quinta-feira, maio 18, 2017

Alien: Covenant, de Ridley Scott ***

A franquia “Alien” sob a batuta de Ridley Scott obedece a um padrão narrativo e até a uma certa abordagem existencial do cineasta. São filmes que se estruturam como uma síntese de ficção-científica e horror, com direito inclusive a uma certa atmosfera gótica, e com roteiros que em seus subtextos trazem de maneira discreta uma visão de mundo pessimista e misantrópica. Se “Prometheus” (2012) era marcado pelo roteiro confuso e por um conjunto narrativo-estético deslumbrante, “Alien: Covenant” (2017) marca o regresso para o convencionalismo formal e um roteiro melhor delineado (ainda que bastante pueril em algumas de suas resoluções). Ou seja, a ousadia atribulada deu lugar a uma linguagem cinematográfica mais acessível e comercial. É claro que esse direcionamento pode causar algumas frustrações para aqueles que apreciaram o horror atmosférico de “Prometheus” que remetia à obra-prima “Alien, o 8º passageiro” (1979). Ainda assim, “Covenant” é uma obra diferenciada. Por mais que Scott se renda a alguns truques baratos – o que dizer de um alien matando um casal que transava no chuveiro em cena digna de um episódio fuleiro de “Sexta-feira 13”? – ele tem notável domínio narrativo em algumas passagens memoráveis. As sequências de ação são muito bem coreografadas, além da direção de arte e dos efeitos especiais constituírem um conjunto imagético repleto de belas nuances. Nesse sentido, é de se destacar a necrópole onde boa parta da trama se desenvolve, cenário esse que evoca uma espécie de atemporal mansão mal-assombrada, além dos designs dos aliens terem um forte impacto visual. Quanto ao roteiro, por mais que ele caia em algumas simplificações preguiçosas, pode-se perceber uma sutil crítica ao pensamento obscurantista evidenciada na figura do comandante Oram (Billy Crudup), um cristão messiânico cujas desastrosas decisões causam a maioria das sangrentas tragédias que se desenrolam na tela.

quarta-feira, maio 17, 2017

Clash, de Mohamed Diab ***1/2

Filmar toda a ação dentro de um camburão não é um truque marqueteiro do diretor egípcio Mohamed Diab em “Clash” (2016). Na verdade, tal recurso se mostra em sintonia com a proposta estética-temática da obra, além de não servir como mero pretexto para uma execução descuidada ou indulgente. Muito pelo contrário – trata-se de um filme cujo formalismo é ousado e dinâmico, e que sabe valorizar as suas possibilidades imagéticas. O que ocorre externamente ao ambiente fechado em que se passa a história é captado pelas frestas de janelas e portas, mas ainda assim o espectador consegue assistir a sequências muito bem delineadas na sua combinação de realismo e tom épico. Pode-se perceber duas intenções básicas na proposta de concentrar a trama dentro do veículo em questão – a de recriar de forma simbólica alguns setores sociais da sociedade egípcia e a dinâmica disfuncional na relação que se estabelece entre eles, e também a de acentuar uma atmosfera claustrofóbica de tensão e fatalismo. Ainda que por vezes o roteiro se prenda em alguns excessos melodramáticos e a narrativa fique truncada, as mencionadas intenções se concretizam de forma contundente. O terço final, por sinal, é eletrizante na sua conjugação de violência, suspense e visão sócio-política.

terça-feira, maio 16, 2017

Melhores amigos, de Ira Sachs ****

Se em “Deixe a luz acesa” (2012) e “O amor estranho” (2014) se podia perceber delineando um traço personalíssimo no cinema do diretor norte-americano Ira Sachs, em “Melhores amigos” (2016) esse particular estilo se cristaliza de forma plena e extraordinária. A partir de uma estrutura narrativa que sintetiza melodrama classicista e trejeitos de um formalismo livre e instintivo que remetem ao melhor da obra de John Cassavetes, a produção mais recente de Sachs fascina o espectador pela beleza de sua estética sóbria e pela pungência de sua abordagem emocional. O roteiro, dentro de um formato de crônica de costumes, evoca em seu subtexto temas como conflito de classes, dilemas intimistas, questionamentos entre gerações e crítica de valores numa sociedade patriarcal e pequeno-burguesa, e consegue lhes dar uma unidade existencial admirável. E mesmo a questão da homossexualidade, já trazida nos citados filmes anteriores, entra de maneira discreta e ambígua, refletindo uma certa atmosfera libertária para a obra. A encenação precisa é fundamental dentro dessa proposta de Sachs, conciliando preceitos realistas e tensão dramática. Esse conjunto temático-formal, na realidade, expressa uma fascinante dicotomia dentro da visão artística de Sachs para “Melhores amigos”, em que boa parte da narrativa predomina um forte rigor no conjunto fotografia, edição e encenação, mas que em momentos cruciais se permite um certo tom intuitivo e espontâneo, principalmente quando a dupla de adolescentes protagonista está em cena, vide as sequências antológicas dos exercícios de interpretações teatrais e da festa eletrônica juvenil.

segunda-feira, maio 15, 2017

Guardiões da galáxia - Volume 2, de James Gunn ***

O primeiro “Guardiões da galáxia” (2014) foi talvez a produção mais influente dos estúdios Marvel – não necessariamente por uma questão de ter sido um tremendo sucesso de bilheteria, mas por trazer alguns preceitos estéticos e temáticos que se mostraram influentes para outros filmes no gênero super-heróis que vieram após a sua estreia (o exemplo mais evidente foi o constrangedor “O esquadrão suicida”). O visual colorido espalhafatoso, a atmosfera de filme B (é como se assistíssemos àquelas tranqueiras dos anos 80 que imitavam “Star Wars” com um orçamento milionário), o tom de comédia pastelão de algumas sequências e a coreografia muito bem encenada das cenas de aventuras configuraram uma eficiente e divertida fórmula artística. Assim, era natural que o diretor James Gunn quisesse apostar naquilo que deu certo. E é exatamente o que acontece em “Guardiões da galáxia – Volume 2” (2017). Os elementos formais e textuais do primeiro filme estão todos presentes e por vezes resultam em alguns momentos antológicos, principalmente pelo carisma das atuações do seu elenco, pelo grafismo exagerado dos efeitos especiais e por um considerável teor sórdido na sua ambientação e na violência cartunesca. Por outro lado, a continuação também frustra um pouco pela falta de uma tensão dramática mais consistente e também pelo tom meloso e convencional das sequências mais sentimentais. O roteiro do filme até é bem resolvido em algumas de suas premissas e nos seus dilemas dramáticos, mas também é permanente a impressão que atua mais como preparação para conflitos e conceitos que se concretizarão em obras posteriores.

sexta-feira, maio 12, 2017

O filho de Joseph, de Eugène Green ****

As primeiras cenas de “O filho de Joseph” (2016) trazem imagens do cotidiano de Paris, enfatizando determinados signos de modernidade – tal sequência, entretanto, recebe um tratamento formal marcada pela sobriedade estética e é musicada por temas barrocos, evocando uma desconcertante sensação de atemporalidade. Tais tomadas já deixam logo evidente que o particular traço autoral do cineasta Eugène Green, delineado de maneira contundente em “La sapienza” (2014), permanece de forma indelével. Aliás, até se aprofunda em suas peculiaridades, principalmente na questão do ascetismo religioso herdado de Bresson – aliás, o burro que se torna importante personagens nas cenas finais da produção parece saído diretamente de “A grande testemunha” (1966), importante clássico bressoniano. É como se um rigoroso conto moral aos poucos se transmutasse em uma parábola mística. Dentro dessa abordagem, pode-se até perceber que a sutileza não chega a ser uma marca muito forte na narrativa, pois as simbologias e metáforas que surgem ao longo da trama são até óbvias nas conexões bíblicas que sugerem. O que tornam tais figuras de linguagem fortemente encantadoras é a encenação precisa e repleta de notáveis nuances dramáticas arquitetada por Green. Nessa abordagem, os aspectos religiosos que permeiam o roteiro de “O filho de Joseph” estão muito distantes dos clichês obtusos e simplórios dos “filmes de louvor”, enfatizando muito mais o lado humanista dessa visão mística.

quinta-feira, maio 11, 2017

Elon não acredita na morte, de Ricardo Alves Junior **1/2

O diretor Ricardo Alves Junior busca uma ousada síntese de drama social, suspense e horror em “Elon não acredita na morte” (2016). Para isso, constrói uma narrativa em que na maioria das suas sequências predomina encenação e ambientação de tons realistas, mas que em momentos cruciais recebe pinceladas de elementos fantásticos. O roteiro do filme procura combinar uma trama envolvendo uma certa linha investigativa e de tons misteriosos, no que diz respeito à procura obsessiva do protagonista Elon (Rômulo Braga) pela esposa desaparecida, com passagens que evidenciam flagras do cotidiano do personagem principal envolvendo precariedade e opressão sócio-econômicas. Há sobriedade e rigor formais na concepção audiovisual da obra, o que colabora para que haja alguma tensão e angústia para a história. Ou seja, todo o método artístico do cineasta fica evidente em cada fotograma da obra. Esse excesso de controle estético-existencial, entretanto, faz com que a narrativa seja pouco envolvente para o espectador, além de resultar num roteiro que vai se revelando cada vez mais previsível em seus desdobres dramáticos – de certa, é como se observássemos um texto ficcional que que se prende de maneira excessiva a regras acadêmicas de cursos de roteiros. Falta ao filme momentos em que as coisas saiam da casinha, alguma transcendência, que só se insinua na bela sequência de sexo entre Elon e a esposa. É claro que há o destaque positivo das boas composições dramáticas do elenco, mas “Elon não acredita na morte”, no geral, se mostra frustrante pela sua mecânica bem-comportada, distante, por exemplo, do clima de insano conto gótico cinematográfico de “Quando eu era vivo” (2014), obra que em termos de proposta artística se aproxima do filme de Ricardo Alves Junior.

quarta-feira, maio 10, 2017

Os belos dias de Aranjuez, de Wim Wenders ***

O diretor alemão Wim Wenders aparenta em “Os belos dias de Aranjuez” (2016) não dar muita bola para as acusações de pedantismo filosófico ou de estar há anos se repetindo em suas obsessões estéticas e temáticas. Dessa forma, mesmo que não consiga convencer os habituais detratores, reforça o padrão autoral da sua filmografia. Nesse filme mais recente, inclusive, pode-se ter a impressão do cineasta estar evocando algumas das melhores soluções artísticas de uma de suas grandes obras-primas, “Asas do desejo” (1987), ainda que sem o mesmo grau de inspiração criativa. Estão lá o entrecruzamento entre audiovisual e literatura (não à toa, o roteirista é o escritor Peter Handke, antigo colaborador de Wenders, inclusive em “Asas do desejo”), diálogos que buscam a síntese entre o filosófico e o poético, o uso intenso de canções de rock e pop na trilha sonora. Nessa obra mais recente, entretanto, Wenders não demonstra tanta preocupação em firmar uma narrativa convencional, fazendo com que a estrutura formal e textual do filme se configure a partir de elementos aparentemente aleatórios (um jukebox marcando um inventário emocional das situações da trama, direção de fotografia que investe em detalhistas e sóbrios planos-sequências, direção de arte que acentua o caráter pictórico de determinadas cenas). Tal concepção cinematográfica torna algumas passagens da produção um tanto frouxas, beirando o enfadonho, mas com o tempo acabam revelando uma interessante sintonia com o roteiro, principalmente pelo fato de expressar a ideia do conturbado processo criativo do escritor protagonista da obra. Assim, mesmo que a aparição repentina de Nick Cave cantando na sala do personagem possa parecer forçada ou estapafúrdia, acaba ganhando um encantador caráter simbólico – aliás, Cave também aparecia de forma memorável em uma das mais famosas sequências de “Asas do desejo”. Há também na proposta artística de “Os belos dias de Aranjuez” a intenção de colocar o espectador dentro de uma espécie de vórtice sensorial narrativo marcado por uma atmosfera passadista e algo nostálgica para que ele sinta a beleza e o peso de cada palavra dos diálogos e do espectro visual da produção, desejo esse evidente nos planos iniciais, em que a câmera “viaja” de uma grande metrópole moderna para o ambiente árcade do retiro campestre do protagonista.

segunda-feira, maio 08, 2017

História da minha morte, de Albert Serra ***1/2

A síntese artística de “História da minha morte” (2013) passa por uma intrincada combinação entre peculiar classicismo em termos estéticos, atmosferas bizarras e roteiro de forte teor alegórico. O diretor Albert Serra não facilita as coisas para o espectador – edição de pouco cortes, longos planos-sequência fixos, a encenação distante da escola naturalista, fotografia algo esmaecida que evoca um velho álbum de fotos. Em diversas passagens, a ambientação evoca uma zona existencial entre o horror metafísico sombrio e um amargo drama social. A figura mítica de Casanova apresenta uma carga simbólica diversa daquela habitual nas várias vezes em que foi retratada em outros relatos (cinematográficos ou não) – o personagem representa um poder aristocrata e patriarcal opressor e perverso, em que suas ações evocam o sexismo e a injustiça social que sempre foram inerentes dentro da trajetória histórica da sociedade ocidental. Nesse sentido, a abordagem temática-formal de Serra é perturbadora em sua ambiguidade, em que se pode perceber um certo tom encantador pictórico e mesmo sensual em algumas cenas, enquanto em outras predomina uma sexualidade brutal e um caráter de sordidez. A dubiedade aumenta ainda mais quando Drácula entra em cena, pois nunca fica claro o real significado de sua presença – seria uma saída libertária ou apenas a continuação de uma outra forma de opressão? Nesse padrão de indefinição é que “História da minha morte” vai se insinuando dentro do imaginário do espectador, como um pesadelo marcado pela beleza e pelo desconforto.

sexta-feira, maio 05, 2017

Velozes e furiosos 8, de F. Gary Gray ***

Ali pela metade da franquia, em seu capitulo 5, “Velozes e furioso” adotou uma mudança conceitual na sua síntese temática-formal – é provável que seus produtores perceberam a ascensão comercial dos filmes de super-heróis da Marvel e daí resolveram adotar estética e roteiros cada vez mais exagerados. Ainda que oportunista, tal mudança até teve a sua eficácia. “Velozes e furiosos 8” (2017) é a cristalização definitiva dessa alteração de paradigmas. Assim, enquanto o primeiro filme de 2001 era um policial de ação movido a perseguições automobilísticas, essa produção mais recente é uma aventura alucinada, beirando o delirante, envolvendo muita pancadaria e perseguições que extrapolam os simples carros envenenados, envolvendo também bolas de demolição, tanques de guerra e até um submarino nuclear! Toda essa extrapolação barulhenta, pelo menos, é bem coreografada em sua encenação, rendendo algumas sequências memoráveis. O roteiro é um misto picareta e quase surreal de clichês do gênero ação, toques de ficção científica barata e sentimentalismo moralista que chega a ser engraçado pela sua cara-de-pau. Aliás, as cenas finais, de um churrasco de celebração de amigos exaltando valores religiosos e familiares, depois de mais de duas horas repletas de mortes e destruição, são a síntese exata do espírito “sem noção” do filme.

quarta-feira, maio 03, 2017

Pitanga, de Camila Pitanga e Beto Brant ***

Alguns dias atrás, um amigo meu comentou um fato curioso (e assustador) para mim – ele estava em um evento social, cujo predomínio era de pessoas entre 30 e 35 anos, todos de classe média, e em determinado momento boa parte deles entrou em uma animada discussão “cultural” onde se vangloriavam de nunca terem lido um livro na vida (claro, fora aqueles que foram obrigados a ler para se formar em suas respectivas faculdades). No mesmo dia em que fiquei sabendo de tal fato, fui ao cinema assistir ao documentário brasileiro “Pitanga” (2016). Nas sequências iniciais do filme, o foco fica no ambiente familiar do protagonista Antônio Pitanga, e até se fica com a impressão de que o que predominará na produção seria um incômodo tom hagiográfico do cinebiografado. Tal impressão, entretanto, acaba se mostrando enganosa com o desenrolar da narrativa. Através de trechos dos principais filmes dos quais Pitanga participou e dos depoimentos de vários nomes fundamentais do meio artístico e intelectual do Brasil dos últimos 60 anos, o que o documentário dirigido por Camila Pitanga e Beto Brant faz não é apenas o relato da trajetória pessoal e profissional de Antônio Pitanga (o que por si só já seria algo fascinante), mas também o inventário existencial de toda uma geração extraordinária de grandes nomes do cinema, música, literatura, teatro, política, religião e outros meio de expressão cultural. A grande profusão de depoentes pode até parecer exagerada, mas na realidade tem a função de mostrar a riqueza e diversidade artística e intelectual de um certo imaginário cultural-filosófico tipicamente brasileiro. O contraste entre a obtusidade dos rapazes contemporâneos mencionados no início desse texto e o fervilhante complexo de ideias e sentimentos expressos em “Pitanga” ajuda a explicar o nosso atual conturbado e deprimente panorama político-social.

terça-feira, maio 02, 2017

A morte de Luís XIV, de Albert Serra ***1/2

O cinema praticado pelo diretor Albert Serra em “A morte de Luís XIV” (2016) parece algo fora do tempo e do espaço. O cineasta catalão abdica de efeitos digitais e de uma edição baseada em cortes em nome de uma estética que sintetiza passadismo, morbidez e cientificismo. Assim, alia uma encenação marcada pelo rigor naturalista, direção de arte que sintetiza requinte e crueza e uma fotografia de claras influências pictóricas. São diversos os momentos em que o espectador tem a impressão de estar assistindo a um quadro vivo renascentista ou gótico, tamanho o detalhismo das composições cênicas do filme. Todas essas escolhas formais, juntas a uma narrativa de implacável ritmo lento, mostram uma sintonia notável com a proposta temática do roteiro, que em seu subtexto traz uma leitura cruel e irônica sobre a aliança entre poder político e obscurantismo religioso, a combinação existencial fundamental do absolutismo (e que de certa forma ainda influencia o status quo mundial). A agonia do protagonista, expressa em riquezas de nuances sensoriais, contrapõe de maneira assustadora a visão aristocrática de uma legitimação divina que justifique uma sociedade marcada por brutais diferenças de classes.