Vendo “Caçadores de Atlântida” (1983) dá para ter uma ideia do
contexto histórico, artísticos e comercial da realização do filme. Provavelmente,
o diretor Ruggero Deodato não tinha muita grana para a produção e precisava ter
um retorno rápido do investimento. O que estava em voga nos cinemas na primeira
metade da década de 80? Fácil: as histórias de um futuro pós-apocalíptico
influenciadas pela franquia “Mad Max” e as aventuras envolvendo heróis machões
em busca de civilizações antigas ou míticas na linha “Indiana Jones”. Com a
maior cara-de-pau, é escrito um roteiro misturando todas essas referências, junta-se
um elenco de canastrões e a direção tenta dar alguma unidade para esse
precariedade. É claro que o resultado final é muito ruim em qualquer circunstância,
mas eventualmente consegue ser divertido nos seus ápices de tosquices –
tiroteios coreografados meio de qualquer forma, diálogos estúpidos, direção de
arte brega. No final das contas, dá para dizer que é uma obra emblemática de
uma época. A gente até sente uma certa nostalgia...
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, maio 17, 2013
quinta-feira, maio 16, 2013
O último mundo dos canibais, de Ruggero Deodato ***1/2
Num primeiro momento, um filme como “O último mundo dos
canibais” (1980) pode suscitar comparações com a obra de Werner Herzog. Afinal,
o diretor alemão se notabilizou pelo seu registro particular da natureza
selvagem. Tal semelhança, entretanto, vem apenas pela temática. O diretor
italiano Ruggero Deodato não envereda pela abordagem reflexiva do referido
cineasta germânico. O negócio de Deodato é uma ótica tipicamente exploitation,
assim como seu falso documentário “Canibal holocausto” (1980). No filme, não há
interesse por uma visão antropológica dos tais canibais. Para Deodato, eles são
apenas selvagens e nojentos vilões, e o diretor gosta de enfatizar bastante
isso, abusando de cenas de violência e com muitas vísceras à mostra. Por mais
apelativa que possa aparentar tal abordagem, é inegável que ela funciona para a
produção, gerando momentos memoráveis de tensão e de violência explícita gráfica.
O cenário das selvas se converte num ambiente de filme de horror e Deodato é hábil
na caracterização de uma atmosfera opressiva para as vítimas dos canibais. Assim,
dá para dizer que “O último mundo dos canibais” é um biscoito fino para os
apreciadores de uma podreira cinematográfica bem dirigida.
quarta-feira, maio 15, 2013
Roma fantástica, de Luigi Cozzi **1/2
O diretor italiano Luigi Cozzi conta uma história curiosa
sobre o documentário “Roma fantástica” (2010). Na verdade, era para o filme ser
dirigido por um francês para um canal de televisão, tendo como protagonista o
próprio Cozzi a percorrer Roma e relacionar alguns de seus principais lugares a
célebres obras do cinema de horror italiano. Ocorre que o tal francês era tão
inexperiente nas lides de direção que o próprio Cozzi acabou assumindo a condução
da produção. Esse acidente de percurso na realização de “Roma fantástica” é visível
na sua narrativa, por vezes confusa e até truncada (lá pelo meio do filme,
parece que a premissa original é meio que esquecida e se começa a fazer uma
breve biografia do próprio Cozzi). Mesmo assim, o documentário se revela como
uma experiência relevante por mostrar uma época de ouro (mais ou menos entre as
décadas de 50 e 70) tanto para o cinema italiano quanto para os apreciadores
dos gêneros de suspense e terror. Cozzi traz à tona nomes e títulos
importantes, e por vezes esquecidos, fazendo um painel interessante tanto pelo
lado estético quanto pela visão histórica daquele período, além de apresentar
um relato esclarecedor de como era fazer um filme B na época. Relacionando com
a atualidade, o documentário ganha uma dimensão ainda mais inquietante quando
se observa que o horror no presente cinema italiano beira o inexistente se
comparado com a época focalizada no filme. Uma pena.
terça-feira, maio 14, 2013
A casa no fundo do parque, de Ruggero Deodato ***1/2
A gente pode perdoar na boa Ruggero Deodato por algumas das
bobagens que realizou ao longo de sua carreira quando se assiste a uma obra
como “A casa no fundo do parque” (1980). O filme representa uma bela síntese
estética do que foi o gênero suspense no cinema italiano ao longo dos 60 e 70. A produção estabelece um
notável equilíbrio entre tensão psicológica e violência explícita, e sempre
mantendo uma atmosfera de perturbadora sordidez. Há uma ambiguidade moral que
permeia toda a trama, em que o comportamento tresloucado da dupla de psicopatas
que atormenta a noite de alguns burgueses não representa exatamente uma
antítese do comportamento frio e arrogante de suas vítimas. Deodato pode não
ter a mesma genialidade formal de Dario Argento e Mario Bava, mas mesmo assim
consegue elaborar algumas cenas antológicas, principalmente quando combina
violência e erotismo, em que o teor até vulgar do roteiro recebe um tratamento
estilizado pelas classudas edição e direção de fotografia do filme. O resultado
final nos faz perguntar porque o cinema italiano atual não produz mais uns
suspenses de tal naipe.
segunda-feira, maio 13, 2013
Os bárbaros, de Ruggero Deodato **
Discutir os méritos artísticos de “Os bárbaros” (1987) é
quase uma tarefa dispensável. É evidente que o filme é uma tosqueira “inspirada”
no sucesso de “Conan, O Bárbaro” (1982) – tanto que para capitalizar se tem a
manha de colocar dois heróis anabolizados em cena. Até dá para perceber uma
certa criatividade em termos de direção de arte, ainda que prejudicada pela
precariedade da produção. Na sua primeira metade, o filme parece se levar a sério.
Na metade restante, o diretor italiano Ruggero Deodato dá a impressão de que se
deu conta da ruindade da coisa e viu que era negócio enveredar para a paródia
completa. E assumindo esse lado trash, a produção parece funcionar de forma
mais efetiva. O verdadeiro atrativo de “Os bárbaros” está no fato de ser uma
obra emblemática de uma era, em que produções B chegavam aos borbotões em
nossos cinemas e locadoras, época também que havia um certo misto de ingenuidade
e cara-de-pau em se realizar versões picaretas de filmes, ou gêneros,
consagrados e o público conseguia até se divertir com essas tranqueiras. E
mesmo um diretor de prestígio como Deodato não se furtava de se meter nessas
enrascadas e ainda sair fazendo piada.
sexta-feira, maio 10, 2013
A força dos sentidos, de Jean Garrett ****
Uma das coisas fascinantes na história do cinema é aquela
situação em que uma determinada obra, a partir de uma série de limitações e
convenções, consegue transgredir e se expandir para terrenos que vão muito além
do esperado. Esse é justamente o caso desse extraordinário “A força dos
sentidos” (1980). Originária da linha de montagem de filmes eróticos da Boca do
Lixo, essa produção dirigida por Jean Garrett atinge um nível de consistência
artística admirável. Estão lá as habituais musas da Boca do Lixo (com destaque
absoluto para uma Aldine Müller no esplendor de sua sensualidade e beleza), mas
as cenas de sexo das quais participam ganham uma dimensão que extrapola a
excitação – Garrett lhes dá uma ambientação misteriosa e até mórbida. Na
realidade, todo o filme tem essa atmosfera sombria e obscura, remetendo a um
clima típico das produções de horror europeu dos anos 60 e 70, principalmente
com ênfase numa certa tensão psicológica, em que a fronteira do delírio e do
metafísico não é bem precisa. Colabora para essa insólita abordagem de Garret a
direção de fotografia elegante de Carlos Reichenbach, além da brilhante utilização
de temas de música erudita na trilha sonora (expediente que era recorrente na
Boca do Lixo – afinal, assim não se precisava pagar os direitos autorais....).
quinta-feira, maio 09, 2013
O sonho de Lu, de Carlos "Hari" Sama
Na intenção de mostrar a dor de uma mãe pela perda do filho,
o diretor mexicano Carlos “Hari” Sama não abre muitas concessões em “O sonho de
lu” (2011). Sua encenação é exasperante nas nuances dramáticas e planos fixos,
valorizando com bastante ênfase os silêncios e o olhar perdido da protagonista
Lucia (Ursula Pruneda em notável interpretação). Sama, na maior parte do tempo,
utiliza um registro seco e objetivo, até com um certo distanciamento emocional,
querendo evitar o sentimentalismo fácil que uma temática como essa poderia
propiciar. Em determinados momentos, entretanto, o filme se permite alguns
toques de um lirismo cortante, que vão dos números musicais (alguns executados
pela própria Lucia) até filmagens marítimas que beiram um tom épico. Esse
choque entre o realismo doloroso e esses alívios poéticos é que provoca a
grande tensão criativa da obra, fazendo com que ela se torne mais marcante no
imaginário do espectador.
quarta-feira, maio 08, 2013
Hoje, de Tata Amaral ***
Em tempos que se fala em “ditabranda”, questiona-se a
validade de indenizações para ex-exilados e famílias de desaparecidos e até o
Lobão põe em dúvida se houve tortura durante a ditadura militar no Brasil, um
filme como “Hoje” (2011) acaba se mostrando como atemporal. Mais que um comentário
político, a obra de Tata Amaral é marcada por um subjetivismo pungente – as
marcas da violência física e moral sofrida pela protagonista Vera (Denise
Fraga) são expostas com contundência e sem concessões. “Hoje” parece questionar
o espectador e a própria sociedade sobre a prepotência de julgar o quanto o
sofrimento de uma pessoa pode valer. Para ilustrar essa temática complexa, a
cineasta busca um formalismo insólito, combinando sutilmente os elementos
cinematográficos usuais de ficção com toques documentais e jornalísticos (por
vezes, os personagens parecem depor à câmera). Não se trata, entretanto, de “teatro
filmado”. O que Amaral faz é não se limitar à linguagem naturalista. Na
verdade, “Hoje” é uma narrativa de cunho fantástico, oscilando entre o delírio
e o onírico. O que se retrata no filme é um turbilhão emocional, um ajuste de
conta pessoal de Vera com o próprio passado. E são justamente essas escolhas artísticas
insólitas e difíceis de Amaral que tornam seu filme tão inquietante e marcante.
sexta-feira, maio 03, 2013
Homem de ferro 3, de Shane Black **1/2
É claro que “Homem de ferro 3” (2013) está longe da
categoria bomba cinematográfica. Por vezes as trucagens até impressionam, além
do diretor Shane Black (o mesmo do ótimo “Beijos e tiros”) demonstrar em alguns
momentos boa mão para cenas de ação. O fato é que essa nova incursão cinematográfica
pelo universo do herói da Marvel deixa a desejar. O grande mérito dos dois
filmes anteriores dirigidos por Jon Favreau era demonstrar a capacidade de
extrair os melhores elementos da mitologia original do herói nos quadrinhos e
traduzir isso numa obra que fosse universal, capaz de cativar fãs e neófitos. Nessa
terceira parte, dá impressão que diretor, produtores e roteiristas leram
rapidamente alguns gibis do Homem de ferro, o que resultou em uma produção genérica
e sem personalidade. A densidade dramática de Tony Stark (Robert Donwey Jr.) é
nula – o afã de mostrá-lo como um sujeito bem-humorado, sempre com tiradinhas
espertinhas na ponta dos lábios, tira muito de sua grandeza como personagem. Mas
o pior de tudo foi o que fizeram com o Mandarim (Ben Kingsley), simplesmente o
vilão mais importante da galeria de antagonistas do Homem de ferro nas HQs:
nessa versão para a tela grande, o cara é reduzido a uma figura patética e
pouca ameaçadora. Até a habitual cena depois dos créditos finais, típicas das
produções recentes da Marvel, é uma bobagem tão sem graça que chega a
constranger. É provável que o filme vá render um monte de grana nas bilheterias
e motive uma nova sequência, mas se a franquia continuar nesse marasmo criativo
periga fazer com que uma série que começou tão bem enverede para o limbo da
irrelevância.
quinta-feira, maio 02, 2013
O carteiro, de Reginaldo Faria 1/2 (meia estrela)
Reginaldo Faria não é iniciante na lide cinematográfica. Participou
de filmes cruciais da cinematografia nacional como “O assalto ao trem pagador”
(1962), “Lúcio Flávio: Passageiro da agonia” (1977) e “Pra frente Brasil”
(1981). Além é claro de já ter tido algumas experiências como diretor. Assim,
como explicar que tenha concebido algo tão desastroso como “O carteiro” (2010)?
Trata-se de uma obra em que simplesmente nada dá certo em nada, ainda que
possamos ver algumas boas ideias que só ficam nas intenções. Faria diz ter se
inspirado em comédias clássicas da época de ouro do cinema italiano, tanto que
situa a sua trama numa cidade de colonização italiana do Rio Grande do Sul. Essa
boa influência, entretanto, não se materializa em um resultado prático aceitável.
O roteiro é capenga, não sabendo obter uma síntese orgânica entre drama e comédia,
sendo que a encenação que beira o amador só piora ainda mais as coisas. É de se
estranhar também que Faria, ator de longa quilometragem em cinema e televisão,
tenha dirigido um elenco de interpretações tão inexpressivas. Talvez aqueles
menos exigentes possam elogiar a direção de fotografia a realçar as belas
paisagens da serra gaúcha, mas a verdade é que esse formalismo estilo cartão
postal só joga “O carteiro” naquele limite tenebroso entre a ruindade e o medíocre.
No final das contas, a produção até se torna um programa imperdível no sentido
de ver como um filme pode dar tão errado.
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