Há uma diferença artística-existencial que é fundamental entre
“Detona Ralph” (2012) e a sua continuação “WiFi Ralph – Quebrando a internet”
(2018) – enquanto o primeiro filme primava por uma visão entre o nostálgico e o
irônico sobre o universo dos games e utilizando o recurso da paródia e do
pastiche, nessa segunda da parte das aventuras do protagonista Ralph o foco se
estende sobre uma reflexão sobre o universo da internet com citações diretas a
empresas virtuais que realmente existem. Nessa pegada, essa animação mais
recente decepciona pela abordagem narrativa e formal superficial e previsível
em excesso e por uma visão sócio-política fortemente conformista e em defesa do
ordenamento capitalista contemporâneo estabelecido por empresas de comércio
virtual. Por mais que a produção seja dirigida principalmente para um público
infanto-juvenil e que alguns aleguem que esse não seria uma plateia tão exigente,
não dá para negar que marca um retrocesso em relação a criatividade estética e
textual do filme anterior e que também contém um mal disfarçado subtexto
ideológico conservador dentro do dilema em que as angústias e medos do protagonista
acabam afetando a tranquilidade e assepsia dos inúmeros negócios e futilidades
que se desenvolvem na rede.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
quinta-feira, janeiro 31, 2019
segunda-feira, janeiro 28, 2019
Homem-aranha: No Aranhaverso, de Peter Ramsey, Bob Persichetit e Rodney Rothman ***1/2
Se a trilogia dirigida por Sam Raimi se refere ao
Homem-aranha do universo Marvel tradicional criado por Stan Lee e os filmes de
Marc Webb e o mais recente do estúdios Marvel têm uma ligação mais forte com a
versão Ultimate do herói aracnídeo, a animação “Homem-aranha: No Aranhaverso”
(2018) é a junção alucinada disso tudo e mais um pouco, com um resultado final
bastante coerente e divertido. O já bem manjado recurso temático de diversos
universos alternativos para uma mesma realidade é aproveitado com criatividade,
fazendo com que o filme seja acessível para o público em geral e também repleto
de citações e referências que são uma delícia para os fãs de longa data do
personagem nos quadrinhos. Mais importante que isso e que dá um encanto
atemporal para a produção, entretanto, é a sensacional conjunção entre a
precisão da dinâmica narrativa, o original e estonteante grafismo (que,
inclusive, se alterna de maneira fluente entre diversos estilos de traço de
acordo com cada um dos universos que se chocam) e o roteiro que concilia com
maestria densidade dramática e um senso de humor que foge com louvor do engraçadinho
metido à besta. No cômputo geral, é o melhor filme de Homem-aranha desde a segunda
parte dirigida por Raimi e lançada em 2004.
quarta-feira, janeiro 09, 2019
Mais ou menos grávida, de John G. Avildsen ***
É até meio estranho – um cineasta que ficou conhecido por
algumas obras célebres no gênero “filmes de luta” (“Rocky, um lutador”, “Karatê
Kid”) acaba dirigindo uma comédia dramática juvenil influenciada pelo mestre
John Hughes. Mas até que John G. Avildsen se saiu bem em “Mais ou menos grávida”
(1988). Não há nada de novo em termos narrativos e temáticos, mas há
sensibilidade e mesmo sobriedade na eficiente síntese entre roteiro e
encenação. Avildsen consegue oferecer as condições ideais para a musa
oitentista Molly Ringwald brilhe dentro de uma trama que alterna com
naturalidade uma abordagem realista dentro da questão da gravidez precoce e a
dinâmica básica de uma comédia romântica. No cômputo geral, é uma memorável Sessão
da Tarde daquelas que não se faz mais.
terça-feira, janeiro 08, 2019
Wood & Stock - Sexo, orégano e rock'n'roll, de Otto Guerra *
Se “As cidades dos piratas” (2018) marca um efetivo
amadurecimento de Otto Guerra como diretor de animações, tanto em termos de
rigor narrativo e estético quanto na depuração criativa de roteiro, “Wood &
Stock – Sexo, orégano e rock’n’roll” (2006) peca exatamente pela
autoindulgência com que trata a sua síntese de formalismo e temática. Tudo no
filme soa preguiçoso e despersonalizado, como se o diretor estivesse no
automático e preenchesse as lacunas da obra com as soluções mais óbvias e sem
graça. Parece que Guerra leu apressadamente alguns números da antológica
revista Chiclete com Banana e não entendeu a essência dos personagens e do
próprio criador Angeli. Só isso explica a impressão constante de que se está
assistindo a uma versão asséptica e fofinha de criaturas que no original dos
quadrinhos eram marcadas pela sordidez e mesmo um niilismo perturbador. O
resultado final desse direcionamento do cineasta é uma obra em que narrativa e
personagens carecem de carisma e tensão, fazendo com que o espectador pouco se
importe com o que está acontecendo na tela. Assim, são desperdiçadas as
interessantes possibilidades criativas que o universo de Angeli oferecia e
outros recursos de peso que Guerra tinha em mãos (principalmente a ótima trilha
sonora). Pode servir de consolo que esse fracasso artístico do cineasta talvez
seja encarado como uma espécie de laboratório de aprendizado que serviu como
lição do que não fazer quando o cineasta enveredou para o mundo gráfico de
Laerte no já mencionado “A cidade dos piratas”.
sexta-feira, janeiro 04, 2019
Estorvo, de Ruy Guerra ***
A relação artística entre Ruy Guerra e Chico Buarque é longa
e prolífica. Principalmente nos anos 70, rendeu algumas canções e peças teatrais
memoráveis. Assim, o cineasta adaptar um livro do cantor e compositor pareceu
uma consequência natural. O resultado final, “Estorvo” (1998), está bem
distante de ser uma obra-prima, mas ainda assim revela perturbadoras inquietações
criativas. Para começar, a síntese entre cinema e literatura na produção não se
conjuga de forma tão fluida e natural –Guerra não se mostra interessado em
somente adaptar a trama da obra literária dentro de uma linguagem
cinematográfica convencional. Ele parece obcecado pela palavra, pela nuances do
texto, e procura encaixar a sonoridade do discurso dentro de um fluxo sensorial
marcado pelo lirismo e sordidez. A sucessão daquilo que ocorre na tela obedece
a um pensamento desordenado e fragmentado do protagonista (Jorge Perrugoria),
fazendo com que a estética e a atmosfera do filme se guiem por uma lógica de
subjetividade que por vezes beira o delirante. A abordagem naturalista é
evocada de vez em quando na narrativa, mas logo é manchada por um
desordenamento formal e existencial predominante na visão artística do diretor.
As escolhas de Guerra não são gratuitas, pois na confusa saga do personagem
principal se escondem lúcidos questionamentos sócio-políticos-intimistas que
desembocam em soluções formais e temáticas desconcertantes. A jornada narrativa
de “Estorvo” é irregular e difícil, mas em sua conclusão a impressão é que ela
ficará grudada em nosso imaginário como uma lembrança entre o incômodo e o
prazeroso.
quinta-feira, janeiro 03, 2019
Lost Zweig, de Sylvio Back ***
O fluxo criativo do articulista deste blog obedece a um
direcionamento simples. À medida que vou vendo filmes no cinema, DVD e afins,
escrevo sobre eles na ordem em que os assisti. Dessa forma, acaba me parecendo
uma certa ironia do destino que esteja escrevendo sobre “Lost Zweig” (2003)
justamente nesse três de janeiro de 2019. A produção dirigida por Sylvio Back
trata da última semana da vida do escritor austríaco Stefan Zweig, que cometeu
suicídio junto à esposa no Brasil em 1942. A morte do artista sempre carregou
uma aura de mistério, inerente a essa tipo de evento, ainda que ele tenha
deixado um bilhete de despedida bem esclarecedor em relação aos seus motivos. O
que se pode apreender como efetiva causa de sua decisão estava em um mal-estar
existencial diante de um mundo que se encaminhava naquele momento com muita
naturalidade para o nazi-fascismo. E como um brasileiro com um mínimo de sensibilidade
e racionalidade pode se sentir na atualidade diante de um ordenamento
sócio-político baseado em uma conjunção nefasta de patriarcalismo, racismo,
misoginia, homofobia, xenofobia e exclusão social que foi escolhido pela
própria população? Quantos Zweigs devemos ter por aí?
A versão cinematográfica concebida por Back para a tragédia
de seu protagonista é marcada por uma fascinante ambiguidade estética e
emocional, o que por vezes torna a narrativa um tanto fria e irregular. A
impressão inicial é de uma abordagem de teor realista/naturalista, tanto na
caracterização de personagens e situações como na atmosfera do filme. Aos
poucos, entretanto, a obra vai ganhando uma conotação mais complexa e difusa,
em que elementos que beiram o delirante realçam a narrativa. Diante dos posicionamentos
escorregadios do governo Vargas diante à Alemanha nazista e da situação
desesperadora de seus conterrâneos judeus na Europa, Zweig (Rüdige Vogler) vai
se deixando inebriar pela sensualidade latente explosiva e pelo comportamento
humano contraditório típicos do ambiente exótico que o cerca. Nesse perturbador
contexto histórico em que ele está inserido, sua decisão final pode parecer
brusca e radical, mas também ganha uma conotação existencial de dolorosa
coerência.
quarta-feira, janeiro 02, 2019
Luciferina, de Gonzalo Calzada *1/2
Entre as várias possibilidades propiciadas pelo FANTASPOA
para os apreciadores de cinema de Porto Alegre está a chance de conhecer um
outro lado do cinema argentino, principalmente no que diz respeito a produções
independentes no gênero horror. Na edição de 2018 não foi diferente. Se foi
possível conhecer o perturbador (e por vezes inventivo) “Aterrorizados”, também
se teve a chance de conferir “Luciferina”, obra que padece de forte anemia
criativa em sua recriação barata de clichês narrativos de horror. É claro que
há de se louvar o bom nível da produção em termos de recursos, principalmente
no que diz respeito a efeitos especiais (no mesmo nível, nesse aspecto, de boa
parte das produções norte-americanas no gênero que aportam com certa frequência
em nossos multiplexes). No final das contas, entretanto, acaba sendo muito
pouco para afastar o filme de Gonzalo Calzada da previsibilidade temática e de
um formalismo medíocre.
terça-feira, janeiro 01, 2019
TOP 25 2018
1
1)
Zama, de Lucrecia Martel
2)
Arábia, de João Dumans e Affonso Uchoa
3)
O processo, de Maria Augusta Ramos
4)
Me chame pelo seu nome, de Luca Guadagnino
5)
Trama fantasma, de Paul Thomas Anderson
6)
As boas maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra
7)
O dia depois, de Hong Sang-soo
8)
Baronesa, de Juliana Antunes
9)
O amante duplo, de François Ozon
10)
Infiltrado na Klan, de Spike Lee
11)
Uma casa à beira-mar, de Robert Guédiguian
12)
Em chamas, de Chang-Dong Lee
13)
Roma, de Alfonso Cuarón
14)
A casa que Jack construiu, de Lars Von Trier
15)
Você nunca esteve realmente aqui, de Lynne
Ramsay
16)
120 batimentos por minuto, de Robin Campillo
17)
O outro lado do vento, de Orson Welles
18)
Rei, de Niles Atallah
19)
Jogador nº 1, de Steven Spielberg
20)
A balada de Buster Scruggs, de Ethan e Joel Coen
21)
A ilha dos cachorros, de Wes Anderson
22)
Nico, 1988, de Susanna Nicchiarelli
23)
Projeto Flórida, de Sean S. Baker
24)
Histórias que nosso cinema (não) contava, de
Fernanda Pessoa
25)
Imagens do Estado Novo, de Eduardo Escorel
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