A diretora neozelandesa Jane Campion navega em águas perigosas dentro do gênero filme romântico de época em “Brilho de Uma Paixão” (2009). O que poderia fazer com que ela caísse nas armadilhas de uma narrativa engessada por algumas das ortodoxias desse tipo de filme, entretanto, acaba superado por um senso narrativo e visual notável da diretora. O drama romântico do amor impossível entre o poeta ultra-romântico John Keats (Ben Wisham) e a jovem Fanny Brawne (Abbie Cornish) é explorado de forma dúbia por Campion. Se por um lado se evidencia o aspecto da paixão platônica e idealizada, por outro há uma abordagem em que o relacionamento é visto por um lado naturalista, quase biológico, relacionando o sentimento com a imaturidade dos amantes e também com um caráter patológico, como se houvesse também uma ligação com a própria doença (a tuberculose) que matou Keats. Campion acrescenta também outras referências visuais em “Brilho de Uma Paixão” que iluminam a confusão de sentimentos e sensações reprimidos que se apresentam na trama. Uma delas seria a utilização da figura infantil da irmã caçula de Fanny, criança que espelha a diversidade do humor da protagonista. Essa manipulação estética de uma personagem criança não é novidade para Campion, que já havia feito isso com brilhantismo em “Um Anjo em Minha Mesa” (1990) e “O Piano” (1993). Além disso, a cineasta compõe outras sequências memoráveis pela sua beleza plástica, com destaque para aquelas da brincadeira de estátua entre os jovens amantes com a já mencionada irmã caçula e a das borboletas tomando o quarto de Fanny.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
terça-feira, agosto 31, 2010
segunda-feira, agosto 30, 2010
Ponyo - Uma Amizade Que Veio do Mar, de Hayao Miyazaki ***1/2
Em comparação a obras anteriores de Hayao Miyazaki como “A Viagem de Chihiro” (2001) e “O Castelo Animado” (2004), “Ponyo – Uma Amizade Que Veio do Mar” (2008) apresenta um roteiro mais infantilizado e bem menos consistente. O mérito nos filmes de Miyazaki, entretanto, não se concentra apenas nas suas tramas. Assim, o cineasta se mostra em forma em “Ponyo”, que mostra uma narrativa envolvente e uma beleza no traço da animação que beira o poético. A sequência em que criaturas se formam a partir das ondas no mar, por exemplo, revela um cuidado estético extraordinário na caracterização visual da produção. Miyazaki também combina com precisão momentos de grande tensão e ação (como a tempestade e maremotos que assolam uma ilha) com outros em que predomina um ritmo sereno com uma ambientação onírica.
sexta-feira, agosto 27, 2010
Matador Implacável, de Luigi Cozzi ***1/2
A obra de estreia de Luigi Cozzi como diretor é também a sua produção de melhor acabamento formal. “Matador Implacável” (1975) traz diversos elementos do universo “giallo” em termos estéticos e temáticos, mas também tem uma trama que deve muito à Alfred Hitchcock (principalmente em relação aos filmes ingleses da fase final da carreira do velho mestre do suspense). Cozzi recorre a truques visuais eficientes, principalmente pela fotografia que obtém contrastes marcantes entre tons sombrios e uso criativo da luz, além de contar com uma edição de poucos cortes e talhe clássico. Apesar de “Matador Implacável” ter um tom de conto moral, há um interessante clima sórdido que permeia todo o filme, tanto pelos personagens de caráter duvidoso quanto pelas sequências que envolvem violência brutal e sem concessões e sexualidade exacerbada (com direito até a um detalhado estupro e expressivas cenas de nudez).
Mesmo não atingindo o mesmo requinte artístico dos melhores filmes de realizadores como Dario Argento, Mario Bava e outros que se aventuraram pelo “giallo”, “Matador Implacável” é uma obra de respeito dentro da cinematografia do gênero e mostra que Luigi Cozzi foi um diretor capaz de voos maiores, apesar de algumas tosquices que dirigiu posteriormente.
Mesmo não atingindo o mesmo requinte artístico dos melhores filmes de realizadores como Dario Argento, Mario Bava e outros que se aventuraram pelo “giallo”, “Matador Implacável” é uma obra de respeito dentro da cinematografia do gênero e mostra que Luigi Cozzi foi um diretor capaz de voos maiores, apesar de algumas tosquices que dirigiu posteriormente.
quinta-feira, agosto 26, 2010
Dario Argento: O Meu Cinema, de Luigi Cozzi ***
Como os leitores deste blog podem ter reparado, nos últimos dias venho comentando alguns filmes do diretor italiano Luigi Cozzi que foram exibidos na sexta edição do FANTASPOA. Em todos esses que até agora mencionei, prevaleceu pelo menos um ponto em comum: são produções toscas, apesar de divertidas. O documentário “Dario Argento: O Meu Cinema” (1991/1997) foge desse padrão precário. Mesmo que Cozzi não apresente grandes voos formais, o filme é eficiente na sua proposta de oferecer um panorama sobre a carreira desse velho mestre do horror italiano. Cozzi foi parceiro constante (como roteirista) de Argento em alguns de seus filmes (além de serem sócios de uma loja de memorabilia e afins no gênero fantástico localizada em Roma). Assim, teve acesso a muitas imagens de arquivo, principalmente com registros de filmagens, além de contar com o depoimento de familiares, amigos e colaboradores de Argento. Cozzi soube extrair desse rico material bastante da essência do cinema de Argento. Transparece por todo documentário a paixão do realizador de obras-primas como “Prelúdio Para Matar” (1975) e “Suspiria” (1977) pelo fazer cinema. Vemos a obsessão dele com a elaboração de trucagens e com a construção de uma atmosfera que remete muito à pintura. O cuidado de Cozzi em ressaltar a técnica de Argento na construção de cenas marcantes de suas filmografia evidencia a importância do virtuosismo estético do cineasta para configurar uma obra de efeito sensorial notável. Assim, “Dario Argento: O Meu Cinema” não é apenas indicado para os apreciadores de Dario Argento, mas também para todos aqueles que se interessam pela construção da linguagem cinematográfica (aliás, não dá para imaginar alguém que goste de cinema e não admire a obra de Argento).
quarta-feira, agosto 25, 2010
Paganini Horror, de Luigi Cozzi *1/2
Assim como havia ocorrido em “O Gato Negro”, “Paganini Horror” (1989) é mais uma obra na linha horror dirigida por Luigi Cozzi que acaba caindo muito mais para o riso involuntário do que para os sustos. E no gênero de tranqueira oitentista, acaba sendo um exemplar até bem divertido, com direito até a participação do velho e bom Donald Pleasence, ator que aparecia frequentemente em produções do gênero naquele período. A manjada combinação de rock e trama sobrenatural parece promissora no início, dentro daquela possibilidade se ter algumas sequências de tensão e terror. As situações ridículas e previsíveis que se acumulam no roteiro, entretanto, aliadas a uma direção frouxa, fazem com que “Paganini Horror” caia naquele nicho de produções falhas que se perderam na categoria de curiosidades obscuras e históricas.
terça-feira, agosto 24, 2010
O Gato Negro, de Luigi Cozzi *1/2
Essa produção italiana até tem um início bem promissor ao propor uma trama em que o horror sobrenatural invade a realidade quando um diretor e um roteirista resolvem levar para as telas a história de uma bruxa. Cozzi obtém algumas seqüências de tensão interessantes ao mostrar a atriz principal que interpretaria a tal bruxa ser acossada por delírios e aparições fantasmagóricas. Com o desenrolar do filme, entretanto, as deficiências de “O Gato Negro” (1989) vão ficando cada vez mais evidentes: inconsistência dramática, atuações canastronas, efeitos especiais datados e pouco marcantes. É claro que esse conjunto tem um certo mérito no sentido de gerar momentos divertidos devido a um humor involuntário, além do evidente sabor nostálgico daquelas produções oitentistas te terror que chegavam aos borbotões por aqui em VHS. No mais, o título do filme acaba sendo um enigma, afinal o tal felino só aparece muito de vez em quando e sem qualquer função na narrativa.
segunda-feira, agosto 23, 2010
A Crise Carnívora, de Pedro Rivero *1/2
É claro que uma animação de recursos mais modestos como a espanhola “A Crise Carnívora” (2007) apresentaria algumas limitações em comparação a outras grandes produções norte-americanas do gênero. O problema, entretanto, é que o filme, mesmo nas condições mencionadas anteriormente, poderia apresentar qualidade e criatividade no traço, sendo que nesse aspecto acaba deixando muito desejar. Sua concepção visual é genérica e pouco fluente. O que poderia melhoras as coisas seria o seu roteiro e a sua narrativa (afinal, os episódios de desenhos animados clássicos como “Simpsons”, “South Park” e “Beavis and Butthead” não se sobressaíam exatamente pelos seus requintes gráficos). Mesmo primando pelo humor negro e a escatologia, todavia, “A Crise Carnívora” traz uma trama pobre em termos criativos e que se desenvolve aos trancos e barrancos, além de apresentar personagens poucos carismáticos. Eventualmente há algumas sequências engraçadas, mas acaba sendo pouco para atenuar a pasmaceira dessa animação.
sexta-feira, agosto 20, 2010
Pesadelos em Vermelho, Branco e Azul, de Andrew Monument ***1/2
A pretensão do diretor Andrew Monument para o seu documentário “Pesadelos em Vermelho, Branco e Azul” (2009) pode parecer excessiva: contar a história do cinema de horror norte-americano relacionando o mesmo com importantes momentos históricos dos Estados Unidos. O resultado, entretanto, é bastante satisfatório. O grande mérito do filme está na eficiente montagem que combina de forma dinâmica e didática cenas de dezenas de filmes com vários depoimentos de realizadores e especialistas. Dos clássicos da Universal até produções recentes como “O Albergue”, o panorama oferecido por Monument é amplo e esclarecedor. O texto de narração capta perfeitamente o espírito da obra, focalizando vários conflitos e contradições da sociedade dos EUA e os refletindo dentro da rica filmografia presente no documentário. Monument conseguiu elaborar uma obra que pode despertar tanto o interesse dos neófitos em conhecer várias das preciosidades cinematográficas presentes no filme quanto dos iniciados que se divertirão com esclarecedoras declarações de mestres como George Romero e John Carpenter.
quinta-feira, agosto 19, 2010
Monster Camp, de Cullen Hoback **1/2
O documentário “Monster Camp” (2007) não apresenta maiores arroubos criativos em sua concepção formal. Mesmo assim, acaba sendo um programa curioso ao retratar o mundo de nerds fãs de RPG de fantasia que decidem transpor para um jogo “em carne e osso” todo o universo de fadas, elfos, trolls, magos e afins que tanto veneram. O diretor Cullen Hoback consegue retratar com certa sensibilidade não apenas a forma com que tais jogos se organizam, mas também o panorama humano do pessoal que se dispõe a participar dessas atividades excêntricas. Indiretamente, acaba mostrando na tela um lado deprimente e monótono de uma juventude desajustada e imatura que se afunda em um processo de auto-alienação. Se há momentos cômicos em “Monster Camp”, também há outras seqüências que chamam a atenção justamente ao mostrar uma realidade sem muitas perspectivas culturais para esses jovens. De certa forma, essa combinação entre o irônico e a seriedade é perturbadora e ajuda a captar com bastante fidelidade o espírito de uma época.
quarta-feira, agosto 18, 2010
Starcrash, de Luigi Cozzi *
Dando continuidade ao ciclo de palestras do diretor italiano Luigi Cozzi para o FANTASPOA, a exibição de “Starcrash” (1978), aliada aos comentários de Cozzi, foi mais uma preciosa oportunidade de se conhecer com detalhes a gênese de uma legítima tranqueira cinematográfica. Feita na esteira do sucesso de “Star Wars”, “Starcrash” passa bem longe do cuidado formal da obra original de Lucas (até porque a diferença em termos de recursos das duas produções é abissal). Há no filme de Cozzi uma certa tendência para a comédia, mas a verdade é que boa parte dos grandes momentos humorísticos aparece de forma involuntária devido à precariedade de sua realização. As informações prestadas pelo cineasta na sua exposição realçam ainda mais uma certa aura mítica em torno de “Starcrash” e de nostalgia de uma época em que bobagens divertidas como essa apareceriam nos nossos cinemas e locadoras com uma frequência bem mais constante.
terça-feira, agosto 17, 2010
Uma Noite na Cidade, de Jan Balej ***
Dentro do gênero de animações stop-motion, “Uma Noite na Cidade” (2007) pode não trazer grandes inovações formais ou se destacar pela sua beleza das suas imagens. A força dessa produção tcheca está nas altas doses de esquisitices visual e temática que saltam das telas. O filme apresenta em alguns momentos uma certa propensão para um leve escatologismo, assim como em outras seqüências apresenta um caráter surreal de encanto perturbador, principalmente quando entram em cena personagens insólitos como um peixe humanóide e um homem tronco. O aspecto onírico do filme fica ainda mais acentuado pelos diálogos em forma de grunhidos e pelo humor de algumas cenas que oscila entre o ingênuo e o perverso. Ao contrário das animações familiares da Pixar ou da Disney, “Uma Noite na Cidade” está muito mais para uma estranha viagem por alguns recônditos obscuros da mente humana do que uma celebração de valores sociais edificantes.
segunda-feira, agosto 16, 2010
As Aventuras do Incrível Hércules, de Luigi Cozzi 1/2 (meia estrela)
Tenho uma certa antipatia com a mítica que envolve os filmes trash. Não porque não gosto dos filmes, mas sim porque o termo costuma ser usado de maneira desinformada e reducionista. É frequente que se leia ou ouça associações indiscriminadas, em que um filme, por pertencer a um gênero específico como horror ou exploitation, é rotulado equivocadamente como trash. Assim, diretores que revelam uma linguagem estética diferenciada como José Mojica Marins ou Russ Meyer acabam caindo em uma vala comum como realizadores de produções ruins em termos formais devido a uma concepção distorcida e preconceituosa de ver o cinema.
A sessão promovida na sexta edição do FANTASPOA, em 06/07/2010, com o filme “As Aventuras do Incrível Hércules” (1985), conseguiu ser tremendamente didática em relação à questão dos filmes trash. Primeiro porque a obra em questão é uma legítima representante dessa linhagem de produções toscas. Efeitos especiais risíveis, narrativa pouco fluente e um roteiro sem pé nem cabeça formam um todo desastrado em termos formais, mas repleto de momentos divertidos (ainda que de forma involuntária). O complemento perfeito para esse exemplar trash esteve nas declarações dadas pelo próprio autor da obra, o simpático senhor italiano Luigi Cozzi, após a exibição do filme. O cineasta contou, com riqueza de detalhes, como nasce um legítimo trash. São situações que mereciam ser roteirizadas e transformadas em um filme: Cozzi, após o sucesso do primeiro Hércules (1983, e também com Lou Ferrigno no papel-título), estava fazendo um outro filme de natureza mitológica e fantástica com Ferrigno, sendo que após os produtores assistirem às primeiras cenas, os mesmos exigiram que Cozzi mudasse totalmente o roteiro e fizesse uma nova produção de Hércules, aproveitando as cenas que já havia filmado e sem que Ferrigno soubesse das “pequenas” alterações na trama. Desse jeito, não é surpresa que o resultado fosse tão precário...
A sessão promovida na sexta edição do FANTASPOA, em 06/07/2010, com o filme “As Aventuras do Incrível Hércules” (1985), conseguiu ser tremendamente didática em relação à questão dos filmes trash. Primeiro porque a obra em questão é uma legítima representante dessa linhagem de produções toscas. Efeitos especiais risíveis, narrativa pouco fluente e um roteiro sem pé nem cabeça formam um todo desastrado em termos formais, mas repleto de momentos divertidos (ainda que de forma involuntária). O complemento perfeito para esse exemplar trash esteve nas declarações dadas pelo próprio autor da obra, o simpático senhor italiano Luigi Cozzi, após a exibição do filme. O cineasta contou, com riqueza de detalhes, como nasce um legítimo trash. São situações que mereciam ser roteirizadas e transformadas em um filme: Cozzi, após o sucesso do primeiro Hércules (1983, e também com Lou Ferrigno no papel-título), estava fazendo um outro filme de natureza mitológica e fantástica com Ferrigno, sendo que após os produtores assistirem às primeiras cenas, os mesmos exigiram que Cozzi mudasse totalmente o roteiro e fizesse uma nova produção de Hércules, aproveitando as cenas que já havia filmado e sem que Ferrigno soubesse das “pequenas” alterações na trama. Desse jeito, não é surpresa que o resultado fosse tão precário...
sexta-feira, agosto 13, 2010
From Inside, de John Bergin **1/2
Baseado na graphic novel de mesmo nome (e que também havia sido escrita e ilustrada pelo próprio diretor John Bergin), “From Inside” (2008) justamente dá a impressão de se estar vendo um grande álbum de quadrinhos em movimento. O traço de Bergin absorve técnicas de pintura, com o filme apresentando um belo visual sombrio que dá o tom adequado para o tom pós-apocalíptico e pessimista da trama. As imagens impactantes de algumas seqüências aliadas à trilha sonora opressiva impressionam pelo efeito sensorial que causam. O que funciona como um fator diferencial positivo para a animação, entretanto, acaba apresentando também os pontos fracos de “From Inside”. A fluência da animação é truncada, quase estática, como se uma câmera simplesmente registrasse as páginas de um gibi, o que, por vezes, deixa o filme enfadonho, ainda mais com a presença constante de uma narradora onipresente com a sua voz monótona e texto repetitivo no seu pendor para a desesperança.
quinta-feira, agosto 12, 2010
Luzes na Escuridão, de Aki Kaurisäki ***1/2
Enquanto seu irmão Mika tem se dedicado a registrar em imagens a beleza exuberante de parte do cancioneiro brasileiro em documentários como “Moro no Brasil” (2002) e “Brasileirinho” (2005), Aki Kaurismäki mantém a sua estética gélida e rigorosa em “Luzes na Escuridão” (2006). A edição sóbria que encadeia tranqüilamente uma série de planos quase estáticos (mas sempre muito expressivos) é coerente com a própria abordagem emocional contida que o diretor impõe para os seus personagens. Esse tipo de caracterização, ainda que a trama descambe para uma sucessão de fatos melancólicos e/ou trágicos, traz uma certa carga de ironia, ainda que insólita. Mesmo com esse quase riso que se esboça em algumas seqüências, porém, Kaurismäki não oferece concessões no controlado formalismo de seu filme e nem oferece saídas fáceis para o seu protagonista, um pobre diabo meio matuto com frágeis sonhos de ascensão social que acaba envolvido em uma sórdida trama de roubo. Por mais que seja perturbadora a deprimente conclusão da trajetória do personagem, a mesma está em perfeita sintonia com o sentido da obra no todo.
quarta-feira, agosto 11, 2010
Toy Story 3, de Lee Unkrich ***1/2
Tem uma coisa que tenho lido/ouvido com uma certa freqüência e que considero um tremendo exagero: com a terceira parte recém-lançada, “Toy Story” se firma como a melhor trilogia cinematográfica já realizada. Não que essa nova seqüência seja um mau filme. Muito pelo contrário, até! Mas francamente: existem outras tríades de filmes bem melhores. Só numa primeira pensada, já se saca da mente obras fundamentais como a série do “Poderoso Chefão”, as produções de “spaghetti western” da parceria Sergio Leone e Clint Eastwood e a trilogia clássica de “Star Wars”. Por outro lado, mesmo a Pixar já fez coisa até superiores à linha “Toy Story” como “Os Incríveis” (2004), “Ratatouille” (2007) e “Wall-E” (2008).
“Toy Story 3” (2010) mantém o nível de qualidade das produções da Pixar. Nessa altura do campeonato, falar da beleza do traço de uma animação “pixariana” é chover no molhado (e até porque os filmes de outras produtoras do gênero que apareceram nos últimos anos também têm apresentado esse alto padrão gráfico). O que diferencia “Toy Story 3” (e, por consequência, outras obras da Pixar) é a eficiente dinâmica de sua narrativa, bem como um roteiro bem amarrado, o que garante o interesse não apenas do público infantil, como do adulto também. Nesse novo capítulo da saga dos brinquedos, inclusive, há até avanços nesses aspectos. Trama e ambiência adquirem um certo tom melancólico e sombrio que não eram tão evidentes nas partes anteriores. Toda a seqüência no lixão, por exemplo, é antológica pelas altas doses de ação e tensão nas cenas (assustam, efetivamente, não apenas as crianças mais inocentes).
Mesmo pecando por um certo excesso no sentimentalismo (o que é até acaba sendo natural pelo tema abordado do fim da infância), “Toy Story 3” se mostra como uma animação acima da média da grande maioria dos filmes pipocas da temporada 2010, mas mesmo assim longe de ser essa obra-prima que estão pintando por aí.
“Toy Story 3” (2010) mantém o nível de qualidade das produções da Pixar. Nessa altura do campeonato, falar da beleza do traço de uma animação “pixariana” é chover no molhado (e até porque os filmes de outras produtoras do gênero que apareceram nos últimos anos também têm apresentado esse alto padrão gráfico). O que diferencia “Toy Story 3” (e, por consequência, outras obras da Pixar) é a eficiente dinâmica de sua narrativa, bem como um roteiro bem amarrado, o que garante o interesse não apenas do público infantil, como do adulto também. Nesse novo capítulo da saga dos brinquedos, inclusive, há até avanços nesses aspectos. Trama e ambiência adquirem um certo tom melancólico e sombrio que não eram tão evidentes nas partes anteriores. Toda a seqüência no lixão, por exemplo, é antológica pelas altas doses de ação e tensão nas cenas (assustam, efetivamente, não apenas as crianças mais inocentes).
Mesmo pecando por um certo excesso no sentimentalismo (o que é até acaba sendo natural pelo tema abordado do fim da infância), “Toy Story 3” se mostra como uma animação acima da média da grande maioria dos filmes pipocas da temporada 2010, mas mesmo assim longe de ser essa obra-prima que estão pintando por aí.
terça-feira, agosto 10, 2010
O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus, de Terry Gillian ***1/2
Este produção de 2009 não representa alguma ruptura ou novidade na cinematografia de Terry Gillian. Ela até ganhou uma projeção maior devido ao fato de ser o último trabalho (incompleto) do ator Heath Ledger (em interpretação, por sinal, notável pela ambiguidade de sua composição dramática). A solução encontrada por Gillian para preencher as cenas com o personagem de Ledger que não puderam ser concluídas pelo mesmo soa um pouco forçada: usar outros três atores para atuar no mesmo papel, com o pretexto de que em tais momentos a trama estaria se desenrolando em universos paralelos e mágicos. No final das contas, o truque pode ser barato, mas tem um certo encanto pelo aspecto típico de solução improvisada de filmes B.
Reduzir a importância de “O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus” a eventos como os acima descritos, entretanto, é um equívoco. Mesmo não estando no topo das produções mais significativas dirigidas por Gillian, a obra mostra o domínio excepcional do cineasta em lidar com o cinema de fantasia. A forma com que a realidade e os mundos mágicos frequentados por Parnassus e seus discípulos é fascinante pela forma estranhamente coesa com que interagem. Além disso, direção de arte e trucagens oferecem em algumas seqüências um visual deslumbrante, misturando com criatividade cenários digitais e efeitos tradicionais. Gillian também não se esqueceu daquele seu velho toque de perversidade e ironia na caracterização de situações e personagens, tão caro ao diretor desde os seus tempos de integrante de Monty Python.
Reduzir a importância de “O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus” a eventos como os acima descritos, entretanto, é um equívoco. Mesmo não estando no topo das produções mais significativas dirigidas por Gillian, a obra mostra o domínio excepcional do cineasta em lidar com o cinema de fantasia. A forma com que a realidade e os mundos mágicos frequentados por Parnassus e seus discípulos é fascinante pela forma estranhamente coesa com que interagem. Além disso, direção de arte e trucagens oferecem em algumas seqüências um visual deslumbrante, misturando com criatividade cenários digitais e efeitos tradicionais. Gillian também não se esqueceu daquele seu velho toque de perversidade e ironia na caracterização de situações e personagens, tão caro ao diretor desde os seus tempos de integrante de Monty Python.
segunda-feira, agosto 09, 2010
Quincas Berro D'Água, de Sérgio Machado ***
Adaptação cinematográfica de uma das obras literárias mais estimadas de Jorge Amado, “Quincas Berro D’Água” (2010) cai em algumas facilidades narrativas, principalmente pelo fato de buscar uma linguagem acessível para o grande público. Apesar disso, o filme preserva um certo frescor e inquietação criativa ao mostrar uma visão bem humorada e ácida sobre as convenções pequeno-burguesas. A direção de arte se mostra em sintonia com as intenções do diretor Sérgio Machado, principalmente na caracterização visual de personagens e ambientes. O bando de amigos bêbados e marginalizados do personagem título também é um pequeno achado: sujos, maliciosos e irreverentes, dão uma forte dimensão humana para a produção, principalmente pela crueza de seus modos e sentimentos. Machado obtém também uma interessante síntese entre realismo e misticismo na trama, com esses dois pólos se mostrando coesos quase que de forma intrínseca.
sexta-feira, agosto 06, 2010
Olhos Azuis, de José Joffily *1/2
Essa produção conjunta entre Brasil e Estados Unidos usa e abusa de uma estética crua com a intenção, provavelmente, de tornar mais verossímil e contundente a temática do seu roteiro que envolve questões atuais e complexas como a imigração ilegal e o preconceito racial. O diretor José Joffily utiliza recursos de cinema documental em busca de uma encenação mais realista, mas os enquadramentos trepidantes e a luz estourada em várias cenas acabam mais enchendo a paciência do espectador do que impactando o mesmo. Essa opção por uma estética crua se mostra uma fórmula criativa estéril e que não rende sequer alguma seqüência memorável. O que poderia talvez salvar “Olhos Azuis” (2009) seria um roteiro consistente, mas até isso acaba falhando no filme. A estruturação da trama é engessada dentro de um desgastado padrão de jogo entre passado e presente que se desenrolam simultaneamente que pouco acrescenta, pois se a opção fosse narrar o mesmo sem essas idas e vindas de tempo o nível de previsibilidade da trama seria o mesmo (ou quem sabe até menor...). Por fim, os diálogos insistem em tons discursivos que matam qualquer noção de sutileza de subtexto.
quinta-feira, agosto 05, 2010
Kick-Ass - Quebrando Tudo, de Matthew ****
Há algumas diferenças entre a versão original para os quadrinhos de “Kick-Ass” e a sua adaptação cinematográfica lançada em 2010. No gibi, a abordagem é mais realista e crua, além da violência ter uma dose bem maior de brutalidade e sangue. Já a transposição para as telas é um pouco mais fantasiosa, com direito, inclusive, a pequenos toques de comédia romântica (ainda que de forma irônica) e final feliz, além da violência ser mais atenuada (mesmo assim, num padrão de explicitude acima da média do que se encontra no cinema atual). Apesar desses detalhes, entretanto, a produção dirigida por Matthew Vaughn mantém a essência da obra de Mark Millar e John Romita Jr. ao explorar habilmente a já manjada indagação “o que aconteceria se existissem super-heróis na atualidade”, com direito a uma série de referência hilárias ao universo nerd dos fãs de quadrinhos e da cultura pop em geral. “Kick-Ass – Quebrando Tudo” também adapta de forma brilhante a ação dos quadrinhos para o formato cinema (coisa, por exemplo, que a versão fílmica de “Watchmen” fracassou com retumbância). Vaughn dirige brilhantemente as seqüências de pancadaria e tiroteios sem apelar para câmeras lentas quase estáticas dos Zach Snyders da vida, a um ponto que qualquer cena que mostra a Hit Girl em ação é antológica na sua carga de adrenalina e humor. E a edição é outro ponto alto de “Kick-Ass”: mesmo com um ritmo frenético na ação e com uma trilha sonora alucinada movida a rock e eletrônica, Vaughan não picota a montagem em estilo video clip, optando por um estilo clássico no encadeamento das cenas e tendo um resultado final mais que contundente.
quarta-feira, agosto 04, 2010
Caro Francis, de Nelson Hoineff **1/2
As minhas expectativas para o documentário “Caro Francis” (2009) eram altas. Para começar, há anos eu era leitor assíduo da coluna “Diário da Corte”, escrita pelo protagonista do filme, jornalista Paulo Francis, além de assistir às suas hilárias intervenções no programa “Manhattan Connection”. A força de Francis não estava exatamente nos pontos de vista que defendia (bastante discutíveis em várias oportunidades), mas sim na sagacidade de seus argumentos e na tremenda bagagem cultural que demonstrava nas suas fundamentações. Ler ou ouvir Paulo Francis abria os horizontes para descobrir livros, filmes, peças, ideias e afins. Ou seja, o cara era um grande catalisador cultural. Por outro lado, “Caro Francis” parecia promissor pelo fato do seu realizador, Nelson Hoineff, ser o responsável pelo impactante “Alô Alô Terezinha” (2009), um retrato cru e irônico do apresentador Chacrinha. O resultado final de “Caro Francis”, entretanto, é decepcionante. É claro que há vários registros de arquivos interessantes com Francis dando sua particular visão de mundo, assim como se mostrando um tremendo showman, o que por si só já valeria assistia à produção. O problema do filme é que não há uma exposição de contradições e uma abordagem mais isenta como havia em “Alô Alô Terezinha”. O que vemos é uma obra quase de louvação à figura de Francis e que se atém várias vezes em depoimentos insossos, monótonos ou tendenciosos que tiram muito da fluência narrativa de “Caro Francis”. Chega-se ao cúmulo, por exemplo, de se gastar vários minutos na figura de uma falecida gatinha que Francis gostava muito, com a viúva dele lendo uma longa carta descrevendo a agonia do bichano. E em episódios como o conflito final entre o biografado e a Petrobrás, sente-se muito mais uma vontade em defender Francis do que mostrar realmente o que ocorreu naquela situação.
Mesmo com todas essas restrições, todavia, “Caro Francis” é uma obra imperdível como documento histórico no sentido de mostrar uma série de fatos e personagens que foram decisivos na formação cultural do Brasil nessas últimas décadas. De certa forma, os defeitos do filme não deixam de ser esclarecedores no sentido de refletirem conflitos tanto artísticos quanto ideológicos que são inerentes no nosso panorama político e intelectual.
Mesmo com todas essas restrições, todavia, “Caro Francis” é uma obra imperdível como documento histórico no sentido de mostrar uma série de fatos e personagens que foram decisivos na formação cultural do Brasil nessas últimas décadas. De certa forma, os defeitos do filme não deixam de ser esclarecedores no sentido de refletirem conflitos tanto artísticos quanto ideológicos que são inerentes no nosso panorama político e intelectual.
terça-feira, agosto 03, 2010
O Golpista do Ano, de Glen Ficarra e John Requa **1/2
Em um primeiro momento, “O Golpista do Ano” (2009) chega a ser uma produção surpreendente pelo fato de propor uma abordagem sem concessões da questão do homossexualismo, ainda mais por se tratar de uma produção que traz como protagonistas nomes de grande prestígio comercial como Jim Carrey e Ewan McGregor. Ambos, inclusive, desempenham sem aparentes constrangimentos cenas explícitas de amor gay. Tirando esse aspecto comportamental, entretanto, “O Golpista do Ano” acaba se mostrando frustrante por não conseguir delimitar com precisão as fronteiras do drama e do humor. Situações que precisariam de uma visão mais profunda pelos aspectos complexos e insólitos que levantam acabam recebendo um tratamento excessivamente superficial. A narrativa convencional dos realizadores Glen Ficarra e John Requa também acentua esse sensação de uma obra rasa. E se Jim Carrey já havia demonstrado um considerável talento em papéis mais dramáticos em filmes como “O Mundo de Andy” (1999) e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembrança” (2004), em “O Golpista do Ano” ele acaba comprometendo algumas cenas por apostar em um tom caricatural. No meio desses equívocos, acaba se destacando positivamente Ewan McGregor por apresentar um interessante equilíbrio dramático ao interpretar um gay frágil de forma discreta e sem cair em afetações.
segunda-feira, agosto 02, 2010
Esquadrão Classe A, de Joe Carnahan ***
Além de homenagear/revisitar o seriado televisivo epônimo dos anos 80, “Esquadrão Classe A” também evoca o gênero ação característico da mesma década, mas com um visual puxando mais para o sombrio e o sujo (não chegando a atingir, entretanto, o mesmo apuro visual da sensacional revisão cinematográfica de Michael Mann para “Miami Vice”). Assim, menos cômico e mais violento que o seriado original, o filme apresenta uma propensão para aquela ação vertiginosa e truculenta de franquias como “Duro de Matar” ou “Predador”, chegando às raias do absurdo como na seqüência em que os protagonistas saltam de um avião dentro de um tanque de guerra ou nas cenas em que um enorme cais de porto é devastado. Joe Carnahan pode não ter a mesma classe de um John McTierman (um dos papas das produções oitentistas de ação), mas oferece uma produção bem movimentada e divertida.
Assinar:
Postagens (Atom)