sexta-feira, dezembro 28, 2012

A entidade, de Scott Derrickson ***


Depois de tangenciar o horror de forma frustrante em “O exorcismo de Emily Rose” (2005), o diretor Scott Derrickson volta ao gênero de forma bem mais convincente em “A entidade” (2012). Para começar, ele dispensa o psicologismo barato do filme anterior e se volta ao sobrenatural escancarado. Alguns dos clichês mais usados nas produções de terror contemporâneas estão lá, mas Derrickson os utiliza de forma engenhosa, explorando mesmo nesses elementos recorrentes uma abordagem por vezes insólita. Isso fica evidente, principalmente, quando adota o estilo documental para mostrar vídeos aparentemente amadores de assassinatos. Aos invés de adotar simplesmente o estilo “falso documentário amador”, o cineasta insere elementos desse estilo no meio de uma narrativa tradicional, provocando um contraste bastante perturbador. A seqüência inicial, por exemplo, em imagem granulada e de tons esmaecidos, do enforcamento simultâneo de uma família inteira acaba ganhando uma dimensão assustadora ainda maior de acordo com o desenrolar da trama. É claro que nem tudo é perfeito, com destaques negativos para os fuleiros efeitos especiais e a tosca maquiagem. No saldo final, entretanto, predomina a sensação de um terror que consegue efetivamente provocar algum sentimento de tensão na platéia.

quinta-feira, dezembro 27, 2012

Os infratores, de John Hillcoat ****


A parceria entre o diretor John Hillcoat e o roteirista e músico Nick Cave já havia gerado uma contundente releitura do gênero faroeste na obra-prima “A proposta” (2005). Os dois novamente se reúnem em “Os infratores” (2012), mas agora numa espécie de revitalização dos filmes de gangsteres. Apesar das referências históricas que vez e outra aparecem na trama, a verdade é que a estética da produção evoca mais uma vez a estrutura de um faroeste. Há um tom crepuscular na narrativa, assim como uma estrutura estilística que oscila entre elementos realistas e icônicos. De certa forma, faz lembrar algo de um John Ford imerso em sangue e brutalidade. Por vezes, a exacerbação e a encenação algo operística dessa violência remete ao cinema visceral de Sam Peckinpah. Essas influências e referências que despontam em “Os infratores”, entretanto, não significam que tal obra seja meramente derivativa. Muito pelo contrário. A partir do resgate desse classicismo formal e temático, Hillcoat constrói de forma inspirada uma narrativa vigorosa e repleta de virtuosismo cinematográfico, buscando um precioso equilíbrio entre o sutil suspense e o tom grandioso de cenas ação altamente impactantes. O roteiro de Cave combina magistralmente aventura e um subtexto que é uma bem elaborada dissecação do que representa a mitificação na cultura ocidental, na vertente do clássico “O homem que matou o facínora” (1962), clássico do mencionado Ford. Além disso, sua trilha sonora, composta ao lado de Warren Ellis, fornece o clima adequado na junção de country e blues enfezados. Coroando esse belo trabalho de Hillcoat, não há como ficar impassível perante o ótimo trabalho de composições dramáticas de seu elenco (com destaque para Tom Hardy e Guy Pearce), que enveredam por caracterizações que enfatizam mais uma iconografia particular de uma época (violência, sensualidade, ambiguidade moral) do que densidades psicológicas.

quarta-feira, dezembro 26, 2012

Moonrise Kingdom, de Wes Anderson ****


Na animação “O Fantástico Sr. Raposo” (2009), o diretor Wes Anderson enveredava pelo gênero da aventura juvenil de tom fabular, mas sem nunca perder o seu senso particular de cinema, pervertendo sutilmente alguns dos cânones inerentes a esse tipo de filme. Em “Moonrise Kingdom” (2012) ele volta a se aventurar na seara juvenil e consegue resultados ainda mais surpreendentes. Anderson é daquele tipo raro de cineasta que parece estar sempre fazendo a mesma coisa, mas que na realidade se mostra como um autor que a cada obra burila e aperfeiçoa o seu estilo. Nessa produção mais recente, ele propõe uma abordagem desconcertante com as suas soluções formais. Talvez esse seja o filme em que ele dá mais vazão ao seu virtuosismo estético – é só reparar na notável dinâmica narrativa imposta pelos seus sucessivos planos-sequências. A direção de fotografia também mostra um trabalho diferenciado no que diz respeito a enquadramentos que evocam uma deslumbrante dimensão pictórica para algumas sequências. A utilização da música em “Moonrise Kingdom” colabora mais ainda para esse tom de conto de fadas fora do tempo e do espaço (ainda que a trama se situe nos anos 60) que a produção evoca com constância – temas didáticos e canções sessentistas emblemáticas se complementam de forma inesperada e orgânica. Coroando tudo isso há a encenação preciosista de Anderson, em que a simples disposição dos atores e objetos em cena desempenham papel crucial na iconografia do diretor, além da caracterização genial do seu elenco – se por um lado a ala infantil é marcada por interpretações anti-naturalista e icônicas, por outro os atores adultos (principalmente pelo trio Bill Murray, Bruce Willis e Frances McDormand) enfoca o dramatismo melancólico, gerando um contraste impactante.

sexta-feira, dezembro 21, 2012

Antônio Conselheiro - O taumaturgo dos sertões, de José Walter Lima ***


Para contar a história de Canudos, o diretor José Walter Lima preferiu não seguir um formato mais convencional. Abdicando da simples recriação de época, o que interessou para o diretor foi realizar uma espécie de tratado sensorial sobre aquele movimento revoltoso. Em “Antônio Conselheiro – O taumaturgo dos sertões” (2012), a encenação da trajetória do líder messiânico e seus seguidores possui um formalismo bruto e sem concessões, em que os recursos modestos da produção acabam ganhando até uma sintonia artística e espiritual com a sua própria temática. Momentos de caráter teatral enfatizam o aspecto delirante de Conselheiro e acólitos, assim como a recriação naturalista de outros trechos, com um viés de influência neo-realista, evoca muito da literatura sobre o tema, de escritores como Euclides da Cunha e Vargas Llosa. Nesse sentido, por vezes, Lima dá a impressão de estar realizando um falso documentário tamanha a crueza de seu registro e a direção de seus atores amadores. Essa gama de referências e estilos compõe um estranho mosaico, cuja beleza hermética afasta o filme de um simples didatismo e faz o espectador mergulhar no imaginário coletivo de uma época.

quarta-feira, dezembro 19, 2012

My Way - O mito além da música, de Florent Emilio Siri ***


A exemplo de “Piaf – Um hino ao amor” (2007) e “Gainsbourg – O homem que amava as mulheres” (2010), “My Way – O mito além da música” (2012) é mais uma cinebiografia de um ídolo musical francês. E assim como nos filmes mencionados, a opção estética vem por uma estilização tanto na parte formal quanto na temática. Assim, o que interessa para o diretor Florent Emilio Siri não é uma visão de realismo minucioso ao retratar a vida do cantor e compositor francês Claude François. A trama se centraliza num enfoque exagerado e melodramático dos principais fatos da trajetória de François, com tal abordagem se vinculando ao próprio caráter de romantismo exagerado e/ou alegria kitsch das suas mais expressivas canções, sugerindo a clássica máxima que a vida e a arte se misturam de forma indistinta. Dentro dessa concepção mitificadora, a interpretação de Jérémie Renier no papel principal cai como uma luva, num trabalho de composição dramática em que afetação e grotesco se insinuam com naturalidade até perturbadora.

terça-feira, dezembro 18, 2012

Kichiku: O banquete das bestas, de Kazuyoshi Kumakiri ***1/2


Há em “Kichiku: O banquete das bestas” (1997) o choque de duas diferentes abordagens para a mesma trama. Por um lado, o cineasta japonês Kazuyoshi Kumakiri concebe um cinema reflexivo, beirando o exasperante na construção psicológica de seus personagens. A narrativa é de um andamento lento, sufocante, não havendo espaço para uma empatia emocional com o que está havendo nas telas, e sempre realçando que algo trágico está na iminência de ocorrer. Predomina um distanciamento emocional – o mecanismo de relação entre os indivíduos se dá por elementos como a sexualidade opressiva, a traição, a frieza. Diante desse panorama desolador, Kumakiri insere noções surpreendentes de cinema gore, dignas das mais produções mais extremas no gênero horror. Assim, o cineasta não se furta a abusar da violência, do sangue e do escatológico em algumas das cenas mais memoráveis do filme. Toda essa brutalidade, gratuita ou não, acaba desenvolvendo uma estranha relação de coerência e complementação com a já aludida construção formal e temática de um drama psicológico, resultando numa obra distante dos padrões comerciais vigentes e não muito recomendada para aqueles de estômago fraco.

segunda-feira, dezembro 17, 2012

O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho ***1/2


Nos curtas “A menina do algodão” (2003) e “Vinil verde” (2004), o diretor Kleber Mendonça Filho já havia demonstrado que o elemento do fantástico se insinuava de forma sutil e personalíssima no seu cinema. No longa “O som ao redor”, tal concepção novamente se manifesta e de forma ainda mais insólita. A estrutura narrativa pressupõe uma obra de cunho realista, num registro que aparentemente evoca pequenas ações e gestos do quotidiano num bairro classe média de Recifes. Aos poucos, entretanto, a trama vai apresentando estranhas intervenções, que variam entre o delírio, o cômico e o suspense. Kleber utiliza uma estética elegante e precisa na sua encenação, em que o enfoque não está em grandes viradas climáticas no roteiro, mas sim num crescente exasperante na caracterização de situações e personagens. Esse formalismo um tanto bizarro do cineasta se acentua na forma com que o áudio se insere no filme – há pouquíssima música incidental em cena, valorizando tanto os barulhos ambientais quanto o próprio silêncio como recursos dramáticos. Assim, as escolhas artísticas de Kleber resultam numa obra inquietante como poucas no cinema brasileiro recente, capaz de causar um inesperado encanto para os espectadores.

sexta-feira, dezembro 14, 2012

Busca implacável 2, de Olivier Megaton **


O primeiro “Busca implacável” (2008) havia sido uma surpresa positiva dentro do panorama dos filmes de ação contemporâneos. O diretor Pierre Morel obteve uma síntese bastante eficiente – boas cenas de ação, violência de impacto considerável, razoável densidade dramática, um protagonista carismático e roteiro enxuto e sem maiores exageros. “Busca implacável 2” (2012) não consegue manter o mesmo nível. Olivier Megaton foge daquilo que o filme originário tinha de melhor, fazendo de sua produção uma espécie de episódio alongado e piorado do velho seriado “Profissão Perigo” (aquele que tinha MacGyver, o mestre das saídas estapafúrdias). Tudo é muito genérico e sem personalidade. Apenas Liam Neeson consegue se sobressair, mostrando que é um ator que consegue manter a classe mesmo diante de uma obra medíocre e sem direção.

quinta-feira, dezembro 13, 2012

Hotel Transilvânia, de Gendy Tartakovsky **1/2


Há uma tendência entre as animações infanto-juvenis contemporâneas em buscar uma temática que se aproxime de uma abordagem mais sombria. De certa forma, isso não chega a ser propriamente uma novidade, no sentido que mesmo algumas das mais antigas fábulas possuem um tom sinistro em determinadas passagens. Por vezes, tal direcionamento resulta em obras de seqüências assustadoras, que mexem com alguns dos nossos medos mais profundos, capazes de perturbar tanto crianças quanto adultos, como em “Coraline e o mundo secreto” (2009) e “Toy Story 3” (2010). Em outras produções, a referida vertente se consuma num roteiro que procura tirar o caráter assustador de elementos que na sua origem trazem uma formatação mais sinistra (vide “Megamente” e “Meu vilão favorito”, ambos de 2010). “Hotel Transilvânia” (2012) se vincula a essa segunda corrente mais amena, ao trazer uma trama em que vampiros, lobisomens, zumbis, franskensteins, múmias e demais figuras afins trazem uma caracterização “fofinha”. O formalismo do filme é competente no seu traço e desenvoltura como animação, mas não consegue transcender muito mais do que isso. A produção ressente também de uma maior ousadia em termos criativos no sentido que a premissa de mostrar uma visão diferenciada desses monstros clássicos prometia uma experiência menos óbvia em termos de previsibilidade do roteiro.

quarta-feira, dezembro 12, 2012

Looper - Assassinos do futuro, de Rian Johnson ***


As referências de “Looper – Assassinos do futuro” (2012) não são tão difíceis de detectar: realidade futurística distópica a lá Philip K. Dick, tom desesperançado típico do cinema noir, trama relativamente intrincada que evoca alguns clássicos da ficção científica como “Blade Runner – O caçador de andróides” (1982) e “Os 12 macacos” (1995) – em relação a esse último, talvez a presença de Bruce Willis no elenco não seja pura coincidência. É claro que tais referências dão uma impressão de uma produção estilo “colcha-de-retalho”. O diretor Rian Johnson, entretanto, consegue transcender o simples pastiche. Sua encenação é orgânica e convincente, preservando uma certa verve criativa em meio ao excesso de influências estéticas e da previsibilidade do roteiro. As trucagens são até simples, na escola da trilogia “Matrix”, mas em determinados momentos surpreendem pelo grau de explicitude de violência. No mais, dá para conceder um crédito para Johnson pelo desempenho dramático do garoto Pierce Gagnon, numa das atuações infantis mais assustadoras dos últimos tempos.

segunda-feira, dezembro 10, 2012

Fausto,de Alexander Sokurov ****



O que há em “Fausto” (2011) não é somente mais uma relação entre cinema e literatura. O que o diretor russo Alexander Sokurov propõe é mais ambicioso. Além de recriar o livro de Goethe, o cineasta disseca a própria lenda que deu origem à obra literária e a transmuta para a sua visão particular. O texto do filme, de tom poético e anti-naturalista, recebe um tratamento formal que rompe com o linear e a narrativa convencional. Tudo soa intrincado, enigmático e repleto de um subtexto de caráter simbólico. Assim, ocorre uma união em perfeita sintonia artística entre a poesia de Goethe e a insólita e particular estética de Sokurov. As angústias existenciais e questionamentos metafísicos do personagem-título são envolvidos numa atmosfera que parte do realismo e envereda pelos caminhos do delírio e do onírico. A reconstituição da época medieval recebe uma direção de arte estilizada que não se vincula necessariamente a um ideal “verossímil”, mas a um conceito que delimita aquele período histórico: sordidez, sujeira, obscurantismo, violência. Acentuando esse conceito de uma concepção formal difusa e estranha, a direção de fotografia apresenta ideias e execução fenomenais, indo de planos-sequência estonteante (a começar pelo sensacional vôo da câmera no plano de abertura) até uma iluminação de tons pálidos e esmaecidos que caracterizam uma ambientação de forte conotação fantástica. Coordenando esse formalismo apurado, Sokurov apresenta uma encenação rigorosa e criativa – é notável a forma com que se desenvolve a caracterização das situações e personagens. Nesse último aspecto, figuras como o arredio e amedrontado Fausto (Johannes Zeiler), a angelical Gretchen (Isolda Dychauc) e o insidioso demônio (Anton Adasinskiy, em interpretação genialmente grotesca) ganham uma dimensão antológica pelas mãos de Sokurov e se insinuam no nosso imaginário.

sexta-feira, dezembro 07, 2012

Intocáveis, de Eric Toledano e Olivier Nakache ***


Operando dentro de um subgênero perigoso, o dos melodramas com “lições de vida”, a produção francesa “Intocáveis” (2012) acaba surpreendendo por detalhes significativos. Mesmo com um roteiro previsível, os diretores Eric Toledano e Olivier Nakache fazem a diferença ao comporem uma dinâmica encenação (a perseguição automobilística da abertura do filme, por exemplo, é primorosa) e também por elaborarem uma narrativa permeada de bom humor. Além disso, a trama consegue inserir de forma bastante orgânica dentro de seu mote principal uma das questões mais prementes da Europa moderna que é a incorporação dos imigrantes na sociedade ocidental, fazendo com que o filme seja um interessante reflexo do espírito de uma época. Há também em “Intocáveis” uma certa atmosfera hedonista, tanto por algumas situações do roteiro em que os protagonistas Philippe (François Cluzet) e Driss (Omar Sy) se dedicam à sedução como pela vibrante trilha sonora recheada de clássicos da black music (impossível não fazer uma conexão com a blackexploitation, principalmente pelas canções do Earth, Wind & Fire), fazendo com que a obra não caia em excessos sentimentais.

quinta-feira, dezembro 06, 2012

Os infiéis, de Jean Dujardin e outros **1/2


Por ser uma obra episódica e com vários diretores, “Os infiéis” (2011) acaba parecendo uma colcha de retalhos devido aos diferentes estilos e abordagens que abrangem as histórias narradas, todas elas tendo como temática a infidelidade conjugal masculina. Assim, momentos de comédia escrachada, beirando a chanchada e o puramente grosseiro, convivem sem cerimônia com episódios mais dramáticos. É claro que isso confere à produção um caráter irregular, mas que também se sobressai por uma certa crueza e até por uma ironia perversa ao retratar as relações humanas (para aqueles habituados ao bom-mocismo das comédias românticas norte-americanas contemporâneas, tal visão pode até causar um certo choque).

quarta-feira, dezembro 05, 2012

Abraham Lincoln: Caçador de vampiros, de Timur Bekmantov **1/2


Dentro dessa onda atual de misturar fatos históricos ou clássicos literários com elementos de horror, em voga tanto no cinema quanto na literatura, “Abraham Lincoln: Caçador de vampiros” (2012) acaba sendo emblemático das opções criativas, limitações e contradições que norteiam tal tendência. Seria fácil julgar essa produção dirigida pelo russo Timur Bekmantov como um besteirol inconseqüente destinado apenas a satisfazer o público adolescente. O filme, entretanto, apresenta certas ousadias estéticas, a começar pelo trabalho bastante estilizado de fotografia e direção de arte. Os excessos das trucagens por vezes emulam um vídeo game, mas em outros momentos trazem um estranho encanto visual pelo seu tom sombrio. Permeia também a narrativa uma atmosfera bizarra e difusa – por mais esdrúxula que seja a trama, ao mostrar o célebre presidente norte-americano em guerra contra criaturas vampirescas, em nenhum momento o roteiro busca a paródia voluntária. Na verdade, o filme carrega uma carga metafórica forte, até pouco sutil, ao relacionar as vilanias dos vampiros com as posições reacionárias e escravocratas do sul dos EUA durante a Guerra da Secessão. Nesse contexto, assim como outras obras recentes que utilizam figuras clássicas da cultura fantástica (zumbis, vampiros, lobisomens, bruxas), a carga sinistra de tais personagens é reduzida – não são criaturas assustadoras, mas sim entes a serem abatidos sem a menor cerimônia. Desagradando-se ou não com tais escolhas temáticas e formais, é inegável que “Abraham Lincoln: Caçador de vampiros” é o tipo de filme que dificilmente não causa alguma reação por parte da platéia – para o bem ou para o mal...

terça-feira, dezembro 04, 2012

Dredd, de Pete Travis **1/2


É impossível escrever sobre “Dredd” (2012) sem cair naquela velha discussão já aludida neste mesmo blog sobre adaptações cinematográficas de obras originárias dos quadrinhos. Como em outras oportunidades, reitero a minha opinião sobre o assunto: não é necessário que um filme resgate todos os mínimos detalhes das histórias que serviram como base para o seu roteiro. O importante é que se preserve a essencialidade dos personagens e das situações, para que o filme agrade não somente aos fãs dos “comics”, mas também aos apreciadores de cinema em geral. Dito isso, vale mencionar que um dos fatores diferenciais para que as histórias de Juiz Dredd se tornassem tão marcantes nos quadrinhos é que no meio de tramas situadas num futuro pós-apocalíptico e distópico e permeadas de violência, escatologia e pessimismo havia margem para uma sutil e ácida ironia. Pois é justamente essa falta de bom humor negro que torna “Dredd” uma obra frustrante, fazendo com que tanto o personagem-título como o roteiro acabem soando genéricos, igual a tantas ficções científicas futuristas que geralmente aparecem na telas. O diretor Pete Travis até eventualmente encontra algumas soluções visuais que fogem um pouco do lugar comum, mas nada que tire muito o filme de sua acomodação criativa.

segunda-feira, dezembro 03, 2012

Ted, de Seth MacFarlane ***


Por mais tacanha e reacionária que possa ter parecido a reação do deputado federal sobre o filme “Ted” (2012), ela não deixa também de ser muito emblemática em relação ao espírito da obra. Afinal, o personagem-título e seu amigo John (Mark Wahlberg) são imaturos, preguiçosos, curtem drogas e adoram uma farra, e mesmo assim não são “penalizados” por isso. Num primeiro momento, pode-se dizer que “Ted” seria uma ode ao politicamente incorreto. Na verdade, a ausência de uma moral repressora representa uma concepção mais ampla – dá para dizer que o filme tem uma ideologia libertária, em que os personagens se afastam de alguns dos princípios fundamentais da sociedade contemporânea pequeno-burguesa (sucesso profissional, dinheiro, moralismo cristão), tendo como ideário um simples e simpático hedonismo. Em tempos de neo-conservadorismo político e ascensão de fundamentalismos religiosos, essa postura de “Ted” chega a ser desafiadora. Embalando essa temática até ousada, o diretor Seth MacFarlane se vincula a uma narrativa tradicional, mas eficiente em sua simplicidade, sem esquecer de até aplicar alguns toques quase surreais nas seqüências envolvendo drogas (os delírios oníricos de John com seu herói Flash Gordon representam psicodelismo para as grandes massas).

sexta-feira, novembro 30, 2012

Referendo, de Jaime Lerner **1/2


Em termos formais, “Referendo” (2012) é uma obra que pouco ousa – seu foco é praticamente o seu conteúdo temático. Nesse sentido, talvez seu destino mais apropriado fosse mesmo a televisão. É inegável, entretanto, que na sua parte informativa e de foco crítico acaba tendo uma abordagem bem aprofundada e relevante. Discutindo a questão do desarmamento e da votação que decidiu sobre a sua implantação em território brasileiro em 2005, o documentário dirigido por Jaime Lerner busca diversas visões sobre o assunto, tanto no aspecto político envolvendo a questão quanto na área humana ao trazer histórias pessoais de indivíduos que tiveram experiências com armas. É interessante também que ao procurar o entendimento dos motivos que levaram à vitória daqueles que eram contra o desarmamento no referido plebiscito, o filme evidencia os mecanismo que envolvem os conflitos políticos e ideológicos por vias eleitorais, em que as vitórias se definem muito  mais por estratégias de marketing do que por convicções do que é realmente certo e mais apropriado para a sociedade. Ao estabelecer esse discurso minucioso para dissecar um tema tão complexo, a obra de Lerner justifica a sua importância artística.

quinta-feira, novembro 29, 2012

13 assassinos, de Takashi Miike ****


Refilmagem de uma obra homônima de 1963, “13 assassinos” (2010) evoca algo de Akira Kurosawa, principalmente daquelas produções com samurais como “Os sete samurais” (1954) e “Yojimbo” (1961). Reduzir o filme do diretor Takashi Miike, entretanto, como mera recriação ou reciclagem seria uma visão equivocada. Até porque não daria para esperar muitas obviedades ou revisões meramente nostálgicas do cineasta que concebeu obras extremas como “Audition“ (1999) ou “Ichi The Killer” (2001). Miike parte de uma estrutura clássica de narrativa para perverter os tradicionalismos do gênero como uma abordagem perturbadora. A trama apresenta a velha divisão entre mocinhos e vilões, mas aos poucos essa lógica vai ser tornando cada vez mais difusa – os assassinos do título são samurais e ronins que até vislumbram o fato de agirem no nome de um bem maior, mas sua verdadeira motivação é a possibilidade de morrer com honra em combate. Essa obsessão é retratada com traços por vezes doentios e irônicos – no meio de cenas violentas e demais atrocidades, pode-se perceber o toque sutil de Miike quando em determinadas seqüências os seus “heróis” traem um sorriso discreto. E a encenação do diretor é primorosa na combinação de estéticas formais diferentes, entrecruzando uma pegada naturalista de muito sangue, chuva e barro a um tom eventualmente épico pelo virtuosismo de fotografia e montagem. Permeando esse estranho formalismo, há uma atmosfera de distanciamento emocional, resultando numa obra sensorialmente desconcertante.

quarta-feira, novembro 28, 2012

Tropicália, de Marcelo Machado ***1/2




Antes de mais nada, cabe dizer que a pretensão do diretor Marcelo Machado em “Tropicália” (2012) não é fazer um retrato objetivo e definitivo sobre o movimento musical em questão. O viés do documentário é mais subjetivo e pessoal, no sentido de captar as impressões de alguns dos principais artífices daquilo que se convencionou chamar de Tropicália. Dentro dessa concepção, pode-se perceber tons diferentes que variam durante a narrativa de acordo com o depoente. Quando Tom Zé tem a palavra, há algo de messiânico e delirante no ar – tanto que o músico em alguns momentos quebra a própria estética sóbria adotada por Machado ao sair do enquadramento delimitado formalmente para expor suas teorias históricas e apocalípticas. Já com Gilberto Gil a atmosfera burilada evoca serenidade. E quando as lentes se voltam para Caetano Veloso, esse adota uma postura que beira o melancólico, o que provoca até uma contradição perturbadora com os próprios preceitos artísticos da Tropicália, um estilo marcado pela ironia, escracho e uma certa alegria. Veloso enfatiza as perdas que teve com a consequente perseguição política que sofreu com a ditadura militar pela sua participação no movimento, e questionando o que poderia ter sido da sua vida senão tivesse sido preso e exilado. Geralmente o cantor é acusado de ser uma espécie de ator de si mesmo. E se na produção em questão ele está realmente atuando, há de se convir que Caetano Veloso é um intérprete dramático bem convincente...
As diferenças de espírito que se estabelecem entre os protagonistas de “Tropicália” acabam oferecendo uma dimensão humana e cultural ainda mais complexa para a temática abordada por Machado, o que aliado a preciosos registros visuais históricos e à bela trilha sonora (com as inevitáveis canções mais emblemáticas do movimento) compõe um documentário envolvente, não só pelo seu aspecto histórico, mas também pelo prazer sensorial de suas imagens e sons.

terça-feira, novembro 27, 2012

Perro muerto, de Camilo Becerra **


Quando um filme apresenta um viés formal mais cru, com uma temática enfocando questões sociais e cotidianas, acaba sendo inevitável que se evoque a escola neo-realista italiana, a mais emblemática no que diz respeito a esse tipo de produção. É claro que retomar uma comparação como essa para “Perro muerto” (2010), obra de um cineasta iniciante, pode ser soar injusta ou exagerada. O filme do diretor Camilo Becerra retrata a rotina repleta de dificuldades financeiras e emocionais de uma mãe solteira, principalmente no que diz respeito a conseguir uma residência fixa para ela e seu filho. É claro que o filme impressiona em alguns momentos pelo tom áspero de sua narrativa, tendo um acabamento estético razoável no que diz respeito a elementos como fotografia e edição. Falta, entretanto, mais estofo dramático e uma maior ousadia formal para que “Perro muerto” transcenda e consiga se fixar no imaginário do espectador. E é nesse ponto que, ao menos para este que escreve este breve texto, a lembrança de nomes como Roberto Rosselini e Vittorio de Sica, mestres em extrair grandeza a partir de uma linguagem naturalista, vem à tona de forma quase involuntária.

segunda-feira, novembro 26, 2012

O legado Bourne, de Tony Gilroy ***1/2


Ao contrário de “A supremacia Bourne” (2004) e “O ultimato bourne” (2007), filmes em que o diretor Paul Greengrass consolidou a estética dos filmes de ação de estilo documental com muita câmera tremida ou fora do foco principal, “O legado Bourne” (2012) adota um formalismo mais tradicional, mas que não deixa de ser inquietante. A trama continua girando em torno daquele feijão de arroz com conspirações, tramóias governamentais e traições diversas. O diretor Tony Gilroy consegue extrair dessas obviedades temáticas seqüências marcantes em termos de tensão e aventura. A edição e a direção de fotografia formam um todo mais coerente e visualmente rico do que os outros filmes da franquia. Mesmo nos momentos mais frenéticos, prevalece esse estilo sereno tanto de filmar como de montagem, em que o espectador consegue entender o que está acontecendo na encenação. Além disso, Jeremy Renner consegue compor um protagonista bem mais carismático que aquele interpretado por Matt Damon.

sexta-feira, novembro 23, 2012

Cosmópolis, de David Cronenberg ***1/2


Por mais que “Um método perigoso” (2011) demonstrasse uma elegância formal e temática em sua concepção, era uma obra que causava certa decepção por parecer um David Cronenberg muito contido e menos autoral. Mesmo não estando no topo criativo do diretor canadense, “Cosmópolis” (2012) retoma essa veia mais visceral e ousada. Para começar, o fato de ser uma adaptação de um original literária não passa em branco: a narrativa do filme trafega entre o hiper-realismo e a anti-naturalismo. Tal linguagem acaba encontrando ressonância também em elementos teatrais – o fato de boa parte da trama se desenvolver dentro do espaço reduzido de uma limusine reflete tais influências, assim como o trecho final de pura verborragia. Esses elementos de meios culturais diversos, entretanto, não descaracterizam as particularidades estéticas do cinema de Cronerberg, mas sim o enriquecem.

“Cosmópolis” se insere de forma coerente dentro da particular cinematografia do cineasta. Seu roteiro reflete muito dos conflitos mais recorrentes da sociedade contemporânea (vazio existencial, ambição irrefreável, relação sexualidade/consumismo), dentro de um contexto fortemente simbólico. As situações e diálogos são elípticos, obscuros, mas aos poucos formam um conteúdo perturbador e algo sensual. Essa abordagem icônica se estende até mesmo para o trabalho do elenco – nas interpretações de Robert Pattinson, Juliette Binoche, Samantha Morton e Paul Giamatti, há um tom que oscila entre o distanciamento emocional, a ácida ironia e o cruel desespero.

Talvez a força motriz de “Cosmópolis” esteja numa tensão contraditória – o elenco estelar (principalmente pela presença do galã Pattinson) e a pinta de superprodução de grande estúdio são na verdade uma espécie de cavalo de tróia que traz dentro de si uma sanha artística inquietante e venenosa.

quinta-feira, novembro 22, 2012

O gato do rabino, de Joann Sfar ***1/2


Se em “Gainsbourg – O homem que amava as mulheres” (2010) o diretor Joann Sfar já havia mostrado considerável talento cinematográfico, na animação “O gato do rabino” (2010), adaptação para a tela grande de uma HQ de sua autoria, ele confirma tal impressão. A história do bichano que engole um papagaio e passar a falar tem um tom fabular, e envereda por direções ainda mais complexas. O que Sfar propõe é uma narrativa plena de simbolismos e ironia, em que referências históricas, filosóficas e religiosas pontuam o caráter lúdico da trama. O traço de Sfar é fortemente estilizado, apresentando um grafismo que oscila entre o sensual e o delirante, mostrando-se em sintonia com o roteiro que traz uma gama de elementos insólitos: erotismo, violência, sincretismo/conflito religioso (principalmente na aparente contradição entre judaísmo e islamismo). Mais do que simplesmente contar uma história, o que Sfar instiga é uma obra de acentuado cunho sensorial, em que a busca por soluções fáceis morais e mesmo formais acaba sendo infrutífera. O que vale em “O gato do rabino” é se deixar levar pelo inebriante conjunto de imagens e sons que brota da tela.

quarta-feira, novembro 21, 2012

Pra frente Brasil, de Roberto Farias ***


O cineasta Roberto Farias já havia feito a sua obra-prima no gênero policial com “Assalto ao trem pagador” (1962). “Pra frente Brasil” (1982), contudo, está longe de ser desprezível. É claro que às vezes as cenas de ação soam um tanto desajeitadas. No final das contas, entretanto, isso até acaba dando um certo charme para a produção. Farias consegue aliar de forma fluente um roteiro de estrutura policial clássica com toques consistentes de cinema político, ainda que por vezes caia numa encenação caricatural. A obra consegue evocar a densidade dramática de filmes setentistas de temática semelhante de diretores como Costa Gavras e Elio Petri, sem que Farias perca a identidade brasileira tipicamente fuleira, fazendo com que a produção fuja do simples rótulo “filme sobre a ditadura” e ganhe um caráter atemporal. No mais, o diretor também tem o mérito de extrair boas e carismáticas interpretações de seu elenco.

terça-feira, novembro 20, 2012

Cara ou coroa, de Ugo Giorgetti ***1/2



Por mais que sua trama se relacione com a questão da repressão política no Brasil dos anos 70, seria inexato dizer que “Cara ou coroa” (2012) seria essencialmente um “filme sobre a ditadura”. O filme de Ugo Giorgetti é bem mais do que isso: versa sobre a memória e o imaginário cultural do próprio diretor. Assim, não é à toa que o filme se comunique de forma tão fluente com outras expressões culturais também caras ao cineasta. O roteiro desenvolve boa parte de suas situações no meio teatral, indo do fato de que um de seus personagens principais personagens é um diretor de peças até pequenos e expressivos trechos ligados ao meio (no melhor deles, uma crítica teatral, recém saída de uma breve temporada na cadeia por questões políticas, faz ácidas assertivas sobre o futuro do país). Já a literatura tem uma presença discreta, mas marcante, em “Cara ou coroa” – a narração em primeira pessoa e algumas nuances dos diálogos remetem a uma forte conotação literária pelo alto nível articulado de suas palavras, mas sem cair em empostações. Dentro dessa narrativa que apresenta tantos detalhes e referências, Giorgetti exerce um cinema marcado pela contenção e sobriedade. Por mais que os personagens passem por situações limites, o diretor exerce a tensão com precisão, sem descambar para o óbvio ou o facilmente emocional. Essa abordagem se estende para uma estética elegante, principalmente pela direção de fotografia que valoriza os jogos de claro e escuro de alguma tomadas essenciais para o filme.

O apuro formal de “Cara ou coroa” se relaciona de maneira sofisticada com o seu complexo conteúdo temático, fazendo com que a produção de Giorgetti esteja muito além das categorizações óbvias e seja uma pérola recente da filmografia nacional a ser descoberta.

segunda-feira, novembro 19, 2012

À beira do caminho, de Breno Silveira **1/2


Aqueles que desgostaram da esterilidade criativa de filmes como “2 filhos de Francisco” (2005) e “Era uma vez...” (2008), ambos dirigidos por Breno Silveira, podem até se surpreender com “À beira do caminho” (2012). Afinal, o cineasta consegue manter uma certa atmosfera contemplativa e até mesmo um tom mais sutil, ainda que sempre enveredando para o sentimentalismo. Mesmo esse tom emocional mais desbragado, entretanto, acaba encontrando ressonância mais convincente pelo fato da narrativa ser marcada por algumas canções emblemáticas de Roberto Carlos. É claro que não dá para dizer que as opções estéticas e temáticas de Silveira configurem algum grande vôo criativo, ainda mais por trazer uma trama bastante derivativa (o roteiro parece uma variação sem maiores cerimônias de “Central do Brasil”). Mesmo assim, é um trabalho bem feito em termos formais, com alguns detalhes que geram uma empatia maior com a platéia (principalmente pela boa atuação do João Miguel e as antológicas canções do Rei).

sexta-feira, novembro 16, 2012

Febre do rato, de Cláudio Assis ****



Se nas obras anteriores “Amarelo manga” (2003) e “Baixio das bestas” (2007) o diretor Cláudio Assis mostrava uma estética autoral bastante baseada no sórdido e no escatológico, e nem sempre com resultados satisfatórios, em sua obra mais recentes, “Febre do rato” (2011), o cineasta aprofunda suas inquietudes artísticas ao lançar mão de um lirismo à flor da pele, tanto no texto quanto no seu formalismo. O resultado é sua obra mais consistente até então.

Na concepção de “Febre do rato”, parece rondar duas fortes influências, ambas provenientes da cinematografia italiana. Primeiro na figura de Píer Paolo Pasolini, pelo gosto em retratar tipos populares e/ou marginais através de um registro que beira o barroco tamanho o apuro visual de enquadramentos e iluminação que remetem a influências pictóricas, quase como se emulassem quadros vivos. Nesse sentido, o trabalho de direção de fotografia em preto-e-branco é algo simplesmente fenomenal, principalmente nas filmagens de cima para baixo. E a outra referência que permeia a produção é a obra-prima “A árvore dos tamancos” (1978), de Ermano Olmi, pela atmosfera por vezes de beatitude que Assis elabora ao mostrar o quotidiano dissipado de festas, bebedeiras, discussões sentimentais/filosóficas/poéticas e orgias de suas criaturas.

E por falar em poesia, poucas vezes tal arte encontrou um meio de se expressar de forma tão fluida no cinema como em “Febre do rato”. Os jorros de palavras que saem da pena e da boca do protagonista Zizo (Irandhir Santos) estão em sintonia existencial com as imagens por vezes cruas e cruéis por vezes plenas de beleza. De certa forma, a própria trajetória pessoal de Zizo é a tradução de sua arte e dos jogos contraditórios propostos pelo roteiro. O personagem clama por anarquia, desafia os costumes e convenções pequeno-burgueses, mas quase sucumbe à paixão por Eneida (Nanda Costa), musa brejeira que configura uma espécie do ideal de amor apolíneo e destruidor. A cena em que Eneida urina na mão do poeta, a seu pedido, é a síntese perfeita desse jogo entre o grotesco e o romântico estabelecido pelas obsessões de Zizo e do próprio Cláudio Assis.

quarta-feira, novembro 14, 2012

As bem amadas, de Christophe Honoré ***


O cinema francês das décadas de 50 e 50, mais precisamente a Nouvelle Vague e os musicais de Jacques Demy, continuam a ser os principais referenciais do imaginário cinematográfico do diretor Christophe Honoré. Isso fica bem evidente em sua obra mais recente, “As bem amadas” (2011). Para não deixar dúvida quanto às suas intenções, o cineasta inicia a trama do filme na Paris dos anos 60. A partir daí, recicla algumas idéias já exploradas em algumas de suas produções anteriores (“Em Paris”, “Canções de amor”): roteiro recheado de elementos existencialistas, abordagem anti-naturalista ao evocar a estrutura de musicais, interpretações um tanto blasé de seu elenco (nesse sentido, a presença da icônica Catherine Deneuve reforça o lado revivalista do cinema do diretor). É fato que a produção não tem a mesma fluidez narrativa de obras mais antigas de Honoré. Mesmo assim, é inegável o poder de sedução de algumas insólitas soluções formais do diretor – afinal, a densidade dramática de algumas cenas se mostram em descompasso com os recursos típicos do gênero musical, tendo um efeito desconcertante para o espectador. Assim, mesmo estando distante do melhor do seu criador, “As bem amadas” reforça o padrão autoral da cinematografia de Honoré.

terça-feira, novembro 13, 2012

O liberdade, de Cíntia Lange e Rafael Andreazza ***


O Liberdade é um bar de Pelotas. Ao meio-dia, diariamente serve almoços. São em algumas noites na semana, entretanto, que se concentram os motivos para que o estabelecimento se estabeleça como uma das principais referências culturais da cidade. Nessas ocasiões, veteranos músicos do chorinho se dedicam a tocar clássicos do gênero, com especial atenção para composições de Avendano Junior, recentemente falecido e que era um dos artistas que mais comparecia a essas sessões musicais. “O liberdade” (2012), o filme, é um documentário a registrar a trajetória do bar e também de alguns dos músicos que lá tocam (inclusive o próprio Avendano Junior), além de colher impressões de alguns dos freqüentadores do local. A obra dirigida por Cíntia Lange e Rafael Andreazza foge de ser um trabalho didático ou institucional. Seu fim é muito mais representar uma espécie de documento sensorial daquele ambiente, elaborando uma concepção formal que se revela em perfeita sintonia com as melodias e harmonias que afloram da tela. Assim, elegantes enquadramentos e uma edição sóbria configuram uma olhar admirado, às vezes quase solene, pela arte de seus protagonistas, a um ponto que o espectador se inebrie com a beleza daquela música e fique intrigado pelo fato de que canções e músicos de qualidade tão excepcional terem um reconhecimento apenas regional. Após os créditos finais, é provável que esse espectador tenha o mesmo anseio do autor desse texto: onde posso conseguir o CD da trilha??

segunda-feira, novembro 12, 2012

Mercenários 2, de Simon West **


Pode parecer óbvio o que vou escrever aqui, mas para discorrer sobre um filme como “Mercenários 2” (2012) a primeira coisa que tem de se ter em mente é que detalhes como um roteiro coerente ou densidade dramática não são exatamente primordiais. Na realidade, a primordial intenção dos produtores da franquia é juntar o máximo de astros do cinema porrada e emular aquelas produções de aventuras violentas oitentistas (ainda que num tom mais asséptico – afinal, não se pode arriscar uma classificação etária muito elevada para não perder público...). É claro que o resultado final é muito distante da classe formal de clássicos do gênero como “Rambo – Programado para matar” (1982) ou “Duro de matar” (1988), mas até que essa segunda parte tem os seus momentos divertidos. Para começar, é bem melhor dirigida que a primeira, principalmente no que diz respeito às cenas de ação (ao contrário do primeiro filme, consegue-se entender o que está acontecendo em cena). Pode-se perceber que o clima de paródia é mais evidente, com uma trama que parece ter sido escrita à medida que a produção ia sendo filmada. As inserções do personagem “interpretado” por Chuck Norris, por exemplo, chegam a ser hilárias de tão grosseiras: parece que os roteiristas, lá pela metade do roteiro, deram-se conta que até o momento não havia papel definido para Norris e inventaram uma desculpa qualquer para colocá-lo na trama. No final das contas, entretanto, um detalhe como esse é irrelevante – o que importa para o público cativo de “Mercenários 2” é que a equação porradaria mais piadinhas infames está ali presente e justificando a realização de uma nova continuação.

sexta-feira, novembro 09, 2012

My name is Bruce, de Bruce Campbell **


A mítica que se criou em torno da figura do ator Bruce Campbell, principalmente pela sua participação na trilogia “Evil Dead”, é um fenômeno típico dentro do universo dos filmes B. Afinal, tal admiração não vem do fato dele ser um ator de grandes recursos dramáticos (o que não é o caso), mas sim pelo seu carisma canastrão e bem humorado que caiu como uma luva nas concepções exageradas e irônicas que Sam Raimi inseriu em sua clássica franquia de horror. Assim, nada mais natural que entre os subprodutos que surgissem a partir desse esdrúxulo culto aparecesse esse “My name is Bruce” (2007), produção dirigida pelo próprio Campbell e que tem como protagonista, ora vejam só, Bruce Campbell. Como cineasta, é claro que ele não tem a mesma classe de um Sam Raimi e nem o seu filme consegue encostar nos calcanhares de qualquer uma das produções da trilogia que deu fama para Campbell, mas é inegável que o “astro” não tinha maiores pretensões do que tirar um sarro da sua condição de ídolo. Nesse contexto, é possível dar umas risadas com o seu filme, principalmente nos momentos de humor mais escroto ou pela fuleiragem das trucagens.

quinta-feira, novembro 08, 2012

Uma noite alucinante 2, de Sam Raimi ****


25 anos após seu lançamento, “Uma noite alucinante 2” (1987) permanece como uma experiência cinematográfica impactante. E não apenas pelos seus aspectos extremos em termos de violência gráfica (até porque a primeira parte do filme, nesse quesito, foi ainda mais chocante). O que torna o filme em questão ainda uma obra memorável é a originalidade de seu formalismo. Apesar de ser uma produção tipicamente B pelos seus recursos, ela impressiona pela dimensão quase barroca que o diretor Sam Raimi injeta em sua estética. Os enlouquecidos movimentos de câmera que simulam espíritos malignos perseguindo as suas vítimas, as criativas trucagens que capricham no sangue e na caracterização grotesca de criaturas monstruosas, a narrativa que varia sem cerimônias entre o horror escatológico e a comédia escrachada e mesmos as atuações exageradas de um elenco eminentemente canastrão são elementos que configuram um filme perturbador e ousado, e que também extrapola o seu próprio gênero ao propor uma linguagem inovadora. Posteriormente, Raimi teve outros grandes momentos de brilho (“Darkman”, “Um plano simples”, “Homem-Aranha 2” e “Arrasta-me para o inferno”), mas é “Uma noite alucinante 2” que marca o seu auge artístico como cineasta.

quarta-feira, novembro 07, 2012

Marighella, de Isa Grispum Ferraz ***


Talvez o fato da diretora Isa Grispum Ferraz ser sobrinha do guerrilheiro Carlos Marighella possa fazer supor que o documentário “Marighella” (2011) seja uma obra hagiográfica em relação a figura cinebiografada em questão. A proposta da cineasta, entretanto, não é a de se ater a um registro objetivo dos fatos. Sua abordagem justamente aproveita o seu parentesco para realizar uma contraposição entre a figura pública do tio com a do homem boa praça com quem teve um breve e ameno contato doméstico. Isa Ferraz não apresenta respostas prontas para o espectador – na verdade, a platéia é quase uma cúmplice da diretora na construção do quebra-cabeça que representa a vida de Marighella. Em alguns momentos, ela prefere expor facetas pouco conhecidas do protagonista, principalmente ao evidenciar a sua veia poética. Mas isso não quer dizer que abdica de mostrar os principais fatos que tornaram Marighella um dos mais notórios rebeldes da história do Brasil. Um dos pontos mais interessantes do filme está justamente nessa tendência em confrontar a exposição de um lado mais intimista do guerrilheiro, tanto nas suas tendências para o lirismo quanto no romantismo de sua vida amorosa, com a sua personalidade explosiva como desafiador da ordem vigente. Assim, a profusão de imagens de arquivos e depoimentos mais configura um imaginário sentimental e político sobre Marighella do que uma investigação jornalística. Em termos cinematográficos, essa escolha estética e temática da diretora se revela mais fascinante ao dar um caráter perene e instigante para o seu documentário.

terça-feira, novembro 06, 2012

360, de Fernando Meirelles **1/2


A cada obra sua que aparece nos cinemas, Fernando Meirelles faz crescer a suspeita de que “Cidade de Deus” (2002) foi um feliz acidente em sua filmografia. “360” (2012) ajuda a corroborar essa suposição. O elenco estelar é competente (com destaque para Ben Foster em seu habitual registro maníaco), a direção de fotografia é bonita e o trabalho de montagem ajudar a deixar palatável uma obra marcada por temas incômodos (prostituição, infidelidade, conflitos familiares). E é justamente aí, no que era para ser “qualidades” artísticas, que a obra de Meirelles acaba falhando – “360” é agradável e bonito como uma boa peça publicitária, mas não pega na veia como narrativa cinematográfica. Não há cenas que colem no imaginário cinematográfico do espectador ou alguma dimensão artística mais ousada nas concepções formais engessadas de Meirelles.

segunda-feira, novembro 05, 2012

O asfalto, de Joe May ****


Apesar de não ser um legítimo representante do expressionismo alemão, “O asfalto” (1929) apresenta elementos semelhantes aos daqueles de tal estética cinematográfica. Apresentando uma estrutura clássica de melodrama, o filme se destaca em detalhes que perventem o seu gênero, principalmente no que diz respeito a uma certa ambiência sórdida e na sua ambigüidade temática – há um perturbador conflito que oscila entre a atração e a repulsa na relação amorosa entre um policial honesto e uma sedutora ladra de jóias. O diretor Joe May estabelece uma narrativa envolvente, em que mesmo excessos emocionais nas caracterizações de situações e personagens ganham vigorosa dimensão dramática em meio a um trabalho esmerado da direção de fotografia que explora habilmente os jogos de claro e escuro.

sexta-feira, outubro 26, 2012

Os assassinos estão entre nós, de Wolfgang Staudte ***1/2


Ainda que marcada por alguns excessos melodramáticos, “Os assassinos estão entre nós” (1946) é uma obra capaz de impressionar o espectador contemporâneo, tanto na temática quanto nos seus aspectos formais. O ano em que foi lançada é decisivo para compreensão de seus méritos. A 2ª Guerra Mundial recém havia terminado. Surpreende que numa época em que as chagas do conflito ainda eram tão presentes tenha aparecido um filme cuja trama é um acerto de contas com a participação da sociedade alemã em alguns dos mais hediondos atos da época do nazismo. O diretor Wolfgang Staudete consegue sintetizar essa questão na figura de um simpático industriário, que no período da guerra havia atuado como um oficial nazista responsável por atos de pura barbárie. Aliado a esse incômodo roteiro, há uma orientação estética que remete a muitos dos preceitos mais caros do expressionismo alemão, tanto no intenso jogo de claros e escuros a ressaltar o tom sombrio do filme quanto numa encenação marcada por um certo barroquismo exagerado – situada nas ruínas resultantes da guerra, a ambientação evoca um clima de horror, acentuado ainda mais uma atmosfera que oscila entre o realismo e o terror psicológico beirando o delirante.

quinta-feira, outubro 25, 2012

Eu tinha dezenove anos, de Konrad Wolf ****


Legítima pérola obscura não só do cinema germânico como do mundial, “Eu tinha 19 anos” (1968) propõe uma linguagem formal audaciosa para refletir sobre a ressaca moral da Alemanha diante das consequências do final da 2ª Guerra Mundial. Apesar de ser uma obra ficcional de cunho fortemente dramático, por vezes o filme evoca um estilo frio e distanciado, principalmente pela direção de fotografia e pela edição que enveredam pela estética documental. O resultado dessa forma de filmar acaba tendo um efeito contundente sobre o espectador – o diretor Konrad Wolf não busca a empatia sentimental, realçando mais a sensação de incômodo e vergonha de um povo diante de um passado recente marcado por atitudes monstruosas e trágicas. Mesmo quando a produção envereda para a ação envolvendo algumas poucas batalhas campais, o registro visual é reflexivo; a violência de tiros e mortes não é banalizada, com cada disparo de fuzis ressoando um impressionante impacto sensorial. E se a 2ª Guerra Mundial foi um dos fatos históricos que mais serviu como pano de fundo para produções cinematográficas dos últimos 80, “Eu tinha dezenove anos” se apresenta como avis rara diante de um gênero tão marcado pelas obviedades.

quarta-feira, outubro 24, 2012

O ditador, de Larry Charles ***1/2


Se em “Borat” (2007) e “Bruno” (2009) a parceria entre o diretor Larry Charles e o ator Sacha Baron Cohen promovia uma ousada mistura entre ficção e documentário, em “O ditador” (2012) eles abandonam essa estrutura narrativa e investem numa trama puramente ficcional. Isso não quer dizer, entretanto, que perderam a criatividade e a ironia ácida características das produções anteriores. A narrativa farsesca oscila entre o grotesco e o escatológico ao expor sem cerimônias os preconceitos e contradições da sociedade ocidental. Por vezes, o filme até brinca com uma certa concepção formal mais tosca, num registro estético que beira o documental, como se sugerisse que estivéssemos vendo uma grande reportagem. A brincadeira com estereótipos grosseiros de racismo e obscurantismo junto a um estilo de narrativa que parece ter um tom aleatório aos poucos revelam uma arguta coerência artística da obra. Os questionamentos levantados pelo filme, observados com uma olhar mais clínico, revelam até uma sutileza a expor dilemas complexos do panorama político mundial. E por mais que busque o riso do espectador, revela amargura e perplexidade com os caminhos atuais da humanidade.

terça-feira, outubro 23, 2012

O vingador do futuro, de Len Wiseman **1/2


Vamos convencionar uma coisa: por mais que diretores, produtores e atores tentem nos convencer que eles se envolvem em refilmagens por razões artísticas, a verdade é que a grande maioria de tais “releituras” (e até mesmo os tão falados reboots) tem por fim principal objetivos comerciais. O que não é demérito ou surpresa: cinema, antes de tudo, é indústria... Encarando por tal perspectiva é que se pode entender porque alguém ousaria fazer uma nova versão, em pleno 2012, para “O vingador do futuro”, obra exemplar do gênero ficção científica de aventura lançada em 1990, um filme que por si só não precisaria ser melhorado em praticamente nada. Na comparação, a versão mais recente dirigida por Len Wiseman não chega aos pés em termos de criatividade e como narrativa da produção original comandada pelo holandês genial Paul Verhoeven. Não há um astro carismático como Arnold Schwarzenegger como protagonista, um vilão assustador como o mítico Michael Ironside e, principalmente, o senso de humor perverso e violento estabelecido por Verhoeven. Se olharmos o filme de Wiseman sem essa sombra de uma comparação pesada com um clássico, entretanto, até pode-se perceber alguns detalhes expressivos como as interessantes trucagens e direção de arte que lembram outros grandes filmes do gênero. Mas no final das contas, acaba sendo muito pouco, numa visão que extrapola o simples interesse mercantilista, para justificar uma pretensa recriação.

segunda-feira, outubro 22, 2012

Tudo que eu amo, de Jacek Borcuch ***


Uma obra mostrando fatos típicos no amadurecimento de um adolescente, como as primeiras experiências sexuais e desilusões, não chega a ser uma novidade no cinema. O que acaba fazendo com que uma obra como “Tudo que eu amo” (2009) seja cativante e desperte o interesse das platéias é o estilo sereno da direção de Jacek Borcuch e alguns detalhes particulares do contexto histórico em que a trama de desenvolve. Focalizando um jovem vocalista de banda punk na Polônia em 1981, marcado pelo auge das divergências entre o governo comunista e o movimento do sindicato solidariedade, o filme estabelece uma forte relação intrínseca entre o intimismo da vida pessoal de seu protagonista com o conturbado momento político e social de seu país. A narrativa tem uma dinâmica que oscila entre a melancolia, a tensão e o vigoroso. Nesse último quesito, são antológicos os números musicais, tanto pela qualidade das canções quanto pelo tom frenético das apresentações (altamente educativas para fãs de bandinhas emo brasileiras saberem o que é punk rock).

sexta-feira, outubro 19, 2012

A tentação, de Mattwew Chapman *1/2


Filmes cuja intenção principal é divulgar alguma doutrina religiosa não representam uma novidade. É só se prestar atenção na regularidade com que aparecem em nossos cinemas produções de temática espírita ou católica. Agora uma produção a defender de forma veemente o ateísmo não é algo que aparece todo dia. E esse é o caso de “A tentação” (2011). A visão da obra sobre a religiosidade é pouco lisonjeira – crenças serviriam apenas para estimular o fanatismo e o obscurantismo, gerando infelicidade para os seus crentes. Independente de concordar ou não com tal ótica, o que mais incomoda no filme é o traço esquemático de sua narrativa, além da forma caricatural com que caracteriza os seus “vilões”. A ideia central da possibilidade de transcendência de um ser humano mesmo não tendo alguma religião é interessante, mas acaba retratada de forma banal. Assim, no máximo, pode-se dizer que “A tentação” desperta curiosidade pela sua temática inusitada, mas apenas por isso.