Se em “Gomorra” (2008) enveredava por um viés formal de
estilo seco e realista, beirando o documental, em “Realiy – A grande ilusão” (2012)
o diretor italiano Matteo Garrone apresenta uma estética mais abrangente, mas
igualmente contundente. Ao abordar o fascínio popular pelo artificialismo e
frivolidade dos reality shows, o cineasta utiliza um registro que tanto se vale
de alguns preceitos típicos do neo-realismo quanto de uma caracterização exagerada
e grotesca de comédias clássicas como “Feios, sujos e malvados” (1976). O
resultado é uma obra que consegue se equilibrar de forma notável entre o drama
de caráter quase fabular e a ironia amarga. A direção de fotografia consegue
obter contrastes desconcertantes – nas cenas externas na região humilde onde
vive o protagonista Luciano (Aniello Arena)
por vezes os enquadramentos apresentam soluções visuais belíssimas, que
valorizam com sensibilidade a beleza rústica do ambiente de prédios antigos,
mas quando a trama se desenvolve nas locações mais “luxuosas” (festas de
casamentos, estúdios televisivos) o estilo visual adota
um tom algo delirante nas decorações e figurinos de gosto duvidoso. E a própria
conclusão de “Reality” acentua esse inquietante misto de atração e repulsa que é
a tônica da produção, o que torna a visão crítica de Garrone sobre a sociedade
moderna ainda mais aguda.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, junho 28, 2013
quinta-feira, junho 27, 2013
Muito além do peso, de Estela Renner **1/2
Depois de assistir recentemente a uma obra singular como “Elena”
(2012), que se propõe a desconstruir o próprio gênero ao qual pertence, ver um
documentário de formatação mais tradicional como “Muito além do peso” (2012)
pode gerar comparações injustas. Mas se a produção de Estela Renner não
apresentar novidades no campo formal, obedecendo à clássica estrutura de
entrevistas e imagens de arquivo, é de se convir que o filme é bastante
convincente no seu discurso temático. Ao retratar o problema contemporâneo da
obesidade infantil, não poupa o espectador de imagens e histórias fortes. Sua
contundência também se expande para uma visão ampla das possíveis causas e das
preocupantes conseqüências do crescimento do número de crianças e adolescentes
com excesso de peso. Assim, a obra questiona até valores caros da sociedade
capitalista e consumista, em que comer alimentos de alta carga calórica pode
ser um sinal de status social e em que um número cada vez maior de crianças com
doenças como diabetes e colesterol alto também representa maiores lucros para a
indústria de alimentos e para as agências publicitárias. Nesse contexto,
percebe-se que a intenção principal de “Muito além do peso” não está
necessariamente em se tornar um marco estético do gênero documentário, mas sim
na conscientização social, sendo que nesse último quesito é inegável que o
filme atinge seu objetivo. Eu mesmo nunca mais conseguirei tomar uma lata de
Coca Cola sem me vir à mente algumas imagens terríveis do filme...
quarta-feira, junho 26, 2013
Depois da Terra, de M. Night Shyamalan **1/2
Confesso que nunca compreendi muito bem todo o oba oba que
se costumava fazer em torno do diretor M. Night Shyamaln. Ele até
ocasionalmente conseguiu fazer alguns ótimos filmes (“A dama do lago”, “Fim dos
tempos”), mas na maior parte da sua filmografia dá para dizer no máximo que ele
é um artesão competente, sem conseguir demonstrar um traço autoral em termos
formais e temáticos. Tal impressão se confirma em “Depois da Terra” (2013). Não
que o filme seja ruim. Dá para sentir algumas boas ideias e conceitos
interessantes que de vez em quando aparecem na produção, além das cenas de ação
serem bem feitas. Mas nada que vá muito além disso. Inexiste no filme um
elemento efetivo de tensão dramática ou alguma sequência que fuja do trivial.
Do jeito que ficou, Shyamalan se mostra cada vez mais nivelado aos tarefeiros
de plantão de Hollywood.
terça-feira, junho 25, 2013
O grande Gatsby, de Baz Luhrmann **
Na obra original literária, “O grande Gatsby” é uma tradução
exemplar das obsessões temáticas de seu autor Scott Fitzgerald. Sua trama
refletia como o hedonismo de festa, sexo e álcool típico dos anos 20 escondia
um tremendo vazio existencial daquela geração. Assim, num primeiro momento, o
fato da versão cinematográfica de “O grande Gatsby” (2013) trazer como diretor
o australiano Baz Luhrmann faria um certo sentido. Afinal, a cinematografia do
cineasta é marcada por obras visualmente opulentas, beirando o barroco, o que
estaria em sintonia com as grandiosas festas dadas pelo protagonista
Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio). O resultado final dessa união entre os
universos artísticos de Fitzgerald e Luhumann, entretanto, acabou sendo
indigesto. Os exageros estéticos do diretor podem passar uma certa impressão de
ousadia formal, mas na realidade estão mais para uma fórmula equivocada que por
vezes é levada à exaustão (além de eliminar um dos prazeres mais apreciáveis do
livro que é a sutileza emocional). A encenação histérica, a fotografia de tons
coloridos ostensivos e a edição frenética da primeira metade do filme fazem com
que tudo pareça um grande vídeo clip (ainda que a trilha sonora misturando música
de época com rap e rock seja uma bela sacada). Essa confusão estilística deve
ter cansado até o próprio Luhrmann, pois na metade final o filme ganha uma
narrativa mais convencional e amorfa, o que torna a produção bastante
descompassada. Mais do que uma versão cinematográfica inferior ao seu original
literário, “O grande Gatsby” é um filme que incomoda pelos seus equívocos e
irregularidades como cinema propriamente dito.
segunda-feira, junho 24, 2013
Siba - Nos balés da tormenta, de Caio Jobim e Pablo Francischelli ***
Para mim, talvez seja fácil gostar de “Siba – Nos balés da
tormenta” (2012). Afinal, o documentário tem como protagonista
um músico que gosto muito, o que por si só já faria o filme ganhar vários
pontos comigo. Mas acredito que haja ainda um pingo de isenção em mim, sendo
que assim consigo ver os méritos próprios da obra. Para começar, há a grande
sacada da produção se focar de forma primordial sobre a arte de Siba. É claro
que se menciona algo sobre a vida do artista, mas relacionando sempre os fatos
pessoais com a sua formação musical. Além disso, os diretores Caio Jobim e
Pablo Francischelli mostram argúcia narrativa e temática ao focalizar como o
ambiente rural e de festas tradicionais do interior de Pernambuco foram influências
capitais nas concepções artísticas de Siba. Não só isso: no roteiro do documentário,
consegue-se captar com sensibilidade muito da essência estética de Siba – a
complementação entre as raízes tradicionalistas com o senso universal propiciado
pelo lado roqueiro do músico (e que foi também um dos grandes pontos criativos
do Mangue Beat). O documentário não é tão tradicional na sua formatação, pois não
apresenta a evolução do músico de forma cronológica. Ainda sim, pode-se conhecer
quase todos os passos das mutações do músico, principalmente nas suas colaborações
antológicas com o grupos Mestre Ambrósio e Fuloresta, na parceria com o
violonista Roberto Corrêa e o recente trabalho solo, “Avante”. E o filme foge
do óbvio ao trazer vários momentos em que Siba e seus colaboradores discutem e
ensaiam arranjos, harmonia e melodia e buscam até o timbre exato dos
instrumentos para cada canção. Ou seja, ao invés da celebração do arrivismo
mercenário de “Os dois filhos de Francisco” (2005), há aqui uma verdadeira
homenagem à música e ao ato de compor.
sexta-feira, junho 21, 2013
Velozes e furiosos 6, de Justin Lin ***
É até admirável a tremenda cara de pau do diretor Justin Lin
e roteiristas e produtores de “Velozes e furiosos 6” (2013): o filme é
escancaradamente descerebrado, sexista, preconceituoso, ufanista, mal atuado.
Só que tudo é tão exagerado e caricatural que a obra beira o surreal. As cenas
de ação, por exemplo, não só desafiam as leis da física como no faz imaginar Dominic
Toretto (Vin Diesel) e seus asseclas são superdotados
– afinal, as coreografias de violência e ação em que se envolvem exigiriam uma
rapidez de pensamento excepcional para poder calcular saltos e demais
acrobacias. Convenhamos: exigir coerência, originalidade, sensibilidade e
inteligência da franquia é meio exagerado. O negócio aqui é ação desenfreada,
explosões e perseguições automobilísticas com super carrões e nisso Lin
caprichou. Dos filmes da franquia, esse é o exemplar que mais extrapola a
verossimilhança, chegando ao limite do cartunesco tamanho o absurdo das encenações
de Lin, tanto que os carros competem até com tanques de guerra e aviões em
algumas sequências. É entretenimento brutal e escapista, mas efetivamente
divertido.
quinta-feira, junho 20, 2013
Elena, de Petra Costa ****
Na designação de gênero cinematográfico, “Elena” (2012)
estaria enquadrado como documentário. Afinal, a premissa de sua trama consiste
no relato de um fato real: a trajetória pessoal de uma atriz e bailarina que se
suicidou aos 20 anos. Ocorre que a realizadora do filme é a própria irmã da
figura título, e assim sua concepção foge da simples exposição da “realidade”.
O viés de Petra é bastante pessoal e autoral – para ela, interessa muito mais a
sua impressão personalista, a forma com que as situações da vida de Elena
influenciaram sua vida. Nesse contexto, há momentos em que a produção expande
as fronteiras do documentário, convertendo-se numa narrativa que beira o delírio
e carregada de um simbolismo desconcertante. Em tal viés, a vida de Elena vai
sendo exposta em diferentes camadas. Num nível mais intimista, há um lado de
evidente admiração no olhar de Petra em relação à irmã, em que Elena é vista
quase como uma força da natureza no seu conjunto de beleza, talento e
sensibilidade. Mas o filme avança o mero olhar de pura admiração. Aos poucos,
uma atmosfera um tanto mórbida e doentia toma conta, onde a depressão de Elena
entra em cena de forma devastadora. O filme adquire o aspecto de uma pequena
saga familiar, em que o mal psíquico de Elena não só a leva à morte como
desperta também os demônios interiores da irmã, fazendo lembrar episódios nebulosos
da adolescência da mãe das duas e levando à inquietante dúvida se Petra também
não estaria destinada a um destino semelhante. Há ainda um outro lado na forma
com que o roteiro pode ser visto, em que o político e o intimo se entrelaçam.
Concebida durante a ditadura militar, Elena era filha de perseguidos pelo
regime, nascendo na clandestinidade. Quando vai para Nova Iorque, em 1990, aos
vintes anos, a procura de novos horizontes para sua carreira artística, coincide
com a ascensão de Collor ao poder, e com o isso fim da Embrafilme e, por conseqüência,
do cinema brasileiro. É como se os percalços pessoais de Elena fossem a
manifestação existencial das agruras do Brasil.
Esse volume impressionante de ideias, referências e impressões
recebe um brilhante tratamento formal por parte de Petra Costa (e que lembra
bastante o fantástico documentário norte-americano “Tarnation”). Sua base
inicial são gravações audiovisuais caseiras, e nisso a diretora foi agraciada
pelo fato surpreendente da qualidade de tais registros (alguns deles feitos
pela própria Elena) – há belíssimas cenas de danças, depoimentos reveladores da
biografada, cenas de brincadeiras, pequenas peças. Petra manipula esse farto
material de arquivo numa montagem criativa e de dinâmica extraordinária,
casando com uma trilha sonora arrebatadora. A estética de “Elena” é reflexo do
já aludido viés pessoal da obra, em que os limites da fantasia e do real por
vezes se misturam. Há seqüências em que Petra emula recriações dramáticas da
trajetória de Elena, realiza coreografias de danças, até faz filmagens aquáticas.
Todo esse subjetivismo da diretora gera uma mutação antológica, em que aquilo
que era um drama familiar de alcance aparentemente restrito acabe ganhando uma
dimensão épica e se torne referencial.
quarta-feira, junho 19, 2013
Nota de rodapé, de Joseph Cedar ***1/2
A combinação cinema e literatura atinge uma insólita síntese
na produção israelense “Nota de rodapé”. O
filme não é uma adaptação de um livro. A relação entre as referidas mídias
ocorre devido à temática do filme, cujos protagonistas,
pai e filho de difícil relacionamento, são pesquisadores acadêmicos que lidam
com a palavra escrita. A obsessão com tal objeto de trabalho acaba se estendendo
para as suas vidas. E é aí que o diretor Joseph Cedar estabelece uma tensa narrativa
que se divide com naturalidade entre o humor amargo e o drama contido. Cedar
obtém um registro de tons kafkanianos – várias seqüências do filme se
desenvolvem em ambientes fechados, escuros e algo sufocantes. A prolixidade dos
diálogos em determinadas cenas contrasta de forma contundente com momentos em
que predomina um silêncio inquietante. Com precisão, são inseridas trucagens
visuais em que as palavras de livros se embaralham com a encenação naturalista.
Toda essa concepção estética embala uma engenhosa trama que critica com
sutileza e ironia a fogueira das vaidades da vida acadêmica, sem esquecer de
ressaltar em pequenas nuances o clima de paranóia e opressão que a sociedade
israelense vive na atualidade. As acertadas escolhas temáticas e formais de
Cedar acabam coroadas com a bela conclusão do filme, em que os dotes de
filólogo de um dos personagens principais ganham um uso desconcertante e
fundamental no sentido existencial de “Nota de
rodapé”.
terça-feira, junho 18, 2013
Doméstica, de Gabriel Mascaro **
A formatação de “Doméstica” (2012) representa outra tendência
que tem se mostrado recorrente no gênero documentário - aquela em que o diretor
da obra usaria como matéria-prima imagens gravadas por terceiros, geralmente de
caráter caseiro ou amador. A unidade desse material seria dada pela montagem.
No caso do filme em questão da Gabriel Mascaro, quem fez tais registros foram
filhos de “patrões” a filmarem o cotidiano e impressões pessoais de suas
respectivas domésticas. É claro que uma certa unidade conceitual na obra: a de
que todas essas pessoas trazem em suas histórias íntimas uma carga expressiva
de sofrimentos e desilusões, fruto de uma série de privações materiais e
emocionais. Nesse sentido, é inegável que “Doméstica” tenha forte relevância
como registro sociológico e humano. Ocorre que como cinema a produção fica
devendo. A falta de uma marca mais pessoal na direção de Mascaro faz com que não
haja uma coerência formal na maneira com que essas diversas crônicas de rotinas
se interligam, o que acaba tornando a narrativa trôpega, irregular. A empatia
com o público vem muito mais dos dramas (e eventuais comicidades) em estado
bruto de seus protagonistas do que dos méritos
artísticos da obra.
segunda-feira, junho 17, 2013
Sibila, de Teresa Arredondo ***
Na maioria das vezes, o gênero documentário foi visto como a
forma mais objetiva e realista do cinema se manifestar. Por mais que trouxesse
uma visão própria de seus autores, essas produções teriam fatos como essência,
como matéria-prima. Além disso, seus diretores e roteiristas são vistos como
terceiros que guardam alguma distância emocional com a temática focada. Nos últimos
anos, entretanto, tal concepção vem sendo posta em cheque por obras documentais
que trazem um forte enfoque subjetivo e intimista, em que a impressão pessoal
do realizador acaba sendo mais importante que a objetividade dos fatos. Por
vezes, os autores de tais filmes até apresentam ligação estreita com os seus protagonistas,
acentuando ainda mais esse aspecto de pessoalidade. “Sibila” (2012) é um
exemplar expressivo dessa tendência. Tão importante quanto mostrar os motivos
que levaram Sybila Arredondo a se juntar ao grupo terrorista Sendero Luminoso
e, consequentemente, ser presa é mostrar o impacto que isso teve na vida na
diretora Teresa, sobrinha de Sybila, e como a cineasta compreende a situação de
sua parenta. Apesar dessa origem temática, o filme está longe de ser apenas um
acerto de contas doméstico. “Sibila” não apresenta soluções fáceis para o
espectador. Teresa acaba enveredando por um caminho inquietante – em mais da
metade inicial do filme, ela capta as impressões de parentes, amigos e
conhecidos sobre Sybila, onde cada um dos depoentes tenta encontrar uma
explicação para o que ocorreu. Nos momentos finais da produção, foca-se numa
longa entrevista com a protagonista. Suas
respostas são incisivas, desafiadoras, fundamentadas com uma coerência muito própria.
Esse confronto das opiniões de “terceiros” com as ideias de Sybila produzem um
contraste desconcertante, que mais instiga do que responde as dúvidas da
diretora e da plateia. E o grande mérito de “Sibila” está em justamente
enfatizar as complexidades da natureza humana, ao invés do convencionalismo de
impor preceitos moralistas e simplificadores. Teressa Arredondo pode não ter
conseguido as respostas que queria, mas conseguiu construir uma obra de fôlego
peculiar e marcante.
sexta-feira, junho 14, 2013
Up!, de Russ Meyer ****
Retrato emblemático das obsessões artísticas do diretor
norte-americano Russ Meyer, “Up!” (1976) extrapola a simples curiosidade por
filmes bizarros. Por trás de uma estrutura típica de uma obra exploitation,
revela-se um filme bastante inquietante em termos estéticos. Meyer revela um
ideário confuso e alucinado, que beira o surreal, onde cabe uma sátira política
(evidente na figura de um clone de Hitler que aprecia a sodomia), uma vasta
coleção de perversões sexuais e estrutura de tragédia clássica (não é gratuita
a presença de uma gostosona pelada que comenta as cenas no estilo coro grego). Essa coleção de
esquisitices temáticas recebe tratamento formal de criatividade intensa e
peculiar. O notável senso de composição cênica, os enquadramentos de tons
grandiosos, a frenética montagem e a constante atmosfera de sordidez compõem um
todo estético de grande impacto sensorial, milhas adiante da equivocada alcunha
de trash, comprovando que poucos diretores tiveram uma assinatura cinematográfica
tão personalíssima quanto Meyer.
quinta-feira, junho 13, 2013
Sem proteção, de Robert Redford ***
Mesmo não estando no mesmo nível artístico de alguns dos
melhores filmes do Robert Redford como diretor (“Gente como a gente”, “Nada é
para sempre”, “Quiz Show”), “Sem proteção” (2012) é uma obra que se revela em
sintonia com a carreira e a própria persona do cineasta. Redford sempre foi um
clássico liberal – tanto nas produções em que dirigiu quanto nos seus
posicionamentos pessoais, mostrou uma postura crítica em relação à política dos
Estados Unidos, mas sem defender ideais muito radicais. Ou seja, é o rebelde
que a família norte-americana (ou até mesmo no resto do Ocidente) gosta. “Sem
proteção” é o reflexo claro disso. O filme tem por temática as conseqüências de
atos contra a ordem praticados por grupos terroristas nativos durante os anos
60. Apesar do filme ter uma certa postura questionadora de valores, o que fica
realmente evidente é uma certa postura desiludida em relação a medidas mais
extremas envolvendo violência e morte por parte de alguns membros desses grupos
dissidentes, vistas pelo protagonista Jim
Grant (Redford interpretando um alter ego) como uma espécie de corrupção e
distorção dos princípios de igualdade e fraternidade tão valorizados nos anos
60 pelos movimentos de contracultura. Redford é convencional na formatação de “Sem
proteção” ao estruturá-lo como um thriller, mas executa tal concepção com elegância
narrativa. É curioso observar ainda que Redford deve permanecer com o crédito
alto entre seus pares, pois é impressionante a quantidade de atores e atrizes
de renome que aceitaram atuarem em minúsculos papéis de coadjuvantes.
quarta-feira, junho 12, 2013
Se beber, não case 3, de Todd Phillips **
Obedecer a uma determinada fórmula narrativa não significa
necessariamente algo ruim. Se tal fórmula representar uma premissa interessante
e ela for bem trabalhada, o resultado pode ser satisfatório. No caso de “Se
beber, não case 3” (2013), ocorre que Todd Phillips procurou fugir da estrutura
de roteiro dos dois primeiros filmes da franquia. Essa decisão, entretanto,
acaba jogando contra a sua obra, pois retira justamente aquilo que expandia as
possibilidades criativas das produções anteriores. Nesse novo capítulo,
Phillips usa uma trama que se foca muito mais no gênero policial aventura do
que propriamente na comédia, o que acaba descaracterizando muito da essência da
série. Aquela combinação personalíssima de humor negro, pastelão e escatologia é
jogada de lado em nome da ação desenfreada e genérica com eventuais toques cômicos
(na maioria das vezes na pele do insosso Zach Galifianakis). Na realidade, o
filme dá uma ideia de cansaço criativo, tanto por parte de Phillips quanto no
seu elenco (por vezes, se tem a impressão de desânimo nas atuações de Bradley
Cooper e Ed Helms). O engraçado é que a ótima seqüência que aparece depois dos
créditos finais dá a impressão de que poderia ser utilizada na realidade como
abertura do filme e dali poderia se desenvolver um roteiro interessante e nos
moldes das produções anteriores. Poderia ser previsível, mas certamente seria
bem mais engraçado.
terça-feira, junho 11, 2013
Holy Motors, de Leos Carax ****
A multiplicidade de personagens interpretadas por um protagonista
misterioso (Denis Lavant) é reflexo de um dos aspectos mais intrigantes de “Holy
Motors” (2012), que é o fato do seu roteiro compilar mais de um gênero – drama,
comédia, ficção científica, fantasia, suspense, horror. O insólito dessa
proposta não representa mera aleatoriedade. No meio desse aparente caos temático,
o diretor Leos Carax estabelece uma lógica própria e de encanto perturbador. A
diversidade de gêneros propicia que Carax se aventure por abordagens formais
diferentes que tanto podem se complementar quanto entrarem em choque. É como se
o espectador entrasse numa montanha russa sensorial. Se por vezes as situações
da trama e a concepção estética enveredam por um visual delirante e pela
narrativa de caráter simbólico, em outros momentos a linguagem beira o
naturalismo. Assim, a criatividade textual e estilística da Carax é intensa em “Holy
Motors”, fazendo com que até mesmo Paris se torne um personagem próprio, com a
cidade variando do retrô até uma ambientação onírica e/ou futurista. A
desconcertante conclusão da obra, de viés fabular, mais levanta dúvidas do que
esclarece a loucura narrativa apresentada. Tal desfecho, entretanto, é coerente
com o perfil artístico de “Holy Motors” e acentua ainda mais a visão
inquietante do mundo pelos olhos de Carax.
segunda-feira, junho 10, 2013
Terapia de risco, de Steven Soderberth ***1/2
Nos seus filmes mais recentes, Steven Soderbergh tem seguido
por uma abordagem bem definida. Trabalhando em gêneros delimitados (drama, ação,
filmes catástrofes) e usando por base roteiros de tópicos clássicos, o que
interessa para o diretor é fazer um exercício estético baseado na concisão
narrativa e numa abordagem emocional distanciada. O efeito sensorial é
estranho, no sentido de que Soderbergh parece querer desconstruir e esmiuçar os
mecanismos de todos esses gêneros em que se aventura. Isso fica evidente também
em “Terapia de risco” (2013), obra em que o diretor tem como arquétipo a
estrutura do suspense. A trama é bastante engenhosa em seu desenvolvimento –as viradas
dramáticas realmente conseguem surpreender. Mas é em determinadas nuances estilísticas
que a produção se mostra efetiva em sua transcendência artística – a direção de
fotografia repleta de sutilezas de iluminações e enquadramentos, a montagem de
encadeamento fluido, os elegantes temas da trilha sonora, a variação de
composições dramáticas de seu elenco (é notável como Soderbergh consegue tirar Channing
Tatum de forma convincente do seu perfil de galã canastrão).
sexta-feira, junho 07, 2013
A visitante francesa, de Hong Sang-soo ***1/2
Há uma sofisticação narrativa na produção sul-coreana “A
visitante francesa” (2012) que se esconde atrás da sua enganosa aparência de “amadorismo”
formal e ingenuidade temática. Os “zooms” repentinos de enquadramentos e os
tons esmaecidos de fotografia na verdade compõem uma obra de dinâmica fluida e
de naturalidade admirável. Por vezes, até lembra aquele estilo casual do francês
Eric Rohmer, de abordagem de certo distanciamento emocional, que no final das
contas mais acentua uma insuspeita ironia. O estranhamento desse formalismo
diferenciado encontra ressonância num roteiro que combina habilmente uma
encenação naturalista com eventuais passagens de humor quase anedótico e até de
um inesperado teor onírico. Essas concepções artísticas personalíssimas do diretor
Hong Sang-soo se mostram em sintonia com a extraordinária atuação de Isabelle
Huppert, que varia com sutileza entre a contenção dramática e a comicidade
discreta.
quinta-feira, junho 06, 2013
O abismo prateado, de Karim Aïnouz ***
Em seus dois terços iniciais, pode-se dizer que “Abismo
prateado” (2011) apresenta uma concepção formal em sintonias com outras obras
anteriores do diretor Karim Aïnouz. Privilegia-se uma narrativa de tons
sensoriais – o foco está concentrado muito mais nas reações e expressões da
personagem Violeta (Alessandra Negrini, em atuação visceral) do que na explicação
dos motivos de suas angústias. Essa opção faz com que haja uma atmosfera tensa
e perturbadora para o filme. Aos poucos, as explicações vão surgindo, em
pequenos e sutis detalhes do roteiro. Aïnouz revela uma expressiva
engenhosidade temática: ao expor as entranhas do intimismo de uma relação
amorosa, também evidenciando uma série de questionamentos a valores
pequeno-burgueses de suas criaturas. No terço final, a produção toma um
direcionamento diverso, quando Violeta conhece uma menina e seu pai, família de
origem humilde, o que faz com que ela questione as suas motivações. Tal recurso
da trama parece sugerir um desejo de Aïnouz em se aproximar daquele cinema mais
sentimental e de valorização do “Brasil profundo” típico das produções de
Walter Salles e afilhados. Faz pensar ainda na busca de uma maior
acessibilidade em busca da ampliação de seu público. Esse direcionamento acaba
tirando muito do impacto de “Abismo prateado”, fazendo temer uma possível
diluição do traço autoral de Aïnouz.
quarta-feira, junho 05, 2013
Depois de maio, de Olivier Assayas ****
A trilha sonora de “Depois de maio” (2012) é bastante emblemática
em relação à própria abordagem temática e estética do filme. Entre tais temas
melódicos, prevalece um cancioneiro roqueiro situado entre final dos anos 60 e
início dos 70, com enfoque maior para um amálgama de músicas que se situam
entre o folk pastoril, o psicodélico e o progressivo. Pois o que se vê na tela é
justamente a tradução visual dessa ambiência sonora. Olivier Assayas concebe
uma narrativa que se situa num universo quase à parte – as situações de
conflitos típicos da época (início dos anos 70, na ressaca do célebre maio de
1968) e os dilemas dos personagens são encenados com uma leveza desconcertante
(a trágica morte de Maria, por exemplo, beira o poético). O roteiro tem tintas
autobiográficas inspiradas na vida de Assayas, mas há uma ambiguidade intrigante
na forma com que a trama se desenrola, pois por vezes o filme beira o
fetichismo através de um registro audiovisual que privilegia a idealização,
cuja direção de fotografia valoriza o tipo físico jovem e belo de seu elenco
principal e também rústicas paisagens interioranas, ao mesmo tempo que a
história traz um forte conceito de desilusão com certos ideais políticos e
comportamentais. Assim, o olhar de Assayas é marcado pela complexidade e pela
ausência de maniqueísmos. A atmosfera nostálgica de uma época em que jovens se
metiam efetivamente em conflitos políticos e sociais, buscavam alternativas de
vida no campo das relações amorosas e tinham uma vivência mais intensa com atividades
culturais se choca com algumas das amargas conseqüências dessa vivência. E é na
força dessa dualidade de “Depois de maio” que reside o seu forte impacto
sensorial, em que o imaginário do espectador é jogado para dentro do dissoluto
espírito de uma época.
terça-feira, junho 04, 2013
A face, de Ruggero Deodato ***
Mesmo lançado numa época em que o cinema de horror italiano
começava a dar os seus primeiros sinais de decadência, “A face” (1988) ainda
conserva alguma das boas qualidades características daquela corrente cinematográfica.
O tema pode ser um tanto batido e a abordagem formal não apresenta qualquer
novidade, mas o diretor Ruggero Deodato consegue por vezes impressionar ao elaborar
uma perturbadora atmosfera de sordidez e violência na sua narrativa. O filme é
um curioso pastiche de determinadas vertentes do terror italiano, revelando
principalmente influências das obras giallo de Dario Argento e dos climas
macabros e góticos das produções mais expressivas de Mario Bava. O gosto de
Deodato por um certo barroquismo exagerado encontra ressonância nos ostensivos
temas da trilha sonora concebida por Pino Donoggio e na composição dramática de
Michael York no papel do protagonista – por mais
que o ator em alguns momentos revele tendências para o canastrão, é inegável
que sua atuação over realça os aspectos grotescos de seu personagem.
segunda-feira, junho 03, 2013
O último concerto, de Luigi Cozzi **
Num primeiro momento, dá até para pensar que “O último
concerto” (1976) representa uma inesperada fuga do diretor italiano Luigi Cozzi
do universo dos filmes de gênero. Afinal, não é uma obra de horror, suspense ou
ficção científica. Um olhar mais minucioso e a compreensão do momento histórico
de sua realização, entretanto, faz com que se perceba que se trata de uma
produção de gênero, só que na linha dos melodramas. Afinal, a década de 70 também
foi marcada pelo enorme sucesso e influência de “Love Story” (1970). Cozzi
mimetiza de forma sincera e desajeitada boa parte dos truques estéticos e
emocionais de sua fonte inspiradora: tema musical meloso onipresente, roteiro
esquemático (inclusive com direito a um dos principais personagens com uma
doença incurável) e sentimentalismo açucarado em doses industriais. O resultado
final por vezes é constrangedor no seu teor derivativo e nos golpes
sentimentais grotescos. Por seus méritos formais, o filme nunca ultrapassa além
do meramente descartável, mas acaba valendo uma conferida por se tratar de uma
curiosidade histórica emblemática de uma era.
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