Se em “Frances Ha” (2012) o diretor Noah Baumbach fazia uma
espécie de releitura contemporânea de alguns dos maneirismos habituais da
Nouvelle Vague, em “Mistress America” (2015), sua nova colaboração com atriz e
roteirista Greta Gerwig, ele faz a revitalização moderninha daquelas comédias norte-americanas
amalucadas dos anos 30 e 40. Usando como personagens estudantes esnobes de literatura,
pseudointelectuais e figuras boêmias da noite nova-iorquina, Baumbach faz uma
espécie de inventário emocional de uma geração de jovens de classe média dentro
de uma estrutura narrativa que parece uma reciclagem do clássico “Levada da
breca” (1938) de Howard Hawks. Pode parecer esquisito por vezes, até porque o
cineasta deixa impresso boa parte do seu habitual estilo típico de cinema
independente contemporâneo: narrativa seca que por vezes emula um estilo
documental, roteiro de caráter naturalista, trilha sonora pop rock de acento
indie (no caso, com excelentes temas compostos pela dupla Dean & Britta,
além de antológicas canções de OMD e Suicide). Num primeiro momento, essa
mistura de referências diversas pode parecer indigesta, mas com o desenrolar da
trama o filme fica mais fluente e orgânico no seu misto de pretensão cool e
comicidade. Da metade para o fim, por sinal, fica bem engraçado, com a
protagonista Brooke (Gerwig), em suas tiradas bem humoradas e no seu porte
desengonçado, fazendo lembrar até mesmo algumas personagens memoráveis interpretadas
por Katherine Hepburn.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
segunda-feira, novembro 30, 2015
sexta-feira, novembro 27, 2015
As mil e uma noites: Volume 1 - O inquieto, de Miguel Gomes ****
Tempos conturbados como o que vivemos na atualidade podem
nos angustiar, perturbar, deprimir ou provocar algumas outras reações
negativas. Por outro lado, um cenário de crise econômica, social e cultural
também é capaz de despertar algo de muito positivo – a criatividade artística
necessária para contestar, criticar e ironizar um status quo opressor e
hipócrita. E esse é justamente o caso do extraordinário “As mil e uma noites:
Volume 1 – O inquieto” (2015), produção cinematográfica portuguesa em que o
diretor Miguel Gomes destila de forma contundente o seu descontentamento com o
governo e a sociedade de seu país. Desde o início, de forma mesma expressa, o
cineasta deixa clara a sua motivação na realização da obra em questão,
colocando que a conjuntura econômica de austeridade fiscal e cortes de
benefícios sociais torna para ele impossível fazer um filme sem que tal assunto
entre dentro de sua temática. O trabalho de Gomes, entretanto, não reduz a
estética a mero veículo para um discurso panfletário. O próprio formalismo do
filme tem um viés político ao se recusar a fazer concessões de fácil digestão para
o público. Gomes combina com notável fluidez documentário, ficção e
metalinguagem, fazendo com que a encenação naturalista se entrelace de forma
estranhamente harmônica com elementos de cinema fantástico e mesmo aspectos de
desconstrução narrativa. Dessa maneira, o Portugal atual de políticas
econômicas ditadas por tecnocratas e de desemprego estrutural convive com um
país de cotidiano arcadista repleto de realismo mágico. A inventiva concepção
artística de Gomes remete a outra antológica versão desse mesmo clássico
literário, aquela perpetrada por Pasolini em 1974, filme que adaptava o
clássico texto oriental para uma linguagem de herança neorrealista. Ainda que
de estilos diversos, as obras de Gomes e Pasolini se irmanam na capacidade de refletir
seus respectivos tempos históricos em narrativas repletas de imaginação e
ironia.
quinta-feira, novembro 26, 2015
Os Maias - Cenas da vida romântica, de João Botelho ***1/2
Para o diretor português João Botelho, não bastava
simplesmente adaptar o original literário de “Os Maias – Cenas da vida
romântica” (2014) para dentro de uma linguagem cinematográfica. Para o
cineasta, primordial era preservar a essência temática da obra e valorizar a
prosa lapidada ao extremo do escritor Eça de Queiroz. Para isso, Botelho
recusou a simples encenação naturalista e apostou numa estilização formal
acentuada. A produção se baseia em truques estéticos simples e na empostação
dos diálogos. É como se a preocupação não fosse que aquilo que se vê em tela
fosse crível ou acessível para o espectador moderno, interessando mais criar
uma determinada atmosfera que se preocupasse em colocar o espectador dentro de
um vórtice sensorial. Nesse sentido, a Lisboa que se revela na obra é quase
difusa, beirando o onírico – parece uma capital portuguesa do século XIX que
habita o imaginário de um possível leitor apaixonado de Eça. O texto que brota
da tela através da narração e dos diálogos vem num tom solene, por vezes
declamado. Ao invés do anacronismo tedioso, tal recurso provoca um estranho
encantamento pela força e encadeamento dessas palavras e diálogos que denotam
uma ampla gama de sentimentos e sensações. A trama de “Os Maias” pode sugerir
em sua superfície uma tragédia novelesca, mas nas suas entrelinhas traz um fino
senso de humor a satirizar as hipocrisias e mesquinharias da sociedade
portuguesa da época. É grande mérito de João Botelho saber preservar essas
geniais nuances da escrita de Eça, traduzindo esse clima de decadência sedutora
em várias sequencias antológicas, o que fica evidente principalmente nas cenas
em que a ácida metralhadora verbal de João da Ega (Pedro Inês) se manifesta e
na lassidão perturbadora da última sequência de sexo entro Carlos da Maia (Graciano
Dias) e Maria Eduarda (Maria Flor).
quarta-feira, novembro 25, 2015
Aliança do crime, de Scott Cooper **
Tinha tudo para ser um puta filme: o mesmo diretor dos
excelentes “Coração louco” (2009) e “Tudo por justiça” (2013), a impressionante
história real que inspirou a obra-prima “Os infiltrados” (2006) e um elenco
repleto de ótimos atores. O resultado final de “Aliança do crime” (2015),
entretanto, fica bem aquém dessas altas expectativas. Por vezes, até dá para
sentir algumas fagulhas criativas que dão uma ideia do que o filme poderia ser,
principalmente em algumas sequencias de ação e violência que mostram que Scott Cooper
tem um talento natural para esse tipo de cenas. O que falta para a produção é
uma narrativa equilibrada e dinâmica que consiga conciliar esses bons momentos
de forma mais satisfatória. No geral, prevalece uma abordagem burocrática e
despersonalizada que faz com que o filme raramente consiga despertar alguma
tensão efetiva ou empatia pelas situações e personagens. O roteiro é
tremendamente superficial e derivativo, além das caracterizações dramáticas do
elenco serem afetadas e caricaturais. Falta uma densidade estética e temática
melhor trabalhada – do jeito que ficou, parece que se está vendo um episódio qualquer
daqueles programas televisivos banais sobre crimes em que a encenação parece um
mero pretexto para o conteúdo jornalístico apelativo, o que acaba sendo muito
pouco para um cineasta como Cooper.
terça-feira, novembro 24, 2015
Cativas - Presas pelo coração, de Joana Nin **1/2
É interessante observar como “Cativas – Presas pelo coração”
(2013) é uma obra que consegue ser tão emblemática tanto das qualidades quanto
dos vícios que marcam a contemporânea filmografia do documentário brasileiro. A
temática do filme em questão é bem determinada: o cotidiano das mulheres que
são namoradas e esposas de homens que se encontram cumprindo penas em
estabelecimentos prisionais. A abordagem concebida pela diretora Joana Nin
valoriza bastante o viés do dramático ao retratar as dificuldades e amarguras
que uma situação dessas pode trazer para a vida de suas protagonistas, mas por
vezes se permite um leve acento bem humorado. De certa forma, é um trabalho que
se mostra em conexões com outros exemplares recentes do gênero que buscam uma
espécie de síntese da natureza entre o sentimental, o melodramático e o brega,
a tentar buscar a essência da alma brasileira do cidadão típico dessa nova classe
C. Dentro de tal perspectiva, a cineasta abusa dos longos depoimentos em que
suas entrevistadas narram suas respectivas trajetórias de envolvimento com
amores “bandidos”. Em algumas dessas entrevistas, há nuances expressivas a
explicitar a natureza insondável de algumas escolhas pessoais. Em boa parte dos
outros depoimentos, entretanto, há uma certa atmosfera de enfado na repetição
excessiva de histórias e lamentações muito semelhantes entre si. Ainda assim,
em seu contexto geral, “Cativas” até consegue ter um saldo positivo
principalmente pelas sequências em que Nin consegue transcender a formatação
convencional. Nesse sentido, destaque absoluto para a sequência da visita
íntima, que culmina numa suarenta e ousada cena de sexo real filmada de forma
consentida. Antológica também são as tomadas finais, em que uma jovem mulher
percorre os labirínticos corredores de uma penitenciária até chegar ao pátio de
visitas e encontrar o seu amado, tudo isso ao som de uma pérola romântica de
Márcio Greyck.
segunda-feira, novembro 23, 2015
Olmo e a gaivota, de Petra Costa e Lea Glob ***
Se em “Elena” (2012) a diretora Petra Costa realizou um
documentário marcado por um subjetivismo que fazia com que a obra beirasse a
ficção, em “Olmo e a gaivota” (2014), codirigido com a dinamarquesa Lea Glob,
ela novamente se embrenha em uma fronteira nebulosa entre o real e o
imaginário. Essa produção mais recente apresenta uma estrutura narrativa
intrincada, em que as situações e os personagens podem ser considerados “verdadeiros”,
só que se desenvolvem de forma encenada, com direito, inclusive, a intervenções
diretas das realizadoras interagindo com seus atores. Esse hibrido de cinema
verdade, ficção, metalinguagem e teatro (os “personagens” são em sua maioria
profissionais do meio) apresenta um sensorialismo desconcertante, pois os
recursos estéticos não estão ali apenas para experimentos de linguagem,
mostrando também um sintonia notável com a própria temática do filme. A obra se
propõe a uma espécie de desnudamento sentimental da protagonista Olivia
Corsini, uma atriz que se descobre grávida justamente quando estava em vias de
estrear em uma ambiciosa montagem de “A gaivota”, de Anton Tchecov, acaba tendo
de abandonar a peça e entra em uma crise existencial ao ter de ficar recolhida
em casa durante o período de gestação. Através dessa história intimista, as
diretora propõem um olhar ao mesmo tempo cru e sensível da condição feminina
perante ao machismo e ao materialismo típicos da sociedade ocidental
contemporânea. E não se trata de mera chorumela sentimentalista – ainda que não
tenha a contundência formal e o clima de loucura e onirismo constantes de “Elena”,
“Olmo e a gaivota” é contundente e sem concessões no seu discurso estilístico e
de conteúdo.
sexta-feira, novembro 20, 2015
Head - Os Monkees estão soltos, de Bob Rafelson ****
Poucos filmes conseguiram captar de forma tão plena as
contradições e dilemas do anos 60 quanto “Head – Os Monkees estão soltos”
(1968). Em seu longa-metragem de estreia, o diretor norte-americano Bob
Rafelson realizou uma obra conturbada e fervilhante de criatividade alucinada,
fazendo tanto um inventário de suas obsessões artísticas quanto um comentário
ácido sobre uma época de transição e mudanças em todos os sentidos (cultura,
comportamento, política e afins). A narrativa parece obedecer a um fluxo
aleatório de referências, pensamentos e imagens. Num primeiro momento, tudo
pode parecer gratuito ou puramente experimental, como se fosse apenas uma
grande brincadeira chapada de Rafelson e dos Monkees. Aos poucos, entretanto,
essa profusão de elementos e ideias vão adquirindo um sentido singular,
configurando uma perspectiva estética e temática de caráter crítico e irônico.
Os Monkees entrando num vórtice de cenas diversas que remetem aos gêneros
cinematográficos mais clássicos, a presença constante de figuras icônicas da
cultura pop (Victor Mature, a Coca Cola), a colagem de sequencias documentais,
as trucagens que remetem a um estilo psicodélico – tudo isso se combina numa
narrativa que se estrutura como um pesadelo sem fim e que ainda soa
tremendamente ousada nos dias de hoje no seu questionamento sobre a relação
entre arte e comércio. A trilha sonora, composta por melodiosas e lisérgicas
canções da banda protagonista, é o complemento exato a sublinhar essa obra marcada
pela esquisitice formal e por uma lucidez desconcertante.
quinta-feira, novembro 19, 2015
007 contra spectre, de Sam Mendes **1/2
A franquia “007” acabou tomando um outro direcionamento a
partir do momento em que Daniel Craig assumiu o papel de James Bond. A violência
ficou mais explícita, as histórias assumiram uma atmosfera soturna e Bond se
tornou um personagem brutal e um tanto sorumbático. Para muitos, esse novo
direcionamento representava uma traição àquele perfil de produções escapistas e
divertidas, além da caracterização do protagonista que primava por um misto de
charme e canalhice, tipo esse consagrado por Sean Connery, Roger Moore e Pierce
Brosnan. Deixando esses purismos de lado, é fato que essa fase recente teve ótimos
momentos dignos de entrar em qualquer antologia do melhor que já foi feito com
o personagem criado por Ian Fleming. A ação alucinada de “Cassino Royale” (2006)
e a elegância formal de “Skyfall” (2012) mostraram que a série ainda podia
render produções cativantes. Em “007 contra Spectre” (2015), a fórmula atual,
entretanto, já demonstra evidentes sinais de cansaço. É claro que estão
presentes algumas boas sacadas estéticas (o plano-sequência inicial é
memorável), além das trucagens apresentarem um nível gráfico expressivo. O
problema dessa nova aventura de 007 é uma narrativa esquemática em excesso e
pouco criativa. O roteiro faz suceder fatos de forma mecânica e pouco
convincente, não gerando interesse ou empatia, o que se estende para uma
caracterização pouco inspirada dos personagens (Blofeld, por exemplo, é
mostrado como um vilão qualquer, e não como o antagonista mais relevante da
extensa galeria de adversário de Bond). E mesma a pretensa seriedade temática
da era Craig acaba soando ridícula diante da forma simplória com que a trama
pretende se conectar com as histórias dos produções anteriores. Tiroteios,
pancadarias e explosões se acumulam e se mostram banais e incapazes de gerar
alguma efetiva tensão para o filme. Há boatos que dizem que Craig está pensando
em sair da pele do agente secreto mais famoso do cinema. Diante de sua eterna
cara de tédio em “Spectre” e da frouxidão da obra em questão, talvez tais suposições
não sejam tão fantasiosas.
terça-feira, novembro 17, 2015
O futuro, de Mirada July **1/2
Mais do que cineasta, a norte-americana Miranda July é essencialmente
uma artista multimídia. Nesse sentido, suas produções cinematográficas mais
parecem um laboratório de suas ideias e obsessões artísticas do que
propriamente filmes perfeitamente acabados. Coerente com tal proposta, “O
futuro” (2011) pode frustrar aqueles que esperam um formalismo rebuscado ou
equilibrado. Quem estiver com a mente mais aberta para a proposta estética de
July, entretanto, pode até se sentir envolvido em algumas cenas com a narrativa
trôpega e que por vezes extrapola para o fabular. Não se trata de uma obra de
fácil digestão – as situações e dilemas do roteiro são expostos num tom
oscilante e fragmentado, com os eventos da tramas e mesmo a caracterização
psicológica dos personagens se desenvolvendo pelas vias do aleatório e do onírico.
Por vezes, predomina uma certa ambiência de distanciamento emocional. Em outras
passagens, a combinação entre intimismo cortante e elementos de ficção
científica acaba criando uma atmosfera estranha e perturbadora. Mesmo que o
resultado final de “O futuro” seja irregular, as ousadias e excentricidades de
July acabam criando algumas cenas capazes de se fixar sutilmente em nosso
imaginário.
segunda-feira, novembro 16, 2015
A floresta que se move, de Vinícius Coimbra *
O diretor Vinicius Coimbra trabalhou em algumas novelas e
outras produções televisivas da Globo nesses últimos anos. Esse seu histórico
na TV fica evidente na própria concepção artística de “A floresta que se move”
(2015), seu filme mais recente. A intenção da obra era adaptar “Macbeth”, a
clássica peça teatral de Willian Shakespeare, para o contexto contemporâneo
brasileiro, fazendo com que a bastante conhecida trama envolvendo poder,
traição, culpa e morte se enquadrasse dentro de um cenário envolvendo valores
pequeno burgueses e a rotina de picaretagens econômicas de grandes bancos. Se
as ambições de Coimbra até parecem interessantes, o resultado final,
entretanto, deixa muito a desejar. O filme naufraga de forma constrangedora em
todos os seus aspectos: o roteiro é destituído do menor traço de sutileza, a
encenação é truncada e beira o amador na caracterização de cenas e personagens,
o elenco abusa da canastrice dramática, o formalismo é asséptico e
despersonalizado evocando um reclame alongado ou mesmo um insípido capítulo de
uma novela qualquer. Se a intenção do espectador era ver uma versão
cinematográfica para um texto original de Shakespeare, é melhor procurar algum
trabalho dirigido por Kenneth Branagh. Mas se por outro o desejo da plateia é
assistir a alguma tranqueira, dá para encarar esse “A floresta que se move”.
Afinal, sua ruindade é tão escancarada que chega até a ser divertida.
quinta-feira, novembro 12, 2015
Hacker, de Michael Mann ***1/2
Desde a sua estréia nos cinemas, a trajetória de Hacker (2015) não tem sido das mais festejadas.
Grande fracasso comercial nos Estados Unidos, amplamente malhado pela crítica “especializada”,
lançado direto em DVD no Brasil. Diante de tais fatos, num primeiro momento,
poderia-se afirmar que o filme mais recente do diretor norte-americano Michael
Mann é um dos grandes fiascos do ano. Por mais que Mann seja cultuado por um
número expressivo de admiradores, não dá para dizer que essa recepção negativa
seja uma novidade para ele. Ele não é aquele típico cineasta “respeitável” que
com frequência recebe prêmios em festivais, indicações ao Oscar, várias
resenhas elogiosas de jornais e revistas. Pelo contrário – alguns de seus
melhores filmes tiveram uma recepção inicial fria por parte de críticos e foram
sucessos moderados de bilheteria. Essa recepção tem algumas explicações. Mann
começou a trabalhar na televisão (mídia considerada menos “nobre”), nunca
esteve ligado a uma turma ou movimento cinematográficos específicos (como, por
exemplo, Scorsese com o pessoal da “Nova Hollywood” ou Jim Jarmusch na ponta de
lança do cinema independente norte-americano) e se vinculou aos gêneros
policial e aventura. Para muitos, ele sempre foi visto no máximo como um
competente “tarefeiro” dos grandes estúdios. Dentro dessa lógica, sua biografia
tem semelhanças com as de outros hoje incensados diretores como John Ford,
Howard Hawks e Alfred Hitchcock: a de autores que dentro de uma estrutura
convencional de grandes produções comerciais conseguiam expressar uma visão
particular e bastante criativa da arte cinematográfica. Filme a filme, Mann construiu
uma sólida filmografia que com o passar do tempo passou por reavaliações e se
tornou peça chave na compreensão da evolução da linguagem estética do cinema
contemporâneo. Em obras-primas como Fogo
contra fogo (1995), Colateral (2004)
e Miami Vice (2005) se expandiram de forma extraordinária
os elementos artísticos mais caros do cinema de Michael Mann: a dinâmica precisa
de narrativa, a montagem elegante e moderna que tanto se vale do classicismo
quanto de influências inesperadas da estética “video-clipeira” dos anos 80
(fonte de onde William Friedkin também bebeu no seminal Viver e morrer em Los Angeles), a fotografia de notável textura
imagética (poucos diretores conseguiram aproveitar de forma tão criativa a
plasticidade da filmagem em câmera digital quanto Mann), o uso criativo de
canções e temas incidentais na trilha sonora para a construção da tensão
dramática, a caracterização sóbria de personagens, o virtuosismo insuperável no
registro de cenas de pancadaria e tiroteio. Nesse último quesito, aliás, Mann
representa uma verdadeira escola dentro do cinema de ação: enquanto Sam
Peckinpah é o mestre da violência em câmera lenta e John Woo se sobressai pelo
barroquismo exagerado na concepção da ação cinematográfica, Mann se notabilizou
por um realismo conciso e impactante.
Ainda que não esteja no nível artístico do melhor da
filmografia de Michael Mann, Hacker é uma obra que está em sintonia com aquilo
que faz dele um dos mais importantes cineastas em atividade. Na realidade, é
muito mais coerente com o estilo autoral de Mann do que Inimigos públicos (2009), obra essa que se mostrava como uma certa
descaracterização do marca estilística de Mann em nome de um academicismo
típico do gênero “filme de época” (afinal, tratava-se da recriação dos últimos
meses de vida do célebre gangster John Dillinger). Nessa produção mais recente,
Mann volta a se concentrar numa temática contemporânea, com uma trama
envolvendo jogos de espionagem e terrorismo tecnológico. Aliás, o roteiro de
Hacker é o seu ponto fraco, perdendo-se por vezes em alguns clichês baratos que
trancam a narrativa. Em um primeiro momento, Mann parece até preocupado em
provar ser “moderno” para as plateias jovens, perdendo tempo com algumas
trucagens genéricas (as tomadas “internas” em redes de computadores são chatas
e desnecessárias). Aos poucos e de forma sutil, entretanto, a narrativa vai se
assentando e a sensibilidade e técnica refinadas de Mann afloram com mais
intensidade. Ainda que o filme trabalhe dentro dos preceitos esperados de um
tradicional “thriller” de ação, pode-se perceber uma série de nuances que o
diferencia do que se faz na maioria dos casos dentro do gênero. A
caracterização taciturna e de poucas palavras do protagonista Nicholas Hathaway (Chris Hemsworth) é
exemplar dessa abordagem, fazendo lembrar o antológico personagem principal interpretado
por Alain Delon no clássico francês O
samurai (1967). Aliás, o filme de Jean-Pierre Melville é uma boa referência
para entender a encenação proposta por Mann – ao invés da narrativa de ritmo
frenético, prevalecem cenas marcadas por uma tensão discreta que desembocam em
econômicas e vigorosas sequencias de ação. A metade final de Hacker é onde a
narrativa entra em definitivo ponto de bala, com Mann extraindo uma fina
síntese de suspense cool e violência gráfica, com absoluto destaque para toda a
climática sequência de Nicholas enfrentando seus antagonistas a base de
porrada, tiros, facadas e sagacidade numa procissão religiosa em Jacarta. Tais
momentos, junto à sequência da ópera em Missão
Impossível: Nação secreta e a todo Mad
Max: A estrada da fúria, representam um dos grandes destaques do cinema de
ação de 2015.
quarta-feira, novembro 11, 2015
Dheepan - O refúgio, de Jacques Audiard ***1/2
O diretor francês Jacques Audiard teve uma
interessante sacada narrativa em “Dheepan – O refúgio” (2015) ao formatar o
filme dentro de uma estrutura clássica do gênero faroeste. É só observar os
pontos chaves da trama. A migração do Sri Lanka para a França do ex-guerrilheiro
Dheepan (Antonythasan Jesuthasan),
da jovem Yalini (Kalieaswari Srinivasan) e da pequena Illayaal (Claudine
Vinasithamby), estranhos entre si e que fingem ser uma família, fugindo de um
cotidiano de guerra constante e privações em busca de estabilidade econômica e
social traz clara relação com os pioneiros que séculos atrás desbravaram o
selvagem oeste norte-americano em busca de uma vida melhor; a rotina conturbada
da “família” em um condomínio popular francês dominado por traficantes remete
ao dia-a-dia daqueles que conviviam com pistoleiros e assaltantes de bancos e diligências
no velho oeste; o dilema existencial de Dheepan entre a recusa a assumir sua antiga
condição de homem violento e homicida e a necessidade de preservar sua
integridade física e daqueles que o cercam é o mesmo de anti-heróis antológicos
como o William Munny da obra-prima “Os imperdoáveis” (1992). Por fim, a
memorável e brutal sequência em que o protagonista invade sozinho um prédio
repleto de marginais para resgatar Yalini é o correspondente das habituais
cenas finais de duelos entre mocinhos e bandidos. Também é mérito de Audiard
conseguir enquadrar de maneira orgânica e convincente essa espécie de faroeste
contemporâneo dentro de uma perspectiva típica de um drama que varia de forma
notável entre o social e o intimista. Nesse sentido, o caráter humanista de “Dheepan”
é bastante acentuado na sua profunda e sensível caracterização psicológica de
personagens e situações, qualidade essa que Audiard já tinha mostrado domínio
em obras contundentes como “De tanto bater meu coração parou” (2005) e “O
profeta” (2009) – essa última, por sinal, uma singular recriação do gênero “policial/gangster”.
terça-feira, novembro 10, 2015
Straight Outta Compton - A história do N.W.A., de F. Gary Gray ***
O fato de Dr. Dre e Ice Cube, membros originais do N.W.A.,
serem produtores da cinebiografia do lendário grupo de rap, “Straight Outta
Comtpon – A história do N.W.A.” (2015), acaba não passando o incólume. Por
vários momentos, a produção parece ter um caráter institucional ou de marketing
pessoal dos artistas focados. Os quinze minutos finais do filme são bem
emblemáticos dessa tendência de propaganda autocelebratória. E é justamente aí
que reside as sequências mais fracas da obra dirigida por F. Gary Gray, ficando
visível um artificialismo incômodo na narrativa. Por outro lado, existem outros
motivos que fazem com que se entenda porque “Straight Outta Compton” tenha
gerado tanta empatia com uma expressiva parcela do público. Para começar, as
cenas envolvendo ensaios, gravações em estúdio e shows são empolgantes na forma
com que conjugam a música impactante do N.W.A. com uma encenação precisa e
icônica. É de se destacar ainda que Gray é um diretor competente para cenas de
ação, o que fica evidente na tensa sequência de abertura do filme, além dos
momentos que retratam o cotidiano dos personagens principais com repressão
policial e envolvimento com criminalidade. E falando nessa questão da
brutalidade da polícia, aí reside também um dos grandes méritos da produção,
que transparece uma raiva sincera e contundente por parte da população negra
nos Estados Unidos diante de uma conjuntura de sistemático desrespeito com
direitos humanos por parte de órgãos de segurança do Estado e preconceitos raciais
diversos a gerar situações humilhantes e vexatórias. O roteiro não abre
concessões e nem soluções conciliatórias e paternalistas em sua visão de mundo:
todos os personagens brancos são vistos como racistas e exploradores, enquanto
que o teor desbocado e revoltado das letras do N.W.A. é a consequência natural
e justa contra a hipocrisia e preconceito social da sociedade norte-americana.
Discordando ou não de tal ótica, é inegável que ela é ousada e desafiadora
perante um status quo tão alienado e conformista.
segunda-feira, novembro 09, 2015
Minha irmã, de Ursula Meyer ***
Diferente do seu filme anterior, “Home” (2008), obra que por
vezes enveredava por uma abordagem que beirava o delirante, em “Minha irmã”
(2012) a diretora Ursula Meyer optou por uma vertente cinematográfica bem
definida, o realismo social. Dentro desse gênero, a cineasta pouco ousa em
termos formais e temáticos – estão lá todos os preceitos inerentes a tal estilo
(a narrativa seca, a encenação naturalista, a discreta trilha sonora que
sublinha sutilmente algumas cenas, a temática a combinar o olhar intimista e
uma trama a expor as mazelas econômicas e comportamentais da sociedade
ocidental capitalista). Se por um lado a produção em questão não traz nada de
novo em sua estética, por outro é inegável que Meyer enlaça os referidos
elementos do gênero com convicção e coerência. A caracterização de situações e
personagens é marcada pela crueza e pela complexidade psicológica, dispensando
sentimentalismos fáceis e soluções escapistas. Por várias vezes a dupla de
protagonistas Louise (Léa Seydoux) e Simon (Kacey Klein) é irritante em suas
atitudes imaturas e conturbadas, mas é justamente por isso que ambos parecem
críveis e perturbadores. A dureza existencial e artística com que Meyer conduz
a narrativa não afasta o forte pendor humanista de “Minha irmã”. Pelo
contrário: apenas ainda mais enfatiza o impacto emocional do filme. A contundente
conclusão do filme sintetiza com perfeição essa visão de mundo, ao juntar de
forma precisa o formalismo sem concessões de Meyer com um olhar amoroso sobre a
relação entre dois personagens principais.
sexta-feira, novembro 06, 2015
Obra, de Gregório Graziasi **
No histórico pessoal do diretor Gregório Graziasi, consta
que por um tempo ele foi estudante de arquitetura. Em seu primeiro
longa-metragem, “Obra” (2013), tal referência não passa despercebida. O
protagonista da trama, João Carlos (Irandhir Santos), é um arquiteto, enquanto
o cerne da concepção formal do filme se baseia na direção de fotografia que
valoriza bastante os cenários urbanos de prédios e asfaltos da cidade de São
Paulo. Os enquadramentos compõem um ambientação ambígua, que oscila entre o
requinte plástico de formas e texturas e o sufocamento do concreto duro e frio
típico da capital paulista. A intenção de Graziasi é clara – estabelecer um
paralelo entre essa arquitetura caótica, mista de beleza melancólica e feiura
opressiva, com o estado de angústia existencial do personagem principal. A
trama, formatada dentro de uma estrutura narrativa ligada ao gênero suspense,
ao poucos se expande para uma conotação mais simbólica, a retratar
principalmente a desigualdade social e o conflito de classes típicos da
sociedade brasileira contemporânea. Se as intenções artísticas de Graziasi são
ambiciosas e ousadas, por outro lado a execução de suas concepções deixa
bastante a desejar. É inegável que a produção apresenta um esmero estético, mas
isso não consegue se vincular a uma narrativa envolvente. A encenação é
engessada, sem frescor ou naturalidade, e mesmo as pretensas metáforas do
roteiro se efetivam de forma primária e artificial. A falta de traquejo
narrativo em “Obra” compromete até mesmo as atuações do elenco, onde mesmo a
intepretação de um ator diferenciado como Irandhir Santos se mostra afetada e
pouco convincente.
quinta-feira, novembro 05, 2015
Sicario, de Denis Villeneuve ***
O canadense Denis Villeneuve é um cineasta que mostra geralmente
em seus filmes boa mão para cenas de ação e para construir narrativas fluentes.
O que incomoda em filmes como “Incêndios” (2010) e “Os suspeitos” (2013),
entretanto, é o tom solene da ambientação e a queda para os clichês mais
baratos do suspense e do melodrama, fazendo com que por vezes se tenha a
impressão de se estar assistindo a um grande novelão. Em sua produção mais
recente, “Sicario” (2015), não dá para dizer que ele tenha se livrado de forma
plena de tais vícios, mas ainda assim entrega um trabalho bem mais satisfatório
e memorável. Para que isso tenha acontecido, contou com dois grandes trunfos: a
exuberante fotografia de Roger Deakins (indispensável assistir “Sicario” numa
sala de cinema para fruir das nuances sensacionais de enquadramentos e
iluminação) e a sinistra trilha sonora composta pelo islandês Jóhann Jóhansson.
Além disso, a encenação concebida por Villeneuve se mostra ainda mais elaborada
e dinâmica que o habitual. Por mais que o roteiro seja previsível em seu
desenvolvimento, o requinte formal do filme consegue extrair momentos de tensão
bem convincentes. O que impede “Sicario” de atingir um nível artístico mais
transcendente é o fato de Villeneuve continuar se levando mais a sério do que
merece. Com alguma constância, surgem sequencias que assumem um caráter
messiânico a anunciar a corrupção e prepotência de agências de segurança do
governo como se estivessem expressando uma grande novidade, o que acaba soando
um pouco ridículo diante de uma caracterização superficial e óbvia de situações
e personagens – ainda que esses últimos sejam rasos na sua construção
psicológica, há de se ressaltar as ótimas e carismáticas atuações de Josh
Brolin e Benicio Del Toro. No mais, falta para “Sicário” o estofo criativo e as
atmosferas de perturbadora sordidez de “Selvagens” (2012), filme que também
retratava os violentos grupos mexicanos de tráfico de drogas, e mesmo aquele
vigor casca grossa de “Miami Vice” (2006) para que entre no rol dos policiais
contemporâneos antológicos. Mas do jeito que ficou, ainda é um prato cheio para
os curtidores do gênero.
quarta-feira, novembro 04, 2015
45 anos, de Andrew Haigh ***
Há uma impressão de letargia que pontua boa parte da duração
de “45 anos” (2015). A direção de Andrew Haigh é bastante austera na sua
concepção narrativa – assim como não há grandes arroubos criativos em termos
estéticos, também é perceptível que o cineasta não se deixa levar por truques
sentimentais para facilitar a vida do espectador. Mesmo a trama é marcada por
uma conotação modorrenta, em que os fatos da história contada se sucedem de
forma lenta e com variações sutis. Os motes principais do roteiro se
desenvolvem em alguns poucos dias da semana em que ocorrerá a festa de 45 anos
de casado casal protagonista Geoff e Kate Mercer (Tom Courtenay e Charlotte
Rampling em atuações precisas), obedecendo a uma lógica de repetições de atos
do cotidiano e de um certo imobilismo existencial por parte dos personagens
principais que por vezes pode levar a uma sensação de tédio sonolento para quem
assiste ao filme. O que pode parecer um formalismo irritante aos poucos vai
revelando uma coerência sensorial notável. Por trás da atmosfera taciturna e da
interação entre os indivíduos baseados em olhares e gestos expressivos e
diálogos superficiais há uma espécie de discreta revolução intimista a dissecar
a ilusão de felicidade pequeno burguesa. As irônicas e ácidas sequências finais
de “45 anos” reafirmam o seu caráter levemente subversivo, tanto no discurso
hipócrita e no passos de dança debochados de Geoff quanto na expressão de
amargura e frustração de Kate.
terça-feira, novembro 03, 2015
Ponte dos espiões, de Steven Spielberg **1/2
Toda a sequência inicial de “Ponte dos espiões” (2015), obra
mais recente de Steven Spielberg, que envolve a perseguição e captura do espião
soviético Rudolf Abel (Mark Rylance), parece uma antítese do que se verá no restante
do filme: é tensa, seca, praticamente não recorre a trilha sonora, valorizando
o bem executado jogo de montagem precisa, virtuosos movimentos de câmera e
enquadramentos expressivos, fazendo lembrar, inclusive, “Munique” (2005), uma
das melhores produções dirigidas pelo próprio Spielberg. Não que na maior parte
da duração de “Ponte dos espiões” não dê para perceber o preciosismo técnico
habitual do cineasta. Muito pelo contrário. O formalismo do filme é responsável
pelo que há de melhor nele, em sua capacidade de seduzir a plateia pela sua
plasticidade e mesmo por uma narrativa acessível. O problema, entretanto, é que
tirando os aludidos primeiros momentos, raramente essa estética consegue fazer
a produção transcender. Spielberg se deixar levar por alguns clichês narrativos
preguiçosos, fazendo com que poucas vezes se consiga sentir uma atmosfera de
tensão mais palpável. A caracterização dos personagens trafega entre o caricato
e o superficial (até o tal espião soviético mais parece um velhinho simpático e
injustiçado do que um espião perigoso), a ambientação e direção de arte são
marcadas por uma assepsia visual e o complexo jogo de interesses políticos que
marca a trama acaba se reduzindo a maniqueísmos e edificantes lições de vida. É
claro que boa parte desses maneirismos temáticos e formais é inerente no estilo
de Spielberg, mas a diferença é que em outros trabalhos mais consistentes eles
conseguiam se adequar de forma mais convincente e orgânica. Do jeitos que
ficaram em “Ponte dos espiões”, tais maneirismos apenas dão a impressão de um
artista acima da média que se acomodou em concepções artísticas mofadas.
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