Nas tomadas iniciais de “Hotel Mekong”, há um músico
dedilhando um violão e que ocasionalmente faz alguns comentários com um
conhecido que também aparece na cena. Os temas que ele toca são melodicamente
belos, mas sua execução é um tanto hesitante, procurando os acordes certos. Essas
canções em construção serão a trilha sonora da produção tailandesa em questão e
parecem refletir a própria essência artística da obra. Esse estranho trabalho
do diretor Apichatpong Weerasethakul tem uma estrutura formal de concepção
complexa, mas sua encenação é tão natural que faz tudo até parecer simples. Num
primeiro momento, pode parecer o documentário dos ensaios para um filme. Só que
o cineasta não se contenta com um mero registro objetivo – por vezes, a
natureza fantástica da temática da obra ensaiada invade a realidade, criando a
impressão de dois planos de realidade que se confundem, sem que seja necessário
que se recorra a maiores trucagens. O grande “truque” de Weerasethakul está na
criação de uma atmosfera rarefeita, com as interpretações dos atores variando
da dramaticidade cortante para um sereno distanciamento emocional. Não há no
filme uma preocupação em racionalizar a trama e nem mesmo a sua estética, cabendo
ao espectador embarcar nessa viagem sensorial insólita e encantadora.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
quinta-feira, maio 22, 2014
quarta-feira, maio 21, 2014
Apenas o vento, de Benedek Fliegauf ***1/2
A temática da produção húngara “Apenas o vento” (2012),
baseada em fatos reais, não é das mais fáceis: o assassinato de famílias
ciganas no interior da Hungria. E o tratamento formal proposto pelo diretor
Benedek Fliegauf vai na mesma onda – abdicando de truques sentimentais, o
cineasta investe numa atmosfera sombria e de distanciamento emocional. A trama
se foca no cotidiano de mãe e filhos, ressaltando atos rotineiros como
trabalhar, estudar, matar aula, perambular pelos matagais, com a encenação
beirando uma certa monotonia, ainda que calculada. Aos poucos, entretanto,
situações estranhas vão se inserindo na narrativa, dando ao filme um permanente
tom de fatalismo, em que a tragédia vai se afigurando de forma inevitável. Fliegauf
não busca soluções fáceis, fazendo com que a tensão dramática e a sensação de
impotência dos personagens fiquem cada vez mais sufocantes até a brutal conclusão
de violência e morte. A construção estética/temática de “Apenas o vento” é notável,
mas isso não quer dizer que o espectador vai sair se sentindo bem da sala de
cinema...
terça-feira, maio 20, 2014
Deixe a luz acesa, de Ira Sachs ***1/2
Filmes que mostram a trajetória de um relacionamento amoroso
por um viés realista não representam propriamente uma novidade no panorama
cinematográfico contemporâneo. No caso de “Deixe a luz acesa” (2012), o que faz
com que o filme se sobressaia nessa linhagem é a concepção vigorosa de
narrativa do diretor Ira Sachs. Focando uma relação gay masculina, a produção não
é apenas dirigida a um público específico, apesar da condição de homossexuais
de seus protagonistas ter um peso determinante nos seus destinos. Sachs
consegue combinar na sua obra diferentes ambiências, indo de atmosferas sórdidas
até momentos bastante poéticos, mas também juntando em algumas cenas esses
lados obscuros e românticos. O registro do cineasta é de uma crueza intensa, não
se dobrando para facilidades sentimentais, sem que com isso o filme perca a sua
pungência. Pelo contrário: essa secura estética realça ainda mais o forte aspecto
emocional de “Deixe a luz acesa”, o que se evidencia também nas bem cuidadas
composições dramáticas dos dois atores que interpretam o casal de personagens
principais.
segunda-feira, maio 19, 2014
O espetacular Homem-Aranha 2 - A ameaça de Electro, de Marc Webb **
Uma coisa dá para reconhecer com certeza em “O espetacular Homem-Aranha
2 – A ameaça de Electro” (2014): o diretor Marc Webb deixou parte de sua marca
autoral no filme. Mas isso não é algo necessariamente bom para a produção... Webb
se notabilizou com a boa comédia romântica “500 dias com ela” (2009), com as suas
sacadas espertas sobre as agruras e delícias de um namoro. O cara é tão
entusiasmado com esse tipo de abordagem que resolveu levá-la para essa nova
aventura do herói aracnídeo. Dessa forma, ficou-se com um drama mostrando as
idas e vindas do relacionamento amoroso de Peter Parker (Andrew Garfield) e
Gwen Stacy (Emma Stone) que de vez em quando tem algumas cenas de ação do
Aranha (pois é, o protagonista fica reduzido a coadjuvante). O resultado dessa
concepção temática de Webb é uma obra confusa, afinal nem o drama de
relacionamento e nem o filme de aventura parecem encontrar o espaço necessário
para se desenvolverem de forma satisfatória. O cineasta também não consegue
atingir um equilíbrio necessário entre o dramático e o cômico – para os dilemas
apresentados no roteiro, é claro que o tom predominante da narrativa é o
sombrio. Ocorre que há personagens e situações tão caricatos que acabam
reduzindo o impacto de algumas cenas cruciais para o filme. É inegável também
que há qualidade em algumas sequências de ação, mas nada também que fuja
daquilo que estamos acostumados dentro do universo cada vez mais uniforme dos
efeitos computadorizados. Nesse quesito, aliás, de encenação de pancadarias e
explosões, o filme de Webb fica bastante a dever em relação ao ótimo e recente “Capitão
América 2 – O soldado invernal” (2014). Mas o que talvez mais incomode nesse
mais recente capítulo cinematográfico das aventuras do Aranha é a falta de um
planejamento mais orgânico no processo de adaptação do universo do personagem
nos quadrinhos para a tela: fatos e personagens importantes nas HQs são
simplesmente jogados de qualquer forma no roteiro, sacrificando a fluidez da
narrativa cinematográfica. Do jeito que esse reboot está ficando, está dando
saudade do período em que Sam Raimi comandava os filmes do célebre escalador de
paredes, principalmente do extraordinário “Homem-Aranha 2” (2004).
sexta-feira, maio 16, 2014
Valerie e sua semana de deslumbramento, de Jaromil Jires ***1/2
Como já foi comentado em textos anteriores deste blog, o
cinema tcheco dos anos 1960 apresentava em algumas de suas principais obras um
caráter bastante metafórico, em que o formalismo e o conteúdo de seus roteiros
carregavam forte conotação simbolista para retratar as contradições e dilemas sócio-políticos
que marcavam o país na época. “Valerie e sua semana de deslumbramento” (1970)
também apresenta tal conotação – sua trama fabular traz referências que remetem
a “Alice nos país das maravilhas” e lendas afins, histórias essas que sempre
evocam questões sobre sexualidade reprimida ou prestes a florescer,
relacionando ainda ao tema da perda da inocência. A ligação com o momento histórico
de uma nação que se encontra envolta pela bruma opressiva de um autoritarismo
castrador é evidente, mas tal relação é apresentada de forma sutil e delicada. A
estética concebida pelo diretor Jaromil Jires é encantadora, com fotografia,
direção de arte e edição construindo uma atmosfera onírica e libertária,
conectando também o filme com uma tendência que era forte no cinema europeu
daquela época, em que o fantástico e o erótico apresentavam uma intrínseca ligação
(vide a obra de outros cineastas bastante ativos no período como Jean Rollin e
Mario Bava).
quinta-feira, maio 15, 2014
Pelo malo, de Mariana Rondón **1/2
A forma com que a abordagem pessoal e intimista se relaciona
com o aspecto social-político é o ponto mais interessante da produção
venezuelana “Pelo malo” (2013). Na trama de um garoto que quer alisar o cabelo
para tirar uma foto familiar e é acossado pela mãe que teme que ele seja
homossexual, o que faz com que o filme tenha uma atmosfera de tensão surda
constante, a diretora acaba fazendo também um retrato marcado pela crueza do
machismo e preconceito típicos de uma sociedade patriarcal latino-americana, além
de configurar um retrato emblemático da Venezuela, país divido por conflitos
ideológicos de classe e criminalidade violenta exacerbada. Por outro lado, é de
se admitir que a visão sociológica da cineasta acaba se revelando mais
contundente que o tratamento formal de sua obra – Rondon se mantém presa a uma
estética tão árida que “Pelo malo” acaba não apresentando algum momento visual
especialmente memorável. Ou seja, pode-se ficar intrigado pelo seu discurso,
mas como cinema dificilmente permanecerá no imaginário do espectador.
quarta-feira, maio 14, 2014
Os dias com ele, de Maria Clara Escobar ***
Longas tomadas fixa e um homem falando sem parar. Por vezes,
alguns planos focando alguns atos rotineiros desse protagonista. Em outros
momentos, a cineasta e o homem, que são pai e filha, discutem sobre o objetivo
da produção em questão, sobre as escolhas criativas da diretora. Numa descrição
como essa, poderia restar uma fatídica dúvida: mas, afinal, isso pode ser
considerado cinema? O documentário “Os dias com ele” (2012) trafega nessa
fronteira tênue entre o pessoal e o universal, em que o subjetivismo da temática
de uma filha tentando descobrir obscuridades e objetivos na vida do pai acaba
ganhando uma dimensão mais ampla ao se saber que esse progenitor já foi
perseguido político no tempo da ditadura militar no Brasil, sendo preso e
torturado, e hoje em dia vive um tanto recluso com a família em Portugal. A
concepção formal espartana da obra e a disposição de pai e filha em se exporem
cruamente geram um filme de encanto estranho – um dos grandes méritos da
diretora Maria Clara Escobar está na capacidade de criar uma atmosfera sóbria e
também de casualidade, em que a naturalidade com que o seu pai faz confissões
ou simplesmente se mostra ranzinza e pequenos atos instintivos ou aleatórios
(como os gatos que eventualmente se metem nos planos, quase como observadores
curiosos) compõem uma estrutura narrativa sólida e que dá a impressão de se
desenrolar num universo à parte, em que a solidão e desencanto daquele homem
refletem também uma importante parte existencial de uma nação que se perdeu
pelos desmandos e brutalidades de um regime ditatorial. O desejo da filha de
saber mais sobre o pai também se converte sutilmente no desejo de uma geração
em tirar das brumas dos passados os segredos obscuros de um país.
terça-feira, maio 13, 2014
Pedro, o negro, de Milos Forman ***1/2
Aqueles que conhecem e admiram o cineasta tcheco Milos
Forman por suas produções norte-americanas como “Um estranho no ninho” (1975) e
“O povo contra Larry Flint” (1996) poderão ter uma considerável surpresa ao
assistirem aos longas que ele dirigiu no seu país de origem na década de 1960. Ao
invés daqueles dramas pesados e contundentes, há crônicas irônicas sobre o
cotidiano, de viés agridoce. “Pedro, o negro” (1963) é bastante emblemático de
tal tendência nessa fase da carreira de Forman. Ao narrar pequenos fatos
rotineiros da vida do protagonista adolescente Pedro (Ladislav Jakim), o filme
nos faz lembrar a saga juvenil dos primeiros capítulos da trajetória do alter
ego de François Truffaut, Antoine Doinel, tanto pela leveza e fluidez da
encenação concebida por Forman quanto pela natural alternância de atmosferas
dramáticas entre a melancolia e a comicidade. A combinação de filmagem e edição
da produção aparenta um caráter de casualidade, como se Forman buscasse um
registro que evocasse o documental, e que acaba ganhando um efeito encantador
pela empatia que causa. Essa sugestão de aleatoriedade na verdade revela o notável
senso de rigor estético que num primeiro momento pode parecer imperceptível,
mas que se revela como marca indelével de um diretor que domina com sabedoria a
narrativa cinematográfica.
segunda-feira, maio 12, 2014
O cremador, de Juraj Herz ****
A participação da Tchecoslováquia na 2ª Guerra Mundial foi
bastante traumática para o país, envolvendo uma invasão implacável dos alemães
e episódios obscuros de colaboracionismo. “O cremador” (1968) é uma obra que
faz uma síntese perturbadora desse episódio histórico através de uma narrativa
repleta de simbologias mórbidas e por vezes até irônicas, demonstrando uma
sutileza notável na caracterização de uma sensação permanente de incômodo. O
diretor Juraj Herz constrói a sua obra como se fosse um conto gótico de horror.
A trama se desenvolve de forma linear, mas a atmosfera é de algo difuso, com
enquadramentos e edição sugerindo um clima de pesadelo. O modus operandi do
protagonista Kopfrkingl (Rudolf Hrušínský),
responsável em uma funerária pelas cremações, parece ser uma metáfora para o próprio
tratamento formal proposto por Herz – as ações do personagem são carregadas
pelo gosto por uma assepsia doentia, em que o apreço pela ordem e pela pureza
encontra no ideário nazista a casa perfeita para aflorar, enquanto a estética
de Herz constrói uma ambientação clean e despersonalizada, mas que em momentos
cruciais se converte em cenários carregados de sangue e sujeira. Poucas vezes
os pecados de guerra foram expostos no cinema de forma tão ácida e contundente.
domingo, maio 11, 2014
As pequenas margaridas, de Vera Chytilová ****
Como em seu filme posterior, “Fruto do paraíso” (1969), a
diretora tcheca Vera Chytilová abdica da narrativa convencional em “As pequenas
margaridas” (1966). Só que nesse último a viagem é ainda mais radical. Ao invés
do tom fabular que impregna “Fruto...”, a cineasta investe numa narrativa ainda
mais livre e fragmentada, em que o espírito anárquico domina tanto o seu
formalismo quanto a parte temática. Há cortes abruptos, pequenas cenas
inseridas de forma que beiram o aleatório, encenações que emulam comédias
amalucadas norte-americanas dos anos 20 e 30. A atmosfera pode ser libertária em todos os
sentidos, mas também sempre se percebe o senso estético e textual rigoroso de
Chytilová a dar uma estranha coesão a toda essa loucura. E é também perceptível
que há sintonia entre essa delirante forma de filmar e editar com os eflúvios
contraculturais sessentistas, sem que necessariamente o filme possa ser
considerado datado – a forte veia contestatória e ácida de “As pequenas
margaridas” é atemporal.
quinta-feira, maio 08, 2014
A festa e os convidados, de Jan Nemec ****
A situação social e política do Tchecoslováquia da segunda
metade dos anos 1960 é fator determinante para se entender as metáforas e
simbologias que grassam à vontade na narrativa de “A festa e os convidados”
(1966). Mas o alcance temático e sensorial desse estranho filme não é
delimitado a um único aspecto regional e temporal. O diretor Jan Nemec consegue
estabelecer um espectro universal para a sua obra. Para isso, serve-se de uma
encenação bastante livre e anti-naturalista, em que os fatos se sucedem dentro
de uma lógica muito particular, namorando fortemente o surrealismo. Aliás, a
festa em que convidados são tratados como prisioneiros nos faz lembrar tanto episódios
delirantes semelhantes em “O anjo exterminador” (1966) e “O discreto charme da
burguesia” (1972), ambos da lavra de Luis Buñuel, mestre do onirismo cinematográfico,
como os escritos de Kafka sobre os absurdos de uma sociedade sob jugo de
incompreensíveis desmandos estatais. A atmosfera opressiva e obscura constante
de “A festa e os convidados” reforça o clima de pesadelo a se associar com os
ventos autoritários que sopravam no seu país de origem, mas também servem como
ilustração para a presença de um Estado tirânico que pode se manifestar em
qualquer lugar do planeta.
quarta-feira, maio 07, 2014
Coragem de todo dia, de Evald Schorm ***1/2
É natural que em uma cinematografia que pareça insólita como
a tcheca o espectador busque uma referência dentro de um padrão mais conhecido.
No caso em questão, o cinema sessentista tcheco apresentava uma conexão mais
direta com boa parte da cultura de subversão inerente àquela época. Nesse
sentido, “Coragem de todo dia” (1964) é um filme que se mostra em sintonia com
um certo caráter existencialista que nos faz lembrar algumas produções emblemáticas
de diretores como Michelangelo Antonioni e Louis Malle – no caso desse último, há
um parentesco muito próximo em termos temáticos e de atmosfera com a obra-prima
“30 anos esta noite” (1963). Também há aquele clima de rebeldia difusa e
angustiada do clássico “Juventude transviada” (1955) e uma secura formal
herdada do neo-realismo italiano. Apesar de tais semelhanças, entretanto, a
obra do diretor Eval Schorm se sustenta pelas suas qualidades próprias. O
diretor mantém de forma constante uma perturbadora tensão de uma ameaça invisível
(no caso em tela, da presença opressiva de um Estado totalitário), em que a
revolta social se confunde com o desespero intimista do protagonista. A condução
da narrativa é marcada pela sobriedade, assim como a abordagem emocional é um
tanto distanciada, dando ao filme um ar desolado e perturbador.
terça-feira, maio 06, 2014
Fruto do paraíso, de Vera Chytilová ****
Toda a sequência inicial de “Fruto do paraíso” (1969) é uma
bela síntese do espírito desse filme tcheco – numa alucinante e poética conjunção
de sobreposições e fusões em que predomina a cor vermelha, há uma encenação em
tons delirantes, remetendo ao cinema mudo, que emula a bíblica história da
expulsão de Adão e Eva do paraíso. Pode ser que se implique que todas essas
trucagens podem fazer o filme aparentar algo datado na evocação de uma cultura
psicodélica tipicamente sessentista. A realidade, entretanto, é que tais soluções
visuais extrapolam tais conceitos relativos a cronologia ou anacronismo tecnológico,
pois o que interessa é mais o efeito sensorial do que o grau de “realismo” plástico.
E nesse campo das sensações, o efeito de tais concepções estéticas da diretora
Vera Chytilová na produção em questão fica num limite constante entre o hipnótico
e o encantador.
É evidente que a narrativa de “Fruto do paraíso” não se
vincula a uma linha naturalista. Chytilová abusa de um formalismo estranho e
bastante libertário, em que tudo soa “quebrado” – sons, movimentação (por vezes
a rotação sugere uma animação quadro a quadro, quase como se um stop motion com
seres humanos), diálogos, montagem. Tais escolhas artísticas da cineasta
encontram uma fascinante sintonia existencial com o roteiro que traz uma trama
carregada de simbologias diversas, em que se notam estilhaços de parábola bíblica,
“Alice no país das maravilhas” e tragédia grega (os trechos de narração cantada
fazem pensar numa mistura de clássicos musicais de Hollywood com coros gregos).
Apesar do excesso de referências e citações culturais, há um senso de unidade
na direção de Chytilová que junta todos esses elementos num conjunto intrincado
e perturbador, dando-lhe um caráter intrigante atemporal.
Yves Saint-Laurent, de Jalil Lespert ***
Em termos de informação, talvez a cinebiografia “Yves
Saint-Laurent” (2014) não traga grandes novidades sobre a vida do célebre
estilista para quem já havia assistido ao documentário “O louco amor de Yves
Saint-Laurent” (2010). Afinal, em termos temáticos, a perspectiva é praticamente
a mesma: o retrato do auge dos loucos anos de moda, sexo e drogas do
protagonista sob o olhar de seu companheiro sentimental (e administrador de sua
carreira) Pierre Bergé. O filme do diretor Jalil Lespert recria até com
bastante fidelidade algumas passagens do referido documentário. Mesmo assim, não
deixa de ser uma produção bastante curiosa, mesmo porque a encenação concebida
por Lespert por vezes tem um vigor narrativo expressivo, principalmente quando
envereda para o lado selvagem da vida de Saint-Laurent. Ao mesmo tempo,
preserva a sutileza e elegância estética ao focar naquilo que tornou seu personagem
principal numa das mais icônicas figuras do universo da moda. É claro que o
filme traz alguns dos vícios tradicionais no gênero (alguns excessos de
convencionalismos formais, narrativa tendendo ao novelesco), mas não deixa de
ter um estranho encanto na sua combinação de sentimentalismo e sordidez.
sexta-feira, maio 02, 2014
A família de Elizabeth Teixeira, de Eduardo Coutinho ***1/2
O diretor Eduardo Coutinho havia criado um universo tão
particular dentro do gênero documentário que podia se dar ao luxo de até fazer
continuações de seus filmes sem parecer oportunista. Esse é justamente o caso
de “A família de Elizabeth Teixeira” (2014), obra que dá sequência natural aos
fatos narrados no clássico “Cabra marcado para morrer” (1984). No filme mais
recente, o cineasta mostra o que aconteceu com a protagonista da obra anterior,
Elizabeth, e os seus filhos. Um dos grandes talentos de Coutinho como
documentarista era conseguir a partir de pequenos retratos intimistas fazer uma
amostragem lúcida e profunda das contradições e dilemas da sociedade
brasileira. Na obra em questão, tal capacidade se aflora com intensidade – ao mesmo
tempo que a trajetória pessoal de cada um dos indivíduos focados comove pelo
alto grau de espontaneidade e crueza que o diretor extrai de seus
entrevistados, tais depoimentos também são reveladores das raízes de exploração
econômica e injustiça social entranhadas na essência do Brasil. O documentário
também evidencia como o próprio Coutinho cada vez mais ia se tornando um
personagem atuante dentro de seus próprios filmes, interagindo com as demais
figuras em cena, mas sem em nenhum momento soar forçado ou egocêntrico. É como
se o forte caráter humanista de sua abordagem exigisse sua presença física no
enquadramento para complementar o sentido existencial de seus filmes.
Comentários afirmam que antes de morrer Coutinho já tinha
deixado filmada uma nova obra, com tal produção se encontrando na fase de
montagem. Mesmo assim, dá para dizer que “A família de Elizabeth Teixeira” é um
contundente canto do cisne de um dos maiores diretores da história do cinema
brasileiro.
quinta-feira, maio 01, 2014
Viola, de Matías Piñeiro ***1/2
Confesso que tenho um bode com o cinema argentino dos últimos
anos, pois considero que em sua grande maioria são produções convencionais ao
extremo e muito dependentes de um roteiro redondinho. Praticamente não há espaços
para maiores inventividades visuais ou narrativas. Talvez o próprio “O segredo
dos seus olhos” (2009), bom mas superestimado, considerado o supra sumo da
cinematografia porteña recente, seja um exemplo claro dessa tendência. Talvez
por isso “Viola” (2012) tenha sido tão impactante para mim. A trama na qual se
pauta o filme parece ter um tom quase aleatório, centrada nos ensaios de uma peça
teatral que envolve a encenação de vários trechos de obras diversas de
Shakespeare. Nos intervalos, as atrizes e alguns de seus conhecidos se envolvem
em discretas intrigas sentimentais. A partir dessa premissa pouco usual, o
diretor Matias Piñeiro centra fogo na criação de uma atmosfera lúdica e
intrigante, baseada na repetição de diálogos, na valorização de olhares
sinuosos de suas personagens e num clima de casualidade que beira o documental.
Sua forma de filmar evoca maneirismos libertários, principalmente numa câmera
que dá a impressão de desobedecer de maneira constante alguns padrões formais (é
intrigante quando o enquadramento não está focado em quem está falando, mas na
expressão de quem está ouvindo), mas o que se revela é um tremendo rigor estético
para manter a coesão narrativa e a beleza textual de um roteiro repleto de diálogos
lapidares.
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