A questão da loucura em “Boa sorte” (2014) não se limita à
sua temática. A própria construção da narrativa da produção em questão
apresenta uma espécie de esquizofrenia artística, como se houvesse dois filmes
dentro de um só. Se por um lado o roteiro da obra, de autoria de Jorge Furtado
baseado em conto próprio, apresenta aquela sua habitual verborragia, em que os
diálogos dos personagens pecam pelo excesso de informações e auto-explicações,
por outro a direção de Carolina Jabor busca algumas sutilezas formais por vezes
ousadas e até líricas. Em alguns momentos, a narrativa atinge um discreto tom
delirante, tanto em alguns planos-sequência e truques de edição que sugerem uma
ambientação entre o fantasioso e o onírico quanto em algumas belas estilizações,
principalmente na parte final, em que os desenhos da protagonista Judite
(Deborah Secco) ganham vida, rendendo algumas poéticas cenas. É claro que o
travo sentimental do roteiro incomoda, principalmente na forma clichê e um
tanto moralista com que se resolve o destino de Judite, mas as boas soluções
formais de Jabor fazem de “Boa sorte” uma obra memorável.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, novembro 28, 2014
quinta-feira, novembro 27, 2014
Riocorrente, de Paulo Sacramento ***1/2
Se Jogo das
decapitações (2013) abusa de uma
verborragia atordoante, Riocorrente (2013)
prefere se insinuar pelos silêncio de seus personagens. Assim como no filme de
Bianchi, pode-se perceber na obra de Paulo Sacramento que o desconforto, a
violência e a tensão são latentes, mas os principais personagens da trama não
verbalizam suas angústias e revoltas. Preferem descontar suas frustrações e
desconfortos através de sexo, porres, discussões, passeios sem rumo pelas ruas
desoladas de São Paulo, pequenos crimes. Na superfície, os conflitos intimistas
desses indivíduos escondem uma leitura política bastante arguta – o mecânico e
ladrão de carros Carlos (Lee Taylor), o jornalista e historiador Marcelo
(Roberto Audio), a socialite Renata (Simone Iliescu) e o menino de rua Exu
(Vinicius do Anjos) carregam uma conotação simbólica na constituição de suas
figuras, representando diferentes classes sociais, comportamentos e visões de
mundo que convivem aos trancos e barrancos na mesma sociedade. Essa
estruturação da trama baseado nos conflitos existenciais de cada um desses
personagens lembra muito o mote principal do extraordinário romance Contraponto (1923) de Aldous Huxley, em que a exposição das visões ideológicas e
filosóficas dos personagens era o eixo principal do ritmo narrativo da obra.
Essa tendência para a simbologia em Riocorrente
não se limita apenas na caracterização de seus principais personagens,
sendo que Sacramento pontua de forma recorrente no filme seqüências marcadas
por sutis trucagens evocando fogo e catarse, como no momento em que Carlos se
imagina com um coquetel molotov nas mãos ou naquele do onirismo desconcertante
de um Rio Tietê se incendiando.
É curioso observar ainda que tanto O jogo das decapitações quanto Riocorrente
apresentam momentos em que a música adquire uma conotação de redenção em
meio a narrativas marcadas pela temática da turbulência social e existencial.
Na conclusão do filme de Bianchi, há um número musical em que um grupo cultural
voluntário toca e canta uma versão apaixonada da panfletária Eu vivo num tempo de guerra,
emblemático tema de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, perante uma plateia de
garotos pobres de olhar desconfiado, enquanto a obra de Sacramento traz o misto
de rock e free jazz da Patife Band e o canto dilacerado do velho mutante
Arnaldo Baptista no seu clássico Te amo,
podes crer servindo como válvula de escape emocional para as tensões
atávicas de alguns personagens. No meio do clima de pessimismo e fúria que
impera nas duas produções, é como se os dois cineastas ainda vissem alguma
possibilidade de esperança na cultura e na sensibilidade, que tanto podem se
manifestar na música como nas suas respectivas obras cinematográficas.
quarta-feira, novembro 26, 2014
O jogo das decapitações, de Sérgio Bianchi ****
Sérgio Bianchi é um cineasta que tem um apreço especial por uma
temática singular – o mal-estar existencial do homem moderno. Seus filmes têm
como conteúdo fundamental a sensação de desconforto do brasileiro classe média
com tudo aquilo que foge dos seus padrões de comportamento e moralidade. Cronicamente inviável (2000) e Os inquilinos (2009) mostram as
contradições, preconceitos e hipocrisias oriundas das diferenças de classes
sociais, enquanto Quanto vale ou é por
quilo? (2005) apresenta uma das visões mais cruas e sarcásticas já
realizadas no cinema nacional sobre o racismo. Vale lembrar, entretanto, que na
cinematografia de Bianchi as dicotomias que se apresentam não implicam
necessariamente numa visão maniqueísta. Pobres, marginais e excluídos não se
limitam a um papel de vítima – eles têm um papel ativo no seu destino. Em O jogo das decapitações (2013), todos
esses conteúdos turbulentos afloram com a virulência habitual do cineasta. Na
realidade, há até uma expansão conceitual no universo provocador de Maldita
coincidência (1979), para ilustrar o legado artístico maldito de Jairo
Mendes. No final das contas, esse confronto entre a obra mais recente e um dos
primeiros trabalhos de Bianchi também serve para traçar a unidade
artístico-existencial da carreira do cineasta e também para a confrontação
brutal entre duas épocas distintas.Bianchi,
que não se furta, inclusive, a questionar e ironizar questões muito caras para
a esquerda como a concessão de indenizações e pensões para perseguidos pela
ditadura militar. Isso não quer dizer, todavia, que Bianchi se apresente como
um recém convertido a novo conservador, reacionário ou qualquer coisa que o
valha. Ele age mais como um cronista distante e amargurado da decadência social
e moral de uma nação. Para isso, ele toma por protagonista Leandro (Fernando
Alves Pinto) um confuso rapaz de classe média, filho de uma ex-guerrilheira e
de Jairo Mendes (Paulo César Pereio), um enigmático artista performático.
Leandro também é estudante pós-graduando em vias de ser “jubilado” e que vive
numa eterna pesquisa acadêmica não muito bem delineada e definida sobre a
ditadura militar. Bianchi dá a impressão que o seu olhar gravita entre a
perspectiva atônita de Leandro diante de uma realidade cada vez mais fraturada pela
violência e intolerância, e a fúria niilista e sarcástica de Rafael (Silvio
Guindane), colega de Leandro que desdenha de ideologias e das ortodoxias
sócio-políticas. Mas mesmo para um personagem como Rafael não há uma clareza –
suas descrenças e pretensa lucidez teriam um caráter libertário ou apenas
seriam motivos para o estímulo de mais preconceitos? A maturidade artística de
Bianchi faz com essa babel de fatos, referências e simbologias sejam filtradas
numa narrativa coesa e contundente. Os principais truques formais do cineasta
recebem um acabamento ainda mais refinado, fazendo com que encenação realista,
toques documentais, diálogos discursivos antinaturalistas e sequências
delirantes convivam em estranha harmonia que ganha um sentido singular no universo
de Bianchi, tanto que ele se permite a se auto-referencia ao usar trechos do
seu primeiro longa-metragem,
terça-feira, novembro 25, 2014
Pietá, de Kim Ki-duk ****
O cinema do diretor coreano Kim Ki-duk sempre procurou um
equilíbrio entre o olhar contemplativo tipicamente oriental com uma estrutura tradicional
de melodrama sutil. Filmes como “Casa vazia” (2004) e “O arco” (2005) são
exemplares fiéis dessa tendência artística do cineasta. Em “Pietá” (2012),
Ki-duk ainda envereda pelo seu particular estilo, mas acrescentando uma porção
bem maior de violência e melancolia. O resultado final é um desolador conto
moral sobre a brutalidade econômica e a falta de compaixão na sociedade
sul-coreana contemporânea (e, por tabela, do próprio mundo capitalista
pós-moderno). É claro que no mote principal de sua trama o filme tem um viés
intimista ao mostrar a conturbada relação entre um truculento e impiedoso
cobrador de vítimas de agiotagem e a sua suposta mãe. Mas aos poucos, a
narrativa vai ganhando uma conotação simbólica ao retratar um cotidiano de
dificuldades financeiras e insuportáveis coações físicas em áreas urbanas
degradadas de uma grande metrópole. Por vezes a trama permite algum respiro ao
flagrar raros momentos de algum sentimento mais nobre em seus personagens, mas
isso apenas aumenta o grau de choque nas explosões de violência e tragédia que
irrompem de forma inesperada e impiedosa. Kim Ki-duk tem alguns truques
perversos na cartola – em determinados momentos no faz acreditar em alguma
possibilidade de redenção para as suas criaturas, mas isso é ilusório, pois, em
sua essência, “Pietá” é uma obra que versa sobre a vingança levada às últimas conseqüências,
fazendo lembrar a inesquecível trilogia da vingança concebida pelo também
sul-coreano Chan-wook Park. A crueldade temática de Ki-duk vem acompanhada de
uma concepção formal extraordinária, repleta de planos de expressiva beleza
pictórica e uma narrativa exasperante na sua capacidade de criação de tensão
dramática.
segunda-feira, novembro 24, 2014
Castanha, de Davi Pretto ***1/2
A abertura de “Castanha” (2014) é uma contundente carta de
intenções do filme: numa sugestão de pesadelo, uma estranha figura coberta de
uma espécie de óleo negro caminha cambaleante por uma estrada ao som de um
ensurdecedor e dissonante tema “drone”. O efeito sensorial é desconcertante. Essa
mesma sensação de misto de encanto e perturbação permeia toda a metragem da
produção dirigida por Davi Pretto. A estrutura da narrativa pode soar insólita
nos primeiros momentos, mas aos poucos vai ficando familiar e natural para o
espectador – por mais que se evoque alguns trejeitos documentais, o cerne da
obra de Pretto é uma encenação bastante fluida e que revela um rigor estético
extraordinário. O que na superfície podo soar casual ou aleatório na verdade
revela um senso plástico belíssimo, em que a direção de fotografia extrai
alguns enquadramentos antológicos em registros variados, indo do apartamento
simples do protagonista Castanha, passando pela ambientação sombria e sórdida
da boate gay em que ele trabalha e chegando em tomadas melancólicas das ruas de
Porto Alegre, quase como se sugerindo que à noite a cidade se convertesse numa
localidade de outra dimensão. Pode parecer contrastante que uma temática que
foca um olhar seco sobre cotidiano de uma figura solitária e fora dos padrões
de “normalidade” ganhe um tratamento formal cheio de nuances de linguagem, mas
a força de “Castanha” está justamente no entrechoque inesperado entre o real e
o delírio onírico, em que a fronteira desses dois planos existenciais por vezes
fica imprecisa de maneira fascinante, fazendo do filme de Preto, ao lado de “Morro
do Céu” (2014) e “Argus Montenegro” (2012), uma das melhores coisas que
apareceram no cinema gaúcho nos últimos anos.
sexta-feira, novembro 21, 2014
Debi & Lóide 2, de Bobby e Peter Farrelly ***
Pode-se acusar “Debi & Lóide 2” (2014) de todos os
adjetivos que se costumar atribuir a obras de continuação de sucessos
comerciais: oportunista, apelativo, variação derivativa do original e afins. Mesmo
assim, é uma comédia daquelas que vem se tornando cada vez mais raras nos
cinemas nesses tempos de politicamente correto, na sua combinação bem azeitada
de escatologia, mau gosto e humor beirando o delirante. Assim como no primeiro
filme, a lógica aqui não está em tentar encontrar sentido no fio de história do
roteiro ou em sutilezas de subtexto. O forte dos irmãos Farrelly e da dupla Jim
Carrey e Jeff Daniels está na encenação alucinada de seqüências de puro
nonsense em que não se economiza no exagero de humor físico pastelão e na infâmia
de piadas que vão das brincadeiras com fluidos corporais diversos até tirações
de sarro com deficientes. É claro que tal estética do riso por vezes cheira a
mofo e decadência, mas talvez um dos segredos do estranho encanto dessa produção
esteja num certo caráter nostálgico de um tipo de produção que está à beira da
extinção.
quinta-feira, novembro 20, 2014
Interestelar, de Christopher Nolan ***
O diretor Christopher Nolan mantém uma relação forte com o
universo dos quadrinhos, apesar de tal aproximação não ser ostensivamente
declarada. Além é claro da óbvia conexão de ter sido o responsável criativo
pela recente trilogia cinematográfica do Batman, em alguns dos seus filmes se
podem perceber influências e referências visíveis de “comics”. Em “A origem”
(2010), a estrutura narrativa se divide em diversos planos de realidade, em um
recurso que remete tanto aos universos paralelos das editoras Marvel e DC bem
como às narrativas oníricas da série “Sandman”. Em seu mais recente filme, “Interestelar”
(2014), Nolan volta a buscar inspiração nas HQs. O grande mote do roteiro da
obra em questão se relaciona a um pequeno truque temporal que o genial
roteirista Grant Morrison já havia utilizado de forma bastante engenhosa em sua
extraordinária fase na revista do “Homem-animal”. Nolan não tem a mesma verve
criativa de Morrison no uso do referido recurso narrativo, mas mesmo assim obtém
um efeito dramático de eficiente impacto.
Talvez o que incomode em “Interestelar” esteja justamente
nessa questão da pretensão de ser genial ou ousado. Nolan dá a constante
impressão de que seu filme deseja ser uma espécie de “2001: Uma odisséia no
espaço” (1968) para o século XXI. Parte do público e crítica compra essa ideia para
o mal e acaba detonando a produção pela sua intenção de ser “séria” e “profunda”.
O diretor não tem esse estofo artístico para fazer o grande épico metafísico e
existencial que propõe – por vezes, a intenção de ser poético e reflexivo
descamba para o melodrama barato. E isso sem falar na conclusão da história, um
verdadeiro imbróglio incompreensível de teorias despirocadas. A melhor forma de
assistir às quase três horas de duração de “Interestelar” é encarando a obra
como aquilo que ela efetivamente é: uma boa aventura escapista de ficção científica.
As cenas de ação têm boa desenvoltura narrativa e a dose certa de tensão, além
da direção de fotografia saber valorizar com razoável sensibilidade tanto a
beleza dos cenários naturais quanto o requinte imagético das trucagens. E por
mais chorão e hesitante que o protagonista Cooper possa ser, Matthew McConaughey
tem um tipo de carisma que faz pensar num tipo de cowboy pos-apocalíptico.
quarta-feira, novembro 19, 2014
Avós, de Carla Valencia D'Ávila **1/2
A objetividade e o distanciamento emocional cada vez mais de
forma deliberada se distanciam da formatação dos documentários contemporâneos.
Estão se tornado bastante recorrentes obras dentro de tal gênero que se deixam
permear por um caráter intimista de seus realizadores, em que suas impressões e
dilemas pessoais se impõem como matéria prima na exposição de suas temáticas. “Avós”
é um exemplar interessante de tal vertente do “cinema verdade”. Essa produção
chilena-equatoriana combina na mesma moeda política e intimismo com razoável
fluência orgânica. A diretora Carla Valencia D’Ávila conta duas histórias – a de
seu avô paterno chileno, preso e morto no início da ditadura militar
orquestrada por Pinochet, e a de seu avô materno, farmacêutico que se curou de
um tumor maligno com medicamentos elaborados por ele mesmo e que depois acabou
se tornando um misto de curandeiro e médico, tendo sucesso no tratamento de
diversos pacientes. A cineasta não apresenta grandes arroubos criativos em
termos formais – a narrativa de “Avós” é pausada e clássica, por vezes até árida
dentro da contida estética da diretora. De qualquer forma, Ávila, ao expor as
vidas singulares de seus biografados, constrói uma obra que no seu subtexto
acaba oferecendo um estranho e sedutor panorama da história existencial de um
período crítico da América do Sul, em que repressão política, misticismo e
idealismo libertário conviviam de maneira não muito harmônica no continente.
terça-feira, novembro 18, 2014
Uma jovem tão bela como eu, de François Truffaut ****
Em uma rápida primeira impressão, “Uma jovem tão bela como
eu” (1972) se mostra como uma excentricidade do diretor François Truffaut,
tendo em vista a sua estrutura narrativa emular uma espécie de ligeira chanchada.
Com o desenvolver da obra e um olhar mais atento, entretanto, o filme vai
ganhando contornos cada vez mais surpreendentes. Algumas trucagens e detalhes
visuais revelam uma estética baseada em influências cartunescas e mesmo de clássicas
comédias físicas, fazendo da produção umas das viagens mais ousadas e radicais
de Truffaut em termos de linguagem cinematográfica. O cineasta recria tais
referências sob uma perspectiva própria, em que elementos cômicos e picarescos
se entrelaçam de forma perturbadora com a atmosfera sombria e melancólica de
algumas sequências. Em outros momentos, há nuances artísticas e temáticas que
se conectam de forma contundente com o universo existencial do diretor – as peripécias
transgressoras da protagonista Camille Bliss (Bernadette Lafont) guardam
sintonia com as encrencas do Antoine Doinel, alter ego de Truffaut e personagem
recorrente em sua filmografia. É nessa confluência de desconstrução de gêneros
(comédia e suspense) e reforço de um traço autoral que “Uma jovem tão bela como
eu” se configura como uma estranha pérola dentro do conjunto da obra de
Truffaut.
segunda-feira, novembro 17, 2014
O juiz, de David Dobkin *
Um filme como “O juiz” (2014) é o tipo de obra que não
parece surgir como uma inspiração de um roteirista ou diretor, mas sim como uma
equação econômica de algum produtor mercenário. Ele deve ter pensado: “Hum,
filmes de tribunal costumam render um lucro praticamente certo”. E daí o nosso
amigo picareta pode ter concluído ainda: “E se eu acrescentar o gênero melodrama
familiar com lições de vida? Eu estarei rico”. O resultado de todas essas
considerações é uma produção que faz lembrar um Frankenstein alquebrado – o roteiro
parece seguir um manual de clichês e apelações dignas de uma telenovela, o seu formalismo
vazio se baseia numa encenação burocrática e fotografia asséptica e destituída
de personalidade, um elenco cujos principais nomes (Robert Duvall e Robert
Downey Jr.) estão com a cabeça em outro lugar (provavelmente constrangidos com
os diálogos que têm de proferir), temas musicais melosos a pontuar os momentos
mais “dramáticos” do filme. Mas o que mais irrita ainda é que “O juiz”
transparece se levar a sério demais, mesmo tomado pela cretinice temática e estética
que exala de forma constante. E toda essa mediocridade se arrasta por intermináveis
141 minutos....
quinta-feira, novembro 13, 2014
O ciúme, de Philippe Garrel ***1/2
O cinema de Philippe Garrel parece obedecer a uma lógica
muito pessoal, quase como se desenvolvesse num universo paralelo. Em termos temáticos,
as tramas de seus filmes giram em torno de sentimentos e sensações marcados
pela crueza e intensidade a flor-da-pele, sem que, entretanto, sucumbam a
arroubos emocionais exagerados, sendo que tais obsessões textuais recebem um
tratamento formal sóbrio e repleto de delicadas nuances estéticas. “O ciúme”
(2013), obra mais recente de Garrel, se enquadra nesses habituais preceitos artísticos
do cineasta. As desventuras amorosas do protagonista Louis (Louis Garrel) são
narradas num estilo de ritmo fluido e rigor plástico notável (o detalhe da câmera
filmando a ação a partir de uma fechadura, por exemplo, é uma sacada visual
engenhosa e marcante). Philippe Garrel estrutura o filme como se fosse um conto
moral pleno de pungência e ironia, mas sem cair em maniqueísmos ou obviedades. A
serena edição de poucos cortes, o roteiro em que os fatos se sucedem como
flashes de pensamento, a direção de fotografia em esmaecido preto e branco e de
enquadramentos expressivos, os discretos e pontuais temas musicais de tons
melancólicos e o elenco de composições dramáticas de sensível naturalismo compõem
uma produção de atmosfera rarefeita e atemporal e que se encerra quase como uma
lembrança fugidia.
quarta-feira, novembro 12, 2014
Drácula - A história nunca contada, de Gary Shore *1/2
Quando lançou “Drácula de Bram Stoker” (1992), Francis Ford
Coppola buscou uma nova perspectiva para o mitológico personagem do horror,
enfatizando um certo caráter romântico e trágico para a criatura. Na criativa
revisão que empreendeu, entretanto, não esqueceu de algo fundamental para que
Drácula permanecesse relevante: ele continuava a ser um vilão assustador e a
estrutura narrativa era de um legítimo conto de horror. E é justamente nesse
ponto que reside o grande equívoco de “Drácula – A história nunca contada”
(2014). A produção dirigida por Gary Shore parece ser um amálgama mal ajambrado
de algumas tendências recorrentes no cinema de fantasia contemporâneo: o revisionismo
pseudo-histórico e realista de personagens clássicos da cultura ocidental, violência
gráfica asséptica, readequação moral de lendas e mitos sob uma perspectiva
politicamente correta. Nessa formatação, Drácula passa a ser uma espécie de
super-herói atormentado e romântico e sua trajetória está mais para uma aguada
aventura épica do que para uma narrativa gótica e sombria. Por mais que haja
uma profusão de mortes brutais e caninos sangrentos, em nenhum momento da trama
há uma efetiva tensão dramática ou uma sensação de medo – o Drácula da produção
em questão é basicamente um “cara de família” cheio de boas intenções. Que
saudades do Christopher Lee seduzindo e mordendo mocinha incautas...
terça-feira, novembro 11, 2014
Carta para a morte, de Mike Mendez ***
O diretor “chicano” Mike Mendez já esteve em Porto Alegre
por ocasião de uma sessão especial do FANTASPOA para o filme “Big ass spider” (2013),
filme esse que pouco impressionou na sua combinação de gênero “monster movie”
com piadinhas infames. A má impressão sobre tal obra, entretanto, não pode ser
motivo para deixar de conferir “Carta para a morte” (2013). O filme em questão é
bem superior ao mencionado trabalho posterior de Mendez – não prima pela
originalidade e nem por grandes vôos criativos, mas é eficiente naquilo que
toda uma produção de horror deve ser (o que, nos dias de hoje, já é um grande mérito).
De vez em quando alguns efeitos visuais digitais fuleiros até incomodam, mas o
senso narrativo do diretor compensa com sobras. A atmosfera sombria e por vezes
de tons góticos, o roteiro bem delineado, os momentos de forte violência gráfica
e mesmo a canastrice simpática do elenco remetem de maneira nostálgica o espectador
ao universo dos filmes B de terror oitentistas. E é até compreensível que “Carta
para a morte” tenha sido diretamente lançado em DVD no Brasil, pois não dá para
imaginá-lo sendo exibido nas assépticas salas de um multiplex.
segunda-feira, novembro 10, 2014
4:44 - O fim do mundo, de Abel Ferrara ***
Por mais que se aventure por vários gêneros cinematográficos,
a lógica principal na filmografia do diretor Abel Ferrara é que tudo se adapte às
suas particulares concepções artísticas e existenciais. “4:44 – O fim do mundo”
(2011) obedece a tal preceito – molda-se na superfície como uma espécie de ficção-científica
apocalíptica, mas aos poucos sua narrativa rarefeita se converte numa incômoda
exposição das obsessões de Ferrara. Assim, sexo desesperado, vício em drogas,
desajuste família e vazio existencial preenchem pontualmente a trama. A encenação
proposta pelo cineasta é austera e criativa na forma que adapta os conceitos
inerentes ao gênero ficção científica de acordo com a contenção formal e a
economia de recursos da obra. Assim, Ferrara induz ao espectador que o fim do
mundo está chegado na elaboração de uma sombria atmosfera e nos diálogos metafóricos
de seus personagens, tornando o clima de desesperança mais palpável do que se
tivesse simplesmente apelado a assépticos efeitos visuais digitais. Ainda que não
tenha a contundência estética e o impacto sensorial de “Melancolia” (2011),
outro filme que versou sobre o final dos tempos sob uma perspectiva mais
contemplativa e ácida, o filme de Ferrara tem o seu encanto perverso na forma
sem concessões com que retrata os dilemas e hipocrisias da humanidade perante
um mundo em colapso.
sexta-feira, novembro 07, 2014
Sétimo, de Patxi Amezcua *1/2
Confesso que nos últimos meses eu tinha voltado a dar crédito
para o cinema argentino. Obras vigorosas como “Viola” (2012), “Algumas garotas”
(2013) e “Relatos selvagens” (2014) mostravam parte de um panorama cinematográfico
disposto a fugir de um padrão asséptico que havia se tornado dominante nas
produções dos hermanos. Dentro dessa linha de pensamento, assistir a “Sétimo”
(2013) acaba sendo uma decepção. O filme não chega a ser exatamente ruim – por vezes,
consegue até ser divertido no seu subtexto ostensivamente misógino. Talvez por
isso o filme pedisse uma abordagem mais irônica e alucinada, algo como aquelas
comédias dementes do cineasta espanhol Alex De La Iglesia (“Mortos de riso”, “Crime
ferpeito”). Do jeito que ficou, algo no gênero “suspense psicológico” de estética
derivativa, a obra do diretor Patxi Amezcua chafurda em clichês narrativos e
numa encenação amorfa, abusando de um formalismo bastante burocrático e de um
elenco baseado em interpretações que oscilam entre o “piloto automático” e o
francamente canastrão. Para alguns espectadores é provável que “Sétimo” se
mostre “diferente” e tenha alguma seriedade artística por ser falado em
espanhol e ter Ricardo Darin batendo ponto nos créditos. Mas convenhamos: se
fosse falado em inglês, o filme passaria batido como a mais rasteira produção
norte-americana (tipo aquelas que passam nos telecines da vida). E o seu plano
final, uma grande tomada aérea noturna de Buenos Aires tipo cartão postal para
turista, talvez sintomático da absoluta falta do que dizer e mostrar em “Sétimo”.
quarta-feira, novembro 05, 2014
O grande mestre, de Wong Kar-Wai ***1/2
Mesmo estranhando alguns trechos mais contemplativos e da
abordagem emocional um tanto distanciada, os apreciadores mais tradicionais do
gênero artes marciais poderão se divertir com “O grande mestre” (2013). O filme
do diretor Wong Kar-Wai apresenta alguns momentos antológicos nas bem
elaboradas seqüências de lutas que pontuam a narrativa. Ao contrário da
fantasia extrema de golpes impossíveis e lutadores que voam de produções como “O
tigre e o dragão” (2000) e “O clã das adagas voadoras” (2004), “O grande mestre”
se vincula a uma linha mais realista em seus trechos de pancadaria (até porque
a trama é baseada em eventos reais importantes da história da China). Isso não é
impedimento, entretanto, para que Wong Kar-Wai não deixe impresso em cada
fotograma a sua característica elegância formal em termos de encenação e
montagem. Sua habitual sutileza também se manifesta na rarefeita composição
dramática da narrativa, repleta de simbologias e subtextos nas atitudes,
diálogos e expressões dos personagens, fazendo de sua obra um estranho e
sedutor conto moral – a dinâmica de lutas e intrigas políticas serve como um
reflexo dos valores e dilemas de uma nação em um complexo contexto histórico.
terça-feira, novembro 04, 2014
Festa no céu, de Jorge R. Gutierrez ***
A participação de Gullermo Del Toro na produção de “Festa no
céu” (2014) não é gratuita – a animação dirigida por Jorge R. Gutierrez é uma
bizarrice bem divertida e que faz lembrar alguns dos melhores e mais idiossincráticos
filmes de Del Toro como “Cronos” (1993) e “O labirinto do fauno” (2006). O
grafismo da obra é de uma beleza por vezes exuberante na sua combinação de estilização
berrante e toques sombrios, em que os elementos tradicionais da festa dos
mortos da cultura mexicana são incorporados na particular estética do filme com
notável fluidez. Essa abordagem estética em que bom humor e morbidez se fundem
com naturalidade se expande também para a trama – a estrutura tradicional de
uma história infantil de tom fabular é mantida, mas permeada com um certo senso
de humor perverso e uma visão bastante crítica da sociedade patriarcal machista
inerente da sociedade mexicana (e também do próprio mundo ocidental de matiz
cristã católica). A própria natureza maniqueísta na diferenciação entre heróis
e vilões vai se tornando difusa com o desenrolar do roteiro, o que torna “Festa
no céu” uma obra em forte sintonia com os tempos atuais.
segunda-feira, novembro 03, 2014
Sob a pele, de Jonathan Glazer ***1/2
Na superfície da premissa de sua trama, “Sob a pele” (2013)
aparenta se vincular a uma ficção científica genérica – a alienígena (Scarlett Johansson)
que se esconde sob uma bela aparência física que seduz incautos e depois os
aprisiona e mata. Mesmo na sua leitura simbólica, não há grandes novidades,
fazendo com que a trajetória existencial da protagonista sirva como uma espécie
de metáfora da “destruição sentimental”, em que o indivíduo que desconhece as
emoções humanas e que depois de expostas a ela acaba sucumbindo pela desordem
psíquica provocada por tal contato. O que diferencia de forma expressiva a
produção em questão é o idiossincrático tratamento formal concebido pelo
diretor Jonathan Glazer. Ao invés de tinturas épicas, o filme se desenvolve
como uma sóbria e melancólica narrativa, formatada em truques estéticos
eficientes em termos de encenação, fotografia e montagem, num clima de
estranheza que se acentua pela dissonante trilha sonora e pela abordagem
emocional distanciada. A própria figura Scarlett Johansson representa uma espécie
de síntese das ideias artísticas de Glazer: a composição dramática da atriz é
inexpressiva, mas de forte presença cênica, reforçando a atmosfera de esquisitice
e desesperança da obra.
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