Raras obras foram tão reveladoras dos bastidores da indústria
cinematográfica quanto “Lost in La Mancha” (2012). E também da própria paixão
pelo cinema. A intenção dos diretores Keith Fulton e Louis Pepe era fazer o
registro das filmagens da versão para as telas do clássico literário “Dom
Quixote” pela ótica muito particular do cineasta Terry Gillian. Acabaram,
entretanto, documentando as etapas que levaram a produção em questão ao
fracasso de não se realizar. Apesar do conteúdo melancólico de sua história, “Lost
in La Mancha” empolga pela dimensão épica e trágica do calvário de Gillian para
colocar em ação aquilo que habitava o seu imaginário. Por vezes, pode-se ver o
que o filme poderia ter sido caso tivesse se efetivado, principalmente nas seqüências
em que Gillian utiliza alguns nativos da região onde filma como gigantes. E
isso acentua ainda mais a frustração tanto do diretor quanto dos apreciadores
de cinema. Os empecilhos que surgem são de natureza diversa: uma tempestade que
destrói um set de filmagens, atrasos na chegada de membros do elenco, falta de
dinheiro, logística que se mostra insuficiente, o ator principal que acaba
ficando doente gravemente. Aqueles que acham que fazer um filme se limita a
inspiração e questões artísticas terão uma dura desilusão, pois “Lost in la
mancha” evidencia que questões administrativas se mostram tão vitais para uma
obra cinematográfica quanto a criatividade de um diretor.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, novembro 29, 2013
quinta-feira, novembro 28, 2013
O planeta dos vampiros, de Mario Bava ***
É inegável que “O planeta dos vampiros” (1965) pareça
bastante datado para os dias de hoje. É uma obra que transita entre o horror e
a ficção científica, mas que se mostra incapaz de gerar tensão ou medo para as
platéias contemporâneas, ao contrário de outros trabalhos do diretor italiano
que até hoje mantém o poder perturbador e inquietante como “Kill, Baby, Kill” (1966)
e “Lisa e o demônio” (1973). O que mantém o interesse de “O planeta dos
vampiros” é a sua construção visual. A partir de recursos típicos de filmes B, a
produção é marcante pelas atmosferas góticas e pela fotografia de tons pictóricos,
que geram um estranho encanto estético, e que faz até pensar se Ridley Scott não
utilizou a obra em questão como referência formal na concepção do extraordinário
“Prometheus” (2012).
quarta-feira, novembro 27, 2013
Gravidade, de Alfonso Cuarón ***1/2
Boa parte dos comentários que foram feitos em relação à “Gravidade”
(2013) faz supor que o filme representa para a ficção científica deste século o
que “2011 – Uma odisséia no espaço” (1968) representou para o gênero no século
passado. É claro que se trata de um grande exagero. As propostas de tais produções
são bem diferentes entre si. A referida obra dirigida por Stanley Kubrick era
um drama espacial de cunho existencial e filosófico, enquanto o filme concebido
pelo diretor mexicano Alfonso Cuarón se enquadra, em essência, entre a ficção
científica e a aventura, com toques de melodrama. A propensão para o escapismo,
entretanto, não constitui demérito para “Gravidade”. No campo sensorial,
trata-se realmente de um trabalho de peso: a beleza gráfica da criativa direção
de fotografia (que varia com elegância e ousadia entre movimentos “gravidade
zero” e momentos de pura contemplação) e dos efeitos especiais parecem jogar o
espectador no meio do espaço sideral, representando um novo estágio técnico e
artístico para o gênero e mostrando que realismo e diversão podem conviver sem
problemas. Por outro lado, a narrativa emperra em alguns momentos, pois a trama
pedia uma abordagem mais naturalista e por vezes as coisas caem para um misto
de intimismo lacrimoso e épico excessivo. Numa trama que se baseia em uma
astronauta que se encontra à deriva no espaço, há diálogos e música demais. Faz
imaginar que o estilo mais seco e objetivo de um Herzog seria mais adequado. Mesmo
com essas ressalvas, “Gravidade” é uma obra memorável e que traz de bônus o
indiscutível mérito de Cuarón em ter extraído uma interpretação bastante
expressiva de Sandra Bullock.
terça-feira, novembro 26, 2013
O capital, de Costa-Gavras ***1/2
Os admiradores mais radicais do diretor grego Costa-Gavras
podem considerar sua obra mais recente, “O capital” (2012), um tanto
convencional. Na verdade, desde os anos 80 os filmes do cineasta passam por uma
espécie de suavização. Isso, claro, se compararmos tais obras com aquelas
produções clássicas setentistas que ele dirigiu como “Z”, “Estado de sítio” e “Sessão
especial de justiça”, em que combinava temática política com um formalismo
seco, beirando o estilo documental. Mas mesmo dentro de uma abordagem mais
tradicional Costa-Gavras consegue se mostrar acima da média. “O capital” se
formata como um thriller de suspense tendo como trama intrigas no mundo
corporativo dos grandes bancos mundiais. O assunto do roteiro, assim, é
bastante oportuno, afinal se relaciona com um dos grandes temas contemporâneos,
a crise econômica mundial que predomina desde 2080 até os dias de hoje. Não há
a pretensão de se fazer explicações sobre as causas de tal crise, com a história
tendo mais uma função simbólica sobre os valores e interesses de uma sociedade
marcada pela ganância e ascensão econômica. Costa-Gavras trabalha com boa parte
dos clichês do gênero thriller, com direito a viradas inesperadas na trama (que
na realidade nem são tão surpreendentes assim), trabalhando tais obviedades,
entretanto, com ironia e precisão estética. Assim, mesmo dentro de uma confortável
maturidade artística, o cineasta mostra que ainda tem lenha para queimar.
segunda-feira, novembro 25, 2013
Por que você partiu?, de Eric Belhassen **1/2
A proposta artística do documentário “Por que você partiu?” (2012)
é interessante e tem algo de original – a trama trata das trajetórias pessoais
e profissionais de sete chefs de cozinha franceses que se estabeleceram no
Brasil, servindo tanto quanto um panorama social sobre a atividade de
profissional culinário estrangeiro num país como o nosso quanto o retrato
intimista desses seres “exilados”. A partir disso, o próprio diretor Eric
Belhassen, um francês radicado em terras brasileiras, faz uma espécie de acerto
de contas sentimental com a família e o passado para tentar entender o motivo
pelo qual deixou o seu país e se estabeleceu por aqui. O tratamento formal da
produção não tem muita criatividade formal, estando distante do interesse que a
originalidade de sua temática desperta, mas o documentário não deixa de ser uma
obra curiosa e com alguns momentos memoráveis. As figuras dos cozinheiros são
marcantes e cada um deles apresenta peculiaridades comportamentais e históricos
pessoais diferenciados, o que ajuda a compor um mosaico amplo. E por mais que a
função do cinema não seja a de ser meramente informativo, não deixa de ser uma
qualidade do filme o seu caráter didático no sentido de mostrar como funciona
pelo menos parte dos mecanismos de ascensão da alta culinária no Brasil.
sexta-feira, novembro 22, 2013
Rebobine isso!, de Josh Joshson **1/2
A temática de “Rebobine isso!” (2013) é bastante curiosa: a
trajetória histórica do VHS. Em meio a tantas notícias atuais envolvendo novas
tecnologias para ver filme, tal assunto, em um primeiro momento, pode beirar o
anacronismo. Isso sem contar que em termos formais o documentário em questão
deixa a desejar: não há praticamente ousadias estéticas e por vezes a produção
se perde como narrativa, enfatizando longos depoimentos de alguns entrevistados
que beiram o desinteressante. A obra, entretanto, acaba gerando empatia por
alguns detalhes bastante particulares. Primeiramente por uma questão nostálgica:
vários cinéfilos na faixa dos 30 a 40 anos (inclusive este que vos escreve)
desenvolveram o seu gosto por filmes através de várias sessões com fitas VSH na
sua juventude. Tal formato também se vinculou a determinados gêneros de filmes,
como produções baratas e/ou obscuras de ficção científica, horror, fantasia, ação
e até artes marciais. Assim, é inegável que uma certa aura de magia envolva as
recordações sobre o período em que as fitas estiveram no auge de uso e
popularidade. Nesse sentido, “Rebobine isso!” consegue estabelecer um
interessante painel de fãs e profissionais do cinema que tiveram uma ligação
muito forte com o mercado dos VHS. Além disso, o documentário extrapola o mero
interesse sentimental sobre o assunto, conseguindo contextualizar a importância
da tecnologia junto à própria indústria do cinema da época, bem como estabelece
a comparação entre a decadência e fim inexoráveis do VHS com os atuais preceitos
comerciais e administrativos da referida indústria. No final das contas, ao
falar sobre um passado nem tão distante, “Robobine isso!” se torna bastante
emblemático dos tempos atuais.
quinta-feira, novembro 21, 2013
É o fim, de Seth Rogen e Evan Goldberg ***1/2
Seth Rogen é um cara esperto. Com freqüência, ele é acusado
de sempre interpretar o mesmo tipo de papel, e de que os seus roteiros têm um
conteúdo auto-referencial e machista. E daí o que ele decide fazer em sua estréia
como diretor? Ora, ele simplesmente trabalha em cima de uma trama em que ele e
seus melhores amigos-atores interpretam a si mesmo, fazendo com que tudo aquilo
do qual lhe acusavam como defeito seja encarado como legítima matéria-prima
para o seu filme. O resultado, entretanto, está longe do mero exercício de
narcisismo. “É o fim” (2013) é uma explosiva mistura de metalinguagem e tiração
de sarro. Em meio a um pastiche de roteiro de temática apocalíptica, Rogen, ao
lado do codiretor Evan Goldberg, ironiza de forma ácida o meio artístico em que
vive, pleno de hedonismo, megalomania e vazio existencial, mas fazendo questão
de deixar claro que também brinca com o imaginário da platéia (afinal, quem
nunca quis ter a vida de astro de Hollywood?). A caracterização do elenco que
interpreta a si mesmo é caricatural, exagerada: Rogen e sua turma trabalham
mais com a idéia a qual o público e imprensa fazem deles como pessoa do que com
algum conceito da realidade de como eles são efetivamente em suas vidas
particulares. Nessa onda, as citações e referências a outros filmes que eles
tenham participado podem soar nerd ou geek, mas na realidade também dão à obra
uma espécie de aura de crônica comportamental a refletir uma época específica. Além
disso, Rogen e Goldberg encontram soluções formais inquietantes, em que o tom
de filmagem caseira bem feita de algumas sequências se mostre em sintonia admirável
com a ambientação de horror apocalípticos de outras cenas. Todos esses aspectos
estéticos e temáticos dão a “É o fim” um caráter delirante, mas sem que o filme
perca a sua noção de comédia popular. Tanto que a conclusão do filme, com os
Backstreet Boys caracterizados como anjos e promovendo um tremendo baile no
paraíso, reflete com precisão essa natureza híbrida, esquisita e divertida da
obra.
quarta-feira, novembro 20, 2013
Mato sem cachorro, de Pedro Amorim **1/2
Enquadrado no gênero das comédias românticas, “Mato sem
cachorro” (2013) por vezes envereda pelos equívocos comuns de tal tipo de
filme. Por outro lado, é inegável que a produção traz uma tensão criativa
ausente na grande maioria das obras cômicas brasileiras que tem aparecido nos
cinemas, principalmente naquelas oriundas da Globo Filmes (por sinal, o filme
em questão também tem essa origem). No meio dos quiproquós habituais, dá para
sentir um olhar um pouco mais agudo sobre os relacionamentos amorosos. Os
motivos que levam o casal Zoé (Leandra Leal) e Deco (Bruno Gagliasso) a se
separar são bem humanos e pertinentes aos nossos tempos. Afinal, fala-se muito
em comodismo, no desgaste natural do tempo, o que faz com que a obra ganhe uma
empatia maior. Além disso, em algumas cenas, o diretor Pedro Amorim consegue
integrar essa temática mais crua com a formatação cômica com alguma
naturalidade. Também colabora o elenco: Gagliasso e Gabriela Duarte fogem
daqueles registros insossos habituais da televisão e oferecem certa
visceralidade em seus papéis, enquanto Leandra Leal mostra que é capaz de dar
consistência e encanto para qualquer papel – sua presença cênica é simplesmente
magnética.
terça-feira, novembro 19, 2013
A bela que dorme, de Marco Bellochio ***1/2
Depois do barroquismo arrojado de “Vincere” (2009) e da
simplicidade tocante de “Irmãs jamais” (2010), o diretor italiano Marco
Bellochio enveredou por caminhos mais tradicionais em “A bela que dorme”
(2010). Dentro desse aparente convencionalismo, o cineasta engedra uma
narrativa sóbria e elegante, que por vezes até resvala num tom de melodrama, e acaba
criando um panorama bastante crítico da atual sociedade italiana. A eutanásia é
o mote central da trama e a partir de tal assunto o filme se equilibra entre o
intimismo e questionamentos sociais e políticos, sem soar necessariamente
panfletário. Para Bellochio não interessa agitar uma bandeira, mas sim enfocar
as contradições e dilemas de um país dividido por crenças religiosas e jogadas
políticas. Se o filme não traz as ousadias formais de outras obras do diretor,
por outro lado se torna memorável pela serena contundência de sua abordagem.
segunda-feira, novembro 18, 2013
O verão do Skylab, de Julie Delpy ****
As relações que se estabelecem entre “O verão do Skylab”
(2011) com outras produções que estrearam em Porto Alegre em 2013 tanto podem
parecer coincidências como também podem sugerir conseqüências naturais. No
primeiro caso, não há como não lembrar do extraordinário “Depois de maio”
(2012), que fazia um retrato poético e amargo dos primeiros anos após o
conturbado maio de 1968 na França, enquanto o filme de Julie Delpy focaliza um
dia na virada entre 1979 e 1980 e mostra ainda, através do microcosmo de uma
reunião familiar, uma sociedade dividida entre aqueles impregnados por um ideário
libertário e outros bastante críticos e conservadores sobre tais ideais. Já “Antes
da meia-noite” (2013) mostrou muito da capacidade autoral de Julie Delpy, que
além de atuar também colaborou de forma decisiva no roteiro. Tais referências
enriquecem ainda mais a apreciação de “O verão do Skylab”, mas tal obra pode
ser apreciada perfeitamente prescindindo de tais comparações. Trata-se de uma
produção de admirável maturidade em sua concepção. Delpy se vale de uma
premissa já utilizada várias vezes (a reunião familiar que oscila entre a
diversão, a nostalgia e a ironia) e ainda assim entrega um filme vigoroso e
arejado. O filme é divertido ao extremo mostrando as brincadeiras, piadas e
brigas típicas nesse tipo de reunião, assim como traz a dose de certa de
melancolia ao focalizar as ilusões perdidas de alguns personagens. E nesse
conjunto de um drama familiar, apresenta com sutileza um subtexto de forte
conteúdo político e social ao radiografar os valores e contradições da
sociedade francesa. E é claro que não daria para esquecer o fenomenal trabalho
de direção de elenco, com um destaque especial para a ala infanto-juvenil –
Delpy se coloca com honras numa tradição do cinema francês de cineasta que
retratam com doçura e contundência o universo de crianças e adolescente, vide
obras como “Zero de comportamento” (1933), “Os incompreendidos” (1959) e “Ponette”
(1996).
quinta-feira, novembro 14, 2013
Uma viagem com Martin Scorsese pelo cinema americano, de Martin Scorsese e Michael Henry Wilson ****
É claro que para muitos (inclusive esse que vos escreve) “Uma
viagem com Martin Scorsese pelo cinema americano” (1995) cumpre uma espécie de
função didática. Afinal, o documentário consegue ser bastante abrangente e
aprofundado sobre a fascinante temática que aborda. Além disso, Scorsese e o
co-diretor Michael Henry Wilson conseguem dar uma dinâmica diferenciada para a
produção em termos de roteiro e edição. Colabora também a paixão e o
conhecimento de causa que o genial cineasta norte-americano coloca em cada
palavra nos seus depoimentos. Mas ainda mais interessante do que encarar o
documentário como uma aula sobre a história do cinema norte-americano e ver
como se ele se relaciona com a própria filmografia de Scorsese e a sua história
pessoal. É como se em cada um dos filmes que ali são analisados pudéssemos ver
fragmentos das inspirações e obsessões temáticas e formais que posteriormente
compuseram alguns clássicos do cinema como “Caminhos perigosos” (1973), “O
touro indomável” (1980), “A época da inocência” (1993) e “Os infiltrados”
(2006). No final das contas, não deixa de ser uma viagem pela mente criativa de
um dos maiores criadores da cinematografia contemporânea.
quarta-feira, novembro 13, 2013
Tá chovendo hamburguer 2, de Cody Cameron e Kris Pearn **1/2
Pode ser que para alguns o mote de “Ta chovendo hambúrguer 2” (2013), assim como na
primeira parte, possa parecer um tanto cretino. Mas pense nessa premissa: numa
ilha, alimentos ganham vida, tanto podendo ser novos tipos de vegetais quanto
os mais esquisitos animais. Dependendo das cabeças criativas envolvidas, daria
para criar um verdadeiro épico surrealista, algo na linha da versão genial da
Disney para “Alice no país das maravilhas” (1951). O problema é que não era
exatamente isso que os diretores Cody Cameron e Kris Pean pensaram para a animação
em questão... A produção até encanta eventualmente pela sua beleza gráfica, por
uma certa estilização que foge por vezes dos padrões habituais contemporâneos
do gênero. Mas o que predomina é um convencionalismo incômodo. Por mais que as
boas ideias apareçam aqui e ali, tudo acaba tendo se formatar para os limites
restritivos típicos de uma obra infanto-juvenil vinda de um grande estúdio. E
se até a outrora criativa Pixar vem padecendo de tais limitações, o que dirão
os outros estúdios – claro que há as honrosas exceções, como demonstra o
extraordinário “Detona Ralph” (2012).
terça-feira, novembro 12, 2013
Eu, Anna, de Barnaby Southcombe ***
Em termos de roteiro e narrativa, dá para dizer que o
diretor Barnaby Southcombe navega em mares tranquilos e previsíveis em “Eu,
Anna” (2011). É evidente também, entretanto, que faz isso com considerável elegância.
Um dos pontos fortes do filme está na construção de atmosfera – por mais que se
saiba que o mistério que envolve a figura da protagonista nem seja tão
surpreendente assim, a tensão climática que envolve a trama chega a ser
perturbadora na sua combinação de sensualidade, sordidez, culpa e expiação. Southcombe
sabe alternar suspense sóbrio com momentos de violência gráfica impactante. O
outro trunfo da produção está no seu par de atores principais, Charlotte
Rampling e Gabriel Byrne, que com atuações calculadamente contidas se mostram
em perfeita sintonia com a natural sutileza da obra.
quinta-feira, novembro 07, 2013
Cinemania, de Angela Christlieb e Stephen Kijak ****
O título desse documentário, sua sinopse e mesmo os
primeiros momentos do filme podem fazer supor que se verá uma espécie de
declaração de amor ao cinema, ou quem sabe haverá discussões e comentários
interessantes sobre clássicas produções ou pérolas obscuras. Pois bem, “Cinemania”
(2002) até tem um pouco disso tudo, mas na essência é algo como uma sombria e
irônica crônica sobre desajustados e perturbados. Como o documentário se passa
em Nova Iorque, dá para dizer que se trata do outro lado do american way of
life. Em algumas oportunidades os cinéfilos focados são bem articulados em suas
considerações, em outras nem tanto, mas o que fica em evidência na maioria das
cenas é uma relação compulsiva com o ato de ver filmes. Quando eles falam sobre
isso, pode-se perceber que raramente há uma efetiva reflexão sobre o que
assistem nas telas, com os cinéfilos apenas enumerando produções, contando
causos excêntricos sobre suas relações obsessivas com cinema. O que predomina
no documentário são criaturas solitárias, tristes, por vezes engraçadas, em
outras até assustadoras. E os diretores Angela Christlieb e Stephen Kijak não
se limitam a apenas colher depoimentos reveladores – eles têm senso cinematográfico
notável nos registros ambientais que fazem, tanto das residências sujas e
repletas de quinquilharias dos seus protagonistas como deles se movendo em seu “habitat
natural” (no caso, salas de cinema).
quarta-feira, novembro 06, 2013
CQ, de Roman Coppola ***
Tanto atuando roteirista como cineasta, Roman Coppola pauta
sua carreira cinematográfica pela ironia, por um certo distanciamento emocional
e pelo culto a estilização formal. “CQ” (2001) é um exemplar bem acabado dessas
suas obsessões artísticas. Tendo por trama as desventuras de um norte-americano
que vive na mítica Paris de 1969 e pretende ser um cineasta autoral
reconhecido, Roman encontra o pretexto ideal para homenagear algumas de suas
fontes inspiradoras: o existencialismo, a estética pop art de “Barbarella”, a
Nouvelle Vague. Enfim, um culto tanto a ver filmes como a fazer filmes. Às
vezes pode parecer meio superficial e sem densidade dramática, mas é inegável
que em outras oportunidades essa viagem nostálgica de Roman gera sequências de
forte encanto visual.
terça-feira, novembro 05, 2013
Vivendo no abandono, de Tom DiCillo ***
Na história do cinema, há filmes que por seus méritos artísticos
não chamam tanto a atenção, mas que com o tempo acabam ganhando um status
diferente por serem emblemáticos de uma época. “Vivendo no abandono” (1995) é
um bom exemplo desse tipo de produção, pois acaba sendo um retrato bastante
fiel de uma época muito fervilhante para o cinema independente norte-americano
(no presente caso, a década de 90). Tanto que a trama ficcional da obra versa
justamente sobre a conturbada realização de um filme de baixo orçamento. O
roteiro traz até citações e referências a nomes expressivos da cinematografia
dos EUA na época, indo de piadas sobre Quentin Tarantino e chegando numa
formatação narrativa que evoca algo do surrealismo particular de David Lynch
(aliás, tem até uma tiração de sarro explícita com a célebre sequência de sonho
com um anão de “Twin Peaks”). Isso sem contar que encabeça o elenco um ator que
foi chave para esse tipo de cinema praticado na época, o excelente Steve Buscemi.
Cabe ressaltar, entretanto, que “Vivendo no abandono” não se limita apenas a
citações e piadinhas. O diretor Tom DiCillo consegue dar unidade para esse mar
de referências, tendo como resultado final uma obra que se mostra uma sardônica
e singular declaração de amor às agruras e delícias de se fazer um filme.
segunda-feira, novembro 04, 2013
R.I.P.D. - Agentes do além, de Robert Schwentke *1/2
É claro que não dá para condenar um filme simplesmente por
ele ser genérico. Há várias obras que abusam dos clichês e mesmo assim impactam
positivamente pela competência e vigor da sua realização. Bem, esse não é o
caso de “R.I.P.D. – Agentes do além” (2013). O filme é uma colcha de retalho
mal-costurada de lugares comuns e chupações descaradas. Dá para dizer que
basicamente se trata de uma mistura indigesta entre “Homens de preto” (1997) e “Ghost
– Do outro lado da vida” (1990). Mas o negócio não vinga não por uma falta de
originalidade, mas sim pela flagrante incapacidade do diretor Robert Schwentke
em criar uma narrativa envolvente ou pelo menos algumas sequências de efetiva
tensão, predominando uma encenação desprovida de qualquer vigor. O filme tem
alguns efeitos especiais interessantes, além de contar no elenco com os carismáticos
Jeff Bridges e Kevin Bacon (apesar do espectador se indagar de forma constante
por que eles se meteram nessa presepada), mas é muito pouco para compensar os vários
equívocos que apresenta. Pelo menos, serve para confirmar que Schwentke é um
cineasta que não tem salvação mesmo – afinal, é o mesmo cara que concebeu
outros abacaxis como “Plano de vôo” (2004) e “Red – Aposentados e perigosos” (2013).
sexta-feira, novembro 01, 2013
Aconteceu em Saint-Tropez, de Danièle Thompson ***
Na superfície, “Aconteceu em Saint-Tropez” (2012) se formata
e desenvolve como uma comédia romântica repleta daqueles clichês recorrentes:
mal-entendidos, coincidências, paixões fulminantes, algumas lições de moral. O
trunfo do filme, entretanto, está em pegar essas bobices e frivolidades e
dar-lhes uma verve bastante sarcástica e espirituosa. A encenação proposta pela
diretora Daniele Thompson combina leveza e uma pegada cerebral de forma
equilibrada. Assim, a trama se permite, por vezes, um tom sombrio e até mórbido
sem que pareça que a produção entre em descompasso. Fundamental para que
Thompson mantenha esse frágil e tênue equilíbrio cômico-dramático é o
desempenho de seu elenco, que sabe variar de forma admirável entre o tom
caricatural e uma certa densidade dramática.
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