Há em “Bróder” (2010) um certo tom de alegoria na sua encenação. Os personagens parecem mais refletir traços de comportamentos e de tipos sociais do que representar propriamente um ser humano, as situações do roteiro sintetizam situações limites de quem vive nas favelas. Por mais que busque o naturalismo, o diretor Jéferson De acaba oferecendo muito mais um retrato estilizado das suas criaturas e do ambiente que as envolve. Se isso faz com que o filme ganhe uma certa dimensão caricatural em alguns momentos (o que fica evidente na afetada composição dramática da atuação de Caio Blat), por outro lado permite que o cineasta atinja alguns voos formais mais ousados. O registro visual que obtém dos becos, corredores, barracos e casas humildes que servem de cenário para “Bróder”, por exemplo, por vezes assume um tom vertiginoso e tenso, dando uma configuração geral de um labirinto intrincado, o que não deixa de ter uma relação metafórica com o próprio desenvolvimento da trama, em que o trio de protagonistas se mete num vórtice de cerveja, garotas e zoeira.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
quinta-feira, junho 30, 2011
quarta-feira, junho 29, 2011
Estrada Para Ythaca, de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti *
É claro que para analisar uma produção como “Estrada Para Ythaca” (2010) deve-se levar em conta fatores como a infra-estrutura modesta e a proposta estética de cunho experimental. Isso, entretanto, não justifica um resultado final tão falho. A direção fotografia, por alguns momentos, até consegue um resultado visual de certo impacto, além da trilha sonora original propiciar uma ambientação dramática. Mas o que prejudica o filme realmente é uma narrativa trôpega, em que o que interessa para os realizadores é uma certa demonstração de “esperteza” cultural – é como se eles quisessem ser os equivalentes cinematográficos do lirismo musical afetado dos Los Hermanos (as cenas em que os barbudinhos ficam tomando cerveja e cantando bêbados alguns clássicos da MPB são sintomáticas). É quase como se fosse uma declaração: “Somos do povo, bebemos cerveja, mas também somos indies!!”. Os rapazes levantam bandeiras, proclamam aos brados sua opção pelo cinema artístico, mas suas “ousadias” formais e temáticas são pueris e tediosas.
terça-feira, junho 28, 2011
Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas, de Rob Marshall ***1/2
Gosto bastante do filme inicial da franquia “Piratas do Caribe”, mas o segundo foi uma experiência tão aborrecida que não me animei em ver a terceira parte. O excesso de subtramas e personagens deixava a narrativa desfocada e enfadonha, quase que induzindo ao sono. O diretor Rob Marshall soube evitar esse equívoco ao reiniciar a série, fazendo de “Piratas do Caribe: Navegando em Água Misteriosas” (2011) uma obra concisa na sua bem elaborada combinação de aventura e fantasia. Concentrando sua trama basicamente em torno do protagonista Jack Sparrow (Johnny Depp), o filme é até ousado na sua caracterização visual e temática. A direção de arte e a fotografia apresentam concepções formais eficientes ao fazerem uma junção de suntuosidade e ambientação suja e sombria, o que está em sintonia com o espírito ora juvenil ora violento da trama. Tal direcionamento algo ambíguo se estende também nas cenas em que os personagens se encontram no mar e quando chegam na ilha da Fonte da Juventude, onde a ação desenfreada convive com harmonia com diversas referências mitológicas, com especial destaque para a brutal batalha entre piratas e sereias. Por sinal, não deixa de ser uma surpresa com toques profanos o romance entre uma dessas últimas com um jovem padre.
segunda-feira, junho 27, 2011
Homens e Deuses, de Xavier Beauvois ****
Um filme abordar questões que envolvam questões religiosas sempre é complicado. Afinal, corre-se o risco das acusações de herético ou, ao contrário, de estar fazendo propaganda de alguma vertente em específico. “Homens e Deuses” (2010), de certa forma, passa ao largo de tais direcionamentos. Apesar da sua trama, baseada em fatos reais, ter como protagonistas monges católicos, não se pode dizer que o filme se refira a uma religião institucional específica. Para o diretor Xavier Beauvois, o que realmente interessa é a religião como sentimento e princípio. Ao narrar a história dos monges franceses que viviam em um templo na Argélia e acabaram assassinados por terroristas em 1996, a produção procurar estabelecer uma ótica de coerência para uma trajetória que para muitos poderia parecer simplesmente suicida. Beauvois foca sua narrativa em pequenos atos cotidianos, em discussões sutis e angustiantes, em diálogos reveladores. A violência, que é um elemento latente em toda trama, manifesta-se de forma explícita em poucas cenas, mas sempre com impacto, evitando banalizações. É fascinante que a serenidade e estoicismo dos religiosos frente à tragédia que se aproxima se relaciona com uma atmosfera de beatitude que impregna boa parte das tomadas de “Homens e Deuses”, do detalhismo preciosista das missas até o registro simples dos atos corriqueiros da rotina dos personagens. E a última refeição conjunta dos monges antes de serem seqüestrados é uma seqüência antológica no sentido de se extrair emoção diante de poucos, mas expressivos, elementos cênicos.
sexta-feira, junho 24, 2011
Fora-da-Lei, de Rachid Bouchareb ***
Um dos méritos da produção franco-argelina “Fora-da-Lei (2007) está na eficiente síntese que faz entre os gêneros do drama político histórico e do policial. Assim, o diretor Rachid Bouchareb busca um viés realista na sua abordagem, mas sem abandonar o senso formal mais estilizado. O filme evoca algo do cinema noir, principalmente nas tomadas noturnas, valorizando sombras, fumaças e outros elementos sombrios. A narrativa em si é mais convencional e por vezes explora de forma superficial nuances que pediriam uma visão mais aprofundada. Mesmo assim, é de se admirar o ritmo tenso e dinâmico do filme, com sequências de ação que impressionam pela brutalidade e tensão. É na parte temática, entretanto, que Bouchareb reserva as maiores ousadias de “Fora-da-Lei”. Tendo a luta da independência da Argélia como maior mote da trama, a obra relaciona tal evento histórico com o drama pessoal de três irmãos, que oscilam entre dúvidas e ações radicais em relação ao conflito. Os sacrifícios íntimos de cada um deles em nome de uma causa coletiva são evidenciados com crueza e melancolia, mas ao mesmo tempo o discurso do subtexto da produção deixa claro que sem ações violentas e a sublimação dos desejos individuais a Argélia nunca teria conquistado sua autonomia. De certa forma, justifica-se as ações terroristas, mas a franqueza de tal visão não deixa de ser admirável em tempos de hipocrisia do politicamente correto.
quinta-feira, junho 23, 2011
Turnê, de Mathieu Amalric ****
Há em “Turnê” (2010) uma série de referências que permeiam toda a trama e a estética do filme: o jogo de atração e repulsa pela cultura norte-americana que sempre marcou a filmografia de Wim Wenders, o gosto pelo grotesco e alegórico de Fellini, um certo pendor por uma visão existencialista da vida típico de parte da cinematografia francesa. A junção de todos esses elementos, entretanto, não se limita a uma mera colcha de retalhos desconexa. O diretor/ator Mathieu Amalric consegue dar uma coesão admirável para tal diversidade de influências, conseguindo, ao mesmo tempo, oferecer uma linguagem própria e instigante.
A trama de “Turnê” pode parecer meio estapafúrdia, mas carrega uma simbologia fascinante: um decadente empresário francês do ramo artístico (Amalric) resolve dar uma cartada final ao promover uma turnê pelo interior de seu país com um grupo burlesco de artistas performáticas dos Estados Unidos. A narrativa do filme é fascinante na forma como revela os detalhes e segredos do roteiro e dos personagens através de pequenos gestos, diálogos, fragmentos de situações mal resolvidas. As criaturas de Amalric são outsiders, que oscilam entre picaretas e frustrados, mas carregam uma estranha carga de fascínio e sensualidade. O registro visual acentua ainda mais esse sentimento de ambigüidade ao misturar uma abordagem que varia sem cerimônia entre o documental e o mágico – nesse último caso, principalmente nas apresentações das cantoras/dançarinas, em números musicais que combinam uma estética algo nostálgica de cabaret com temas musicais pop mais contemporâneos (imaginem na mesma embalagem Marilyn Monroe, a garageira sessentista dos Sonics e as baladas metal dramáticas do Aerosmith). E em tempos que tanto se fala em cultura pop, uma obra como “Turnê” acaba sendo bastante emblemática nesse sentido.
A trama de “Turnê” pode parecer meio estapafúrdia, mas carrega uma simbologia fascinante: um decadente empresário francês do ramo artístico (Amalric) resolve dar uma cartada final ao promover uma turnê pelo interior de seu país com um grupo burlesco de artistas performáticas dos Estados Unidos. A narrativa do filme é fascinante na forma como revela os detalhes e segredos do roteiro e dos personagens através de pequenos gestos, diálogos, fragmentos de situações mal resolvidas. As criaturas de Amalric são outsiders, que oscilam entre picaretas e frustrados, mas carregam uma estranha carga de fascínio e sensualidade. O registro visual acentua ainda mais esse sentimento de ambigüidade ao misturar uma abordagem que varia sem cerimônia entre o documental e o mágico – nesse último caso, principalmente nas apresentações das cantoras/dançarinas, em números musicais que combinam uma estética algo nostálgica de cabaret com temas musicais pop mais contemporâneos (imaginem na mesma embalagem Marilyn Monroe, a garageira sessentista dos Sonics e as baladas metal dramáticas do Aerosmith). E em tempos que tanto se fala em cultura pop, uma obra como “Turnê” acaba sendo bastante emblemática nesse sentido.
terça-feira, junho 21, 2011
Padre, de Scott Charles Stewart **1/2
Pode parecer heresia uma releitura do clássico faroeste “Rastros de Ódio” (1956) ambientado em um mundo futurista apocalíptico cujos heróis e vilões, respectivamente, são padres lutadores de artes marciais e vampiros. O resultado final de “Padre” (2010) acaba comprovando as suspeitas: trata-se de uma tremenda picaretagem. Mas ao mesmo é uma picaretagem divertida. Cenários e sequências de ação remetem a uma caracterização típica de um vídeo game, mas também pagam tributo aos quadrinhos (aliás, o roteiro é baseado em um HQ), o que acaba dando ao filme uma dinâmica narrativa até razoável. Além disso, Paul Bettany (no papel título) e Karl Urban (vivendo um poderoso vampiro mutante) conseguem estabelecer uma certa tensão como antagonistas. No final das contas, é uma produção esquecível, mas como filme de ação é bem mais decente, por exemplo, que aquela breguice do “Thor”.
segunda-feira, junho 20, 2011
Os Agentes do Destino, de George Nolfi **1/2
A relação entre o escritor de ficção científica Philip K. Dick e o cinema é tempestuosa. Se obras como “Blade Runner – O Caçador de Andróides” (1982) e “O Homem Duplo” (2006) conseguiram adaptar com brilhantismo a ambientação sombria e pessimista do autor, outras produções acabaram apenas se apropriando de algumas premissas e desviaram bastante o espírito paranóico dos livros originais. A recente versão cinematográfica de “Os Agentes do Destino” (2011) se encaixa neste último grupo. A inquietante ideia de que a humanidade tem o seu destino controlado por uma espécie de burocracia de um de plano de realidade paralelo acaba se diluindo numa banal trama romântica, pois as possibilidades criativas que a trama inicial oferece se limitam a adequar o final feliz do casal protagonista. É claro que algumas soluções visuais do filme possuem concepção estética interessante na manipulação dos efeitos especiais que reproduzem a relação entre os diferentes planos de realidade. No final das contas, entretanto, isso acaba sendo pouco para o que uma adaptação de uma obra de Dick costuma prometer.
sexta-feira, junho 17, 2011
A Despedida, de Silvana Tomeo 1/2 (meia estrela)
Aqueles que costumam ler resenhas sobre filmes provavelmente devem conhecer o surrado bordão “de tão ruim chega a ser bom”. No caso de “A Despedida” (2010), entretanto, o melhor a ser aplicado seria “de tão ruim chega a ser muito ruim mesmo”. O caráter pueril da trama não chega a ser o seu maior empecilho (afinal, lembra bastante a premissa básica da brilhante primeira parte de “Se Beber Não Case”). O que irrita mesmo é uma direção de fotografia que beira o amador, a narrativa que lembra um teatrinho escolar, atuações inexpressivas, ou seja, no geral uma produção constrangedora, principalmente se pensarmos que do Uruguai, país de origem de “A Despedida”, vieram recentemente os respeitáveis “Whisky” (2004) e “Gigante” (2009).
quinta-feira, junho 16, 2011
Caminho da Liberdade, de Peter Weir ***1/2
Por mais que resvale em alguns momentos para uma composição dramática um tanto sentimental demais, a verdade é que prevalece em “Caminho da Liberdade” (2010) uma abordagem bastante naturalista no registro visual oferecido pelo diretor Peter Weir. A trama pode ser basicamente a fuga e o esforço quase sobre-humano para sobreviver de um grupo de presos evadidos de um gulag soviético na Sibéria, mas a natureza selvagem não serve apenas como um pano de fundo para os dramas dos personagens. Na forma com que Weir filma tal saga, essa natureza ganha o peso de um personagem – ao mesmo tempo que ela é deslumbrante, também é uma antagonista de peso para aqueles homens (e uma garota) que buscam algum lugar seguro. De densas florestas e rios límpidos a áridos desertos, o ambiente sempre ganha uma conotação de mistério e perigo, formatado dentro de uma narrativa mais propensa ao contemplativo do que a ação vertiginosa. Nesse sentido, a estética de Weir remete bastante a trabalhos de temática parecida de Werner Herzog, ainda que o cineasta australiano não atinja um padrão formal tão radical quando o do diretor alemão.
quarta-feira, junho 15, 2011
Velozes e Furiosos 5 - Operação Rio, de Justin Lin ***
Confesso que nunca fui muito fã da franquia “Velozes e Furiosos”. Tanto que não vi algumas partes da mesma. O capítulo mais recente da “saga” de bandidos e carros envenenados, entretanto, até que é bem satisfatório dentro do gênero “perseguições automobilísticas”. A sacada de levar a trama para o Brasil acabou rendendo algumas possibilidades criativas interessantes. É claro que a visão do país é um tanto distorcida (desde quando temos um trem-bala no meio do deserto?), mas isso não chega a ser novidade nesse tipo de produção, revelando muito mais uma concepção daquilo que está no imaginário mundial do que um compromisso com a realidade. No final das contas, nesse tipo de filme a fidelidade com o verossímil não é exatamente o que importa, e o que interessa mesmo para o diretor Justin Lin é a ação. Nesse sentido, “Velozes Furiosos 5 – Operação Rio” (2011) tem os seus momentos empolgantes. Toda a seqüência em que Dominic Toreto (Vin Diesel) e amigos fogem da perseguição feroz do policial Luke Robs (The Rock) e seu grupo no ambiente de uma favela é marcada por um ritmo alucinante que beira o insano. Mas o ápice mesmo são as tomadas finais, com Toreto e Brian (Paul Walker) rebocando um cofre gigantesco que vai detonando tudo que vem pelo caminho pelas ruas do Rio de Janeiro (ou de algo que parece a cidade). E assim a série vai ficando cada vez mais turbulenta, barulhenta e irreal – o que só vem a contribuir para a sua continuidade....
terça-feira, junho 14, 2011
Água Para Elefantes, de Frank Lawrence ***
No panorama cinematográfico atual, em que parecer referencial é considerado o máximo de modernidade, uma produção como “Água Para Elefantes” (2011) acaba sendo emblemática, ainda que de forma involuntária. O filme parece uma grande colcha de retalhos, regurgitando pedaços de várias produções do gênero romântico, tudo isso numa embalagem barulhenta e apoteótica. O barato dessa obra mais recente do diretor Frank Lawrence, entretanto, está na narrativa envolvente que amarra esse amontoado de clichês. O cineasta estabelece tanto na estilizada direção de fotografia como na artificiosa direção de arte uma atmosfera atemporal que mais se vincula a um ideal imaginário do que seria a época da Grande Depressão do que a um compromisso com a realidade (a própria caracterização de Reese Witherspoon no estilo “loura fatal” pode ser encarada como uma extensão de tal proposta estética). E também em meio a juras e desencontros amorosos, Lawrence insere doses de violência e tensão não tão características em produções desse tipo. Talvez a experiência dele como realizador do doentio “Constantine” (2005) tenha trazido uma espécie de herança maldita (e bem vinda) e que envenenou o que era para ser apenas mais um produto da linha “água-com-açúcar”.
segunda-feira, junho 13, 2011
Reencontrando a Felicidade, de John Cameron Mitchell ***
É provável que aqueles que ficaram impressionados com a fúria criativa de “Hedwig” (2000) e “Shortbus” (2006), obras anteriores de John Cameron Mitchell, acabem um tanto decepcionados com a narrativa mais convencional de “Reencontrando a Felicidade” (2010), filme mais recente do cineasta. Em termos formais, a produção realmente é bem mais “comportada”, adotando o modelo clássico de melodrama. Isso não quer dizer, entretanto, que Mitchell deixe de inserir um pouco do seu habitual veneno irônico. A protagonista Becca (Nicole Kidman), por exemplo, destila com frequência desconcertantes comentários sardônicos sobre religião e comportamentos hipócritas. Isso reflete a própria visão do Mitchell sobre a incômoda temática de “Reencontrando a Felicidade”: a morte prematura de um filho. O diretor busca uma abordagem que se afaste do fácil sentimentalismo e da condescendência, explorando mais as dificuldades de lidar com o sentimento da perda. Assim, alguns momentos cômicos podem soar estranhos, mas também humanos. Tal contenção emocional acaba justificando um certo rigor estético na encenação (ao contrário da concepção mais anárquica das mencionadas produções prévias de Mitchell), mas que coloca o filme alguns degraus acima da média habitual do gênero.
sexta-feira, junho 10, 2011
Não Me Abandone Jamais, de Mark Romanek ***
Apesar de baseado em livro de autor cultuado, a verdade é que “Não Me Abandone Jamais” (2010) fará muita gente lembrar de “A Ilha” (2005) de Michael Bay. A premissa é quase idêntica: jovens clones que são criados em “agradáveis” cativeiros e que tem o destino de servirem como matéria-prima para transplantes de órgãos em suas “matrizes” humanas. As semelhanças, entretanto, param por aí. As abordagens de tais filmes são bastante diversas. Se na produção de Bay a opção se dá pela ação desenfreada, em “Não Me Abandone Jamais” o que prevalece é uma narrativa reflexiva, que beira o contemplativo. Paira um clima de inevitabilidade trágica, com o seu trio de protagonistas procurando soluções improváveis para sua condição. O diretor Mark Romanek apresenta uma moldura formal que acentua com sutileza essa atmosfera de desesperança que permeia o seu filme: fotografia esmaecida, edição sem sobressaltos, composições dramáticas do elenco baseadas em emoções contidas, trilha sonora de temas melancólicos. A direção de arte consegue captar com certa sensibilidade uma ambiência de ficção científica de tons retrôs, o que dá à “Não Me Abandone Jamais” uma estranha sensação de atemporalidade. E em tempos em que o gênero tem se limitados mais a delírios apocalípticos em aventuras a lá “Mad Max”, a obra de Romanek acaba soando como um esquisito estranho no ninho.
terça-feira, junho 07, 2011
Jards Macalé - Um Morcego na Porta Principal, de Marco Abumjara e João Pimentel ***
Dentro do gênero cada vez mais em voga dos documentários sobre música, “Jards Macalé – Um Morcego na Porta Principal” (2008) não apresenta muitas novidades: imagens de arquivo, entrevista com o biografado, depoimentos de familiares e amigos, opiniões de críticos e músicos. Mesmo assim, não dá para acusar o filme de mesmice, até porque Macalé, apesar da importância da sua obra, não é um artista com grande reconhecimento por parte do público. Além disso, ele por si só já é uma figura que foge bastante dos padrões, tanto pelas suas canções quanto pela sua visão das coisas. A produção talvez decepcione alguns fãs de velha data por se concentrar mais em alguns dados biográficos e causos divertidos do que em detalhes de gravações de discos ou em digressões sobre a arte de Macalé. É de se louvar, entretanto, que os diretores Marco Abumjara e João Pimentel conseguem captar muito da natureza irrequieta e sardônica do músico, assim como ressaltam a sua participação fundamental na consolidação da música brasileira moderna. “Um Morcego na Porta Principal” também pode servir como uma divertida porta de entrada para aqueles que não conhecer o universo singular e genial de Macalé.
segunda-feira, junho 06, 2011
O Sequestro de Um Herói, de Lucas Belvaux ****
É claro que existem aqueles que vão dizer que “O Sequestro de Um Herói” (2009) não seria apenas um “simples filme policial” (como se o fato de pertencer a um gênero cinematográfico específico fosse alguma ofensa...). Afinal, a partir da premissa de uma trama sobre a captura e cativeiro de um grande (e um tanto picareta) empresário, o diretor Lucas Belvaux estabelece um panorama sobre a teia de hipocrisias que ronda a vítima (família, colegas, amigos) – no final das contas, parece que o único que se importa com ele é o seu cachorro! E nisso o cineasta realmente é muito bem sucedido, desmascarando com sutileza e acidez alguns conceito tão caros à sociedade ocidental contemporânea. O que torna, entretanto, o filme de Belvaux também uma obra memorável é a forma precisa com que ele manipula os preceitos básicos da ação cinematográfica. A sequência de abertura de “O Sequestro de Um Herói” é exemplar nesse sentido: com enquadramentos de movimentos discretos e uma montagem de cortes suaves, traça-se em poucos minutos a rotina do protagonista Stanislas Graff (Yvan Attal) de reuniões de trabalho, momentos com a família, encontros com a amante e jogatinas dispendiosas, marcando-se assim um breve e real retrato de sua personalidade. Belvaux se revela um tremendo detalhista – no processo do sequestro, na caracterização do cativeiro, nas várias discussões para decidir pelo pagamento ou não do resgate, nas estratégias e ações da polícia para resolver o caso – nenhuma nuance parece escapar daquilo que se assiste na tela, o que torna a narrativa cada vez mais tensa no seu desdobrar. Assim, mesmo quem não se importar com as complexas implicações humanas da trama poderá se impressionar com o bem delineado aspecto formal de “O Sequestro de Um Herói”, o que ajuda a confirmar a França como um dos melhores celeiros contemporâneos de produções no gênero policial.
sexta-feira, junho 03, 2011
Em Um Mundo Melhor, de Susane Bier **1/2
O prêmio de Oscar de melhor filme estrangeiro, assim como a Palma de Ouro em Cannes, sempre foi uma espécie de termômetro do que melhor estaria se fazendo fora do padrão de cinema comercial de Hollywood, ou se preferirem, daquilo que se pode chamar “cinema de arte”. É só pensar que filmes de diretores como Fellini, Bergman, Almodóvar, Truffaut e outros do mesmo calibre já foram contemplados com tal premiação. O fato da produção dinamarquesa “Em Um Mundo Melhor” (2010) ter recebido a honraria em questão na última edição do Oscar é um atestado de que alguma coisa anda estranha nesse lado mais, digamos, “artístico” do cinema. Em termos formais, tanto pela sua fotografia quanto edição, o máximo que se pode dizer que ele é bem feito. Uma narrativa competente, de temática politicamente correta, mas que não apresenta quaisquer ousadias estéticas ou temáticas. Parece que falar sobre um assunto “sério” de forma edificante caracteriza a grande subversão que uma obra cinematográfica pode atingir atualmente. “Em Um Mundo Melhor” também representa a descaracterização do cinema da própria diretora Susane Bier, que nas suas obras iniciais (“Corações Livres”, “Brothers”) apresentava elementos criativos que eram descendentes diretos dos preceitos naturalistas do Dogma 95, mas que com o tempo acabaram se convertendo em melodramas quadradões e pouco inspirados (“Depois do Casamento”, “Coisas Que Perdemos Pelo Caminho”).
quinta-feira, junho 02, 2011
Como Você Sabe, de James L. Brooks ***
O grande mérito do diretor norte-americano James L. Brooks no melhor de sua obra (“Laços de Ternura”, “Nos Bastidores da Notícia”, “Melhor, Impossível”) foi saber dimensionar a complicada equação da comédia dramática, sabendo estabelecer com sutileza uma fronteira tênue entre o “sério” e o cômico. Assim como em “Espanglês” (2004), “Como Você Sabe” (2010) mostra que Brooks perdeu um pouco da mão nesse equilíbrio – essa sua produção mais recente revela um certo descompasso, principalmente nos momentos mais dramáticos, que se mostram um tanto superficiais. Isso fica evidente, inclusive, nas próprias caracterizações de alguns atores, como no caso de Owen Wilson, cuja interpretação parece muito mais adequada àqueles papéis em comédias que pendem mais para o humor físico, aos quais está mais habituado, do que para o reflexivo tom agridoce que “Como Você Sabe” se propõe. Apesar desses deslizes, entretanto, o filme ainda revela um Brooks que está acima da média do que normalmente se produz dentro do gênero, até porque ele consegue transparecer em algumas sequências uma postura levemente ácida aos retratar as relações humanas, além de apresentar algumas soluções narrativas que fogem um pouco das fórmulas desse tipo de produção.
quarta-feira, junho 01, 2011
Thor, de Kenneth Branagh **
A questão de ser fiel ao espírito da obra original numa adaptação cinematográfica de um personagem dos quadrinhos não tem relação com um respeito reverencial diante da figura em questão (o que por si só seria algo ridículo, pois comics, no final das contas, são produtos da cultura de massa e não obras de artes inatacáveis – na verdade, nem essas últimas são tão indiscutíveis assim...). Estar em sintonia com o tal espírito da obra original tem a ver com o simples fato de aproveitar aqueles elementos criativos que tornaram o personagem em questão tão atrativo para as pessoas e que justificaram a versão para as telas. E é justamente nesse ponto que reside os principais equívocos dessa transposição das aventuras do deus nórdico Thor para o cinema. O que era para ser um épico envolvendo batalhas entre seres mitológicos e sua relação com os mortais acabou virando um drama romântico água com açúcar e pouco convincente (o que dizer das bregas juras e promessas de amor nas seqüências finais do filme entre Thor e a sua amada Jane Foster?). Todo o processo de aprendizado de honra e humildade que seria uma das temáticas principais do roteiro é banalizado com um tratamento excessivamente superficial (Thor se transforma em um bom moço em menos de 24 horas...). Isso fica ainda mais decepcionante quando pensamos que o cineasta responsável por isso é o mesmo Kenneth Branagh de vigorosas adaptações para o cinema do universo de Shakespeare. Alia-se também a essa séries de escolhas desastradas efeitos especiais genéricos e rasteiros (Asgard parece muito mais uma cidade futurista mequetrefe do que uma imponente morada dos deuses) e direção de arte bagaceira (os trajes e as armaduras remetem muito mais a visual de escola de samba do que de guerreiros). É claro que nem tudo está perdido em “Thor” (2011), principalmente por alguns bons momentos de ação e pela caracterização convincente de alguns dos personagens, mas acaba sendo muito pouco para as expectativas geradas em torno do filme e da própria importância do personagem dentro do gênero dos quadrinhos de super-heróis.
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