segunda-feira, maio 31, 2010

Coração Louco, de Scott Cooper ***1/2


Em “Coração Louco” (2009), o cineasta Scott Cooper não fez apenas um amálgama biográfico de alguns dos principais cantores da história da música country. O que ele atingiu com louvor foi uma tradução em formato de roteiro e imagens da própria essência do gênero. Melancólicas e sentimentais em sua maioria, as canções compostas e interpretadas pelo cantor Bad Blake (Jeff Bridges), decadente comercialmente (mas pleno de sentimento e inspiração na sua criatividade), revelam como, em boa parte dos casos, a obra de um artista é indissociável da sua própria vida.

A direção de fotografia e a edição em “Coração Louco” são clássicas, mas esse aparente convencionalismo formal se mostra como uma escolha estética acertada de Cooper. A serenidade na condução da trama apenas esconde os tormentos privados de Blake, mas que sutilmente pairam por todo o filme. E mais do que narrar um óbvio conto de queda e possível redenção, “Coração Louco” evidencia duramente a dificuldade em mudar uma personalidade auto-destrutiva, assim como da impossibilidade da reparação de alguns erros. A seqüência, por exemplo, em que protagonista fala sobre o filho que abandonou é impressionante pela exposição nua e crua da indiferença humana. No final das contas, a melhor forma de reparação para Blake parece mesmo ser traduzir as suas dores em forma de belas e doloridas canções.

Em uma produção como “Coração Louco”, não há como não falar da trilha sonora. Além de clássicos do country, o filme se destaca também pelas extraordinárias músicas compostas especialmente para ele. Para quem conhece o talento de T-Bone Burnett (o mesmo responsável pela direção musical memorável de “E Aí Meu Irmão Cadê Você” e “Could Mountain”), isso não chega a ser uma grande surpresa.

sexta-feira, maio 28, 2010

Revanche, de Götz Spielmann ***


Essa produção austríaca de 2008 começa como um vigoroso drama ambientado no submundo da prostituição em uma grande metrópole. A atmosfera sórdida e tensa é quase palpável na trama inicial, em que Alex (Johannes Krisch), ex-condenado que trabalha como faz tudo em um bordel, deseja tirar a namorada prostituta da vida e para isso resolve assaltar um banco. O plano não dá nada certo, o que faz com que o protagonista tenha de fugir para o interior e se refugiar na pequena fazenda do avô. Nesse momento, a narrativa de “Revanche” muda de tom, com o filme se tornando quase um pequeno conto bucólico envolvendo um estranho triângulo amoroso, além do diretor Götz Spielmann estabelecer um olhar contemplativo ao focar as paisagens e o ritmo da vida no campo. Esse choque de duas abordagens diferentes na mesma obra é que provoca as sensações mais insólitas e desconcertantes em “Revanche”.

quarta-feira, maio 26, 2010

A Mulher Sem Cabeça, de Lucrecia Martel ***


O grande mérito no cinema da diretora argentina Lucrecia Martel não está exatamente na elaboração da ação de seus filmes, mas sim na sua capacidade de criar tensão. Ao longo das tramas, poucos elementos aparecem durante a narrativa, mas é justamente nessa economia estética que reside o suspense, aspecto fundamental para Martel. Até o momento, o topo criativo dessa particular proposta criativa da cineasta está no sensacional “Menina Santa” (2004). Mesmo assim, “A Mulher Sem Cabeça” (2007), filme mais recente de Martel, conserva bastante do melhor do seu cinema. A partir da premissa de uma dentista (Maria Onetto) que atropela, supostamente, um cachorro na estrada e entra em um permanente processo de dúvida em relação ao que ocorreu, é estabelecido um cenário de crescente incerteza, não só para a protagonista como para o próprio espectador. Ao invés de um cachorro, não foi uma pessoa que ela atropelou? Será que tudo não passou de um delírio? Ou há uma conspiração silenciosa e invisível para acobertar os fatos? Para Martel, não interessa mostrar ao espectador uma resposta definitiva para essas questões. O que interessa é o mistério, mesmo que ele fique eternamente insolúvel. E no final das contas, a diretora parece se indagar: e quem se importa com isso?

terça-feira, maio 25, 2010

Triângulo, de Christian Petzold **1/2


A trama de “Triângulo” (2008) já foi contada e recontada em outras oportunidades no cinema: um cara meio sem rumo começa a trabalhar para homem bem sucedido financeiramente e ganha sua confiança. Para atrapalhar, entretanto, envolve-se (e se apaixona) pela mulher do chefe, com o casal de adúlteros planejando assassinar o marido traído. Essa história remete diretamente ao clássico romance de James Cain, “O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes”, que foi por duas vezes (1946 e 1981) adaptado ao cinema em ótimas versões (ambas com o título “O Destino Bate a Sua Porta”). O diferencial nessa produção alemã está no enfoque mais intimista, deixando mais evidentes os dilemas morais do que o suspense e a violência em si, elementos esses primordiais no texto original de Cain. Além disso, o diretor Christian Petzold busca aproximar de seu filme questões sociais contemporâneas, principalmente ao caracterizar o marido como um imigrante turco de modos brutais em contraposição ao casal de amantes, alemães “puros”. A verdade, todavia, é que essa busca por uma abordagem mais “séria” acaba frustrante em alguns momentos, principalmente por diluir o aspecto da culpa, tão presente no livro e nas referidas versões cinematográficas anteriores, o que diminui muito o impacto da tensão que o texto original trazia em si. Tanto que “Triângulo” se encerra de forma abrupta justamente naquele ponto da narrativa que nas obras anteriores era apenas a metade de suas respectivas histórias.

segunda-feira, maio 24, 2010

A Mulher Sem Piano, de Javier Rebollo **1/2

Essa produção espanhola de 2009 tem uma trama que parte de uma premissa já bem utilizada no cinema, mas que mesmo assim não deixa de ser interessante: a realidade que se transforma na noite e parece convertida em outra dimensão. O filme mostra a trajetória de uma dona de casa e esteticista frustrada com a sua rotina e que resolve abandonar sua casa numa noite qualquer. Na sua jornada noturna, enfrenta uma série de percalços e encontra alguns tipos esquisitos. A ação discreta e os poucos diálogos, permeados de leve ironia, remetem bastante à estética do cineasta finlandês Mika Kaurismaki. Mesmo com o diretor Javieer Rebollo não atingindo o mesmo nível do encantador estranhamento da obra de Kaurismaki, “A Mulher Sem Piano”, ainda que prejudicada pela aridez da narrativa, possui momentos memoráveis, principalmente pelas seqüências que privilegiam um insólito humor.

sexta-feira, maio 21, 2010

Um Dia Perfeito, de Ferzan Ozpetek **


Essa produção italiana se utiliza de um recurso narrativo que vem sendo explorado à exaustão nos últimos anos: várias histórias que se entrelaçam a partir de situações e personagens em comum, sem haver um protagonista bem definido. Diretores como Robert Altman e Paul Thomas Anderson já se utilizaram desta fórmula com sucesso, justamente por saberem extrair elementos estéticos diferenciados em seus respectivos filmes. Isso está longe de ser o caso de “Um Dia Perfeito”, obra essa que se aproxima mais de conformismo formal e temático de produções genéricas e sem personalidade como “Crash” (2004) ou “Babel” (2006). Mesmo apresentando alguns momentos mais vigorosos, a obra de Ferzan Ozpetek se dilui em tramas desinteressantes e previsíveis, o que fica agravado ainda mais pelo tom melodramático de algumas seqüências dignas de novelões mexicanos.

quinta-feira, maio 20, 2010

Vencer, de Marco Bellocchio ****


Por mais que possam ser atraentes por questões temáticas, filmes biográficos também representam uma forma de armadilha estética. Em boa parte das oportunidades em que eles são realizados, há uma preocupação muito mais em “contar a história” do biografado do que apresentar maiores ousadias formais, ao mesmo tempo em que a narração da história de vida do personagem histórico em questão, pela necessidade de compactar a mesma em algumas poucas horas de filme, acaba resumida em uma versão superficial de fatos e caracterizações caricatas. Marco Bellocchio consegue evitar todas essas limitações de forma extraordinária em “Vencer” (2009), produção que coloca em evidência uma personagem pouco comentada da história contemporânea, Ida Dalser, amante do lider fascista italiana Benito Mussolini. A intenção do filme não é contar detalhes íntimos dos indivíduos ou mostrar com detalhes todos os passos das trajetórias dos mesmos. Pelos olhos de Ida, o que vemos é um ser humano comum, mesmo que cheio de ideais e projetos, convertendo-se em um mito vivo, ainda que polêmico e repleto de contradições. Nesse processo, o peso social e político dessa discutível lenda, representante dos anseios de um povo, reprime e esmaga impiedosamente as aspirações individuais que não estejam de acordo com o grande projeto estatal – no caso em questão, o desejo de Ida em ser reconhecida como companheira de Mussolini assim como de que o filho dessa relação adúltera ganhe a sua legitimidade. Por mais que os interesses de Ida possam parecer mesquinhos em determinados momentos (e eles realmente são), Bellocchio faz da relação Mussolini-Ida a metáfora perfeita do conflito entre Estado autoritário e o indivíduo.

Para ilustrar sua ambiciosa narrativa, Bellocchio opta por um estilo de filmar bastante estilizado, beirando o barroco. A visão que temos dos fatos é contaminada pelo subjetivismo do olhar de Ida. Mussolini sempre irrompe na tela como uma esmagadora força da natureza e a teia conspiratória que visa expurgar Ida e outras máculas da vida do líder italiano atinge proporções kafkanianas ao se abater sobre a protagonista. O clima de paranóia é ainda mais acentuado por cenários que oscilam entre o sombrio e o asséptico. De se ressaltar também as seqüências em que trechos de documentários se entrelaçam com as próprias cenas dramatizadas, obtendo um efeito plástico perturbador, com destaque para o momento em que dois grupos políticos rivais se digladiam durante uma sessão de um documentário – a imagem das silhuetas dos contendores se mistura com os registros em preto-e-branco do filme que estava sendo visto. A atuação de Giovanna Mezzogiorno também é um capítulo a parte em “Vencer” – a atriz apresenta uma interpretação de várias nuances, não deixando Ida cair em clichês simplórios como de pura e injustiçada vítima. Por mais que ela seja massacrada pela máquina estatal de Mussolini, não deixamos de reconhecer no seu comportamento um elemento de desejo de ascensão social;

É provável que o destino das cinebiografias não mude de seu marasmo com “Vencer”. Mesmo assim, essa expressiva produção de Bellocchio aponta caminhos bastante promissores e instigantes para o gênero.

quarta-feira, maio 19, 2010

Moscou, Bélgica, de Christophe Van Rompaey **1/2


Uma mãe de família quarentona está separada do marido professor e boa pinta. Desiludida, acaba se apaixonando por um caminhoneiro grosseirão e mais novo que ela, o que mexe com o tal do esposo presunçoso. Esse resumo de roteiro pode fazer supor que “Moscou, Bélgica” (2008) tenha uma pinta meio de novelinha superficial. Essa produção belga realmente puxa para esse lado várias vezes. Ao mesmo tempo, entretanto, há algumas cruezas na sua rústica estética, meio que puxando para o realismo. Alguns momentos da trama também surpreendem por mostrar situações em que as reações dos personagens fogem do trivial da maioria dos melodramas do gênero. Mesmo que sucumba ao convencionalismo em sua conclusão, “Moscou, Bélgica” não deixa de ser instigante em seus pequenos méritos, com destaque para o carisma e a maturidade das interpretações do casal de protagonistas.

Norte, de Rune Denstad Langlo **1/2


Essa produção norueguesa de 2009 é o tipo de obra que mais chama atenção por seus exotismos e esquisitices culturais do que pelos seus méritos cinematográficos. O diretor Rune Denstad Langlo, pelo menos, sabe valorizar as peculiaridades do seu filme. A fotografia explora com competência as vastas paisagens de campos e montanhas tapadas pela neve, ficando em sintonia com a árida trama de um sujeito com síndrome de pânico que resolve percorrer o interior do país, montado em uma snow board, para encontrar a filha que há anos não vê. No caminho, encontra mais alguns indivíduos estranhos e causa, involuntariamente, pequenos desastres. Longe de ser memorável, “Norte” diverte por algumas de soluções insólitas.

segunda-feira, maio 17, 2010

Sanguepazzo, de Marco Tullio Giordana ***


A estrutura de “Sanguepazzo” (2008) é a de um melodrama clássico sobre a 2ª Guerra Mundial. O que o diferencia de outras produções do gênero é que enfoca a questão da participação de artistas do cinema italiano durante o conflito, tanto pelo lado colaboracionista quanto daqueles que combateram os nazistas. Por mais que se possa criticar que o filme caia em alguns excessos de convencionalismos formal e temático, é fato também que a produção tem um vigor narrativo acima da média, além de não economizar no sangue e no sexo. Nesse sentido, “Sanguepazzo” chega a lembrar o sensacional “A Espiã” (2006), de Paul Verhoeven, apesar de não ser tão pesado quanto esse último e de também não chegar tão perto do exploitation. A reconstituição histórica é minuciosa e a caracterização de Mônica Bellucci como uma diva do cinema italiano impressiona, remetendo bastante a figura de Sophia Loren.

sexta-feira, maio 14, 2010

O Espaço em Branco, de Francesca Comencini ***


As imagens granuladas, os enquadramentos rústicos e a edição oscilante presentes em “O Espaço em Branco” (2009) não são meras escolhas estéticas gratuitas da diretora Francesca Comencini. Na verdade, estão em perfeita sintonia com a temática dessa produção italiana que reflete o quotidiano dissoluto de María (Margherita Buy), uma professora quarentona imersa numa rotina de festas noturnas, sexo e álcool, e que acaba surpreendida com uma gravidez inesperada. O fato realmente inesperado, entretanto, ocorre quando ela tem um parto prematuro, o que faz com que ela fique em um novo momento de expectativa para ver se a sua filha sobreviverá. A partir desse momento, a narrativa parece se tornar cada vez menos difusa, como se refletisse a vontade da protagonista em organizar o caos de sua vida. Comencini tem o mérito de conciliar de forma eficiente uma gama considerável de estilos que variam entre o naturalismo e o delirante, acertando também na escolha de Margherita Buy para o papel principal, cuja atuação impressiona pela crueza com que expõe os sentimentos de sua personagem.

quinta-feira, maio 13, 2010

Páginas Perdidas, de James Ivory **1/2


A obra do cineasta James Ivory sempre foi marcada por um rigor acadêmico. Seus filmes não costumam apresentar maiores ousadias formais, mas isso não quer dizer necessariamente que os mesmos caiam no marasmo. Em suas melhores produções, como “Retorno a Howards End” (1992) e “Vestígios do Dia” (1993), Ivory obteve narrativas de notável intensidade dramática aliada a uma rara elegância e precisão de encenação. “Páginas Perdidas” (2008) é um passatempo agradável, mas não atinge o mesmo nível de qualidade das películas mencionadas anteriormente. Há uma certa frouxidão na forma com que o diretor conduz o filme. Fotografia e direção de arte competentes oferecem um visual bonito, mas também genérico. “Páginas Perdidas” só ganha mais consistência e interesse nas cenas em que Laura Linney aparece, enquanto Anthony Hopkins e Charlotte Gainsbourg estão apáticos.

quarta-feira, maio 12, 2010

A Garota Explosiva, de Bradley Rust Gray *1/2; Wendy & Lucy, de Kelly Reichardt *1/2; O Céu, A Terra e A Chuva, de José Luís Torres Leiva **


Pode parecer preguiça da minha parte querer comentar três filmes em apenas uma breve resenha, mas a verdade é que para os mesmos isso já é mais do que suficiente. Assisti a “A Garota Explosiva” (2009), “Wendy & Lucy” (2008) e “O Céu, A Terra e A Chuva”, as duas primeiras produções norte-americanas e a segunda chilena, esse ano em um festival de cinema em Montevidéu e em todas elas percebi tendências estéticas e temáticas bastante semelhantes entre si. As três optam por narrativas minimalistas estéreis e aborrecidas que privilegiam câmeras quase sempre fixas, além de tramas com poucos diálogos e onde praticamente nada acontece. Os diretores de tais filmes parecem mais interessados em mostrar como a vida é miserável do que em realizar alguma grande cena. Não há paixão e nem quaisquer outros sobressaltos nos seus registros visuais. É claro que de vez em quando aparece um ou outro mérito – alguns belos enquadramentos de “O Céu, A Terra e A Chuva” ou as melodias tristes de Will Oldham em “Wendy & Lucy”. Acaba sendo pouco, entretanto, para que esses filmes permaneçam na memória do espectador após o término de suas exibições.

terça-feira, maio 11, 2010

Meia-Lua, de Bahman Ghobadi **


A trama de “Meia-Lua” (2006) parte de uma premissa interessante: um bando de músicos curdos decide aproveitar a recente “democratização” do Iraque e viajam ao país para uma apresentação. Ao longo do árduo caminho, procuram uma cantora, coisa difícil em uma cultura machista e conservadora como a muçulmana, e também esbarram em dificuldades burocráticas e em percalços típicos de um país ainda em guerra. Em meio a todos esses eventos dramáticos, o diretor Bahman Ghobadi insere elementos cômicos, além de toques exóticos referentes a música e costumes dos curdos. O resultado é palatável dentro daquele manjado esquema de filmes típicos de festivais: muita gente acha a produção simpática, considera válido o esforço de se fazer cinema fora dos grandes centros, mas ninguém realmente se entusiasma e tem vontade de ver de novo. Por mais que pelos parâmetros formais “Meia-Lua” seja uma produção correta, é fato também que o filme causa a impressão de estar preso dentro de uma fórmula já bastante gasta e desinteressante.

La Pivellina, de Tizza Covi e Rainer Frimmel ***

A primeira referência que vem à cabeça ao assistir “La Pivellina”, produção italiana de 2009, pode parecer óbvia demais, mas o fato é que tal filme remete bastante a estética neorealista, tanto no seu aspecto temático quanto no formal. A trama do filme é simples e de forte conteúdo social: por um acaso do destino, um casal de artistas mambembes acaba ficando com o encargo de cuidar de uma menina de dois anos que foi abandonada temporariamente pela mãe. A narrativa é episódica, mostrando pequenos e corriqueiros eventos da rotina dessa família improvisada, e acaba funcionando como um retrato áspero da rotina das camadas menos favorecidas da sociedade italiana. Os diretores Tizza Covi e Rainer Frimmel privilegiam um estilo de filmar de câmera na mão e com imagem granulada, quase como se fosse um documentário. Sua forma econômica de encenar esse pequeno drama, entretanto, está muito longe de ser precária. Os enquadramentos e a edição são eficientes, causando empatia e interesse ao espectador em relação ao desenrolar da história. Outro trunfo de “La Pivellina” é a impressionante atuação da pequena Ásia Crippa no papel da garotinha abandonada – seu naturalismo faz até supor que a menina não esteja interpretando, e sim que realmente esteja acreditando que aquilo que está acontecendo na tela seja verdadeiro.

sexta-feira, maio 07, 2010

Em Comparação, de Harun Farocki 1/2 (meia estrela)


Um documentário composto apenas de imagens com longos planos fixos que mostram a confecção de tijolos em diferentes culturas, retratando desde processos rústicos e artesanais até sofisticadas produções em escala industrial, pode parecer algo muito chato. Pois “Em Comparação” cumpre com plenitude tais expectativas. A intenção do diretor Harun Farocki em fazer esse panorama mundial sobre tema tão árido revela uma intenção de traçar um paralelo entre as diferenças antropológicas e sociais de diferentes povos no nosso planeta. As conclusões são óbvias: enquanto temos sociedades em que os avanços tecnológicos são uma realidade incontestável, em outras comunidades se tem a impressão que o tempo parou. Para chegar nessa constatação, entretanto, é provável que não fosse necessário agüentar uma narrativa tão aborrecida e previsível quanto “Em Comparação”. As imagens colhidas por Farocki induzem muito mais ao tédio e à indiferença do que a alguma empatia com as pessoas e situações focalizadas.

quinta-feira, maio 06, 2010

Whisky com Vodka, de Andreas Dresen **1/2


Dramas que tem como pando de fundo os bastidores da realização de um filme não são novidades no mundo cinematográfico. A trama de “Whisky com Vodka”, produção alemã de 2009, traz boa parte dos elementos que costumam aparecer nesse tipo de obra: tensões criativas, batalhas de ego, desencontros amorosos. Tendo como foco principal um veterano astro que causa uma série de conflitos pessoais e artísticos durante as filmagens de uma histórica de época, “Whisky com Vodka” é divertido e eficiente na sua proposta de desnudar o que representa a fogueira de vaidades que envolve esse tipo de atividade. Só acaba sendo frustrante por não explorar com mais profundidade as possibilidades que surgem, principalmente no quesito de evidenciar a confusão que pode haver entre o real e a ficção ou de colocar em pauta o que leva alguém a se envolver com o estressante ato de se envolver na produção de um filme, aspectos esses que François Truffaut trouxe à tona com sensibilidade e agudez em “A Noite Americana” (1973).

quarta-feira, maio 05, 2010

Sangue de Virgens, de Emílio Vieyra ***


Essa é mais um daqueles antigos filmes de horror vampirescos incapazes de assustar o espectador atual e que se perderam na poeira do tempo. Mesmo assim, assistir essa produção argentina de 1967 pode ser uma experiência insólita e divertida. A caracterização dos vampiros é precária (poucas vezes aqueles caninos típicos pareceram tão toscos), mas o grande barato do filme está nos elementos de exploitation. O diretor Emílio Vieyra mostra um talento natural e fluente para longas seqüências repletas de mulheres nuas e orgias gratuitas (até agora não entendi onde estão as virgens do título). Mesmo a encenação ingênua e as interpretações canastronas do elenco acabam funcionando a favor de “Sangue de Virgens” no sentido de acentuar o seu involuntário tom bagaceiro e cômico. Isso não quer dizer, entretanto, que o filme caia na vala comum do “trash”, até porque Vieyra é um artesão cinematográfico competente em termos formais.

terça-feira, maio 04, 2010

Drácula, de Tod Browning ***1/2


É claro que “Dracula” (1931) não tem o mesmo poder de assustar as platéias nos dias atuais (ao contrário, por exemplo, do “Nosferatu” de F.W. Murnau que ainda hoje impressiona pela sua configuração de um pesadelo em celulóide). A força do impacto do filme de Tod Browning hoje se encontra muito mais na sua caracterização estética e na força carismática de Bela Lugosi no papel-título. Browning constrói uma narrativa envolvente, tropeçando apenas nas interpretações excessivamente melodramáticas de boa parte do elenco e na economia da violência (coisas, entretanto, que eram normais para a época). “Drácula” foi um bom laboratório para Browning, que no ano seguinte atingiu o seu ápice criativo em “Freaks”.

segunda-feira, maio 03, 2010

Os Inquilinos, de Sérgio Bianchi ***


O cineasta Sérgio Bianchi consegue extrair uma combinação interessante entre narrativa intimista e questões sociais em “Os Inquilinos” (2009). Na realidade, ele mostra como esses dois elementos podem ser indissociáveis. Bianchi não discute a origem do mal: apenas mostra a violência e a criminalidade típicas no cotidiano das comunidades mais pobres e como elas afetam o aspecto psíquico de um indivíduo. Assim, vê-se o protagonista Valter (Marat Descartes) entrando em um crescente e tenso processo de paranóia e insegurança a partir da noite em que um grupo suspeito se muda para casa vizinha a sua. Bianchi cria uma eficiente atmosfera de dúvida e desconforto, em que medos reais acabam se entrecruzando até mesmo com delírios. Vê-se a realidade pelos olhos do personagem principal, o que faz com que os fatos se tornem imprecisos, nebulosos. Valter nunca sabe de onde o ataque virá e nem se aos menos virá. Dentre as muitas produções nacionais recentes que buscam retratar a conjuntura social brasileira, “Os Inquilinos” é uma das mais contundentes e certeiras na abordagem e encenação.