Parece o tipo de filme que é o sonho de todo jovem hipster:
a soma da pretensa visão mais crua e adulta sobre relacionamentos amorosos de “500
dias com ela” (2009) com a linguagem formal moderna e as diversas referências à
cultura pop de “Scott Pilgrim contra o mundo” (2010). O resultado final de tal
equação em “Será que?” (2013), entretanto, é indigesto. O diretor Michael Dowse
passa longe da mesma inspiração criativa dos filmes mencionados, fazendo uma
comediazinha romântica bem qualquer. Dowse se limita a reunir de forma burocrática
todos os clichês formais e temáticos possíveis das produções no estilo “boy
meets girl”, procurando dar uma enganada com cansativos diálogos engraçadinhos
bestas metidos à inteligente e um elenco mais desglamorizado na caracterização.
Nada contra o gênero que o filme milita, afinal tanta coisa boa já se fez nessa
linhagem de produções (é só lembrar alguns trabalhos clássicos de John Hughes
nos anos 80). O problema de “Será que?” é que falta convicção e tensão na sua
encenação. Não basta ter Daniel Radcliffe com um eterno ar aparvalhado e umas
piadinhas “inteligentes” e achar que isso é um atestado de contemporaneidade e
relevância.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, fevereiro 27, 2015
quinta-feira, fevereiro 26, 2015
O último concerto, de Yaron Zilberman **
Há um conflito interessante dentro da trama de “O último
concerto” (2012) – numa discussão entre o primeiro violinista Daniel (Mark
Ivanir) e o segundo violinista Robert (Phillip Seymour Hoffman), este último
questiona o procedimento de se fazer, por parte do quarteto de cordas ao qual
pertencem, interpretações rígidas com base em partituras marcadas de uma
determinada obra de Beethoven. Robert defende uma abordagem mais livre e espontânea
na interpretação do quarteto ao invés de previsibilidade e assepsia confortáveis
ao qual o grupo se acostumou. Tal conflito ganha um caráter simbólico diante
das agruras que cada um dos membros do quarteto sofrem em suas vidas pessoais.
Se essa premissa temática parece ambiciosa e promissora, o resultado final se
revela bem distante de tais expectativas. A abordagem do diretor Yaron
Zilberman se mostra mais em sintonia com aquilo que o personagem Daniel deseja
para a sua arte, ou seja, eficiente no seu formalismo correto, mas sem grandes
arroubos criativos e de uma estética fria e despersonalizada. Mesmo o aparente
cerebralismo e elegância de sua condução narrativa e concepção visual na
realidade escondem simplificações e soluções superficiais para os dilemas mais
complexos do roteiro. Diante de tais equívocos, faz pensar que o próprio
Zilberman não entendeu direito o sentido de algumas das sutilezas da trama de “O
último concerto”.
quarta-feira, fevereiro 25, 2015
Sniper americano, de Clint Eastwood ****
Em uma das primeiras cenas de “Sniper americano” (2014), o
protagonista Chris Kyle aparece em uma floresta ainda criança em sua primeira
caçada ao lado do pai. Já mais para o final, o personagem, já adulto, surge na
mesma floresta ensinando o seu filho a caçar. O contraponto entre tais momentos
não é gratuito – esse recurso narrativo evidencia a sobriedade e sutileza de
Clint Eastwood em sua abordagem de uma temática tão espinhosa e polêmica que é a
história real do principal atirador de elite do exército norte-americano na última
invasão ao Iraque (com maior enforque, é claro, no período em que Kyle
participou do conflito). A narrativa parece se dividir em dois gêneros
distintos: por um lado é um drama intimista ao expor os dilemas pessoais do
protagonista diante da família e sociedade devido à natureza do seu trabalho;
por outro, é um brutal filme de guerra, retratando com realismo e notável
virtuosismo formal violentas e tensas sequências de ação. Um dos grandes méritos
artísticos de Eastwood é saber conciliar com naturalidade e precisão essas
faces diferentes do mesmo filme, fazendo com que a ligação entre elas seja intrínseca.
Para isso, o diretor se vale de recursos estéticos eficientes e que fogem de
obviedades banais, em que soluções fáceis como registro visual épico ou temas
musicais grandiosos são dispensados em prol de um estilo conciso de filmar e
editar. O resultado de tais opções tem um impacto mais perene e perturbador que
a grande maioria do que se faz no gênero atualmente. A brutalidade
sanguinolenta da guerra não é glorificada ou atenuada, tendo-se a impressão de
que cada bala disparada traz uma conseqüência dolorosa. Isso tudo demonstra a
grande maturidade artística de Eastwood, em que independente de escolher um
lado ideológico, o que realmente parece importar é mostra a complexidade do
contexto que envolve o protagonista. O moralista Kyle, em bela composição dramática
de Bradley Cooper, é tomado por um patriotismo obtuso, que por vezes o deixa à
beira do desumano. Ao mesmo tempo, entretanto, suas crenças pessoais são
sinceras. Diante de tal dilema, a obra de Eastwood evita um julgamento moral
definitivo sobre o personagem, formatando-se como um melancólico e contundente conto
crepuscular sobre os tempos confusos que vivemos.
terça-feira, fevereiro 24, 2015
Miss Violence, de Alexandro Avranas ***
É quase natural relacionar a produção grega “Miss Violence” (2013)
com a atual conjuntura conturbada social-econômica de seu país de origem. A temática
que aborda uma família disfuncional em meio a episódios de incesto e prostituição
e a estética baseada em um misto de realismo e violência gráfica berrante
colaboram para essa analogia existencial. Com o desenrolar da narrativa,
entretanto, essa relação vai se mostrando cada vez mais rarefeita. Isso porque
a abordagem artística do diretor Alexandro Avranas vai abandonando maiores
traços de sutileza e tensão psicológica e envereda para uma estética exagerada
típica de um filme de horror. Boa parte dos personagens masculinos é mostrada
de forma abjeta e animalesca, o sexo sempre é encenado em um contexto de
degradação, situações envolvendo tabus morais se desenvolvem sob uma ótica que
resvala no humor negro – nesse conjunto, acaba lembrando o polêmico “A serbian
film” (2010). Esse gosto pelo excessivo por parte de Avranas pode retirar parte
considerável da densidade dramática de “Miss Violence”, mas também é inegável
que faz com que permeie no filme uma certa atmosfera entre o gótico e o barroco
e que acaba remendo a produção em questão para um universo insólito que beira o
fantástico.
segunda-feira, fevereiro 23, 2015
Caminhos da floresta, de Rob Marshall **1/2
Confesso que é quase irresistível escrever sobre “Caminhos
da floresta” (2014) e mencionar “Sweeney Todd – O Barbeiro demoníaco da Rua
Fleet” (2007), outra produção que também adaptava um musical do Broadway de
autoria de Stephen Sondheim para o cinema. No filme de Tim Burton, havia a
preocupação em manter a fidelidade com os temas musicais e o roteiro original
da produção teatral, mas sem que com isso se sacrificasse a dinâmica e a
linguagem cinematográficas, preservando ainda a marca autoral inerente ao
diretor. O resultado foi um dos melhores filmes de Burton. Já nessa obra mais
recente, a transposição não se opera sobre uma equação tão precisa. Os temas
musicais são marcantes e dá para perceber que o subtexto do roteiro tem contundência
dramática e simbologia notáveis no caráter transgressivo com que revê os clichês
básicos dos clássicos contos de fada. Esses aspectos positivos não encontram
ressonância, entretanto, no formalismo convencional do diretor Rob Marshall. O
ritmo narrativo se mostra por vezes truncado e enfadonho e a encenação é um
tanto afetada e sem vigor, fruto provável da dificuldade em formatar a
dramaturgia original dentro de uma linguagem cinematográfica.
sexta-feira, fevereiro 20, 2015
Paz, amor e muito mais, de Bruce Beresford 1/2 (meia estrela)
Para falar a verdade, “Paz, amor e muito mais” (2011) é tão
ruim que nem dá vontade de enumerar as razões para a obra em questão ser um equívoco
tão grande. Afinal, produções desastrosas sempre fizeram parte da história do
cinema em qualquer época. O que desperta realmente curiosidade ao se comentar
uma obra como essa é tentar entender o que leva uma atriz com o histórico e
importância de Jane Fonda a participar de um abacaxi de tal naipe. Afinal,
estamos falando de uma atriz que ganhou dois Oscars e, mais importante, teve
participações expressivas em produções de relevância como “Klute – Seu passado
a condena” (1971), “Julia” (1977) e “Amargo regresso” (1978), obras essas que
revelavam um considerável grau de inconformidade artística na Hollywood dos
anos 70. Dessa forma, como ela pode se contentar com um trabalho tão raso e
pueril quanto “Paz, amor e muito mais”? Ou aguentar ficar em cena com nulidades
dramáticas como Jeffrey Dean Morgan ou Elizabeth Olsen? Ou apresentar uma
interpretação tão caricatural? Uma improvável falta de grana (afinal, é a
mulher que foi casada com o milionário Ted Turner)? Caduquice? Faltas de papéis
femininos decentes? E já que se está nesse embalo de tantas perguntas, caberia
até entrar em pauta o próprio diretor Bruce Beresford, um cara que tem no seu
currículo alguns trabalhos marcantes como “Crimes do coração” (1986) e “Conduzindo
Miss Daisy” (1989). Sejam quais forem as respostas para tais questionamentos,
talvez a única certeza é que “Paz, amor e muito mais” é algo a se esquecer para
Fonda e Beresford.
quinta-feira, fevereiro 19, 2015
Corações de ferro, de David Ayer **1/2
Em linhas gerais, o roteiro de “Corações de ferro” (2014) é
o supra-sumo da reunião de clichês de aventuras situadas na 2ª Guerra Mundial:
um sargento durão (mas, no fundo, com bom coração) comanda um regimento “variado”
de tipos, indo de um religioso de bom senso, passando por um latino
engraçadinho e chegando num cara feioso, sujo e toscão (e, assim como o
referido sargento, com um lado sentimental e bonzinho). Recém chegado a esse
grupo tem um soldado cheio de ideais pacifistas e de forte natureza
contestatória, mas que com o tempo aprende a respeitar seus companheiros e se
torna tão eficiente quanto eles na tarefa de matar nazistas. Depois de passarem
por alguns difíceis percalços em batalhas sangrentas, encontrarão a redenção
num conflito final suicida contra uma tropa gigantesca de alemães, numa carnificina
incessante com direito a lições de honradez e patriotismo e alguns auto-sacrifícios
sangrentos. É claro que o único sobrevivente é o tal do noviço, que por fim
reconhece na totalidade o heroísmo de seus colegas. Sim, isso já foi visto
incessantemente em obras do gênero, mas não é isso que torna o filme do diretor
David Ayer tão frustrante. O problema é que todos esses lugares comuns são
formatados sob uma ótica burocrática e sem inspiração. As situações se sucedem
de forma protocolar e esquemática, com uma encenação que se limita ao
competente. Não há aquele virtuosismo brutal e alucinado de “O resgate do
soldado Ryan” (1998) ou a atmosfera de doentia tensão de “Bastardos inglórios”
(2009). As interpretações canastronas do elenco em geral (com “destaque” para
um Brad Pitt no auge da inexpressividade) são reflexos das concepções nada
ousadas de “Corações de ferro”.
quarta-feira, fevereiro 18, 2015
Birdman ou (A inesperada virtude da ignorância), de Alejandro González Iñarritu ***
O segundo título de “Birdman ou (A inesperada virtude da
ignorância)” (2014) representa aquele que é o grande ponto fraco do filme em
questão: a vontade de em vários momentos explicar para o espectador o sentido
do seu subtexto. Nesse sentido, há um outro exemplo latente dessa tendência da
obra do diretor mexicano Alejandro González Inarritu que é a personagem Sam
(Emma Stone) – em momentos cruciais da trama, as falas dela querem sintetizar
as razões existenciais dos conflitos e dilemas do protagonista Riggan Thomson
(Michael Keaton), não deixando muita margem para interpretações de quem assiste
ao filme. É claro que daria para dizer que Sam representa uma espécie de consciência
não só de Riggan como da própria obra, mas tal consciência também retira parte
considerável da inquietação e sensação de incômodo da atmosfera de delírio que é
a tônica da produção. Se tais equívocos tornam a fluência narrativa de “Birdman”
um tanto irregular, também não dá para dizer que o trabalho de Iñarritu seja um
fracasso. A encenação proposta pelo cineasta, no seu registro misto de fantasia
e realismo, traz uma desenvoltura vigorosa, em que o encadeamento alucinado de
planos-sequência, combinado com a trilha sonora insólita a base de solos jazzísticos
de bateria, dá aquela impressão vertiginosa de alguém que entra num vórtice de
medo, tensão e esquisitas alucinações que sugerem uma iminente ruptura mental e
criativa. O uso dos efeitos especiais é perfeitamente funcional com o espírito
do filme, apresentando em determinadas seqüências um forte encanto imagético.
“Amores brutos” (200) continua sendo a obra mais expressiva
de Iñarritu, mas as inquietações formais de “Birdman” mostram que o diretor se
recuperou dos auto-indulgentes “21 gramas” (2003) e “Babel” (2006) e ainda é um
nome que merece alguma consideração no panorama cinematográfico atual.
sexta-feira, fevereiro 13, 2015
Blackfish, de Gabriela Cowperthwaite ***1/2
O que diferencia “Blackfish” (2013) dos inúmeros documentários
televisivos sobre animais e natureza é a sua contundente concepção artística e
existencial. Ao invés de fazer um simples libelo ecológico, o filme da diretora
Gabriela Cowperthwaite apresenta uma visão sombria e pessimista sobre a própria
natureza do comportamento humano, pois o que horroriza a quem assiste à produção
em questão, na realidade, não são os episódios violentos em que as orcas “amestradas”
de parques aquáticos mutilam ou matam seus treinadores. A verdadeira crueldade
exposta na obra está no doloroso processo de captura e treinamento dos animais.
O descaso e a ganância dos “proprietários” das orcas levam a um gradual e
irreversível avanço de danos mentais aos animais, resultando em bichos
transtornados e imprevisíveis em seus acessos de fúria. Cowperthwaite traça uma
narrativa tensa, detalhista e repleta de um sutil subtexto crítico aos valores
morais da sociedade ocidental. Em um dos momentos mais devastadores de “Blackfish”,
cientistas explicam aspectos peculiares da psique das orcas, demonstrando que a
estrutura de seus cérebros as tornam socialmente mais sensíveis que os próprios
seres humanos e fazendo, por conseqüência, que os relacionamentos entre elas
sejam mais complexos em termos de estruturas afetivas e familiares. Em
contraponto desconcertante, o documentário também apresenta homens e mulheres,
em sua maioria, bestificados por dinheiro, entretenimento fácil e alienação
conveniente. Nessa oposição se encontra talvez o ponto de maior transcendência
do trabalho de Cowperthwaite. Nem a aparente conclusão conciliatória e
esperançosa de “Blackfish” consegue apagar essa incômoda impressão.
quinta-feira, fevereiro 12, 2015
O ataque dos vermes malditos, de Ron Underwood ***
Boa parte do que se produz na atualidade no gênero da
aventura fantástica é marcada por dois pontos básicos: efeitos especiais
digitais empenhados em fazer tudo parecer “real” e roteiro com forte propensão
ao dramático e que se levam a sério demais. Os exemplos são vários: as
franquias “Harry Potter” e “Harry Potter”, qualquer coisa baseada nos quadrinhos
da Marvel e DC (com a exceção, é claro, do bem humorado “Os guardiões da Galáxia”).
Assim, assistir a uma produção como “O ataque dos vermes malditos” (1990) acaba
tendo de forma inevitável um caráter nostálgico. O filme dirigido por Ron
Underwood pode ser considerado uma bobagem datada pelos mais ranhetas. De certa
forma, dá até para concordar com eles. É inegável, entretanto, que se trata
também de uma boa diversão escapista. Underwood, provavelmente, não estava
tentando realizar nenhuma grande obra de arte – queria fazer apenas uma
revitalização competente dos filmes de monstro que grassavam aos montes nas
salas de cinema entre os anos 50 e 70. E o cara conseguiu seu objetivo, pois seu
filme é uma combinação bem azeitada de ação e tiração de sarro, em que os
momentos de tensão e humor conseguem interagir de forma convincente, com
direito, inclusive, a tiradas irônicas em relação à paranóia nuclear e ao medo
de uma invasão comunista. Além disso, as trucagens podem até parecer toscas
perto do que se faz hoje em tempos de constantes inovações tecnológicas, mas, ainda
sim, trazem um certo encanto visual na sua mistura de fuleiragem e
criatividade. As interpretações canastronas do elenco também demonstram uma
eficiente sintonia com o espírito de sacanagem/homenagem da produção.
quarta-feira, fevereiro 11, 2015
Grandes olhos, de Tim Burton **1/2
Em alguns de seus filmes mais recentes como “Frankenweenie”
e “Sombras da noite”, ambos de 2012, Tim Burton foi acusado por boa parte do público
e crítica de estar se repetindo. Mas o que alguns podem entender como mera
reciclagem preguiçosa, na visão de outros, como este que vos escreve, pode se
tratar apenas de depuração de um estilo muito pessoal de fazer cinema. No caso
de Burton, sua habitual equação artística é ao mesmo tempo simples e indelével:
concepção visual entre o barroco e o onírico, narrativa de tom fabular,
elementos temáticos bizarros e senso de humor ácido em relação às
idiossincrasias da sociedade dita “normal”. O melhor de sua cinematografia
sempre girou em torno disso e sua identificação como cineasta autoral está na
conjunção de tais características. Assim, “Grandes olhos” (2014) pode até
representar algo “diferente” para aquilo com o qual se está acostumado em relação
ao diretor norte-americano. É uma cinebiografia vinculada a um estilo mais
realista de filmar, dirigida até com competência e razoável fluência. Em poucos
momentos, entretanto, dá para sentir algum toque mais pessoal e criativo de
Burton. A produção é rigorosamente previsível e acadêmica na sua narrativa e
estética. Enfim, a mudança no direcionamento do cineasta não implica em
criatividade ou ousadia da sua parte, mas numa simples adequação a ditames artísticos
derivativos. E nem dá para culpar o gênero no qual Burton se aventurou, pois
ele já havia tido resultados bem superiores com a obra-prima “Ed Wood” (1994),
no qual ele recriava fatos reais sob uma ótica singular e delirante.
terça-feira, fevereiro 10, 2015
O homem mais procurado, de Anton Corbjin **
No plano teórico, “O homem mais procurado” (2014) tinha tudo
para ser um ótimo filme: direção de Anton Corbijn (que já tinha se dado muito
bem no gênero “thriller de suspense” com o extraordinário “Um homem misterioso”),
uma trama baseada em romance de John Le Carré (escritor que teve algumas ótimas
adaptações de seus livros para o cinema como “O alfaiate do Panamá” e “O espião
que sabia demais”), Phillip Seymour Hoffman atuando como protagonista. Tal
conjunção de elementos promissores, entretanto, não resultou em um produto
final memorável. A encenação concebida por Corbijn é tediosa e previsível, não
trazendo aquela particular atmosfera densa e sombria de seus filmes anteriores.
Personagens e situações se desenvolvem de forma mecânica e pouco natural –
parece que a preocupação do diretor ficou apenas em emular os clichês mais básicos
dos filmes de espionagem sem grandes convicções. E o próprio roteiro não ajuda
no quesito tensão, não causando aquelas sensações de empatia e expectativa
necessárias para esse tipo de produção. Há detalhes novelescos que revelam um
grau de superficialidade e inverossimilhança incômodas: o que dizer da mocinha
advogada que se apaixona pelo suspeito de terrorismo? Ou o veterano chefe de um
grupo de espiões que se deixa enganar das formas mais ingênuas possíveis?
Coroando todos esses equívocos, há a atuação estilo “piloto automático” de
Hoffman que já dá alguns indícios que as coisas realmente não iam muito bem com
ele. Mas não é nele que está o grande ponto negativo do elenco: Rachel McAdams é
uma atriz bonita e simpática que até funciona em comédias românticas e afins;
em obras de maior densidade dramática, ela simplesmente se torna inexpressiva.
segunda-feira, fevereiro 09, 2015
Amor, plástico e barulho, de Renata Pinheiro ***
A diretora Renata Pinheiro foi colaboradora em alguns dos
principais filmes do recente cinema pernambucano, como “A erva do rato” (2011) e
“Tatuagem” (2013). Essa experiência prévia fica evidente em seu longa de estréia,
“Amor, plástico e barulho” (2013) – tal obra se mostra em sintonia existencial
e artística com os trabalhos citados. E no que consiste essa relação? Em termos
estéticos, é o uso de um formalismo audacioso e sem medo de afrontar os limites
do bom gosto, enquanto a parte temática versa sobre o questionamento da moral
pequeno burguesa e a valorização de elementos culturais populares. Na produção
dirigida por Renata, essa conjunção fica patente em alguns elementos
fascinantes: a direção de arte criativa e esfuziante que gera um sensorialismo
atordoante e por vezes encantador, a constante atmosfera hedonista que varia
entre o sórdido e o ingênuo, o senso imagético marcante em algumas cenas (com
destaque para a ambientação lânguida e perversa na sequência de abertura, o
melancólico número musical do ensaio de uma apresentação e a passagem onírica
dentro de um ônibus), a marcante trilha sonora misturando bagaceirismo e
modernidade. Por outro lado, Pinheiro não tem a mesma classe de Cláudio Assis e
Hilton Lacerda para manter uma narrativa equilibrada e fluente. Ainda sim, “Amor,
plástico e barulho” honra a tradição recente cinematográfica de Pernambuco ao
se configurar como uma obra incômoda, ousada e vivaz.
sexta-feira, fevereiro 06, 2015
The Rover, de David Michôd ****
O diretor australiano David Michôd conseguiu uma proeza notável
em “The Rover” (2014): combinar ficção científica futurista apocalíptica estilo
“Mad Max” com ambientação de faroeste moderno na linha “Rejeitados pelo diabo” (2005)
e “A proposta” (2005), sem soar forçado ou ridículo. Pelo contrário, pois o
filme tem uma fluência narrativa impressionante e um senso de encenação muito
afiado, além de Michôd saber extrair ao máximo as possibilidades visuais criativas
de seus cenários, tanto nas paisagens desoladas dos desertos australianos
quanto nas locações de casas e vilarejos em ruínas, criando um universo
particular, mas que também se apresenta próximo da nossa realidade de forma
perturbadora. Michôd concilia ainda com bastante naturalidade dois aspectos
latentes da produção. Por um lado, há um rigor na criação de seqüências valorizando
um ritmo mais reflexivo e atmosférico, enfatizando silêncios e gestuais
expressivos, principalmente em cenas com o protagonista Eric (Guy Pearce). Ao
mesmo tempo, o filme tem momentos em que a ação brutal se manifesta de forma
abrupta e impactante, com uma riqueza imagética exemplar no seu grafismo
violento e na desenvoltura da coreografia de tiroteios e porradaria, fazendo
lembrar os bons tempos das produções de aventura casca-grossa dos anos 80.
Coroando esse filmaço, não há como não registrar um fenomenal trabalho na direção
de atores, com belas composições dramática de Pearce, assustador na sua síntese
entre o lacônico e o atormentado, e Robert Pattinson, surpreendente como
bandido caipira apalermado.
quinta-feira, fevereiro 05, 2015
Nascidos em bordéis, de Ross Kauffman e Zana Briski **1/2
Dentro do gênero “documentário sociológico”, “Nascidos em
bordéis” (2004) não chega a ser exatamente um grande marco estético. A
abordagem formal dos diretores Ross Kauffman e Zana Briski é apenas correta, não
apresentando grandes ousadias em sua estrutura narrativa. Por outro lado, é
provável que a intenção principal dos realizadores não estivesse concentrada no
campo artístico – afinal, a própria Briski é uma “personagem” constante em
cena, tendo uma relação emocional direta com as crianças e adolescentes indianos
que são os protagonistas do filme. A real preocupação dela está na denúncia das
condições degradantes em que aqueles indivíduos se encontram e também na
procura de alguma solução para tal problema. Nesse sentido, o estilo de filmar
presente no documentário acaba sendo um complemento adequado para tais intenções
– o registro da obra por vezes é seco e contundente aos expor cenários, situações
e pessoas de um ambiente miserável e sem perspectivas, o que acaba causando um
certo impacto emocional para o espectador e que é necessário para as intenções
sociais de Briski. Se algumas escolhas dos realizadores soam sentimentais em
excesso, também é de se convir que elas são inerentes à própria natureza da
obra em questão.
quarta-feira, fevereiro 04, 2015
Foxcatcher, de Bennett Miller **1/2
Por toda a duração de “Foxcatcher” (2014) dá para perceber
com clareza os mecanismos de sua proposta artística: ao mesmo tempo que o
roteiro explicita as pretensas ambições cívicas e morais do milionário John Du
Pont (Steve Carell) em discursos e depoimentos pomposos, com direito a temas épicos
musicais de fundo, também há a contraposição com as reais atitudes mesquinhas e
psicóticas do mesmo personagem. Nesse sentido, dá até para dizer que as intenções
do diretor Bennett Miller são ousadas na desconstrução do patriotismo e
moralismo obtusos da sociedade norte-americana contemporânea. A abordagem
formal de “Foxcatcher”, entretanto, não consegue acompanhar tal ousadia. A mão
do cineasta pesa demais no ritmo narrativo da produção, fazendo com que sobre o
filme paire de forma constante uma atmosfera solene e desprovida de sutileza e
vivacidade. Falta na direção de Miller uma malícia, um senso de ironia, que
daria ao seu trabalho uma efetiva dimensão universal. Do jeito que ficou,
parece uma reciclagem um pouco mais sofisticada daqueles documentários
televisivos que recriam crimes escabrosos. A própria atuação afetada e
artificiosa de Carell é um reflexo de uma concepção que se leva a sério em
excesso. Nas poucas vezes que Vanessa Redgrave entra em cena, em uma composição
que é só de sedutoras nuances dramáticas, e nas vigorosas tomadas de combates
de luta olímpica “Foxcatcher” ganha alguma fluência em termos de encenação.
Tais momentos sugerem o que a obra de Miller poderia ter sido.
terça-feira, fevereiro 03, 2015
O enigma chinês, de Cédric Klaspich **
O objetivo do diretor francês Cédric Klaspich na trilogia “O
albergue espanhol” (2002), “Bonecas russas” (2004) e “O enigma chinês” (2013)
era ao mesmo tempo simples e ambicioso: traçar a trajetória pessoal de um punhado
de personagens, mostrando questões como amadurecimento e busca por estabilidade
emocional entre jovens adultos europeus de classe média, com foco principal no
protagonista Xavier (Romain Duris), um aspirante a escritor sempre enrolado em
questões sentimentais. Ocorre, entretanto, que ao observar a obra que dá
conclusão a esse projeto, fica-se com a impressão de que as boas intenções artísticas
do realizador ficaram somente no plano das ideias mesmo. O grande problema do
filme de Klaspich é que sua estrutura narrativa se baseia em uma abordagem um
tanto superficial e banal, que apenas tangencia de forma ligeira o cerne de
situações complexas. Ao invés de optar por uma visão contundente e lúcida sobre
os assuntos centrais de sua temática, o que implicaria numa estética mais
apurada, o cineasta se contenta em formatar tudo como uma comédia romântica
derivativa. É claro que por vezes “O enigma chinês” cativa o espectador pela
comicidade de algumas sequências, além do carisma natural de seu elenco
principal. No geral, entretanto, a trama se desenrola sem o menor traço de tensão
dramática, em que todos os dilemas de seus personagens se resolvem com
facilidade incômoda. O cândido final feliz reservado para Xavier é uma síntese
das escolhas pouco ousadas da produção e da própria trilogia.
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