É de se elogiar a pretensão do diretor Marcelo Galvão pela
concepção do que deveria ter sido “Bellini e o demônio” (2008), algo como uma
releitura abrasileirada do misto de cinema noir e horror sobrenatural do
clássico “Coração satânico” (1987), com direito ainda a toques da estética
metafísica-delirante de David Lynch. As bem sacadas referências da obra,
entretanto, não encontram uma execução à altura de suas intenções artísticas. O
filme padece de uma narrativa trôpega e encenação vacilante, além da canastrice
irremediável do elenco e do roteiro estapafúrdio. Diante de tais equívocos
formais e temáticos, o resultado final é de uma ruindade constrangedora que por
vezes acaba caindo na comicidade involuntária – no final das contas, isso até
faz com que assistir ao filme de Galvão até seja uma experiência divertida!
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, setembro 29, 2017
quinta-feira, setembro 28, 2017
Joe, de David Gordon Green ***
No melhor de sua filmografia, o diretor norte-americano
David Gordon Green se mostrou um inspirado reciclador de preceitos narrativos
clássicos de gêneros como o melodrama (“Prova de amor”), policial (“Contra
corrente”) e comédia (“Segurando as pontas”). “Joe” (2013) não está no mesmo
nível artístico das obras mencionadas, mas ainda assim é uma obra eficiente
como drama no estilo realista. O roteiro cai em alguns recursos óbvios em
termos de estruturação de situações e personagens, o que é compensado pelo
vigor da encenação concebida por Green. Além disso, há alguns detalhes que dão
um realce diferenciado para a produção, como a sombria trilha sonora e as
sóbrias composições dramáticas do elenco – nesse último quesito, Nicolas Cage
surpreende por sair daqueles registros entre a preguiça e o exagero de boa
parte de suas recentes atuações.
quarta-feira, setembro 27, 2017
Zoolander 2, de Ben Stiller **1/2
Pode-se dizer que a trajetória de Ben Stiller como cineasta
é bem mais interessante do que na função de ator. Se interpretando ele se
mantém dentro de uma linha linear entre dramas realistas e previsíveis comédias
“família”, com algumas exceções, quando assume a direção os rumos artísticos
que toma são mais ousados, vide o humor delirante de obras memoráveis como “Zoolander”
(2001) e “Trovão tropical” (2008). Dentro desse contexto, “Zoolander 2” (2016)
acaba parecendo bem frustrante em seu resultado final. Stiller requenta piadas
e maneirismos do primeiro filme, por vezes até acaba obtendo algumas sequências
memoráveis em termos de comicidade nonsense, mas está bem longe daquela antológica
atmosfera alucinada de seus melhores longas.
terça-feira, setembro 26, 2017
Mãe!, de Darren Aronofsky ***1/2
Quem for assistir a “Mãe!” (2017) achando que se trata de um
filme de terror tradicional vai dar com os burros n’água. O filme do diretor
Darren Aronofsky está mais para uma equação bizarra: imagine alguma obra típica
de Lars Von Trier, como “Anticristo” (2009) ou “Melancolia” (2011), refilmada
por James Cameron. O resultado dessa combinação aparentemente improvável pode
não ser exatamente uma obra-prima, mas ainda assim é um trabalho perturbador e fascinante
em seus exageros de encenação e na sua intrincada simbologia. Ao contrário de “O
lutador” (2008) e “Cisne negro” (2010), longas anteriores de Aronofsky marcados
por uma narrativa mais equilibrada e concepção estética mais sutil, “Mãe!” se
aproxima dos delírios barrocos e do ritmo narrativo irregular de “Fonte da vida”
(2006). Tal opção artística do cineasta não é gratuita ou acidental, pois o que
o diretor faz é jogar o espectador direto na mente caótica e fervilhante de
ideias e concepções megalomaníacas de um escritor (Javier Barden) para fazer um
cortante retrato existencial sobre o patriarcalismo e opressão religiosa na
sociedade ocidental. O contraponto que se estabelece entre o protagonista e sua
esposa (Jennifer Lawrence) se manifesta num primeiro momento como de caráter
intimista e aos poucos vai ganhando contornos cada vez mais épicos e complexos,
com o roteiro recheando várias sequências com metáforas visuais e mesmo
textuais desconcertantes que transformam “Mãe!” em uma sombria parábola moral
que se conecta com uma linhagem recente de filmes como “A bruxa” (2015) e “O
ornitólogo” (2016) que questionam de maneira ácida a pérfida e indissociável
relação entre obscurantismo religioso e os mecanismos de dominação
político-social.
sexta-feira, setembro 22, 2017
It - A coisa, de Andy Muschietti ***
A figura do escritor Stephen King não se restringe apenas ao
âmbito literário. O alcance de sua obra se estendeu a outras mídias, fazendo
com que o autor se configurasse numa espécie de universo cultural próprio,
tornando-se uma referência no imaginário popular ocidental, principalmente no
que diz respeito na caracterização das referências estéticas e temáticas dos
anos 80, época em que alguns dos seus principais livros e filmes baseados em
seus originais foram lançados. Nesse sentido, a nova versão cinematográfica de “It
– A coisa” (2017), um de seus livros mais conhecidos, é um exemplar expressivo
dessa síntese entre King e anos 80. O filme do diretor Andy Muschietti evoca na
sua estrutura narrativa e no seu roteiro uma combinação da exaltação da amizade
na adolescência de “Conta comigo” (1986), da aventura juvenil escapista de “Goonies”
(1985) e do terror sobrenatural explícito da franquia oitentista “A hora do
pesadelo”. Ou seja, pura nostalgia divertida reciclada com os efeitos especiais
contemporâneos. Dentro de tal concepção, é uma obra que até surpreende por
doses de violência gráfica maiores que o habitual nesse tipo de produção, por
vezes beirando até o escatológico. A trama evoca em determinadas passagens
questões espinhosas como racismo, pedofilia, incesto e opressão religiosa, mas
sempre de forma mais sutil, com a narrativa privilegiando a ação e o grafismo
sangrento. Tal direcionamento acaba fazendo com que “It” resvale por vezes no
convencionalismo excessivo, quando justamente as melhores passagens da obra
estão naquelas sequências que valorizam um horror mais atmosférico e
perturbador que se relaciona com os segredos e medos obscuros de uma
cidadezinha interiorana típica do “american way of life”.
quinta-feira, setembro 21, 2017
Feito na América, de Doug Liman ***
Pelo menos em termos da concepção e realização de seus
filmes, dá para dizer que o diretor Doug Liman é um grande admirador da obra de
Martin Scorsese. “Swingers” (1996), um de seus primeiros longas e talvez o seu
melhor trabalho como cineasta, fazia uma explícita homenagem à “Os bons
companheiros” (1990), uma das mais expressivas obras-primas de Scorsese, na
sequência em que um grupo de amigos atravessava as portas de serviços de um
restaurante para demonstrar o seu poder de influência. Em “Feito na América”
(2017), recente produção dirigida por Liman, essa aproximação com a aludida
influência se mostra novamente evidente. Roteiro e estrutura narrativa remetem
diretamente a filmes como “Os bons companheiros” e “O lobo de Wall Street”
(2013) – tramas baseadas em histórias reais mostrando as conturbadas
trajetórias pessoais de protagonistas que atingiram grandes picos de riqueza econômica
ao transitarem em um tênue limite entre a livre-iniciativa e a franca bandidagem,
em abordagens que trazem em seu subtexto uma visão crítica e irônica sobre a
relação intrínseca entre capitalismo e ilicitudes. No caso da obra de Liman, a
biografia do piloto de avião Barry Seal (Tom Cruise), misto de agente da CIA e
traficante de drogas, também traz à tona segredos obscuros da política
internacional dos Estados Unidos na era Reagan. Liman não tem o mesmo nível
artístico de Scorsese, que transformou seus citados filmes em vertiginosas
viagens sensoriais sobre a ambição humana e degradação ética – Liman é mais
tradicionalista e previsível na condução de sua narrativa. Ainda assim, “Feito
na América” tem momentos memoráveis, principalmente nas sequências de ação e na
boa caracterização de Cruise no papel principal. Aliás, em termos de ação
cinematográfica, não há como não fazer uma outra associação com Scorsese na
obra em questão nas divertidas cenas em que Seal aterrissa seu avião no meio de
uma cidadezinha do interior, evocando uma cena parecida em “O aviador” (2004).
terça-feira, setembro 19, 2017
Cauby - Começaria tudo outra vez, de Nelson Hoineff ***
A partir do surgimento da bossa nova no final dos anos 50, a
música brasileira sofreu um processo de polarização que perdura até hoje, em
que em uma visão simplificadora e reducionista, e por isso mesmo equivocada,
foi estabelecida uma divisão entre aquilo que é considerado “de qualidade” e
outro que é determinado como “brega”. O cantor Cauby Peixoto, que surgiu alguns
anos antes da bossa nova, foi um artista que, diante de tal concepção
restritiva, encontrou dificuldades em ser catalogado. Dessa forma, sua
importância e talento, localizados numa insólita área entre o popular e o
sofisticado, nunca tiveram um reconhecimento mais amplo por público e crítica. Esse
dilema existencial-artístico é captado com notável sensibilidade e perspicácia
pelo diretor Nelson Hoineff no documentário “Cauby – Começaria tudo outra vez”
(2013). Na concepção narrativa do longa, a vida pessoal e a trajetória
profissional do biografado se entrelaçam de maneira indissolúvel como uma coisa
só – o estilo misto de técnica impecável e exageros maneiristas de Cauby se
relaciona com sua personalidade sedutoramente ambígua. O roteiro passeia com naturalidade
e conhecimento de causa tanto pelos “causos” e fofocas que marcaram a biografia
de Cauby, sem parecer apelativo ou gratuito, como pela sua evolução como
intérprete. Nesse último aspecto, sintetiza exemplarmente detalhes e
singularidades de seus principais discos e canções, realçando a beleza
atemporal da arte do cantor para admiradores de primeira hora e neófitos.
No conjunto geral, a visão do documentário sobre o seu
protagonista traz em seu subtexto uma espécie de radiografia da alma popular do
brasileiro, com todas as suas grandezas e contradições, coisa que Hoineff já
havia feito também com muitos acertos em “Alô, alô, Terezinha!” (2009).
segunda-feira, setembro 18, 2017
As duas Irenes, de Fábio Meira ***
Os dois longas-metragens que mais ganharam prêmios e
chamaram à atenção na edição de 2017 do Festival de Gramado, “Como nossos pais”
e “As duas Irenes”, têm em comum o fato de que as premissas básicas de sua
trama versam sobre a oprimida condição feminina perante uma sociedade
patriarcal, além dos seus respectivos subtextos também indicarem possibilidades
de reação diante desse quadro. Se no primeiro filme há elementos temáticos de
modernidade que acabam se perdendo por vezes em uma narrativa que caem em
alguns apelativos truques melodramáticos, na obra dirigida por Fábio Meira a
abordagem artística-existencial se mostra mais sóbria e universal. O acabamento
formal da produção é tradicional e não mostra grandes arroubos estéticos, mas a
edição e fotografia formam um conjunto narrativo de ritmo sereno, quase
contemplativo, que se mostra em perfeita sintonia com o espírito de sutil e
ácida contestação presente no roteiro. A encenação valoriza a síntese de vigor
e delicadeza nas composições dramáticas das duas garotas protagonistas, além de
realçar os aspectos contraditórios da figura paterna dominadora e carismática
de Tonico (Marco Ricca). Em alguns momentos, Meira até brinca com alguns
clichês narrativos, como se insinuasse um caminho mais previsível e conciliador
para a trama do filme. Em seu terço final, entretanto, “As duas Irenes” se
direciona para caminhos mais libertários e questionadores, com uma conclusão
que evoca um desconcertante misto de desafio e ironia.
sexta-feira, setembro 15, 2017
Billi Pig, de José Eduardo Belmonte *
A intenção do diretor José Eduardo Belmonte é até louvável
em “Billi Pig” (2011) – reciclar o gênero comédia na linha pastelão/chanchada
sob uma perspectiva autoral e com forte viés sócio-cultural. De certa forma, é
o que ele fez posteriormente dentro do gênero policial com o sofrível “Alemão”
(2013), logrando resultado artístico semelhante. Falta para o filme uma maior
convicção na execução de sua proposta. A encenação não tem fluência, o elenco
se perde em desempenhos caricaturais e o roteiro trabalha clichês sem maiores
inspirações. No conjunto geral, trata-se de uma obra bem distante dos melhores
momentos de Belmonte como cineasta, vide trabalhos memoráveis como “A concepção”
(2005) e “Se nada mais der certo” (2008).
quinta-feira, setembro 14, 2017
Como nossos pais, de Laís Bodanzky **1/2
De todos os meios de expressão artístico-cultural, a música
popular é aquele formato que melhor traduziu as alegrias, mazelas, dilemas e
contradições da nação brasileira, ou seja, a alma de um povo. Há um infindável
número de artistas expressivos e canções antológicas que formaram esse rico
panorama histórico e existencial. Dentro desse contexto, dois nomes que
certamente se destacam é Belchior e Jorge Mautner. O primeiro na articulação de
um cancioneiro marcado pela rebeldia estética-comportamental em boa parte de
seus temas, o segundo pela configuração de uma síntese de musicalidade e poesia
que une filosofia libertária, lirismo desconcertante e a fusão insólita entre o
erudito e o popular. Assim, a presença de Belchior e Mautner dentro da
concepção do longa “Como nossos pais” (2017) não é gratuita. É como se a
diretora Laís Bodanzky quisesse transpor o ideário artístico de tais figuras
para o subtexto de seu filme. Para isso, há uma premissa básica até bastante
engenhosa na sua trama: ao anunciar para a filha Rosa (Maria Ribeiro) que essa
na verdade é filha de outro homem e de que também estaria com câncer terminal,
a personagem Clarice (Clarisse Abumjara) pretende detonar um processo de
mudança na vida de Rosa para que ela saia de um limbo marcado pelo marasmo
profissional e pessoal. Ocorre, entretanto, que iniciado tal processo, ele foge
do controle dos padrões desejados por Clarice – Maria passa a questionar todos
os aspectos que regem a sua vida, principalmente no que diz respeito aos seus
relacionamentos pessoais. O que era para ser um pequeno ajuste dentro de um
ordenamento pequeno-burguês, acaba caindo num mergulho no caos. Se tal
pretensão temática pode até soar radical, na prática as coisas não são bem
assim. O maior equívoco de Bodansky é que por vezes a produção cai numa
formatação narrativa previsível e formulaica, quase como se fosse um manual dos
sofrimentos da mulher moderna. Em termos sociológicos, isso pode até funcionar,
no sentido de fazer com que a plateia masculina crie uma empatia com o universo
feminino (ainda que restrito dentro de um padrão classe média). Como cinema,
entretanto, o resultado final é falho porque o formalismo da obra se mostra
conservador diante da proposta libertária do seu subtexto. A presença xamânica
de Mautner no elenco é prova desse problema de abordagem estética de “Como
nossos pais” – sempre que está em cena, ele rouba atenção justamente porque sua
composição dramática foge do previsível e do linear. Aliás, em termos de
atuações, justiça seja feita, a interpretação de Maria Ribeiro também é de se
destacar pela fúria e vigor que expressa. No mais, “Como nossos pais”, a canção
de Belchior evocada pelo título do filme, é um tema que versa sobre amargura e
irresignação diante da capitulação final perante a ordem pequeno-burguesa, e
não uma ode ao conformismo geracional conforme sugere a sequência em que a
música é tocada ao piano. Mas ainda que o longa de Bodansky seja equivocado em
boa parte de suas soluções narrativas, é de se louvar a inquietude criativa de
suas intenções, o que fica bem evidente na contundência das suas sequências
finais.
quarta-feira, setembro 13, 2017
O reencontro, de Martin Provost **1/2
Se em “Violette” (2013) o diretor francês Martin Provost
conseguiu estabelecer uma narrativa marcada pelo classicismo sóbrio para contar
uma história real que refletia de forma vigorosa alguns dos principais dilemas
e conflitos artísticos-existenciais do século XX, em “O reencontro” (2017) ele
envereda pelo gênero do melodrama de maneira bem menos contundente. A trama de
caráter intimista até evoca um certo viés sócio-político no retrato de uma
sociedade europeia cada vez mais desumanizada e vinculada a um regime sócio-econômico
excludente e individualista. Por outro lado, Provost se rende a truques
sentimentais um tanto apelativos e a soluções narrativas bastante formulaicas,
ainda que a sua encenação guarde uma interessante síntese entre rigor e
naturalidade. Além disso, há boas atuações em seu elenco, principalmente no trio
protagonista vivido por Catherine Deneuve, Catherine Frot e Olivier Gourmet.
Mas faltou para o filme aquela crueza formal cortante e o humanismo sem
concessões que tornam as produções dos irmãos Dardenne, por exemplo, tão memoráveis
dentro dessa linhagem de obras sócio-intimistas.
terça-feira, setembro 12, 2017
Uma mulher fantástica, de Sebastián Lelio ***
O diretor chileno Sebastián Lelio já havia demonstrado
competente domínio narrativo para o drama intimista em “Gloria” (2013). Em “Uma
mulher fantástica” (2017), ele até amplia o seu direcionamento artístico,
combinando uma temática repleta de questões tabus e uma abordagem estética que
transita com notável desenvoltura entre o realismo sóbrio e sutis elementos
fantásticos. Dentro de tal abordagem, sequências que tinham tudo para cair no
sentimentalismo excessivo ou mesmo na polêmica gratuita acabam demonstrando uma
densidade dramática perturbadora, além de revelarem uma forte riqueza simbólica
na caracterização de personagens e situações. Lelio sempre contrapõe no roteiro
do filme uma delicada visão de mundo libertária e humanista a uma postura
repressora e hipócrita de manutenção de valores patriarcais – nesse processo,
por vezes sua obra cai em um certo maniqueísmo, principalmente no que diz
respeito a uma encenação que remete ao caricatural quando entra em cena aqueles
personagens de índole preconceituosa. Ainda assim, pode-se dizer que geralmente
as ações moralistas na vida real têm uma carga de ridículo e caricatural (vide
a patética e reacionária postura de direitistas fascistas no recente fechamento
de uma exposição de temática “queer” no Santander Cultural em Porto Alegre).
Nesse contexto, “Uma mulher fantástica” ganha ainda mais ressonância artística
e existencial diante os conflitos sócio-políticos-culturais típicos da
sociedade contemporânea.
segunda-feira, setembro 11, 2017
A minha grande noite, de Álex de la Iglesia ***
O diretor espanhol Álex de la Iglesia conseguiu atingir um
feito para o cinema contemporâneo que é de estabelecer um estilo artístico
indelével, algo como se fosse uma síntese improvável entre aquelas atmosferas
bagaceiras e sórdidas típicas das primeiras produções de Pedro Almodovar com o
barroquismo distorcido que remete a algumas das obras mais delirantes de
Fellini. Nesse sentido, os primeiros momentos de “A minha grande noite” (2015)
são bastante promissores, em que as habituais brutalidade cartunesca e
comicidade escrota embalam um roteiro que versa sobre a vulgaridade e
hipocrisia da mídia e o caos social-econômico da sociedade ocidental
contemporânea. Com o desenrolar da narrativa, entretanto, as boas expectativas
não se cumprem em sua totalidade, principalmente pelo fato que não fica aquela
impressão de que Iglesia tenha levado tudo às últimas consequências, coisa que
ele já tinha realizado com propriedade em intensas obras como “O dia da besta”
(1995), “Muertos de risa” (1999) e “Balada do amor e do ódio” (2010). Por
vezes, o longa se entrega a algumas facilidades formais e temáticas, sugerindo
quase uma amena comédia romântica. É claro que há bons momentos, principalmente
pelo humor beirando o surrealismo de algumas sequências e pelas grotescas
caracterizações dos personagens, além das ótimas cenas envolvendo alucinadas e
perturbadoras batalhas campais entre policiais e manifestantes desempregados. Ainda
assim, na conclusão de “A minha grande noite” fica a constatação que Iglesia
perdeu a chance de entregar um trabalho antológico e contundente sobre os
conturbados tempos que vivemos.
sexta-feira, setembro 08, 2017
O novato,de Roger Donaldson **1/2
Não dá para chegar ao exagero de dizer que o australiano
Roger Donaldson seja um diretor que deixe marcante um traço autoral em seus
trabalhos. Ele está mais para um competente “tarefeiro” dos grandes estúdios de
Hollywood que de vez em quando acaba apresentando obras acima da média (“Sem
saída”, “13 dias que abalaram o mundo”, “Efeito dominó”). “O novato” (2003) não
se enquadra entre os momentos de maior brilho artístico de Donaldson. Sua
narrativa e formalismo até fazem com que o espectador acompanhe o longa com
algum interesse, mas a obviedade das soluções do roteiro, a canastrice
preguiçosa do elenco e a falta de uma tensão dramática mais convincente
configuram um filme que é fácil de ver e também de esquecer.
quarta-feira, setembro 06, 2017
Atômica, de David Leitch ***1/2
O diretor David Leitch é uma avis rara no panorama
cinematográfico contemporâneo – é um cineasta que conseguiu imprimir um traço
autoral trabalhando dentro do gênero do cinema de ação. Os longas “De volta ao
jogo” (2014) e “John Wick – Um novo dia para matar” (2017) estabeleceram um
estilo personalíssimo baseado em uma narrativa estilizada, roteiro baseado numa
insólita síntese entre tensão dramática e brutalidade cartunesca e sequências
de ação coreografadas com requinte e fluência em tiroteios, perseguições
automobilísticas e inúmeros confrontos físicos. Tal abordagem artística é
retomada na obra mais recente de Leitch, “Atômica” (2017), com um resultado
final notável. O fato da trama se desenvolver na Berlin do final dos anos 80,
nos últimos dias do famigerado muro que separava os lados oriental e ocidental,
faz com que o diretor se sinta à vontade em colocar em prática as suas
obsessões estéticas. O trabalho de composição imagética e de reconstituição de
época formam um conjunto audiovisual que mais se vincula a recriação de um
imaginário do que à reconstituição realista. Os anos 80 representaram o período
final da paranoia nuclear estimulada pela Guerra Fria, e um dos grandes méritos
de “Atômica” é justamente realçar com sutileza e criatividade esse clima de
suspense e fragilidade existencial de um mundo que sempre parece no limite de
uma queda inexorável. Essa ambientação sombria e sórdida se mostra em perfeita
sintonia com uma trama repleta de reviravoltas e personagens ambíguos. Os
elementos típicos da época são inseridos com naturalidade e sensibilidade, o
que se verifica no trabalho de direção de arte que alterna sobriedade e delírio
e na forma com que clássicas canções rockers e eletrônicas da época se inserem
na narrativa. A conclusão do filme, muito inclinada para clichês habituais e
forçados de filme de espionagem, até acaba soando um tanto frustrante. Ainda
assim, “Atômica” consegue se manter como um trabalho memorável e reforça o nome
de Leitch como um dos grandes nomes do cinema dessa década.
terça-feira, setembro 05, 2017
Sexta-feira em apuros, de F. Gary Gray **
A ascensão artística do diretor Spike Lee nos anos 80 marcou
também o renascimento do cinema negro norte-americano. Ao contrário do panorama
setentista blaxploitation, mais voltado para uma revisão radical do cinema de
gênero, esse novo cenário se concentrou em dramas e comédias de formato mais
tradicional que abordavam em suas respectivas temáticas, em maior ou menor
grau, questões sociais inerentes à população negra nos Estados Unidos. Foi
justamente nesse contexto que apareceu “Sexta-feira em apuros” (1995), produção
cômica que trazia em sua narrativa elementos-chaves para aquela cultura:
roteiro que apresenta situações cotidianas nos bairros de predominância black,
trilha sonora recheada de hip-hop, uma atmosfera lúdica movida a maconha e
piadas sexistas. E no meio de tal concepção artística bastante vinculada à
diversão escapista, havia rasgos de crítica social sobre criminalidade,
preconceito racial e opressão estatal. A junção de todos esses aspectos
estéticos e temáticos por vezes soava um tanto forçada, ficando evidente uma
encenação ingênua e truncada, além de um roteiro esquemático em demasia. Ainda
assim, é uma obra que acaba tendo um inesperado encanto pelo tom nostálgico de
ser o retrato de uma época. E é curioso saber que o diretor F. Gary Gray
décadas depois foi o responsável pela vigorosa cinebiografia “Straight Outta
Compton – A história do N.W.A.” (2015), longa que contou a história da banda do
cantor e ator Ice Cube, que interpretou o papel de protagonista em “Sexta-feira
em apuros”.
segunda-feira, setembro 04, 2017
Um instante de amor, de Nicole Garcia ***
O título em português e o cartaz de “Um instante de amor”
(2016) podem sugerir aqueles rotineiros e mofados melodramas exacerbados
típicos de uma certa linguagem previsível de produções francesas de “qualidade”.
Na prática, entretanto, ainda que o filme dirigido por Nicole Garcia tenha uma
narrativa marcada por um classicismo acentuado, existem determinados fatores
artísticos no longa que o afastam do estigma da irrelevância. Por trás de uma
trama que valoriza elementos característicos dos melodramas românticos, há
também uma arguta e sutil visão crítica sobre como a concepção de amor
romântico pode ser opressor e alienante paras os indivíduos. Tal direcionamento
existencial se vale de um engenhoso jogo de simbologias, além de uma abordagem
emocional bastante sóbria e de uma atmosfera mista de ironia e morbidez. A
caracterização de personagens e situações é muito bem delineada – nesse sentido,
é fascinante como a construção dos três principais personagens da história se inter-relacionam
com notável e fluida coerência, servindo como metáfora precisa do espectro
sócio-político-cultural da Europa da primeira metade do século XX. Mesma o
aparente tom novelesco do filme guarda em sua essência uma melancólica e
resignada constatação sobre as relações humanas dentro de um contexto de
hipócrita idealização romântica e preconceito social.
sexta-feira, setembro 01, 2017
Cheech e Chong atacam novamente, de Tommy Chong ***
Não é preciso estar exatamente chapado para apreciar “Cheech
e Chong atacam novamente” (1980). É até provável que estando em um estado de
consciência alterado algumas pessoas poderão curtir a “viagem” melhor, mas a
verdade é que o filme foge dos padrões comportados do que seria considerado “aceitável”
em termos de uma comédia norte-americana comercial contemporânea. Dentro da
concepção artística da obra, elementos temáticos e estéticos vão sendo jogados
na narrativa de uma maneira que beira o aleatório – encenação por vezes
beirando o mambembe, paródia de ficção científica, comicidade que sintetiza
ingenuidade e escrotidão. Dentro de tal concepção narrativa que simula
amadorismo há uma certa coerência artística-existencial que joga o espectador
em uma espécie de universo paralelo movido à maconha e a um muito particular
senso de humor. No cômputo geral, uma produção deliciosamente anacrônica de
estranho encanto.
Assinar:
Postagens (Atom)