estabelecer para o público a
sensação de permanente dúvida sobre o real sentido daquilo que se está vendo.
Tão importante quanto os truques narrativos do gênero, por vezes até mais, é a
exposição fragmentada da vida de Jong-soo: a silenciosa relação conflituosa com
o pai violento, o ressentimento com a fuga da mãe, o desejo frustrado de ser
escritor, a paixão inesperada e desenfreada pela antiga vizinha de infância Hae-mi
(Jeon Jong-seo), a ira constantemente reprimida. No conjunto desses pequenos
flashs do seu cotidiano se encontra o campo ideal para o estranho jogo mental
que se desenvolve com o misterioso Ben (Steve Yeun). Chang-Dong Lee prepara
esses elementos como um sutil e sólido quebra-cabeça que primeiro envolve o
espectador para depois jogá-lo de cabeça no clima de pesadelo sem fim do terço
final da narrativa. Mesmo na explosão de brutalidade da sequência final, que em
um primeiro momento poderia aparentar algo de catarse redentora, acaba se acentuando
ainda mais a impressão de um mal-estar existencial que nunca cessará.
quarta-feira, dezembro 12, 2018
Tinta bruta, de Filipe Matzembacher e Márcio Reolon ***1/2
A real Porto Alegre contemporânea parece ser o cenário de “Tinta
bruta” (2018). Até mais do que isso: a capital gaúcha por vezes se mostra como
uma personagem própria do filme. Dentro da concepção artística-existencial
colocada em prática pelos diretores Filipe Matzembacher e Márcio Reolon,
entretanto, esse espaço físico e mesmo o espaço temporal dão a impressão de que
estamos assistindo a uma espécie de mundo paralelo distópico. Essa sensação se
desenvolve a partir de sutis e reveladoras sacadas narrativas, visuais e
textuais – as sufocantes sequências em tribunais, as cenas em festas que se
desenrolam de maneira que beiram o clandestino, os olhares que sugerem
desaprovação por parte de anônimos, a frieza emocional de ruas e avenidas quase
desertas no Centro. Em um pungente diálogo, um personagem diz se sentir em um
limbo/purgatório ao descrever qual é a sensação de viver nessa Porto Alegre
opressiva e desumanizada. Em mais de uma oportunidade, indivíduos manifestam a
vontade de sair da cidade. Impossível não pensar “Bem-vindo à Porto Alegre de
Marchezan e ao Brasil de Bolsonaro”... Nesse contexto, a vida virtual de Pedro
(Shico Menegat) como performer erótico e o intenso caso amoroso que ele mantém com
Leo (Bruno Fernandes), ainda que por vezes reforcem uma ideia de alienação e
escapismo, têm o significado de uma transgressão libertária e hedonista diante
de uma sociedade que massacra moral e fisicamente o diferente. Nesses termos
políticos-existenciais, a obra de Matzembacher e Reolon tem conexão com o
também recente “Rasga coração” (2018), mas enquanto o filme de Furtado opta
pela prolixidade de seus diálogos e numa marcação que resvala no teatral, “Tinta
bruta” é lacônico e preciso no seu texto e enfatiza seu forte componente
dramático no vigor da sua encenação, com destaque para voluptuosidade
desesperada das cenas de sexo, e na expressividade de silêncios, gestos e
olhares. Não à toa, a sequência final da dança solitária de Pedro em uma
melancólica rave evoca na lassidão e delicadeza de sua coreografia uma
declaração de irresignação e desafio em resistir diante de um repressivo aparato
burocrático/político/moral.
terça-feira, dezembro 11, 2018
Rasga coração, de Jorge Furtado ***
“O mercado de notícias” (2014) marcou uma espécie de ruptura
na carreira de Jorge Furtado como diretor de longas-metragens. Ao invés de
filmes baseados em uma desgastada fórmula de diálogos espertinhos e narrativa
frouxa beirando o paródico involuntário, o cineasta passou a lançar filmes
marcados pela sobriedade estética e roteiros mais densos em termos de
construção dramática e discurso de subtexto. “Rasga coração” (2018) é uma
continuação dessa tendência de maturidade artística por parte de Furtado. Por
ser baseada em uma peça teatral, por vezes a confluência narrativa entre cinema
e teatro se mostra um tanto truncada, principalmente pelo fato da marcação
cênica nesses momentos se revelar um pouco engessada. Em outras sequências,
entretanto, o diretor consegue acertar o tom no choque entre os dois meios de
expressão e a narrativa se mostra fluente e mesmo com um estranho encanto. O
roteiro brinca com alguns clichês temáticos básicos (conflito de gerações,
desilusões ideológicas) e lhes dá uma roupagem dinâmica e contundente, além de
um bem-vindo caráter de ambiguidade na construção de personagens e situações.
Contribui também para esse direcionamento artístico uma direção de arte e concepção
cênica que não se atrelam de maneira plena ao realismo, investindo de maneira
pontual em um olhar estilizado tanto na evocação do passado quanto na interação
entre os personagens. De certa forma, essa abordagem de Furtado demonstra
sintonia com aquela tramada por Spike Lee no também recente “Infiltrado na Klan”
(2018), em que aparentes ingenuidade e idealização na encenação e trama escondem
na verdade um retrato vigoroso de um ordenamento sócio-político injusto e
opressor. Valorizado ainda por algumas ótimas atuações em seu elenco, “Rasga
coração” surpreende por se revelar como a obra mais exuberante e sensual de
Furtado.
quarta-feira, dezembro 05, 2018
Excelentíssimos, de Douglas Duarte ***1/2
Quando comecei a escrever para esse blog em 2006, procurei
dar um tom na terceira pessoa nos meus textos. A intenção era focar a minha
análise/percepção diretamente no filme a ser apreciado, enfatizando mais os
seus méritos (e deméritos) artísticos. Eu não sentia tanta necessidade de
enfatizar aspectos subjetivos ou pessoais, no sentido da minha relação
existencial com aquilo a que eu assistia. Acredito que por alguns bons anos
mantive com razoável constância esse tipo de abordagem. Nos últimos tempos,
entretanto, tenho percebido que os meus textos cada vez mais refletem uma
percepção pessoal minha sobre o mundo, e não apenas um enfoque objetivo sobre
os filmes. Para mim, não se trata de uma evolução ou amadurecimento do meu
estilo. Vejo apenas como um processo inevitável diante dos perturbadores fatos
sócio-políticos que tomaram o país e o mundo nos últimos anos. Dependendo da
forma como tais fatos estão retratados em determinados filmes, fica impossível
para mim simplesmente deixar de expressar alguns sentimentos e constatações que
não se situam apenas no campo estético e formal. Bem, senti necessidade de fazer
essa digressão (ou mesmo confissão) ao pensar no que escrever sobre “Excelentíssimos”
(2018). Eu estava temeroso de ver esse documentário de Douglas Duarte não por
receio de suas possíveis qualidades artísticas, mas sim pelo fato de que eu já
havia assistido nesse ano ao extraordinário “O processo” (2017), de temática
muito semelhante, e tinha sido uma experiência bastante dolorosa ficar
relembrando os nefastos fatos relativos ao golpe de 2016. Minha curiosidade
cinematográfica, todavia, acabaram me fazendo suplantar tais temores e lá
estava eu no Cibe Bancários encarando mais uma infernal jornada de exposição de
amargas lembranças.
E já que entrei de vez nessa de narrativa em primeira pessoa,
lá vai mais uma confissão pessoal – em termos de acompanhar aquilo que acontece
pelo mundo, sou um cara ainda com uma cabeça “século XX”, pois a minha maneira
de me informar é pela leitura. Não sou de ver televisão, vídeos na internet e
afins. Assim, nada daquilo que aparece na tela em “Excelentíssimos” chega a ser
exatamente uma novidade para mim. Sei que o Congresso está tomado de indivíduos
que representam aquilo que há de pior na humanidade: obscurantistas religiosos
que exploram a fé alheia em busca de poder sócio-político-econômico, a bancada
da bala, gente que odeia e persegue minorias (indígenas, comunidade LGBT),
misóginos, defensores de ruralistas que desprezam movimentos sociais. O que é
novo para mim é ver essa gente em ação na tela grande despejando impropérios,
preconceitos, cinismo, hipocrisia e demais chorumes da alma humana (a sequência
em que deputados da bancada evangélica utilizam um gabinete para celebrar um
culto e conspirarem contra o governo é particularmente tenebrosa). E nesse
sentido o diretor Rogério Duarte constrói uma sombria narrativa que é muito
mais aterrorizante que boa parte do que se fez no gênero horror nos últimos anos.
Enquanto Maria Augusta Ramos manteve um austero e implacável formalismo em “O
processo”, Duarte preferiu um enfoque estético mais caótico ao captar outras
fontes audiovisuais (propagandas políticas, reportagens) e aliar ao seu
material próprio, além de juntar alguns bem sacados truques de edição e uma
tenebrosa e climática trilha sonora (o que dá para o filme por vezes uma irônica
atmosfera de terror gótico).
Talvez em um contexto histórico diverso do atual em que se
assistisse a “Excelentíssimos” é provável que esse festival de escrotidões até
soaria pateticamente cômico. Na nossa situação atual, entretanto, a sensação é
de pura tragédia. E fica evidente que a vitória do inominável nas eleições não
foi algo tão surpreendente – aliás, ele é um dos personagens mais destacados na
saga dantesca retratada no filme.
terça-feira, dezembro 04, 2018
O sonho não acabou, de Sérgio Rezende **
Ver um filme como “O sonho não acabou” (1982) em pleno 2018
é uma experiência amarga. Não tanto pelos méritos artísticos do filme, mas
pelos diferentes contextos históricos que separam a época em que se desenvolve
a trama da produção dirigida por Sérgio Rezende e o do presente. Enquanto o
roteiro da obra foca jovens universitários de Brasília sobrevivendo nos anos
finais da ditadura militar no Brasil, com todos os seus desejos e frustrações
se chocando em um ambiente de opressão institucional, nos dias de hoje uma
parcela expressiva da população brasileira manifesta o seu desejo em viver sob
um governo totalitário de forte traço militarista. Deixando de lado
melancólicas (e necessárias) digressões políticas-existenciais, o longa de
Rezende não deixa de revelar algumas inquietações artísticas e temáticas
típicas daquela época, ressaltando uma tendência na busca de uma linguagem mais
moderna (pelo menos para os padrões do início da década de 1980), mas
esbarrando em uma inexperiência narrativa por parte do cineasta. A tosquice e
ingenuidade da encenação deixam tudo um tanto datado, ainda que essa certa
precariedade involuntária faça que por vezes o filme fique até bem divertido e
simpático. Em seus trabalhos posteriores, Rezende se mostrou um realizador mais
maduro e convencional. O que ganhou em profissionalismo, perdeu em
espontaneidade, característica que paira sobre boa parte da duração de “O sonho
não acabou”.
segunda-feira, dezembro 03, 2018
Carbono, de Olivier Marchal **
Quando os primeiros filmes do diretor Olivier Marchal foram
lançados, ficou sugerido que havia um sopro de renovação dentro do cinema
policial francês, principalmente nos sensacionais “36” (2004) e “M73 – A última
missão” (2008). Essa boa impressão inicial, entretanto, começo a se dissipar em
obras posteriores até se dissolver quase por completo em “Carbono” (2017).
Obras sobre a ascensão e queda de gangsteres (ou contraventores semelhantes)
são quase tão antigas quanto o próprio cinema e nesse gênero cineastas como
Martin Scorsese já provaram que ainda se pode extrair algo de relevante. Não
foi o caso de Marchal, pois seu filme é um repisar constante e sem imaginação
de clichês narrativos e temáticos. O roteiro é banal, beirando o primário e o
francamente imbecil na caracterização de situações e personagens, e mesmo o seu
aspecto formal pouco ultrapassa o correto, longe daquela combinação precisa
entre o sóbrio e o vigoroso que marcou as melhores produções dirigidas por
Marchal.
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