O fato da protagonista de “O que está por vir” (2016) ser
uma professora de filosofia se relaciona de maneira sutil com a própria
estrutura narrativa da obra – a forma como a trama se desenvolve apresenta
traços de um caráter didático, por vezes beirando uma síntese entre o
esquemático e o dialético, na intenção de dissecar os meandros da vida
pequeno-burguesa de Nathalie (Isabelle Huppert). Num primeiro momento, são
expostas a contradição e a hipocrisia entre aquilo que é ensinado pela
personagem e o seu cotidiano pessoal e profissional. No segundo momento, o foco
está na dissolução dos pilares conservadores da vida de Nathalie para que ela
possa entrar em sintonia com a natureza libertária do conhecimento ao qual se
dedicou a estudar e propagar. Os truques do roteiro e sua simbologia podem até
aparentar uma certa simplicidade na sua lógica, mas a grande força do filme
está na encenação sóbria e repleta de nuances dramáticas e mesmo irônicas concebida
pela diretora Mia Hansen-Love. Não há maiores concessões sentimentais na
condução narrativa, com a cineasta se atendo a um formalismo de notáveis secura
e objetividade, sem que isso, entretanto, sacrifique o aspecto emocional, que
sempre irrompe com naturalidade e empatia. Colaboram ainda as contidas
composições dramáticas do elenco, com óbvio destaque para Huppert, e a
inteligência do roteiro que ressalta com sensibilidade a complexidade e a força
desafiadora dos principais dilemas da trama.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, dezembro 30, 2016
quinta-feira, dezembro 29, 2016
Belos sonhos, de Marco Bellocchio ****
A narrativa em “Belos sonhos” (2016) gira em torno de uma
ideia de trama aparentemente até bem simples: a maneira como a precoce morte da
mãe do protagonista Massimo (Valerio Mastandrea), quando ele ainda era criança,
marcou o restante de sua vida. Só que com o velho mestre italiano Marco
Bellocchio as coisas nunca são tão simples, com o cineasta convertendo tal
história numa espécie de parábola moral de subtexto político-existencial
fascinante. O fluxo temporal da trama corresponde a uma espécie de linha de
memória marcada por traumas e esquecimentos. A sutil desconstrução da
linearidade cronológica acentua a complexidade dos sentimentos e sensações que
afloram com crueza e mesmo alguma ironia ao longo da narrativa. O passar dos
anos para Massimo não corresponde exatamente a um amadurecimento do personagem,
e nesse conceito perpassa uma síntese entre o sentimental e o intelectual a
retratar tanto os aspectos intimistas quanto o caráter sócio-cultural do modelo
do macho ocidental – nesse sentido, é brilhante a forma com que Bellocchio
disseca na trajetória pessoal e profissional de Massimo seu envolvimento com o futebol,
a política e o poder econômico, em que tais símbolos de masculinidade e
prestígio social acabam não conseguindo esconder uma fragilidade inerente ao
personagem. O registro estético para tal saga pessoal oscila com discrição
entre a ambientação levemente estilizada do passado e a atmosfera de melodrama
clássico do presente, em que as convenções do gênero são adulteradas com uma
doce ironia perversa. Bellocchio “engana” com brilhante engenhosidade o
espectador em seus truques formais-temáticos – em determinados momentos, ele
insinua que a narrativa cairá em uma espécie de dramalhão novelesco edificante
para logo depois revelar uma verve cáustica de encenação e texto. Dentro desse
particular universo artístico, Bellocchio evidencia a sua indelével marca
autoral e de lambuja faz um contundente e emotivo retrato psico-político da
sociedade ocidental das últimas décadas.
quarta-feira, dezembro 21, 2016
Sangue do meu sangue, de Marco Bellocchio ***1/2
O diretor italiano Marco Bellocchio mostra em “Sangue do meu
sangue” (2015) que ainda é capaz de deixar as plateias desconcertadas. A trama
do filme se situa em dois planos temporais, passado e presente, e faz uma
reflexão intrincada sobre religião e poder. O viés estético e narrativo flutua
dentro de uma estranha síntese que abarca drama de época, realismo fantástico e
comicidade bufa, situando a obra numa encruzilhada artística-existencial
difícil de precisar. Por vezes, o tratamento formal é tão insólito que faz tudo
beirar o delirante. Bellocchio tem a sensibilidade de conciliar tais elementos
diversos dentro de uma concepção rigorosa de filmar – ainda que a história se
desenvolva por caminhos bastantes livres, em que ambientações solenes convivem
de maneira natural com sensualidade à flor da pele, sempre dá para perceber a
mão do cineasta dando um sentido personalíssimo para a narrativa. Dessa maneira,
alguns truques melodramáticos de determinas cenas aos poucos são envenenados
por uma atmosfera de puro absurdo, característica essa que é bem delimitada na
figura de um chefão mafioso vampiro, que simboliza de maneira sardônica e
melancólica uma certa concepção entre o irônico e o nostálgico de uma tradição
secular decadente. Nesse bizarro jogo narrativo, não importa a existência de um
final convencional que amarre todas as pontas da trama – para Bellocchio,
importa mais traduzir em audiovisual um perturbador sentimento atávico que
marca o imaginário coletivo de seu país.
terça-feira, dezembro 20, 2016
Sully - O herói do Rio Hudson, de Clint Eastwood ***
Uma expressiva parte da filmografia do diretor
norte-americano Clint Eastwood é composta de obras baseadas em fatos reais que
estabelecem uma espécie de inventário histórico e cultural dos Estados Unidos.
Em tais produções, o foco do diretor não se limita apenas a encenar eventos “verdadeiros”,
mas também a procurar traduzir uma série de conceitos e valores caros para o
país como o patriotismo, a moral e heroísmo. O processo artístico de Eastwood na
elaboração de tais trabalhos passa por uma abordagem formal sóbria e clássica e
uma visão temática madura que enfatiza a complexidade psicológica do contexto
histórico recriado. Dentro desse método, destacam-se produções brilhantes como “A
conquista da honra” (2006) e “Sniper americano” (2015). Ainda que não tenha a
mesma qualidade estética e textual dos filmes mencionados, “Sully – O herói do
Rio Hudson” (2016) dá continuidade ao projeto artístico-histórico de Eastwood
de maneira contundente. Ainda que se renda por vezes a alguns truques narrativos
melodramáticos convencionais, o filme consegue oferecer uma interessante
dimensão humanista para o insólito caso do comandante Sully (Tom Hanks), que em
uma situação de emergência, em janeiro de 2009, pousou um avião lotado em pleno Rio Hudson, em
Nova Iorque, e que devido à sua perícia fez com que não houvesse nenhuma vítima
fatal. De maneira sutil, prevalece na ambientação da trama um tom de
ambiguidade – mesmo ressaltando momentos de exaltação da coragem do
protagonista, a história se permite um certo clima de ressaca moral do cenário
pós-crise econômica de 2008. Nesse sentido, a forma com que Eastwood conduz a
narrativa e o teor sócio-político da trama evocam uma atualização do cinema de
Frank Capra, em que até a atuação de Hanks emula alguns maneirismos típicos de
James Stewart.
segunda-feira, dezembro 19, 2016
Maresia, de Marcos Guttman **1/2
Existem filmes que cativam mais pelos conceitos que procura
trabalhar do que pelo seu resultado final propriamente dito. “Maresia” (2015) é
um caso exemplar disso. Dá para perceber algumas nuances interessantes no
roteiro, principalmente no que diz respeito a relação que se estabelece entre o
especialista em arte Gaspar e o seu objeto de estudo, o pintor falecido Emilio Vega,
ambos interpretados com forte intensidade por Júlio Andrade, em que os detalhes
obscuros da vida de Vega parecem determinar os tormentos existenciais de
Gaspar. Além disso, o filme apresenta uma direção de fotografia expressiva, que
sabe valorizar tantos as belas paisagens do Rio de Janeiro quanto criar uma
atmosfera sombria. Esses elementos promissores, entretanto, não conseguem se
conciliar dentro de uma narrativa satisfatória. O roteiro se perde em viradas
novelescas, além de seu subtexto ser esmiuçado sem maiores sutilezas. O tom
contemplativo da abordagem do diretor Marcos Guttmann cai no enfadonho em
algumas sequências, faltando para o filme uma mecânica narrativa mais ágil e
contundente.
sexta-feira, dezembro 16, 2016
Elas me odeiam, mas me querem, de Spike Lee ***
Mesmo em um filme que não é dos mais expressivos de sua
carreira, o diretor Spike Lee consegue deixar uma marca autoral indelével e
capaz de suscitar alguns interessantes questionamentos artísticos e
existenciais. Isso é o que fica evidente em “Elas me odeiam, mas me querem”
(2004). A intenção do cineasta era fazer uma espécie de comédia farsesca a
satirizar preconceitos raciais e valores comportamentais e sociais típicos da
sociedade burguesa ocidental. O problema da obra, contudo, é que ela exigia uma
abordagem mais ousada na construção de uma narrativa de tons libertários e de uma
atmosfera que soubesse sintetizar erotismo e ácido sarcasmo. No geral,
prevalece uma condução mais convencional de Lee, o que faz com que por vezes o
filme caia no lugar comum. Ainda assim, o diretor consegue obter alguns bons
momentos, principalmente por um notável virtuosismo na composição imagética de
algumas cenas, no diferenciado trabalho de edição, na bela trilha sonora e em
algumas passagens memoráveis do roteiro. Nesse último quesito, destaques para as
sequências em que o protagonista Jack (Anthony Mackie) se torna um bem pago reprodutor
para filhos de lésbicas, trazendo uma bem sacada combinação de ironia perversa
e quente sensualidade (Spike Lee sempre teve ótima mão para filmar cenas de
sexo).
quinta-feira, dezembro 15, 2016
Visões do passado, de Michael Petroni ***
O roteiro de “Visões do passado” (2015) está recheado dos
clichês temáticos básicos dentro do gênero horror que sintetiza o sobrenatural
e o psicológico: almas penadas, ambientação que junta o real e o metafísico no
mesmo plano, segredos e traumas mal digeridos do passado. O diretor Michael
Petroni tem a manha de saber conciliar tais traços óbvios da trama com uma
narrativa enxuta, formalismo bem estruturado e atmosferas sombrias capazes de
gerar alguma tensão para o espectador. Além disso, conta com um bom ator (Adrien
Brody) no papel principal, dando uma certa profundidade existencial para o
protagonista. Ou seja, no geral, não apresenta novidades e nem vai entrar para
história dentro do gênero, mas é bem mais divertido e envolvente do que as
produções “modernas” de horror que tanto apelam para a câmera subjetiva para
esconder a sua incompetência narrativa.
quarta-feira, dezembro 14, 2016
Conspiração e poder, de James Vanderbilt **
Um gênero que tem cadeira cativa no cinema norte-americano
nas últimas décadas é o dos dramas históricos-políticos. De certa forma, sempre
há algum diretor com a pretensão de realizar uma obra no nível de importância
artística e temática de um clássico como “Todos os homens do presidente” (1976).
“Conspiração e poder” (2015) é mais uma produção que busca tal objetivo, ao
mostrar o polêmico caso em que o programa televisivo “60 minutes” acusou o
ex-presidente George W Bush de não servir durante a Guerra do Vietnã usando a
influência política de seu pai e que depois não conseguiu sustentar suas
alegações por falta de provas, com os jornalistas envolvidos caindo em
descrédito perante o público. O assunto é interessante e complexo, refletindo
muito do jogo de poder envolvendo a mídia e o Estado, mas o tratamento formal e
narrativo proposto pelo diretor James Vanderbilt é tão desprovido de vigor e
ousadia que acaba mais provocando uma sensação de enfado para o espectador do
que alguma tensão ou mesmo indignação. Falta dinâmica e até alguma ironia
dentro dos clichês melodramáticos nos quais o cineasta se afunda. É claro que o
filme pode despertar uma certa curiosidade pelo seu lado informativo para
aqueles que se interessam pelo cenário sócio-político contemporâneo. Como cinema,
entretanto, é uma experiência bastante frustrante.
terça-feira, dezembro 13, 2016
De Palma, de Noah Baumbach e Jake Paltrow ***1/2
A filmografia do diretor norte-americano Brian De Palma é
marcada por uma grande depuração da linguagem cinematográfica. Como ele mesmo
declara em um determinado do documentário “De Palma” (2015), para ele o roteiro
tem a função de preencher uma concepção estética e narrativa que vem em
primeiro lugar na sua mente. Os cineastas Noah Baumbach e Jake Paltrow,
realizadores da mencionada produção documental, se mostram em sintonia com tais
preceitos artísticos do seu protagonista, fazendo com que o filme se baseie
quase que exclusivamente em longos depoimentos de De Palma dissecando cada uma
das produções que dirigiu. Além do detalhar o contexto histórico de realização
delas, ele discute o seu método de trabalho, principalmente em termos de
encenação, truques estéticos e concepção visual. Impressiona a autoconsciência
que De Palma demonstra nessa entrevista em relação a sua carreira, no sentido de
como depura as suas influências, principalmente no caso de Hitchcock, e discute
com lucidez sobre a recepção de seus filmes por parte de público e crítica.
Nesse último quesito, boa parte daqueles filmes que muitos consideraram
fracassos artísticos e comerciais em suas respectivas épocas de lançamento com
o tempo mereceram uma revisão mais cuidadosa e tiveram os seus vários méritos
artísticos reconhecidos. Tal fenômeno se relaciona com a sofisticação da
abordagem formal de De Palma, cuja apreensão sensorial por parte das plateias
exige um olhar mais amplo do que o mero interesse por entretenimento rápido.
Para incrementar esse panorama artístico sobre o ato de fazer cinema, Baumbach
e Paltrow inserem trechos significativos de todos os filmes discutidos em cena,
bem como de obras que influenciaram De Palma. Assim, o espectador entra numa atordoante
viagem sensorial dentro da mente de pura lógica cinematográfica de De Palma.
segunda-feira, dezembro 12, 2016
Ninguém deseja a noite, de Isabel Coixet **1/2
No subtexto da trama de “Ninguém deseja a noite” (2015) há
um forte teor de contestação dos valores sócio-culturais do mundo ocidental. As
obsessões, caprichos e preconceitos da protagonista Joséphine (Juliette
Binoche) sintetizam os interesses mercantilistas e opressores dos países
europeus colonizadores em relação aos países explorados por tais nações, com
tais intenções de dominação sendo mascarados por hipócritas máscaras de
patriotismo, religiosidade e civilidade. O problema do filme é que a
contundência desse discurso temático acaba tendo a sua força diminuída a partir
de uma abordagem narrativa atrelada ao melodrama excessivamente convencional. A
obra da diretora espanhola Isabel Coixet até consegue apresentar algumas belas
sequências em termos plásticos diante de um conjunto eficiente de fotografia e
direção de arte, mas falta uma atmosfera de tensão e violência mais
convincente, que efetivamente consiga prender o interesse da plateia. Coixet se
contenta em enveredar por facilidades narrativas, como uma trilha sonora
pomposa e onipresente e exageros sentimentais, ao invés de apostar num registro
mais sóbrio que conseguiria reproduzir com mais verdade e paixão o eterno
embate entre o indivíduo dito “civilizado” e uma natureza inclemente que não se
rende a uma suposta meritocracia.
sexta-feira, dezembro 09, 2016
Time will burn, de Marko Panayotis e Otávio Sousa ***
Para muita gente, o rock and roll significa bandas que
vendem milhares de discos, que tem shows lotados em grandes espaços (arenas,
estádios), que são famosas em termos midiáticos e outras amenidades afins. Na
realidade, tal cenário representa uma exceção dentro da história desse gênero
musical, pois grande parte do que se já fez de melhor no rock está vinculado a
situações como a de tocar em muquifos para algumas dezenas, não ter vendagens
expressivas de suas gravações, ser ignorado pela imprensa e pelo público “normal”.
Ok, também é recorrente dizer que o rock foi absorvido pelo sistema, mas ele
sempre trará dentro de si um certo aspecto de marginalidade e contestação. Por
isso que o documentário “Time will burn” (2016) consegue ser tão cativante. O
filme retrata um recorte temporal e territorial bem delimitado – o cenário
underground de bandas paulistas e cariocas no período de 1990 a 1994 que se
aventuravam dentro um som barulhento bastante influenciado por grupos
estrangeiros como Jesus and Mary Chain, My Bloody Valentine e Stooges. Cantando
em inglês e desenvolvendo suas carreiras dentro de um esquema independente
envolvendo gravações em cassetes “demo” ou discos por selos alternativos, apresentações
em pequenos bares e boates e divulgação por fanzines, cartazes e flyers
xerocados, nenhuma delas atingiu o sucesso comercial ou entrou para os anais da
história “oficial” do rock and roll, mas acabaram se tornando cultuadas e
influentes para alguns de seus seguidores. Para contar essa história, os
diretores Marko Panayotis e Otávio Sousa articulam uma narrativa eficaz e
envolvente e um acabamento estético que sabe sintetizar requinte e o espírito “do
it yourself”, concentrando-se basicamente na trajetória das quatros principais
bandas desse movimento (Pin Ups, Killing Chainsaw, Mickey Junkies e Second
Come) e sabendo valorizar a crueza e espontaneidade nas filmagens de
depoimentos e os impressionantes registros de época com as apresentações de
tais bandas. Além disso, o filme consegue amarrar um coerente conceito existencial
e artístico que dá a devida dimensão histórica daquele fenômeno cultural,
mostrando como ele ainda é ressonante na atualidade.
quinta-feira, dezembro 08, 2016
Animais fantásticos e onde habitam, de David Yates **1/2
É bem provável que o séquito de devotos da franquia “Harry
Potter” esteja bem satisfeito com “Animais fantásticos e ondem habitam” (2016).
Para que não houvesse muitas polêmicas, os produtores colocaram como diretor o
britânico David Yates, que foi o responsável pelos últimos capítulos da série
do jovem bruxo, para que fosse entregue justamente aquilo que o seu público
esperava. Ou seja, é mais uma produção no gênero fantasia a manter um padrão
estético/temático competente e asséptico feito para não chocar a grande maioria
da audiência. Dentro dessa previsível fórmula narrativa dá até para dizer que
há alguns destaques, como a beleza plásticas de algumas soluções visuais,
movimentadas cenas de ação que por vezes divertem e um elenco de atuações
carismáticas. Mas no geral o que predomina é uma sensação de um formalismo
pouco imaginativo e de emoções plastificadas, algo como mais uma cópia pálida
da ambientação e dos maneirismos típicos da trilogia “O senhor dos anéis”. Em
alguns momentos, a trama mostra alguns vislumbres mais sombrios e
interessantes, que até sugerem uma certa perspectiva de que a narrativa
enverede por caminhos mais ousados. Essa impressão, contudo, é logo apagada
pela pegada burocrática da direção de David Yates que retira as poucas
possibilidades de uma atmosfera de tensão que efetivamente prenda a atenção do
espectador. Pode ser que “Animais fantáticos...” renda algumas semanas de
debates e discussões entre nerds, geeks e assemelhados, mas logo cairá no
esquecimento quando entrar em cartaz
mais uma produção de “Star War”, “Jogos vorazes” ou afins. É assim as
coisas seguem...
quarta-feira, dezembro 07, 2016
O filho eterno, de Paulo Machline *1/2
O que torna “O filho eterno” (2016) uma adaptação
cinematográfica frustrante do romance original de Cristóvão Tezza não é
simplesmente o fato de tal versão não ser fiel ao livro em questão, mas o fato
de representar uma medíocre antítese da proposta artística contundente de
Tezza. Afinal, a mencionada obra literária apresenta uma engenhosa combinação
entre a ficção e o real para tratar da complexa relação entre o escritor e seu
filho com Síndrome de Down, com sutilezas narrativas da prosa que apresentam
uma carga simbólica e existencial desconcertante e que também versam sobre o
confronto do conteúdo idealista e apolíneo da arte com a crueza emocional do
cotidiano e dos sentimentos humanos. Nada disso está presente no filme de Paulo
Machline, que se contenta em enquadrar a história do original literário numa
formatação asséptica e previsível, diluindo a contundência dos conflitos e
dilemas da temática numa fórmula de soluções fáceis e edificantes, fazendo tudo
parecer uma novelinha global qualquer.
segunda-feira, dezembro 05, 2016
Amnésia, de Barbet Schroeder ***
A trama de “Amnésia” (2015) estabelece uma insólita ponte
entre a Alemanha nazista dos anos 30 e 40 com a ensolarada e hedonista praia
espanhola de Ibiza nos anos 90, simbolizada no platônico relacionamento amoroso
entre Jo (Max Riemelt), um jovem DJ, e Martha (Marthe Keller), uma retraída
senhora de 70 anos, ambos germânicos “exilados” no paradisíaco litoral. O que
poderia adquirir contornos de bizarrice melodramática ganha contornos bem mais
sóbrios e profundos a partir da sutileza da abordagem narrativa do diretor
Barbet Schroeder. A direção de fotografia valoriza com sensibilidade os belos
cenários naturais de Ibiza, mas não cai no mero registro “cartão postal”,
estabelecendo, na verdade, um inquietante contraponto entre essa ambientação
agradável com o passado obscuro de Martha e a ambiguidade de sua relação com
Jo. Outro ponto alto artístico é a maneira como a música se insere no filme,
servindo como uma espécie de elo simbólico a retratar a cumplicidade entre o
par de protagonistas e também o processo de reaproximação existencial de Martha
com o mundo. Nesse sentido, os belos temas eletrônicos da trilha sonora realçam
tanto o particular contexto cultural dos cenários da trama, afinal Ibiza é o
grande ponto de convergência mundial da música eletrônica dançante, como um
certo caráter libertário de “Amnésia” na exposição das relações humanas.
sexta-feira, dezembro 02, 2016
A chegada, de Denis Villeneuve ***1/2
Talvez o grande problema para que o canadense Denis
Villeneuve se firmasse como um dos cineastas mais promissores a surgirem nos
últimos anos é uma excessiva pretensão “autoral”. Não que ambição artística
seja um problema, mas em seus filmes dava para perceber uma boa mão na
encenação e um trabalho diferenciado na direção de atores e que por vezes
falhavam como narrativa diante de um certo tom solene e excessivamente reflexivo
que deixava o ritmo de suas histórias um tanto truncado, além dos seus respectivos
roteiros se perderem em excessos novelescos. A ficção científica “A chegada”
(2016) é o filme de Villeneuve que melhor consegue resolver esse nó criativo. Assim
como em sua produção imediatamente anterior, “Sicário” (2015), fotografia e
trilha sonora são grandes pontos altos da obra, ajudando a compor uma atmosfera
melancólica e algo metafísica para uma trama versando sobre a chegada de
alienígenas na Terra, apresentando algumas referências visuais e mesmo de
ambientação que lembram Terrence Malick e Andrei Tarkovsky. A sofisticação de
tais elementos estéticos consegue se encaixar com naturalidade dentro de uma
lógica narrativa que se liga a uma estrutura de filme de gênero, ou seja, o tom
contemplativo está em sintonia com uma dinâmica tradicional da ficção
científica contemporânea. É de se ressaltar ainda a ousada concepção imagética
dos efeitos especiais e um roteiro que consegue dosar de maneira equilibrada os
clichês habituais da aventura fantástica com a pretensão e complexidade
temáticas a envolver viagens no tempo, comentário sócio-político e utopia sci
fi.
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