O resultado final de “Sin City: A dama fatal” (2014) como
obra cinematográfica parece refletir os atuais rumos criativos de Frank Miller
nos quadrinhos (vide os medíocres “Grandes Astros: Batman e Robin” e “Terror
sagrado”) e faz pensar que não há mais o que extrair de efetivamente relevante
da franquia. Os pontos positivos do filme se concentram no segmento que alude
ao seu título e que se baseia num dos melhores arcos da série original dos
comics criada por Miller, ainda que não tenha a mesma dinâmica narrativa ágil de
“Sin City: A cidade do pecado” (2005). Já as demais histórias mostradas nessa
continuação foram especialmente escritas para o filme e formam uma reciclagem pálida
de ideias que já foram melhores trabalhadas em obras anteriores (tanto nos
quadrinhos como no primeiro filme). Nessas tramas restantes, há uma evidente
indefinição de abordagem, em que o excesso de um dramatismo arrastado não se
encaixa bem com o grafismo cartunesco e caricatural da estética da produção. Falta
aquele senso de humor sacana e doentio que a tônica dominante do filme anterior
e também de boa parte do melhor que Miller já fez nos quadrinhos. Essa falta de
rumo na perspectiva artística do filme se reflete no incômodo tom canastrão das
interpretações do elenco. Já para Robert Rodriguez, “Sin City: A dama fatal” até
representa um certo alento, depois do horroroso “Machete” (2010), mas a verdade
é que o cara não entrega uma obra satisfatória desde “Planeta Terror” (2007).
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
terça-feira, setembro 30, 2014
segunda-feira, setembro 29, 2014
Mesmo se nada der certo, de John Carney ***
A relação do cineasta irlandês John Carney é intensa. As
tramas dos seus filmes se prendem a estruturas clássicas e pré-definidas, mas o
forte está no subtexto delas, que servem como uma espécie de reflexão sobre o
papel das canções populares no mundo contemporâneo. Se no melodrama “Apenas uma
vez” (2006) a música servia como uma espécie de redenção pessoal para os seus
personagens levemente desajustados, na comédia romântica “Mesmo se nada der
certo” (2014) se pode dizer que o olhar é um pouco mais aprofundado dentro
dessa temática. Como narrativa, essa produção mais recente recicla as ideias formais
básicas do primeiro filme: atmosfera agridoce, estética de visual mais cru e
granulado, números musicais pontuando a trama, personagens simpáticos e melancólicos.
As soluções temáticas são previsíveis e por vezes tem até um viés um tanto
conservador. Por outro lado, o filme traz uma perspectiva até bem realista e lúcida
sobre a indústria musical, evidenciando que aquela antiga estrutura do artista
que vê na grande gravadora a solução para todas as suas preces está em franca
decadência diante de inovações tecnológicas e comportamentais que mudaram
radicalmente a forma com que as pessoas se relacionam com a música. Mesmo o
conceito de um álbum se tornou nebuloso... Assim, “Mesmo se nada der cento”
acaba ganhando uma forte carga emblemática ao se impor como obra que capta o
espírito de uma época. E de bônus, ainda traz uma ótima interpretação de Mark
Ruffalo (e que compensa a atuação afetada e careteira de Keira Knightley).
sexta-feira, setembro 26, 2014
Livrai-nos do mal, de Scott Derrickson **1/2
O cineasta norte-americano Scott Derrickson tem firmado o
seu nome dentro do meio dos grandes estúdios como diretor vinculado a um gênero
específico, no caso o horror, situação essa que nos dias de hoje não chega a ser
algo exatamente corriqueiro. Isso não quer dizer necessariamente que ele tenha
uma marca autoral, pois até o momento sua cinematografia e um tanto irregular e
genérica. Assim como ele é o responsável pelo medíocre “O exorcismo de Emily
Rose” (2005), o cara também foi capaz de dirigir “A entidade” (2012), obra
efetivamente assustadora. “Livrai-nos do mal” (2014) se mostra como um
meio-termo entre as citadas produções anteriores de Derrickson. Não tem aquela
cara de telefilme morno de “Emily Rose”, mas também não há aquela pegada
sinistra e perturbadora de “A entidade”. O filme chega a apresentar algumas
boas soluções visuais e narrativas, além da dupla de protagonistas ter carisma
em suas sombrias caracterizações, mas a combinação entre policial e horror não
chega a ter um caráter orgânico satisfatório – ainda que as cenas de ação sejam
boas e convincentes, quando a trama envereda para o horror soa esquemática e
previsível demais, o que fica evidente na seqüência final de exorcismo, cuja
encenação genérica é destituída de vigor e criatividade.
quinta-feira, setembro 25, 2014
Hércules, de Brett Ratner **1/2
Brett Ratner está longe de ser o mais brilhante dos
diretores norte-americanos da atualidade, mas pelo menos tem a honestidade de não
querer parecer um “visionário”. Sua produção mais recente, “Hércules” (2014), é
um exemplo até contundente disso. O filme é derivativo de uma série de tendências
que grassam no atual panorama do cinema de aventura de cunho fantástico: uma
pretensa abordagem naturalista de velhos mitos, o gosto por cenários exóticos e
grandiosos (há grandes tomadas panorâmicas que parecem terem sido decalcadas
direto da franquia de “O senhor dos anéis”), uma violência mais explícita a
ressaltar um possível tom sombrio na narrativa. No final das contas,
entretanto, o pastiche de Ratner acaba se revelando bem digerível. Para
começar, ele não é da nefasta escola Zack Snyder na direção de sequências de ação
– filma com clareza e fluidez razoáveis cenas de pancadaria explícita. Além
disso, por mais óbvio e estereotipado que seja o roteiro, é inegável que há personagens
marcantes e a trama seja bem delineada no seu desenvolvimento. Ou seja, “Hércules”
está longe de ser uma produção inesquecível aos moldes, por exemplo, de um “Guardiões
da Galáxia”, mas pelo menos é uma diversão escapista eficiente. E dentro
daquilo que se tem feito em boa parte de trabalhos do gênero, isso não deixa de
ser um mérito considerável.
quarta-feira, setembro 24, 2014
Amorosa Soledad, de Martin e Victoria Galardi *
Nos créditos de “Amorosa Soledad” (2008), consta que o ator
Ricardo Darin teria um papel coadjuvante no filme em questão. Na verdade, o
papel dele é muito mais minúsculo, o cara não fica nem dois minutos em cena e
sua participação não acrescenta nada à trama. A inutilidade narrativa de tal
elemento, que parece estar ali apenas como um potencial chamariz comercial, é
reflexo da própria esterilidade criativa dessa produção argentina. A narrativa
espartana não vem de um rigor estético dos diretores Martin Carranza e Victoria
Galardi, mas sim de uma concepção estética pobre e um roteiro que fica apenas
chafurdando na banalidade. As agruras da protagonista Soledad (Inês Efron)
envolvendo desilusões amorosas e hipocondrias diversas são expostas de forma
mecânica e estereotipada, sem que a personagem consiga uma efetiva empatia com
a plateia e nem que sua vida e comportamento sirvam como espelho de uma
determinada geração, impressão essa que a apressada e esquemática conclusão
acentua ainda mais.
terça-feira, setembro 23, 2014
De menor, de Caru Alves de Souza ***
Com boa parte de sua trama se desenvolvendo dentro do
ambiente de uma vara judiciária dedicada a ações envolvendo menores delinqüentes,
seria fácil classificar “De menor” (2013) como um mero filme dedicado a fazer
alguma denúncia social. Seria também, entretanto, equivocado, pois a amplitude
temática e estética da obra vai bem mais além. A diretora Caru Alves de Souza
opta por uma moldura formal espartana e elegante, valendo-se de longos
planos-sequência, edição de cortes discretos e um roteiro de poucos personagens
e variações quase mínimas. Nessas soluções estéticas, sua obra acaba
construindo uma narrativa que oscila entre a fábula moral e o pesadelo
simbolista. Mais do que ser um libelo contra a punição jurídica exacerbada para
adolescentes, “De menor” se configura como o retrato da alienação da sociedade
e da nulidade dos ritos jurídicos perante questões e comportamentos que fogem
do espectro daquilo que seria uma “boa conduta”. Por várias vezes, a trama
confronta o discurso legal e dito racional da protagonista Helena (Rita
Batata), uma defensora pública, com as atitudes impulsivas e desconexas de seu
irmão adolescente Caio (Giovanni Gallo). Do resultado de tal contraponto
existencial resta a perplexidade progressiva de Helena com a vida dupla do irmão
bem como o vazio moral da retórica arrogante e burocrata de um aparelho de
justiça (defensores, juízes e promotores) que cada vez perde mais o sentido
diante o seu alheamento da realidade social que o cerca.
segunda-feira, setembro 22, 2014
O último amor de Mr. Morgan, de Sandra Nettelbeck **
O que incomoda em “O último amor de Mr. Morgan” (2013) não é
a previsibilidade de seu roteiro ou o convencionalismo de sua narrativa. O
grande problema do filme está na abordagem formal que a diretora Sandra
Nettelbeck dá para o seu material. Num filme cuja trama mostra eutanásia, um
idoso suicida, personagens desajustados e uma família disfuncional, acaba sendo
destoante e covarde o tratamento “fofinho” oferecido pela obra em questão. A
cada cinco minutos os personagens proferem alguma frase de efeito ou uma lição
de vida, ou seja, não há um encadeamento orgânico na interação entre
personagens e as situações do roteiro. E também de forma periódica, em cenas
que eram para serem cruciais, irrompe uma terna e melosa trilha sonora, que
pontua uma falsa delicadeza que se impõe de forma nada sutil e busca uma relação
emocional forçada com a plateia. Pode até ser que tenham algumas moçoilas ou
senhoras que chorem um pouco, mas também é evidente que o artificialismo e o
tom manipulador de tais expedientes retiram muito da força dramática que o
filme poderia oferecer. É claro que alguma coisa se destaca, principalmente na
boa interpretação de Michael Caine e na graciosidade carismática da bela Clémence
Poésy. O que predomina mesmo em “O último amor de Mr Morgan”, entretanto, é uma
narrativa amorfa e a insipidez de sua estética.
sexta-feira, setembro 19, 2014
Os mercernários 3, de Patrick Hughes *1/2
Talvez o grande problema da franquia “Os mercenários” é que sempre
haverá uma certa expectativa para que os filmes da série reeditem aquelas
produções de aventura casca-grossa e sangrentas dos anos 80. Ocorre que os
tempos são outros e um padrão asséptico e politicamente correto é necessário
para que um filme não ganhe uma censura etária muito elevada e assim não afete
os seus possíveis lucros. Assim, não adianta juntar vários atores emblemáticos
do gênero ação e um monte de explosões e tiros se não há uma narrativa capaz de
extrair alguma tensão ou interesse pelos personagens e mesmo cenas que tragam
algum impacto visual (afinal, a ausência de sangue e qualquer tipo de
escatologia faz com que tudo seja limpinho e nada chocante). E, pior, com uma
profusão de marmanjos fazendo um monte de piadinhas metidas à besta. Dentro de
tal equação, é provável que “Os mercenários 3” (2014) até ganhe uns trocados
nas bilheterias, mas também é praticamente certo que seja incapaz de se fixar
no imaginário daqueles que apreciam uma boa obra na linha “porrradaria”.
quinta-feira, setembro 18, 2014
O vício, de Abel Ferrara ***1/2
O diretor norte-americano Abel Ferrara concilia de forma insólita
duas temáticas distintas em “O vício” (1995): filosofia e vampirismo. A trama
do filme conta a história de uma doutoranda em Filosofia (Lily Taylor) que
durante o processo de elaboração de sua tese de conclusão de curso acaba sendo
mordida por uma vampira. Assim, suas considerações e divagações sobre ética e a
maldade humana encontram ressonância no seu novo quotidiano de criatura da
noite que se alimenta de sangue humano tendo como cenário uma Nova York sórdida
e decadente. É claro que há um forte elemento irônico em tal roteiro, mas o que
predomina na produção é uma carrega atmosfera de pessimismo e desencanto, com a
fotografia em preto e branco tornando o clima de desesperança ainda maior. A
forma com que a protagonista lida com o seu recém adquirido vício traz uma
acentuada conotação simbólica que se expande para mais de uma interpretação,
indo da metáfora sobre o uso de drogas até uma relação com a disseminação da
AIDS, doença essa que sempre esteve vinculada a uma imagem de castigo divino
contra comportamentos fora dos padrões de “normalidade” (e em se tratando de
Ferrara, católico obsessivo, tal leitura não seria tão surpreendente). Diante
de tais soluções estéticas, fica difícil enquadrar “O vício” como filme de gênero
tradicional, pois o foco da sua narrativa não está exatamente no
desenvolvimento de uma história, mas sim na combinação de uma verborragia filosófica
e moral desconcertante e encenação bastante estilizada de violentos ataques
sanguinolentos. Ainda assim, é uma produção capaz de incitar na plateia um
horror obscuro e o sentimento de desconforto diante às complexidades do mundo
moderno.
quarta-feira, setembro 17, 2014
A batalha de Solferino, de Justine Triet ***1/2
A proposta formal e estética de “A batalha de Solferino” (2013)
é bastante ousada: a combinação de uma trama ficcional de teor intimista com
tomadas reais nas ruas de Paris no dia da eleição presidencial na França em
2012. A intenção dessa conjunção é óbvia – traçar um paralelo entre os
violentos conflitos verbais e físicos entre um casal divorciado e a atribulada
convivência política entre esquerda socialista e direita neoliberal em um país
em plena crise econômica e social. A diretora Justine Triet é bem sucedida ao
traçar essa sintonia existencial entre esses dois universos que não estão tão
paralelos assim, sendo que a produção em questão acaba se tornando uma
contundente obra a retratar o espírito de uma época. Para isso, a cineasta se
vale de uma virulenta encenação naturalista na porção ficção do filme, em que
uma dramaticidade de crueza desconcertante por vezes se permite a bem vindos
toques irônicos. A produção fica ainda mais impressionante quando praticamente
todos os personagens principais vão para as ruas, com os atores interagindo em
conturbados registros documentais, a um ponto em que ficção e realidade se unem
em uma coisa só.
terça-feira, setembro 16, 2014
Era uma vez em Nova York, de James Gray ****
O que determina o padrão autoral do diretor norte-americano
James Gray não é um gênero específico a qual se vincule, mas sim a forma como modela
o gênero em questão de acordo com a sua linha estética. Foi assim no policial “Os
donos da noite” (2007) e no drama romântico “Os amantes” (2008). No drama de época
“Era uma vez em Nova York” (2013), Gray continua a exercitar a sua forma
particular de fazer cinema. A estrutura clássica da narrativa pode sugerir uma
produção acadêmica qualquer, mas tal impressão é enganadora. É nas nuances que o
filme se sobressai – a extraordinária direção de fotografia de tons marrons que
sugere uma atmosfera de pesadelo, a abordagem emocional sóbria, o delicado
trabalho de direção de atores que resulta em interpretações intensas e antológicas
de Joaquin Phoenix e Marion Cotillard. O resultado das escolhas artísticas de
Gray é uma obra de um sensorialismo elegante e sombrio, que se insinua no
imaginário como um perturbador conto moral, em que a difusa natureza das relações
de dominação entre os personagens apresenta um contundente subtexto sobre a própria
formação moral e existencial de uma nação.
segunda-feira, setembro 15, 2014
Se eu ficar, de R.J. Cutler *
Ok, admito que a parte musical de “Se eu ficar” (2014)
pareceu muito simpática para mim. Boa parte da trilha sonora é tomada por canções
de punk rock e do circuito underground/alternativo norte-americano. Dá vontade
realmente de comprar a trilha sonora. Além disso, a música tem um papel
importante na narrativa, tanto no desenvolvimento de situações e personagens
quanto nas referências e citações de diálogos e mesmo detalhes da direção de
arte. Por outro lado, vejamos dois detalhes da trama: Denny (Joshua Leonard),
pai da protagonista Mia (Cloë Grace Moretz), era baterista de uma banda punk
rock local e largou o grupo para poder cuidar melhor da família. Já Adam (Jamie
Blackley), namorado da garota, dá a entender no final do filme que desistirá
dos planos de sua banda em ascensão no circuito independente para acompanhar
Mia em Nova York, onde ela estudará violoncelo clássico. A simbologia é bem
clara: o rock, por melhor que seja, sempre acaba se submetendo aos ditames
conservadores das vidas dos personagens. Na realidade, o detalhe música em “Se
eu ficar” acaba se configurando apenas como um adereço a dar um certo e pretenso
verniz de autenticidade a uma produção rotineira e água com açúcar destinada a
levar às lágrimas uma plateia de garotas românticas e pouco exigentes. A patética
atuação de Cloë Grace Moretz é que acaba sendo a síntese mais precisa do espírito
da obra – artificiosa, formulaica e destituída de qualquer espécie de vigor.
Agora se o teu negócio é ver alguma produção que tenha o rock visceral como
pano de fundo e que traga estética e temática que estejam em sintonia
existencial com tal trilha sonora, veja correndo a obra-prima “Scott Pilgrim
contra o mundo” (2010). Tem muito mais sangue nas veias do que esse bundinha “Se
eu ficar”.
sexta-feira, setembro 12, 2014
Hélio Oiticica, de César Oiticica Filho ***1/2
A grande sacada do diretor César Oiticica Filho na concepção e
realização de “Hélio Oiticica” (2012), documentário sobre o notável artista plástico
e também seu tio, foi ter formatado o filme em perfeita sintonia artística e
existencial com a própria obra do biografado. Aliás, até o conceito de
cinebiografia acaba um tanto difuso aqui. A produção de Cesar está muito mais
para uma espécie de síntese poética e delirante do pensamento vivo de Hélio do
que para o simples resumo dos fatos que marcaram a vida do seu protagonista. A
força motriz da produção está no belo trabalho de montagem – praticamente não há
cenas filmadas pelo diretor, com a narrativa se desenvolvendo a partir da
combinação de trechos de depoimentos em fitas cassestes com a voz do artista (espécie
de correspondências “faladas” para amigos) com trechos de filmes diversos. É
como se o documentário se aproveitasse da técnica de rearranjar material antigo
para obter um resultado novo e único, emulando, dessa forma, o mesmo princípio
de concepção artística de Hélio, que costumava usar restos e itens de segunda mão
para dar vida aos seus revolucionários parangolés e outras peças criativas. A
impressão sensorial que se tem é a do espectador que é jogado diretamente no
meio da mente de Hélio, vislumbrando tanto suas principais obras como também
suas digressões sobre política, sexo, drogas e arte, entremeadas com intervenções
(imagens, músicas, discursos) de alguns dos mais destacados integrantes da
cultura brasileira de vanguarda ou destoantes dos padrões oficiais (Glauber
Rocha, Haroldo de Campos, Jards Macalé, Jorge Mautner Torquato Neto, Ligia
Clark, entre outros). O resultado final dessa profusão de imagens e palavras é
o perturbador e inquietante retrato não só de um artista desafinando o coro dos
contentes como também de parte de um país que resiste em não se render a um conservador
e sufocante senso comum estético e comportamental.
quinta-feira, setembro 11, 2014
Anjos da lei 2, de Phil Lord e Christopher Miller **1/2
Quando o Federico Fellini estava numa fase de indefinições
criativas sobre o seu próximo filme, ele resolveu transformar essa crise
criativa em matéria-prima para a produção em questão. Nesse contexto, acabou
lançando uma de suas maiores obras-primas, “Oito e meio” (1963). Guardada as
devidas proporções, os diretores Phil Lord e Christopher Miller parecem ter
sofrido de dilemas e soluções parecidos para “Anjos da lei 2” (2014). Em toda a
sua metragem, criadores e personagens dão a impressão de ter a autoconsciência que
essa continuação do filme de 2012, que já era a recriação de um seriado
televisivo dos anos 80, dificilmente teria algo de diferente para mostrar na
comparação com a primeira parte e que tudo soaria como um prato requentado.
Dessa forma, a segunda parte acaba mostrando piadas constantes com a repetição
de idéias e soluções formais e temáticas, além de um senso de humor mais
escrachado (as ironias de insinuações homoeróticas entre a parceria dos
protagonistas policiais passam muito longe da sutileza). Lord e Miller não se
constrangem nenhum pouco em regurgitar uma grande parte dos clichês de produções
policiais genéricas e nem com os furos ostensivos do roteiro – afinal, eles têm
a boa desculpa de que tudo nessa continuação é uma picaretagem assumida. Nem
sempre essa opção voluntária pelo grotesco funciona a contento, mas em alguns
momentos “Anjos da Lei 2” encanta por um clima demente que beira o surreal e
pelas atuações desencanadas de Jonah Hill e Channing Tatum. E na maior
cara-de-pau, prepara o terreno para mais uma continuação...
quarta-feira, setembro 10, 2014
Basket Case 3, de Frank Henenlotter ***
Quando esteve em Porto Alegre como diretor homenageado na
edição 2014 do FANTASPOA, Frank Henenlotter comentou em uma sessão que “Basket
Case 3” (1992) teve uma realização tão difícil devido à pressão de produtores
que fez com que o cineasta não se motivasse a fazer um novo longa por mais de
uma década. Tais problemas de bastidores realmente transparecem ao se assistir à
obra em questão. Nesse novo capítulo da saga do monstro Belial e seu apatetado
gêmeo “humano”, a narrativa não tem aquela pegada demencial e perturbadora da
produção original de 1982. Ainda assim, está longe de ser um trabalho desprezível
de Henenlotter. O diretor investe numa linha mais cartunesca e escrachada – por
vezes, o filme parece uma esquisita mistura entre Muppets e “Gremlins” (1984).
E mesmo o gore, ainda que mais atenuado em relação às partes anteriores, rende
alguns sequências antológicas de escatologia e sardônica violência gráfica. Com
todas as limitações criativas que Henenlotter afirma ter sofrido, “Basket Case
3” é uma produção bem acima da média e mais ousada do que aquilo que se tem
feito no horror cinematográfico nos últimos tempos, gênero esse que vem sendo
tomado por uma assepsia irritante.
terça-feira, setembro 09, 2014
Bem-vindo a Nova York, de Abel Ferrara ****
Nos letreiros iniciais de “Bem-vindo a Nova York” (2014), há
o aviso de que o filme se baseia livremente no caso real do estupro de uma
camareira de hotel envolvendo o então diretor-presidente do FMI, Dominique
Strauss-Khan, ocorrido em 2011. Além disso, há uma entrevista (falsa ou
verdadeira?) com o ator Gerard Depardieu discorrendo sobre a sua predileção por
interpretar pessoas as quais não aprecia. Nesse “discurso sobre o método”, o
diretor Abel Ferrara já deixa claro que o que importa para ele é muito mais a
simbologia desses fatos do que a recriação fidedigna deles. Dessa forma, acaba
criando uma espécie de parábola moral para os tempos modernos. A intensa
encenação concebida pelo cineasta é excessiva na sua profusão de devassidão e
cinismo, mas esse exagero não é gratuito – o vórtice de hedonismo sem fim em
que o protagonista Devereaux (Depardieu) se insere possui um caráter metafórico
contundente. As longas seqüências de sexo não possuem um caráter erótico. Na
visão do filme, as travessuras sexuais de seu personagem principal refletem uma
carga de dominação econômica e social de Devereaux sobre aqueles que o cercam,
fazendo lembrar a perturbadora conjunção sexo-dominação-morte de “Saló – Os 120
dias de Sodoma” (1975) de Pasolini. Tal submissão se manifesta no sexo pago com
prostitutas, nos atos forçados com a camareira e uma jornalista e até mesmo na
entrega voluntária de uma jovem e bela estudante de Direito encantada pela aura
de poder de Devereaux. Mas aqui não há a solução fácil de uma expiação de
pecados a redimir os personagens: mesmo quando preso, Devereaux não demonstra
quaisquer traços de arrependimento, e pouco depois seu poder econômico e social
sufoca as possibilidades de punição para os seus atos brutais. No fundo, ele
sabe que sua conduta é legitimada por uma sociedade que o vê como vencedor.
No registro da perversa saga de Devereaux, Ferrara adota um
formalismo admirável no seu rigor e elegância narrativa e que entra em
contraste genial com a linha temática da trajetória de excessos do personagem.
O cineasta constrói uma estranha e sombria atmosfera que varia entre luxuosos
ambientes a meia-luz e a luminosidade asséptica de aeroportos e prisões que
parecem refletir tanto o universo à parte de orgias ilimitadas do protagonista
quanto o seu inferno pessoal ao sofrer um esboço de alguma punição. E
fundamental também nas intenções artísticas da obra é a caracterização
monumental de Depardieu. Sua interpretação traz nuances variadas, indo desde o
naturalismo tradicional até a toques metalingüísticos com o ator conversando
diretamente com o espectador. Seu trabalho corporal e expressivo é
impressionante – Devereaux pode ser repugnante nos seus grunhidos animalescos,
mas também encantador no seu carisma diabólico. Até a pança proeminente dele
acaba funcionando como um recurso dramático marcante!
segunda-feira, setembro 08, 2014
Antes do inverno, de Phillipe Claudel ***
Mesmo obedecendo a uma ordem narrativa típica do cinema
francês “de qualidade”, “Antes do inverno” (2013) consegue se sobressair por
algumas interessantes nuances. A trama em um primeiro momento foca suas atenções
no drama corriqueiro de um casal de meia-idade em crise sentimental. Aos
poucos, o roteiro evolui para algo mais profundo e inquietante, ao mostrar o
protagonista Paul (Daniel Auteuil), um bem sucedido neurocirurgião, tornar-se
obcecado por uma misteriosa e instável jovem (Leila Bekthi) que se prostitui nas
horas vagas. Mais do que uma simples aventura sentimental, a obsessão do
personagem corresponde também a uma viagem por um mundo desconhecido que se
contrapõe ao conforto asséptico de sua vida pequeno-burguesa. A atmosfera do
filme é de uma tensão difusa, em que as intenções e desejos dos indivíduos
nunca ficam claros. A descida de Paul a um submundo que não compreende e o
confunde faz lembrar as aventuras eróticas e existenciais daquele protagonista
de “De olhos bem fechados” (1999). O diretor Philippe Claudel pode não ter o
mesmo preciosismo formal de Kubrick, mas consegue algumas soluções estéticas e
temáticas eficientes em “Antes do inverno”, principalmente no expressivo
contraponto que faz entre um estilo “clean” de filmar e editar com o teor
obscuro de sua trama. A perturbadora conclusão do filme é uma contundente síntese
dessa abordagem artística de Claudel.
sexta-feira, setembro 05, 2014
Magia ao luar, de Woody Allen **1/2
É recorrente em críticas e comentários realizados sobre
alguns filmes de Woody Allen a percepção de que o diretor estaria se repetindo
e instalado numa espécie de zona de conforto artística. Essa aparente preguiça
criativa, entretanto, pode ser em ilusória. Allen é um dos poucos cineastas
atividades que traz em cada um dos seus filmes uma particular visão de mundo.
As tramas escritas por ele representam uma espécie de compêndio de suas
neuroses e obsessões temáticas. Assim, nada mais natural que assuntos e situações
volta e meia tornem a aparecer em suas produções. Mesmo o seu habitual padrão formal
representa uma espécie de depuração de um estilo de filmar. Dentro dessa linha
de pensamento, por várias vezes alguns de seus filmes foram criticados na época
de lançamento e com o passar do tempo foram reavaliados de forma positiva tanto
por receberem um olhar mais cuidadoso por parte de crítica e público quanto
pelo fato da maneira como se contextualizaram dentro de sua filmografia. Dito
tudo isso, dá para dizer com tranquilidade que “Magia ao luar” (2014) é um dos piores
trabalhos de Woody Allen. E não pela geralmente alegada sensação de deja vu,
mas simplesmente pelo fato de uma execução por vezes equivocada e insossa. Estão
ausentes do roteiro aqueles típicos tons de sutileza do cineasta – todo o
subtexto da trama é dito expressamente nos diálogos. Por falar neles, as falas
não tem a graça e sagacidade que o espectador tem o costume de ver numa obra de
Allen: a excessiva verborragia é cheia de obviedades e até induz ao sono em
alguns momentos. E isso se agrava pelas interpretações caricatas e superficiais
em demasia de Colin Firth e Emma Stone, a dupla de protagonistas. Esse conjunto
de deslizes resulta numa narrativa cansada e que em determinadas sequências faz
com que o filme pareça uma comédia romântica qualquer e não uma obra de Woody
Allen. O que faz com que “Magia ao luar” não seja um total desperdício artístico
é que em algumas tomadas fica visível uma elegância no filmar, principalmente
nas cenas iniciais que se passam em Berlin, em que belos planos-seqüência e a
estilizada direção de arte oferecem um refinado encanto visual. Mas em se
tratando do diretor em questão, isso acaba sendo muito pouco...
quinta-feira, setembro 04, 2014
Lucy, de Luc Besson **
Não dá para dizer que o diretor francês Luc Besson não
buscou algum traço de ousadia em “Lucy” (2014). A partir de uma premissa simples,
a da garota que ganha superpoderes a partir da ingestão involuntária de drogas
desconhecidas, ele poderia ter enveredado para uma rotineira produção de
aventura de super-heróis. Ao invés disso, concebeu uma estranha obra envolvendo
ação frenética e divagações filosóficas/existenciais. E vindo do mesmo cineasta
responsável pelo clássico policial “O profissional” (1994), é claro que a
expectativa pode ser grande. Apesar das ideias interessantes de Besson, todavia,
a execução formal é bastante truncada. O entrelaçamento entre seqüências de
pancadaria e tiroteio com momentos contemplativos não apresenta fluência
narrativa, fazendo com que o filme por vezes fique enfadonho. Para piorar, a
edição é cheia de “espertezas”, com um excesso de cortes que faz “Lucy” ter um
ar videoclipeiro datado. Mesmo as cenas de ação têm uma concepção pouco
imaginativa e de pouco impacto, com Besson regurgitando clichês estéticos de
forma preguiçosa. É claro que algumas trucagens apresentam certa criatividade e
encanto visual. No seu resultado final, entretanto, “Lucy” faz pensar numa esdrúxula
e indigesta equação: a do publicitário fã de “Matrix” (1999) e Tarantino que resolve
fazer a sua versão de “2001: Uma odisséia no espaço” (1968). E pode crer que
isso não é um elogio...
quarta-feira, setembro 03, 2014
Basket Case 2, de Frank Henenlotter ***
A conjunção cinema e horror típica do diretor
norte-americano Frank Henenlotter permanece presente em “Basket Case 2” (1990).
Nessa continuação da obra original de 1982, as condições de produção são bem
mais profissionais, o que fica evidente nos efeitos especiais e maquiagem,
fundamentais na esquisita caracterização de monstros e freaks que surgem aos
borbotões ao longo da narrativa. A melhora no orçamento, entretanto, rouba
bastante da atmosfera demente do primeiro filme, não havendo tanto daqueles
climas perturbadores em que o riso e o susto se entrelaçavam de forma natural.
Por vezes, o filme chega a ficar agridoce na ênfase em histórias de amor e no
tom de denúncia sobre preconceitos. Se não fossem algumas passagens bem
sanguinolentas e o visual escatológico de algumas das criaturas, daria até para
encarar como uma divertida Sessão da Tarde. Mesmo assim, esse tom mais ameno,
provavelmente imposto por produtores, não tira o forte traço autoral de
Henenlotter. O terço final de “Basket Case 2”, em especial, revela o corrosivo
senso de humor doentio do cineasta, mostrando que ele será um eterno talento
outsider.
Assinar:
Postagens (Atom)