No atual contexto sócio-político tanto nacional quanto
internacional, a produção cubana “Numa escola de Havana” (2014) ganha uma
perspectiva humanista diferenciada a partir da visão de mundo que o diretor
Ernesto Daranas deixa clara na trama do filme. Dentro de uma conjuntura em que
setores conservadores da sociedade civil, políticos oportunistas e religiosos
fundamentalistas clamam pela redução da maioridade penal e o aumento no rigor
de aplicação de penas para jovens infratores, a obra de Daranas expõe um olhar
tolerante e complexo sobre a infância e a adolescência inserida num cotidiano
de pobreza e privações diversas. O roteiro não expõe soluções fáceis para o
destino do jovem protagonista Chala (Armando Valdes Freire) e nem caracteriza o
personagem através de estereótipos e idealizações – Chala por diversos momentos
é francamente desagradável e teimoso em seu comportamento. Essa dureza na concepção
do personagem e de algumas situações é necessária justamente para realçar a
importância de uma abordagem mais humana e racional na condução da questões
envolvendo menores em condição de vulnerabilidade social e econômica. Nesse
sentido, a figura da veterana professora Carmela (Alina Rodrigues) ganha uma
conotação simbólica nas suas atitudes de enfrentamento contra a insensibilidade
e o caráter obtuso da burocracia educacional. Mas se nesse âmbito temático “Numa
escola de Havana” se revela contundente, em termos formais não vai muito além
dentro da estrutura clássica de melodrama. A encenação concebida por Daranas é
apenas correta, chegando por vezes à beira do enfadonho. A narrativa evoca algo
do clássico “Os incompreendidos” (1959), obra emblemática a retratar uma
juventude conturbada e rebelde. É óbvio, entretanto, que Daranas está longe de
ter a classe e inventividade estéticas de um Truffaut.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
quinta-feira, outubro 29, 2015
quarta-feira, outubro 28, 2015
A colina escarlate, de Guillermo Del Toro ****
Num primeiro momento, o que mais salta aos olhos em “A
colina escarlate” (2015) é a grande gama de referências estéticas e textuais a
obras e estilos emblemáticos do gênero horror. O castelo que neva em seu
interior faz lembrar uma construção semelhante do “Drácula” (1931) de Tod
Browning, a trama que parece um pastiche de diversas produções clássicas da
Hammer, o erotismo latente que evoca filmes marcante do terror europeu dos anos
60 e 70. O que faz o trabalho de Guillermo Del Toro transcender a mera
reciclagem nostálgica é a forte pegada autoral do cineasta mexicano. Del Toro
filtra todas essas citações e influências e as reprocessa de forma muito
particular. Dessa forma, o que se tem na tela é uma revisão radical e por vezes
até delirante dos clichês e convenções mais básicos desse gênero. Se em boa
parte dessas obras de décadas atrás havia uma certa sutileza nos quesitos
violência e tabus morais, onde o recurso da sugestão era usado como princípio
básico da narrativa, no filme de Del Toro tal preceito é jogado para o espaço.
A estrutura de roteiro é clássica e até mesmo manjada nos seus conflitos e
viradas. Assim, o efeito do suspense não é exatamente o forte da obra em
questão. O que faz a diferença em ‘A colina escarlate” é o extremo requinte
concentrado na elaboração da atmosfera gótica, na plasticidade visual detalhista
e na narrativa de ritmo elegante e tenso. A conjunção da direção de fotografia
de tons barrocos e uso inspirado de efeitos visuais (o melhor design visual de
fantasmas dos últimos tempos!) se aliam de maneira orgânica com a brutalidade
explícita da sequencias de violência que beiram o gore e com uma ambientação
perturbadora no seu misto constante de ultrarromantismo e sordidez. Em perfeita
sintonia artística com as escolhas formais de Del Toro, as composições
dramáticas do elenco são antológicas em interpretações icônicas e expressivas,
com destaque absoluto para Jessica Chastain, antológica como vilã sedutora e
enlouquecida. Diante de todos esses acertos, “A colina escarlate” é o trabalho
mais equilibrado e impactante de Del Toro na sua combinação de virtuosismo
estilizado e obsessões temáticas.
terça-feira, outubro 27, 2015
Atividade paranormal: Dimensão fantasma, de Gregory Plotkin **
Desde o seu primeiro filme, a franquia “Atividade paranormal”
se apoia em um arsenal limitado de truques narrativos – filmagem estilo “amador”
(simulando a situação de que algum dos personagens estará sempre registrando o
que está acontecendo), sustos “inesperados” que surgem a partir de uma
encenação que evoca os aspectos corriqueiros do cotidiano, trama baseada na
gasta fórmula “personagens incrédulos que aos poucos vão se convencendo que
estão sendo assolados por forças do mal”. Ou seja, uma variação sem maiores
atrativos da fórmula consagrada em “A bruxa de Blair” (1999). Diante de tal
mesmice, é até louvável que o diretor Gregory Plotkin tenha procurado
acrescentar algo de novo nesse recente “Atividade paranormal: Dimensão fantasma”
(2015). Ainda que não representem exatamente uma novidade no gênero horror, os
recursos formais na obra em questão se mostram mais elaborados, principalmente
em termos de efeitos especiais e dinâmica narrativa. A história ganha uma
perspectiva mais ampla em seus desdobramentos. Apesar de tais tentativas,
entretanto, o filme não consegue avançar muito além daquilo que já havia sido
explorado nos trabalhos anteriores da franquia. A fórmula da trama, na
realidade, é aprisionadora, muito baseada em sustos baratos, fazendo com que
alguns aspectos promissores do roteiro (relação entre bruxas e demônios,
distorções temporais) sejam subaproveitados. Falta também para Plotkin uma
pegada criativa mais consistente para explorar de forma mais eficaz os clichês
narrativos típicos de um filme de terror. Do jeito que ficou, “Dimensão
fantasma” pode até render alguns momentos de diversão escapista razoável e
justificar comercialmente mais uma continuação oportunista, mas também está muito
longe de apresentar algo capaz de se fixar no imaginário do espectador.
segunda-feira, outubro 26, 2015
Peter Pan, de Joe Wright *
Uma dos aspectos mais admiráveis das adaptações
cinematográficas que o diretor britânico Joe Wright concebeu em “Orgulho e
preconceito” (2005) e “Anna Karenina” (2012) era a forma com que ele remodelou
os originais literários e os enquadrou dentro de narrativas audiovisuais
personalíssimas. Diante de tais experiências pregressas, não há como o
resultado final de “Peter Pan” (2015) não ser bastante frustrante. Isso porque
o filme em questão parece uma colcha de retalhos genérica e mal ajambrada de
uma série de preceitos formais e temáticos que tomaram os gêneros fantasia e
aventura nos últimos anos – a releitura de personagens clássicos mostrando suas
origens (a despeito daquilo que os autores originais tinham realmente em mente
quando criaram as figuras em questão), a inserção de elementos de cultura pop
contemporânea em histórias de época (à moda “Moulin Rouge”). O jeito com que
Wright combina tais tendências estéticas e textuais é bastante disparatado,
fazendo com que suas soluções criativas pareçam estar mais vinculadas a um
direcionamento mercadológico do que a inspirações artísticas. E mesmo a
encenação vigorosa e a utilização meticulosa dos recursos formais de fotografia
e edição, habituais na filmografia do cineasta e que tinham atingido ponto de
bala no magnífico “Hanna” (2011), acabam enterrados em nome de uma direção
burocrática e sem o menor traço autoral, sendo que o elenco tomado por atuações
sem carisma e densidade só faz tudo piorar ainda mais. Por vezes, até dá para
dizer que a beleza plástica de algumas sequências chama a atenção pela
qualidade das trucagens digitais, mais tais impressões são efêmeras e é até
vazias diante de uma narrativa tão truncada e sem vida. Assim, “Peter Pan” nunca
empolga, ficando reduzido a um amontoado medíocre e sem graça de clichês oportunistas
sexta-feira, outubro 23, 2015
Hotel Transilvânia 2, de Genddy Tartakovsky *1/2
O que justifica que uma animação tão derivativa quanto o
primeiro “Hotel Transilvânia” (2012) ganhe um continuação? A resposta é óbvia e
simples – grana! Dessa forma, tentar listar as razões que levam “Hotel
Transilvânia 2” (2015) a ser uma obra anódina chega até a ser algo um pouco
inútil, pois diante da máquina de merchandising que envolve a franquia, a
qualidade artística do filme chega a ser um mero detalhe. É claro que dá para
realçar a qualidade do traço em determinadas passagens ou algumas boas piadas,
mas tais aspectos são incapazes de gerar uma narrativa envolvente. Tudo nessa
produção dirigida por Genddy Tartakovsky parece estar no piloto automático. No
final das contas, o que interessa para todos (inclusive para o próprio público)
é o evento de ir para sala escurar comer pipoca e muito eventualmente dar
alguma risada. É a mesma linha de raciocínio que se aplica as outras franquias
de animação (“Madagascar”, “A era do gelo”, “Meu malvado favorito” e afins).
Sorte que pelo menos tem a Pixar e a Disney que de vez em quando resolvem
arriscar um pouco mais dentro desse esquema viciado.
quinta-feira, outubro 22, 2015
Um amor a cada esquina, de Peter Bogdanovich ***1/2
O diretor Peter Bogdanovich sempre nutriu uma grande paixão
pelo cinema clássico norte-americano da primeira metade do século XX. Antes de
se tornar cineasta, dedicou matérias e ensaios sobre filmes e diretores que
admirava. Mesmo seus próprios filmes refletem esse seu amor por tais
filmografias e artistas, deixando isso claro em termos de estéticas,
influências, citações e referências. Após um longo período sem aparecer com
alguma nova produção nas telas, Bogdanovich retoma com a mesma pegada
reverencial e algo nostálgica em “Um amor a cada esquina” (2013). Nesse
trabalho, talvez o nome que mais venha à mente seja o de Howard Hawks,
principalmente com aquelas comédias amalucadas cheia de quiproquós como “Levada
da Breca” (1938) e “Jejum de amor” (1940), além de alguns diálogos espirituosos
evocarem o encanto das produções cômicas de Ernest Lubitsch (aliás, um de seus
filmes, “Cluny Brown”, é citado diretamente no roteiro). O fascinante no
formato narrativo concebido por Bogdanovich é que tudo pode parecer um tanto
aleatório e pueril, mas na verdade tem por trás uma encenação bastante
meticulosa tanto no desenvolvimento das situações do roteiro quanto nos
relacionamentos que se estabelecem entre os personagens, contando ainda com uma
azeitada direção de atores (Jennifer Aniston tem aqui a sua mais convincente
atuação no cinema e Imogem Poots com seu misto de doçura e ironia faz lembrar
mitos como Audrey Hepburn e Claudette Colbert). Tais truques formais e
temáticos podem até soar a princípio anacrônicos, mas aos poucos vão conferindo
ao filme uma atmosfera atemporal e de irrealidade sedutora (vide as hilárias
coincidências que permeiam toda a trama).
quarta-feira, outubro 21, 2015
O ciclo da vida, de Zhang Yang *
O diretor chinês Zhang Yang tinha demonstrando habilidade
narrativa razoável no envolvente “Banhos” (1999). Assim, seu nome aparecendo
como diretor de “O ciclo da vida” (2012) acabava por chamar atenção especial
para a produção. As sequenciais iniciais desse filme mais recente por sua vez
pareciam confirmar as boas expectativas, ao fazer um registro entre a crueza e
a sensibilidade registrando o dia-a-dia melancólico e sereno num asilo de
idosos. Essas positivas impressões, entretanto, caem por terra com o desenrolar
da narrativa. As opções estéticas e de roteiro se revelam equivocadas,
desprovendo o filme de qualquer resquício de sutileza e efetiva densidade dramática.
Os idosos personagens principais recebem uma caracterização caricatural – são criaturas
unidimensionais, quase como seres bonzinhos e fofinhos que sofrem uma
discriminação incompreensível da sociedade. Os conflitos e dilemas da trama são
expostos de forma ostensiva e maniqueísta em diálogos e situações que
desconhecem a sobriedade e a contenção, o que acaba resultando numa encenação
artificiosa, beirando o infantil (no mau sentido da palavra). Em vários
momentos as falas dos personagens mais parecem textos institucionais a proferirem
intermináveis lições de vida. É claro que o aspecto sentimental tem uma preponderância
inevitável em boa parte das obras que aborde a questão da velhice e do
abandono, vide algumas produções marcantes da história do cinema. O problema de
“O ciclo da vida” é que se confunde esse lado sentimental com pura pieguice
oportunista, fazendo com que o filme de Yang mais pareça um novelão mexicano de
lágrimas fáceis e manipuladoras.
terça-feira, outubro 20, 2015
Lulu, nua e crua, de Solveig Aspach **
O roteiro de “Lulu, nua e crua” (2013) tem um certo caráter
de contestação ao mostrar a história de uma mulher que entra em uma espécie de
crise existencial e resolve se afastar da família por alguns dias e ficar
perambulando pelas ruas de cidadezinhas do interior da França. Nesse período,
acaba se envolvendo com desajustados e passa a reavaliar os valores morais que
sempre permearam sua vida. Tal premissa de trama até poderia render uma obra
inquietante, mas a abordagem da diretora Solveig Aspach é tão burocrática que
acaba esvaziando qualquer possibilidade de ousadia que o filme poderia ter. Por
vezes até transparece um certo traço de elegância na maneira de filmar da
diretora. Insinua-se um estilo reflexivo e naturalista em sua encenação. Com o
desenrolar da narrativa, entretanto, essas promessas acabam se mostrando ilusórias.
Tais elementos estéticos são jogados na tela e não conseguem se cristalizar a
ponto de gerar interesse ou inquietação por parte do espectador. Aspach não
consegue dar um estofo dramático suficiente capaz de gerar tensão ou empatia
pela história ou pelos personagens. O trio de desocupados que se tornam amigos
de Lulu (Karin Viard), um deles sendo até amante dela, por exemplo, recebe uma
caracterização caricata e sem profundidade psicológica, mais parecendo um grupo
de “amiguinhos fofinhos e sujinhos” da personagem principal do que seres
humanos críveis. Mesmo o elemento sensual que ocasionalmente aparece vem sempre
em uma perspectiva casta e envergonhada. Por mais que a obra transmita um desconforto
com alguns padrões comportamentais da sociedade, tudo é passado sob um filtro
de superficialidade e insipidez, fazendo a narrativa mais parecer algum vídeo
motivacional de autoajuda do que uma obra cinematográfica propriamente dita.
segunda-feira, outubro 19, 2015
Bata antes de entrar, de Eli Roth **
O fato de “O albergue” (2005) ser uma espécie de clássico do
cinema de horror desse século sempre fará com que se preste atenção nos filmes
que o diretor Eli Roth venha a lançar. Sua ótima sequencia lançada em 2007
aumentaram ainda mais o crédito de Roth. Tais expectativas positivas,
entretanto, acabam sendo frustradas com sua obra mais recente, “Bata antes de
entrar” (2015). O que incomoda no filme não é simplesmente o fato de se apoiar
em diversos clichês narrativos. Afinal, a trama no estilo “psicopatas dementes
atormentando um bom lar pequeno burguês” pode ainda render alguma coisa de
interessante (é só lembrar, por exemplo, o que Michael Haneke aprontou nas duas
versões do brilhante “Funny Games”). Nesse sentido, a produção dirigida por
Roth traz um roteiro que até traz alguns elementos instigantes no confronto que
se faz entre as forças do caos representada pela enlouquecida dupla de gostosas
sádicas e os bons valores morais e sociais simbolizadas pela fotogênico,
asséptico e hipócrita patriarca que é acossado pelas garotas (aliás, ele é um
arquiteto hipster descolado casado com uma bela artista plástica espanhola). O
problema de “Bata antes de entrar” é que os elementos de ousadia demente e
questionadora não passam para a própria concepção artística do filme – ao invés
do barroquismo visual enlouquecido e sangrento de “O albergue”, há uma espécie
de formalismo contido e despersonalizado. A encenação proposta por Roth é
genérica e carente de tensão, não causando empatia para nenhum dos personagens
(aliás, tendo um Keanu Reeves no auge da inexpressividade dramática fica bem difícil
ter tal empatia). Por vezes, até se insinua em alguns detalhes traços de uma
estética diferenciada, em que Roth poderia dar vazão à criatividade que havia
demonstrado em trabalhos anteriores, como nas sequencias de sexo, no bom uso de
canções de rock e pop para criar uma atmosfera, em alguns diálogos desbocados,
em algumas ambientações de sordidez perturbadora. Mas tais intenções acabam
ficando só na promessa diante de boa parte das soluções artísticas conservadoras
da obra.
sexta-feira, outubro 16, 2015
O clube, de Pablo Larrain ***
Há filmes em que os conceitos de suas respectivas concepções
artísticas são bem mais interessantes do que os resultados finais. Esse é o
caso da produção chilena “O clube” (2015). Dá para perceber durante a projeção
da obra que as ideias do diretor Pablo Larrian são ousadas e repletas de boas
sacadas. Através do microverso de uma casa localizada numa melancólica cidadezinha
no interior do Chile, onde residem padres afastados pelas igreja católica por
diversas razões (pedofilia, corrupção, ligações obscuras com o poder político),
a trama faz uma espécie de inventário dos podres morais tanto da religião
oficial quanto da própria sociedade chilena. Para isso, Larrain se utiliza de uma
abordagem formal e emocional dúbia e por vezes até distanciada, com o filme
alternando sua atmosfera de forma irônica entre o melodramático e o francamente
sórdido (nesse sentido, alguns diálogos do filme são engraçados e perturbadores
no seu misto de escrotidão e hipocrisia), além da fotografia buscar uma
ambientação gótica que se revela um sintonia existencial com o conteúdo de seu
roteiro. Tais recursos estéticos e textuais de “O clube” garantem uma narrativa
envolvente e que sabe criar um desconforto para o espectador. No geral,
entretanto, falta para Larrain uma certa centelha criativa que faça com que o
seu filme consiga transcender em uma experiência efetivamente memorável. No clímax
da narrativa, a noite em que os padres e a religiosa que os auxilia conspiram
para que os habitantes da cidade linchem um pobre coitado que os atormenta, por
exemplo, Larrain realiza uma composição cênica óbvia e um tanto desajeitada – o
que era para ser o grande momento de tensão dramática da produção acaba tendo
uma resolução banal. O tom conciliatório da conclusão da história também mostra
um lado conformado e conservador que atenta contra a diatribe social e política
que até então era a tônica da obra. Apesar de tais aspectos frustrantes, “O
clube” ainda mantém um grau de interesse acima da média e que deixa algo
inquietante martelando no inconsciente da plateia.
quinta-feira, outubro 15, 2015
Minha querida dama, de Israël Horovitz **
Trabalhando com um roteiro baseado em peça teatral de sua
própria autoria, o diretor Israël Horovitz até insinua algo de uma abordagem
diferenciada em “Minha querida dama” (2014). Há uma certa sobriedade na
condução da narrativa, o roteiro apresenta algumas sutilezas na caracterização
de personagens e situações, o elenco demonstra refinamento em suas composições
dramáticas (nesse sentido, é reconfortante ver Kevin Kline demonstrado mais
vigor em sua interpretação depois de sua atuação sonambula em “Ricki and The
Flash”). Com o desenrolar da trama, entretanto, essa boa impressão acaba se
esvanecendo. A sensação é de que o cenário principal da história, um grande,
antigo e bolorento prédio residencial, parece contaminar a narrativa da produção,
que se converte num mofado e previsível acúmulo de clichês formais e temáticos.
O roteiro até evoca dilemas e conflitos que poderiam render algo de mais ousado
em suas soluções, mas Horovitz encaminha tudo para resoluções sem brilho e
acomodadas. Sua encenação é amorfa e engessada, com a mão pesada do cineasta
fazendo com que a dinâmica mais pareça de um novelão de época das seis da tarde
(é só notar que as insinuações de incesto são prontamente esclarecidas para não
chocar as plateias).
quarta-feira, outubro 14, 2015
Todas as cores da escuridão, de Sergio Martino ***1/2
Dentro do gênero giallo, “Todas as cores da escuridão”
(1972) se mostra como um exemplar bem característico dessa linhagem de filmes.
Apesar de não estar no mesmo nível artístico de Dario Argento e Mario Bava, o
diretor Sergio Martino explora de forma bastante inspirada e radical vários
preceitos formais do gênero – a composição cênica exagerada e beirando o
barroco, a forte violência gráfica, as caracterizações um tanto canastronas de
boa parte do elenco. Mas se por um lado o filme de Martino é um giallo
emblemático, por outro a obra se permite alguns marcantes diferenciais
estéticos e temáticos. Para começar, a trama evoca uma tendência maior para o
sobrenatural ao envolver satanistas e delírios oníricos. Se normalmente a
maioria das produções de giallo se apresenta como um reflexo distorcido dos ditames
cinematográficos de Alfred Hitchcock, “Todas as cores da escuridão” parece um
inventário algo doentio do clima “the dream is over” do início dos anos 70 (a
ressaca moral e existencial dos esperançosos anos 60). É só reparar que os coloridos
e impressionistas sonhos da protagonista Jane (Edwige Fenech) são permeados por
um insólito clima psicodélico, além da excelente trilha sonora ser composta
basicamente por pastiches de rock sessentista psicodélico. Além disso, a trama
é bastante inspirada na obra-prima “O bebê de Rosemary” (1968) e nos sinistros
fatos reais de assassinato de Sharon Tate e amigos pelos seguidores de Charles
Mason. Para quem acha que filme de terror se resume a essas atuais produções
assépticas e descerebradas destinadas ao público adolescente (com honrosas
exceções como “Corrente do mal”), essa pequena joia concebida por Martino é uma
demonstração enfática das possibilidades criativas do horror.
sexta-feira, outubro 09, 2015
O mundo em duas voltas, de David Schürmann *1/2
A premissa de trama do documentário “O mundo em duas voltas”
(2006) é até interessante – estabelecer uma relação entre uma viagem de volta
ao mundo realizada por uma família brasileira e a mesma trajetória realizada de
forma pioneira por Fernão de Magalhães e suas naus em 1519. Para isso, a
narrativa entrecruza registros da viagem contemporânea com uma recriação
gráfica, quase uma HQ, da primeira jornada. O fato de um membro da família
viajante ser o diretor do filme, entretanto, acaba sendo determinante para que
a obra em questão seja bem frustrante. É claro que alguns sequencias são bem
interessantes ao captar a beleza natural dos diversos pontos ao redor do mundo
em que o barco dos Schürmann aportam e também em alguns momentos ao registrar
as dificuldades inerentes a uma aventura como essa, além do grafismo da
recriação da viagem de Magalhães ter um belo traço. Mas o que predomina mais ao
longo da narrativa é um tom asséptico e edificante, beirando o vídeo
institucional – não há conflito e dilemas nas histórias que envolvem os
Schürmann, tirando dessa forma qualquer possibilidade de uma tensão dramática
mais efetiva. Do jeito que ficou esse tratamento formal e temático despersonalizado,
a produção mais parece um anódino diário de férias de uma típica e fotogênica
família branca classe média alta, com direito a paisagens e costumes exóticos, do
que o retrato de uma aventura perigosa. De repente daria para ser tema de um
Fantástico ou Globo Repórter da vida, mas como experiência cinematográfica é
perfeitamente esquecível.
quinta-feira, outubro 08, 2015
Leviatã, de Andrey Zvyagintsev ***
Os prêmios e os inflamados
elogios de boa parte da crítica que a produção russa “Leviatã” (2014) ganhou ao
redor do mundo são até compreensíveis. Apesar da estrutura narrativa convencional
e rigorosa de melodrama, o filme dirigido por Andrey Zvyagintsev é uma crítica
severa e inclemente contra a desumanização e degradação existencial promovida
pelo avanço global de um capitalismo selvagem e agressivo através da história
simbólica do veterano pescador Kolia (Alekesey Serebryakov) que tem a sua vida
familiar e profissional destroçada pelas maquinações do poder público corrupto
de sua cidade e interesses comerciais de grandes corporações. O mote do roteiro
pode parecer manjado, mas são em alguns detalhes estéticos e temáticos que a
obra de Zvyasintsev se diferencia do lugar comum. Para começar, a
caracterização emocional concebida pelo cineasta é áspera e sem concessões – a trajetória
de Kolia é uma descida vertiginosa num pesadelo burocrático e pessoal. Ainda
que a ambientação e encenação tenham forte caráter naturalista, a impressão
sensorial da obra é de uma descida ao inferno. Pela trama, há determinados
momentos que corresponderiam àquelas “viradas” de história em que os “mocinhos”
começariam a dar a volta por cima, mas acaba sendo um truque perverso do
roteiro justamente para enfatizar o lado da inevitabilidade do destino quando
forças poderosas econômicas e políticas, com apoio inclusive das instituições
religiosas, se voltam contra um indivíduo comum. Por vezes, a conturbada
derrocada de Kolia evoca uma atmosfera kafkaniana, mas os motivos que levam ao
debacle do personagem estão longe de serem absurdos e inexplicáveis.
quarta-feira, outubro 07, 2015
Perdido em Marte, de Ridley Scott **
A equação ficção científica mais Ridley Scott sempre vai ser
promissora. Só que com “Perdido em Marte” (2015) ela já não se mostra mais
infalível. Dá até para dizer que os 15 minutos iniciais do filme, que se
desenvolvem exclusivamente em Marte, até animam em sua concepção cênica – a
encenação é sóbria, dá para sentir um clima de suspense mais palpável, até a
trilha sonora emula uma espécie de drones sombrios. Quando a ação passa a
envolver também personagens na Terra, entretanto, tudo isso que se insinuava de
forma positiva se desvanece e essa produção mais recente de Scott cai na vala
comum.
Talvez o que haja de mais relevante em “Perdido em Marte”
não esteja propriamente relacionada ao seu roteiro ou a sua estética. O que
chama mais atenção são alguns dados sociológicos e políticos que constam na
trama – negros e latinos ocupam funções de destaque na NASA, as agências
espaciais chinesa e norte-americana colaboram em nome do bem comum, mulheres têm
papéis proativos, o papel da ciência e do conhecimento é mais valorizado em
detrimento de misticismos e afins. Ainda que partindo de uma necessidade de ser
politicamente correto, tais elementos da história até revelam um certo traço de
ousadia. Mas qualquer sinal de maior criatividade acaba parando nesse ponto.
Incomoda bastante no filme a despersonalização formal e assepsia na condução da
narrativa, o que acaba sendo bem decepcionante em relação a um diretor com uma
filmografia tão expressiva quanto Scott. Ao invés daquela tenebrosa e
assustadora atmosfera gótica de “Alien – O oitavo passageiro” (1979) e “Prometheus”
(2012) ou da rica caracterização imagética misturando alta tecnologia e
sordidez de “Blade Runner” (1982), fica uma concepção visual sem graça e
genérica, beirando uma fotogenia derivativa. A encenação é bem comportada e
previsível, fazendo com que poucas vezes haja uma tensão dramática mais efetiva.
Por várias vezes o protagonista Mark Watney (Matt Damon) parece mais se
comportar como se estivesse numa colônia de férias do que propriamente alguém
que está isolado em um planeta inóspito. Pode ser que a intenção fosse
justamente essa, reforçar o lado fodão de um típico astronauta
norte-americano... Além disso, as soluções encontradas para os principais
dilemas e conflitos da trama são pueris e apressadas, fazendo a obra mais
parecer um episódio meia-boca de “Profissão perigo” do que uma ficção
científica cinematográfica de primeira linha. Aliás, diante de tais escolhas
criativas, talvez um título melhor para o filme fosse “Férias frustradas de MacGyver
em Marte”.
terça-feira, outubro 06, 2015
La Sapienza, de Eugène Green ****
As primeiras cenas de “La Sapienza” (2014) são bastante
reveladoras do estilo do diretor francês Eugène Green: complementadas por uma
narração over de impessoal tom discursivo do protagonista Alexandre Schmid
(Fabrizio Rongione), há registros panorâmicos de prédios parisienses. O teor
didático a expor detalhes arquitetônicos dá um certo tom de frieza e assepsia
tanto para o personagem em si, um arquiteto premiado, como para a própria
abordagem formal de Green. Mas essas sequencias iniciais também tem um caráter
enganador para a obra. Com o desenrolar da narrativa, o filme vai ganhando um
caráter de conto moral com traços metafísicos. Dentro dessa lógica, é
fundamental a rigorosa caracterização de personagens e situações concebidas por
Green. Logo que Alexandre e sua esposa Aliénor (Christelle Prot) chegam à
Itália e conhecem um misterioso casal jovem de irmão e irmã, a trama passa a
adquirir de forma sutil uma conotação mais ambígua. Dentro das concepções
artísticas de Green, mais importante que o realismo na encenação está a
expressividade visual e textual da obra. Para isso, ele se vale de uma estética
anti-naturalista, cujos maneirismos imagéticos e de interpretação dos atores
valorizam detalhes cênicos e dos diálogos, além de excertos estilizados de
literatura e pintura que se incorporam dentro da narrativa com fluidez e
naturalidade. Os belíssimos cenários naturais e de construções como castelos,
igrejas e outros prédios seculares não ganham apenas uma função decorativa, mas
também são quase como personagens próprios que interagem com o sentido
existencial da obra. A disposição cênica dos principais personagens funciona
como uma complementação icônica dentro de enquadramentos que simulam
verdadeiros afrescos. A equação artística proposta por Green é engenhosa e
severa em suas diversas nuances, fazendo com que uma estética que beira o barroco
interaja de forma intrínseca e coerente com um conteúdo repleto de simbologias
entre o fabular e o religioso. Diante de tais soluções estéticas e temáticas, é
como se estivéssemos diante de uma releitura vigorosa e autoral do cinema ascético
de Robert Bresson.
segunda-feira, outubro 05, 2015
Homem comum, de Carlos Nader ***1/2
O documentarista Carlos Nader se mostra em “Homem comum”
(2014) como uma espécie de herdeiro espiritual dos preceitos artísticos de
Eduardo Coutinho, principalmente na questão em como o imprevisível e o
aleatório se incorporam em seus respectivos modus operandi. Além disso,
transparece a forma com que questionamentos existenciais e formais se tornam
parte da razão de ser das produções, fazendo com que aquilo que se planejava no
início das filmagens se revele apenas a ponta do iceberg. Mas Nader não é
apenas um mero reciclador de ideias e conceitos alheios – pode-se perceber em
sua obra um traço autoral bastante particular. Se em “Pan-cinema permanente”
(2008) ele fazia um registro misto entre o realismo e o delirante da vida e
obra do poeta e letrista Wally Salomão, em “Homem comum” ele molda a história
de vida de um caminhoneiro e sua família dentro de uma espécie de fábula
existencialista e mística. Para isso, Nader expande as próprias noções do que
deveria ser “cinema verdade”. Ele se vale de encenações nitidamente ensaiadas,
além de truques de edição que remetem a uma estrutura ficcional – nesse sentido,
é extraordinária o formato de fluxo onírico em que trechos de cenas que foram
registradas ao longo de vinte anos e de sequências do clássico cinematográfico “A
palavra” (1955) se encadeiam, afastando o filme do mero registro cronológico de
fatos e transformando a narrativa num vórtice sensorial desconcertante. Em
diversos momentos, são expostos com clareza motivos para determinadas escolhas
narrativas, como se houvesse uma espécie de auto-dissecação estética da obra. E
há algo de ironia perversa na forma com que Nader manipula os elementos emocionais
do filme. Uma das coisas mais fascinantes de “Homem comum”, entretanto, é
justamente como o sentimentalismo brejeiro da obra é preservado no seu contundente
humanismo e se entrelaça com a forte criatividade formal de Nader, resultando
numa espécie de cruzamento entre farsa, metafísica e filosofia.
sexta-feira, outubro 02, 2015
O segredo da cabana, de Drew Goddard ***1/2
De todos os gêneros cinematográficos, talvez aquele que se
encontra em uma encruzilhada criativa mais profunda é o horror. Diretores e roteiristas,
com algumas exceções, não conseguem parecerem convincentes ao emular os mesmos
e surrados clichês narrativos de sempre. A grande “novidade” que proliferou nos
últimos anos é a cópia exaustiva da estética “realista” de “A bruxa de Blair”
(1999) - e que em boa parte das oportunidades mais parece uma desculpa para
esconder a incompetência formal e temática dos cineastas. “O segredo da cabana”
(2011) é uma obra que foge dessa crise artística justamente por saber se
aproveitar com criatividade e ironia perversa das fórmulas e truques mais
manjados do gênero. O roteiro traz uma insólita trama que inicialmente se
desenvolve a partir de premissas e resoluções já bastante conhecidas do
público, mas que aos poucos começam a serem “envenenadas” com elementos de
farsa e ficção científica. Há um detalhe fundamental, entretanto, que impede
que o filme caia numa simples paródia – o diretor Drew Goddard consegue criar
uma atmosfera efetiva de tensão, assim como mostra uma sensibilidade imagética
aguçada numa encenação que privilegia uma violência gráfica impactante e trucagens
que combinam de forma magistral técnicas tradicionais e efeitos digitais. Com o
transcorrer da narrativa, de forma sutil e orgânica, as convenções do gênero
vão sendo pervertidas, resultando num bizarro conto que evidencia fascinantes
referências do universo fantástico tanto do cinema quanto da literatura (a
apoteótica e devastadora conclusão da produção, por exemplo, é uma excelente
transposição de conceitos lovecraftianos para o cinema).
quinta-feira, outubro 01, 2015
Timbuktu, de Abderrahmane Sissako **
Há filme que ganham destaque na
mídia, indicações e prêmios em festivais importantes e reconhecimento da
crítica muito mais pelo contexto histórico político-social em que são lançados
do que pelos seus méritos artísticos em si. “Timbuktu” (2014) é um exemplar
claro dessa tendência. No mundo atual, em que conflitos religiosos dominam boa
parte do globo, esse longa da Mauritânia acaba ressoando de forma mais ampla,
ao ter como trama principal o cotidiano de uma família de nômades pastores que
é abalado pela opressão e desmando do grupo fundamentalista religioso que
domina a região onde moram. A direção de Abderrahmane Sissako é apenas correta –
direção de fotografia e edição apresentam competência, gerando uma narrativa
fácil de acompanhar, mas que não necessariamente é envolvente. O espectador
pode até se comover com as injustiças e
tragédias que permeiam a trama, mas não há alguma tensão mais efetiva e nem
algum rasgo estético que salte aos olhos. Dentro da atual conjuntura, o filme é
uma experiência válida pelo caráter informativo de sua temática, chamando
atenção para o momento histórico conturbado pelo qual atravessa um número
considerável de países asiáticos e africanos tomados pelo fanatismo místico. Em
termos puramente cinematográficos, entretanto, “Timbuktu” é uma produção
descartável e de criatividade anêmica.
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