A maioria dos filmes dirigido pelo diretor japonês Kirokazu
Kore-eda é formada por sóbrios melodramas familiares. “O terceiro assassinato”
(2017) representa, em um primeiro momento, uma insólita mudança de gênero
cinematográfico para o cineasta, enveredando para a área do suspense policial.
A trama gira em torno das misteriosas motivações de um brutal assassinato de um
homem por parte de um ex-empregado seu. Ocorre, entretanto, que no desenvolver
da narrativa se pode perceber que Kore-eda procura se distanciar dos clichês
temáticos e estéticos inerentes a esse tipo de produção, procurando adequar a
trama dentro de seus habituais preceitos artísticos. Assim, o foco é mais
acentuado nos dilemas intimistas dos personagens (investigadores, suspeito,
familiares da vítima) e também em se realizar uma espécie de crítico panorama moral
da sociedade japonesa contemporânea. As ambições do diretor são interessantes
nessa formatação, mas a verdade é que o resultado final acaba deixando a
desejar. O motivo principal para essa frustração está justamente naquilo que
sempre foi o forte nas obras dirigidas por Kore-eda – a encenação. O que geralmente
era preciso e minucioso em outros filmes do cineasta, agora parece
descompassado e enfadonho em “O terceiro assassinado”, fazendo com que até
mesmo o próprio roteiro do longa se mostre por vezes banal e perdido em
excessos sentimentais.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
terça-feira, julho 31, 2018
segunda-feira, julho 30, 2018
Alguma coisa assim, de Esmir Filho e Mariana Bastos ***
Há uma certa conexão existencial-artística entre as
produções brasileiras “Gabriel e a montanha” (2017) e “Alguma coisa assim” (2018)
- além, é claro, de compartilharem a atriz Caroline Abras em seus respectivos
elencos. Os dois filmes são retratos de uma classe média contemporânea
aprisionada em uma bolha de alienação e hedonismo. Se na produção dirigida por
Felipe Gamarano Barbosa o protagonista Gabriel (João Pedro Zappa) interage com
africanos pobres como se esses fossem apenas atrativos de suas viagens ou
motivos de teses sócio-econômicas distanciadas, na obra conduzida por Esmir
Filho e Mariana Bastos os personagens principais Mari (Abras) e Caio (André
Antunes) parecem viver em uma universo à parte de uma ampla realidade
brasileira, com uma fotogênica e descolada rotina em que se sugere que São
Paulo e Berlin pouco se distinguem (ok, a primeira tem umas pichações a
mais...). Mas tal aspecto temático é apenas um dos elementos na narrativa, em
que o foco principal está mais no aspecto intimista da relação entre Mari e
Caio. Há recursos formais e textuais bem interessantes em cena, desde o fato de
que o filme foi sendo realizado ao longo de mais de 10 anos (as primeiras
filmagens datam de meados da década passada), para ter uma captação mais
realista e profunda do processo de amadurecimento emocional dos personagens,
até a uma abordagem que valoriza uma narrativa atmosférica e sensorial e uma
excelente trilha sonora baseada em temas eletrônicos e canções de forte traço
melancólico. A estética de “Alguma coisa assim” é inconstante, fluida, variando
do realismo até um tom onírico e chapado, o que acaba se mostrando coerente com
um roteiro que realça as ambiguidades dos seus personagens e situações e que se
evidencia ainda numa fluidez erótica por vezes desconcertante e mesmo nas
soluções insólitas dos dilemas da difusa história de amor e amizade entre Mari
e Caio.
sexta-feira, julho 27, 2018
Ilha dos cachorros, de Wes Anderson ****
Tem coisas que só Wes Anderson consegue fazer. A combinação
parecia improvável em “Ilha dos cachorros” (2018) – animação em stop-motion,
parábola política, fábula moral, homenagem/paródia ao gênero aventura com
samurais. Na ótica particular do cineasta norte-americano, entretanto, todos
esses elementos se entrecruzam com uma lógica e coerência artísticas
extraordinárias, além de perpassados por uma síntese bizarra de ironia
sardônica e pungência insólita (na realidade, uma abordagem que já era marca de
Anderson em seus filmes anteriores). Ao invés daquela estética clean que é
característica de Pixar e Disney, Anderson busca uma concepção imagética mais “suja”
e expressiva, fazendo lembrar muito o estilo de Bill Plympton, ainda que sem
todo aquele tom delirante. Sua evocação da cultura japonesa na trama não é
meramente aleatória, pois a pegada mais reflexiva e contemplativa da narrativa
remete a uma forma de filmar que é tradicional da escola clássica do cinema
nipônico (os amplos planos de cenários ermos, por exemplo, fazem lembrar
clássicas aventuras de Akira Kurosawa). Em outros momentos, a intensidade da ação
cinematográfica traz aquele senso cartunesco que era marca registrada de uma
animação norte-americana de décadas atrás. Todas essas nuances de influências
formais se sintonizam de maneira precisa com um roteiro que tanto valoriza a
carga sócio-política de cenas cruciais como preserva o aspecto de diversão e
mesmo sentimental de forte carga humanista de outras passagens importantes da
trama. Nesse expressivo conjunto criativo, “Ilha dos cachorros” reforça ainda
mais o nome de Wes Anderson como uma espécie de amoroso cronista “fílmico” dos
desajustados e esquisitões.
quinta-feira, julho 26, 2018
Para o outro lado, de Kiyoshi Kurosawa ***1/2
A vinculação do diretor japonês Kiyoshi Kurosawa com o
cinema fantástico é forte, mas não de uma forma tradicional (ou pelo menos com
aqueles direcionamentos estéticos-temáticos que nós espectadores ocidentais
estamos acostumados). Em seus filmes, o elemento metafísico está sempre
presente, incorporando-se com fluidez a uma narrativa de ambientação naturalista.
“Para o outro lado” (2015) é exemplar enfático dessa particular concepção
artística, com uma trama em que fantasmas e vivos coabitam um mundo com
naturalidade, não havendo maiores explicações sobre o fenômeno e nem a
necessidade de uma atmosfera de suspense ou mistério. A história do marido
falecido que retorna depois de anos para viajar com a sua viúva apresenta como
tônica preponderante um caráter entre o simbólico e o intimista. Os aspectos
bizarros do roteiro aos poucos se insinuam no imaginário do espectador com uma
desconcertante coerência onírica/existencial, valorizados por uma encenação
sóbria e pungente.
quarta-feira, julho 25, 2018
Infância, de Domingos Oliveira *1/2
A filmografia de Domingos Oliveira parece ser um eterno “Amarcord”
– são obras que se desenvolvem em torno das memórias e obsessões sentimentais
do cineasta. Se por um lado isso é admirável no sentido de configurar uma
coerência autoral muito particular dentro da história do cinema brasileiro, por
outro faz com que os filmes de Oliveira se mantenham em uma linha tênue entre o
memorável, o razoável e o francamente ruim. “Infância” (2014) se enquadra nessa
última categoria. O longa se equilibra de maneira irregular em polos opostos de
abordagem artística – por vezes o cineasta busca uma encenação mais solta,
plena de verborragia excêntrica e com uma ambientação até pretensamente
delirante; em outras oportunidades, procura se adequar aos preceitos de um
cinema acadêmico de época. Em nenhuma dessas abordagens se mostra satisfatório
e nessa tensão narrativa a produção acaba se mostrando autoindulgente e esquemática,
bem distante da criatividade estética/temática esfuziante e divertida de filmes
antológicos como “Todas as mulheres do mundo” (1967) e “BR183” (2016). Há até
sequências em “Infância” que remetem a uma comicidade bem típica de Oliveira,
principalmente de um lado mais picaresco dos personagens, e que sugerem que o
filme poderia ter ficado bem mais interessante em seu resultado final se o
diretor tivesse acertado a mão na narrativa.
terça-feira, julho 24, 2018
É apenas o fim do mundo, de Xavier Dolan **
A força dos filmes mais significativos do diretor canadense
Xavier Dolan está no vigor da encenação. Os roteiros tinham um direcionamento
básico de melodrama familiar, com poucas variações, mas embalados em uma desconcertante
dinâmica cênica. Em “É apenas o fim do mundo” (2016), justamente aquilo que
diferenciava a concepção artística de Dolan acaba caindo por terra em nome de
uma desgastada formatação teatral. Sai a crueza naturalista e entra em seu
lugar uma estilizada narrativa que em momento algum consegue convencer. O
roteiro acentua ainda mais essa impressão – parece uma variação pouco
imaginativa e sentimental em excesso das peças mais conhecidas de Tennessee
Williams. O que salva um pouco as coisas são algumas composições dramáticas
intensas de parte do elenco. Insuficientes, entretanto, para tirar o filme do
enfadonho.
segunda-feira, julho 23, 2018
A garota desconhecida, de Luc e Jean-Pierre Dardenne ***
Em seus filmes, os irmãos Dardenne obedecem a uma rigorosa
fórmula temática-estética-narrativa. Sãos obras que se configuram como sóbrios
contos morais a versarem sobre dilemas intimistas dentro de um contexto social
conturbado embalados num severo formalismo que dispensa artificialismos fáceis
e palatáveis, remetendo a escolhas artísticas herdadas da escola neorrealista. “A
garota desconhecida” (2016) não altera em nada desse habitual estilo fílmico
dos Dardenne. Não tem a mesma intensidade artística e existencial de “O garoto
da bicicleta” (2011) e “Dois dias, uma noite” (2014) e o sabor de deja vu
excessivo por vezes fica mais latente. Mesmo assim, por vezes, sua crueza estilística
e o humanismo a flor-da-pele da trama têm aquela síntese incômoda entre caráter
perturbador e encanto que marcou boa parte da filmografia dos cineastas.
sexta-feira, julho 20, 2018
Jason Bourne, de Paul Greengrass *
É claro que é compreensível produtores e demais executivos
quererem retomar uma franquia cinematográfica lucrativa. Afinal, é mais fácil
trazer de voltar uma fórmula narrativa já testada e aprovada pelas grandes
plateias do que procurar algum novo filão criativo/comercial. Em alguns casos,
essa reciclagem, além da grana fácil para quem investiu na ideia, pode render
alguma coisa relevante em termos narrativos/artísticos. Não é o caso de “Jason
Bourne” (2016). A impressão final que se tem ao assistir à obra em questão é
que tudo aquilo que poderia haver de interessante e divertido em relação ao
personagem e seu universo se esgotou em “A supremacia Bourne” (2004) e “O ultimato
Bourne” (2004). O roteiro é um mero compêndio de ideias requentadas, o diretor
Paul Greengrass se limita a repetir de maneira irritante e cansativa todos os
seus habituais maneirismos estéticos/cênicos e Matt Damon nem se esforça muito
em sair de um registro dramático inexpressivo. Assim, não poderia haver outro
resultado final que não fosse enfadonho e perfeitamente esquecível.
quinta-feira, julho 19, 2018
Uma casa à beira-mar, de Robert Guédiguian ****
Há muitos anos que o diretor francês Robert Guédiguian filma
praticamente da mesma forma. Sua narrativa é de estrutura clássica, a encenação
é um misto de fluidez e rigor, a temática sempre sintetiza intimismo com olhar
crítico sobre as mazelas sociais e políticas. Ele até pode ser previsível em
seus preceitos artísticos-existenciais, mas sempre os coloca em prática de forma
vigorosa. Em algumas oportunidades o resultado final não chega a ser tão
memorável, mas quando ele acerta a mão de verdade, a impressão que resta é de
um forte impacto emocional para o espectador. “Uma casa à beira-mar” (2017) é
um desses pontos altos da carreira do cineasta. O roteiro traz uma série de
elementos bastantes caros para a sociedade na atualidade: descontentamento com
a globalização econômica massacrante, a perseguição a refugiados e imigrantes,
a nostalgia por um passado mais humano. A visão expressa pelo filme sobre tais
temas tem um forte caráter panfletário, por vezes beirando a ingenuidade e o
anacronismo, só que Guédiguian formata tudo isso com uma convicção e uma
lucidez contundentes em sua narrativa que acaba encantando pelo humanismo sem
concessões de tal abordagem. As simbologias imagéticas e textuais são simples,
diretas, mas altamente eficazes na delicadeza e precisão de sua execução. Mesmo
a forma com que o cenário natural em que a história se passa, a de uma bela vila
de pescadores no interior da França, foge da simples caracterização “cartão
postal” e se configura como um pequeno e complexo universo a refletir as
contradições e dilemas da Europa contemporânea. No mais, “Uma casa à beira mar”
também representa uma impressionante depuração das melhores qualidades de
Guédiguian como realizador – a direção de atores extrai nuances dramáticas magníficas
das atuações do elenco, a atmosfera do filme varia de maneira natural entre a
dureza realista e uma doçura quase fabular, o discurso humanista alia
melancolia e esperança nas doses exatas. A sensacional sequência final da
produção, de um lirismo pungente à flor-da-pele, coroa com perfeição as
coerentes soluções autorais de Guédiguian para a sua obra.
quarta-feira, julho 18, 2018
Jack Reacher: Sem retorno, de Edward Zwick **
O diretor norte-americano Edward Zwick está bem longe de ser
alguém de forte traço autoral em seus filmes ou dado a grandes arroubos de
originalidade. Está mais para aquela ala de “tarefeiros” de Hollywood que pegam
sem pestanejar os projetos sem pestanejar muito os projetos que os grandes
estúdios lhes mandam. Nessa linhagem, entretanto, pode ser considerado um
cineasta competente com algumas obras memoráveis no currículo, principalmente
no gênero ação, como “O último samurai” (2003) e “Diamante de sangue” (2006).
Diante desse cenário, “Jack Reacher: Sem retorno” (2016) acaba sendo uma
considerável decepção, pois consegue ser ainda mais genérico e sem graça que o
primeiro longa da franquia, “Jack Reacher: O último tiro” (2012). Zwick conduz
a narrativa de maneira mecânica e asséptica, adjetivos que também poderiam se
aplicar com exatidão para a atuação de Tom Cruise no papel-título. E o pior é
que nem dá dizer que o filme está em sintonia com o que vem sendo feito no
gênero nos últimos anos, pois a franquia “John Wick”, por exemplo, vem
comprovando que ainda pode haver muita criatividade nas produções de ação e
aventura.
terça-feira, julho 17, 2018
Gente de sorte, de Neil Burger **1/2
Filmes que retratam à volta para casa de combatentes de uma
guerra já representam uma certa tradição no cinema norte-americano. Alguns dos
principais conflitos nos quais o Estados Unidos esteve envolvido tiveram obras
marcantes a mostrar o difícil processo de readaptação de veteranos em solo
nativo, vide obras nesse sentido referentes à 2ª Guerra Mundial (“Os melhores
anos de nossas vidas”) e o conflito do Vietnã (“Amargo regresso”). “Gente de
sorte” (2008) adequa essa temática para a invasão do Iraque pelos
norte-americanos na primeira década do século XXI. O filme do diretor Neil
Burger se mantém em uma linha tênue entre o ufanista e uma perspectiva mais
crítica sobre a situação dos personagens. Na verdade, prefere se manter dentro
de uma estrutura narrativa que oscila entre o ameno melodrama e o discreto teor
cômico. Por vezes é agradável, em outros momentos beira a insipidez. Ou seja,
cabe ao espectador esperar que um dia saia uma obra mais contundente sobre o
tema em questão.
segunda-feira, julho 16, 2018
Hannah, de Andrea Pallaoro ***
O diretor italiano Andrea Pallaoro exerce em “Hannah” (2017)
um rigoroso exercício de estilo estético/existencial. A premissa do roteiro é
objetiva e quase espartana em seus desdobramentos – a austera rotina de Hannah
(Charlotte Rampling) a partir da prisão de seu marido. O crime e as suas circunstâncias
que levaram à condenação de seu companheiro são expostos ao longo da narrativa
em sutis nuances de gestos, expressões faciais e econômicos diálogos. Para
Pallaoro, além da exposição do cotidiano desolador da protagonista, há um
interesse primordial na forma com que os elementos da trama se apresentam ao
espectador. É quase como se fosse um desafio contemplativo do cineasta em
relação ao seu público – o entendimento pleno do que se viu na tela vem apenas
na conclusão do filme, e mesmo assim sem um tom de grande revelação dramática.
A “solução” para os aparentes mistérios sugeridos na trama é simples, ainda que
perturbadora. Não há julgamento moral sobre as atitudes dos personagens, apenas
uma atmosfera resignada de fatalismo e inexorabilidade no destino dos
indivíduos. Fica estabelecida uma relação simbiótica entre os ascetismos da
vida de Hannah e do formalismo sem concessões de Pallaoro. Nessa cerebral concepção
artística, ainda que coerente com o aludido exercício de estilo do diretor, não
há muito espaço para grandes arroubos sensoriais. A fresta de maior
transcendência que se abre é uma poderosa interpretação dramática da atriz
principal. Charlotte Rampling domina toda a narrativa com uma sensacional
atuação marcada pela contenção de sentimentos e que por vezes explodem em
violentas manifestações emocionais. É como se observássemos um prédio ruindo em
câmera lenta.
sexta-feira, julho 13, 2018
Encontro de casais, de Peter Bilinsgley **
A parceria entre os atores Vince Vaughn e Jon Favreau já
rendeu alguns filmes memoráveis, com evidente destaque para o sensacional “Swingers
– Curtindo a noite” (1996). “Encontro de casais” (2009) talvez seja o ponto
mais baixo dessa parceria. Em seu início, o filme até sugere uma interessante
visão irônica sobre as agruras do casamento na sociedade contemporânea. Aos
poucos, entretanto, a narrativa se rende a trivialidades banais em seu roteiro
e a uma encenação insípida. Tudo se formata em soluções temáticas e formais
conservadoras e previsíveis. Há sequências com alguma graça eventual, mas é
muito pouco para tirar o longa dirigido por Peter Bilinsgley do limbo das
nulidades cinematográficas.
quinta-feira, julho 12, 2018
Homem-Formiga e a Vespa, de Peyton Reed ***
Em termos conceituais-narrativos, na comparação com “O
Homem-Formiga” (2015), o diretor Peyton Reed pouco mudou em “Homem-Formiga e a
Vespa” (2018). A fórmula é aquela mesma, aventura escapista com toques de
melodrama familiar e um monte de piadinhas bestas (algumas até bem engraçadas).
A narrativa e o roteiro demoram um pouco a engrenar, principalmente pelo
excesso de explicações pseudocientíficas e de dilemas sentimentais dos
personagens. Na metade final do filme, entretanto, prevalece um ritmo de ação
mais frenético, por vezes quase desgovernado, e daí as coisas melhoram
bastante. Até os momentos engraçadinhos ficam bem mais funcionais. Há um
casamento eficaz entre a criatividade dos efeitos digitais com a ótimas
coreografias de lutas e perseguições automobilísticas e que acaba gerando
algumas sequências memoráveis. Além disso, a caracterização do mundo quântico é
repleta de excelentes sacadas visuais, deixando aquele gostinho de quero mais
(aliás, uma interessante possibilidade criativa de histórias para os Estúdios
Marvel, como comprova uma das cenas pós-créditos), e as atuações do elenco têm
uma forte empatia cênica (destaque para o carisma boa-praça de Paul Rudd e as
boas tiradas cômicas de Michael Peña). Na comparação com outras produções do
universo cinematográfico Marvel, “Homem-Formiga e a Vespa” não tem a
perturbadora densidade dramática de “Os Vingadores: Guerra infinita” (2018) ou
a combinação insana de brutalidade e ironia de “Thor: Ragnarok” (2017), mas é
mais empolgante que o correto “Pantera Negra” (2018) e mesmo que o primeiro
filme de 2015. Ou seja, por mais que todas as estratégias de marketing dos
estúdios Marvel possam encher o saco, se eles continuarem entregando produções
divertidas como essa é provável que toda essa onda de filmes de super-heróis
ainda vá muito longe...
quarta-feira, julho 11, 2018
Donnie Darko, de Richard Kelly ***
O título de grande referência cult
cinematográfica que se atribui à “Donnie Darko” (2001) tem algo de exagerado.
No cômputo geral, o filme dirigido por Richard Kelly é uma espécie de colcha de
retalhos de influências das principais vertentes estéticas e temáticas do
cinema independente norte-americano das últimas décadas. Estão lá a crítica
entre o agridoce e o sarcástico aos valores do american way of life das
principais obras de Sofia Coppola, o formalismo bizarro dos clássicos de Tim
Burton, as ambientações delirantes características de David Lynch. Isso sem
falar da esperta trilha sonora recheada de marcantes canções oitentistas pop e
rock. Falta para esse trabalho de estreia na direção de Kelly uma pegada
artística/narrativa mais ousada – as aparentes esquisitices que pairam sobre a
encenação e roteiro aos poucos se formatam de maneira “redonda” demais,
esvanecendo bastante do clima de mistério e estranhamento que predomina na
metade inicial do filme. Ainda assim, “Donnie Darko” é uma obra que tem o seu
lado cativante, principalmente em termos de caracterização de personagens e
situações da trama. Mesmo que não seja especialmente original como um todo, a
fluência da narrativa e algumas soluções visuais sardônicas (destaque para
aquele coelho gigante escroto) oferecem para o longa alguns momentos
memoráveis.
terça-feira, julho 10, 2018
Os incríveis 2, de Brad Bird ***1/2
Quando “Os incríveis” (2004) foi lançado nos cinemas,
faltavam ainda alguns anos para que o universo dos Estúdios Marvel se
configurasse de maneira plena no cenário cinematográfico (ideia essa que depois
foi imitada pelo conjunto DC/Warner). Naquele cenário, a animação da Pixar
dirigida por Brad Bird talvez fosse a melhor tradução de diversos conceitos
inerentes às aventuras de super-heróis das HQs. Havia até uma influência muito
bem filtrada de elementos temáticos do “Watchmen” de Alan Moore (coisa, aliás,
do qual a medíocre adaptação concebida pelo nefasto Zack Snyder passou longe). Ainda
que não traga o mesmo grau de criatividade do filme original, “Os incríveis 2”
(2018) consegue lograr em alguns momentos uma inspiração temática/estética
semelhante. O roteiro é bastante previsível em seus desdobramentos, mas sabe
valorizar uma interessante interação dramática/cômica entre os personagens e
apresenta contundente coerência em suas viradas e na caracterização de
situações e personagens. A qualidade gráfica é excepcional, com evidente destaque
para as sequências envolvendo as luzes esfuziantes quando o vilão hipnotizador
está em cena, e aliada a coreografia frenética e precisa das cenas de ação acaba
resultando em uma narrativa envolvente. Nesse cenário fortemente consolidado de
produções de super-heróis, a franquia da Pixar perde aquele caráter de novidade
da década passada, mas também se mostra em relevante sintonia com o atual
contexto histórico/artístico – está no nível do melhor que os Estúdios Marvel
já lançou e está bem adiante de tudo que a DC/Warner tem apresentado.
segunda-feira, julho 09, 2018
As boas maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra ****
Em dupla ou a solo, a filmografia em conjunto de Juliana
Rojas e Marco Dutra configura uma estranha e fascinante síntese entre o gênero
fantástico, o arguto intimismo e a sutil crítica social. Tal concepção
artística já havia se estabelecido de maneira contundente em “Trabalhar cansa”,
“Quando eu era vivo” e “A sinfonia da necrópole” e novamente se cristaliza com
expressivo impacto em “As boas maneiras”. Nessa produção mais recente, o
fabular e o horror sobrenatural se integram com naturalidade dentro de um
cenário urbano e contemporâneo “realista”, construindo simbologias imagéticas e
textuais desconcertantes na eficácia e simplicidade de seus recursos visuais,
na engenhosidade estética e no roteiro preciso na sua combinação de sóbria
dramaticidade e humor mórbido. A figura do lobisomem que paira sobre a
narrativa, na ambiguidade da contraposição entre o humano civilizado e a fera
selvagem, também reflete na marca da dualidade que se estabelece em vários
momentos do filme – a metrópole moderna e cosmopolita (e seus “castelos”) e a
periferia (o “vilarejo”) fortemente vinculada à pobreza e a raízes regionais separadas
por uma ponte, o cotidiano hedonista e vazio de Ana (Marjorie Estiano) e a
rotina austera de privações de Clara (Isabél Zuaa) que colidem a partir do
choque erótico entre as duas personagens, a atmosfera de silenciosa tensão
psicológica da primeira parte da narrativa e o ritmo mais acentuado de aventura
e horror explícito do segundo momento do filme. Pontuando com sensibilidade
essa concepção formal-temática há detalhes cênicos memoráveis como os belos
números musicais que remetem a tragédias gregas e cantigas folclóricas, a
direção de fotografia que emula uma ambientação fabular no seu jogo de
enquadramentos e iluminação, as interpretações entre o visceral e o delicado do
elenco e os efeitos especiais que alternam com criatividade e fluência
trucagens animatrônicas, digitais e de maquiagem. Coroando essas soluções
artísticas de Rojas e Dutra vem um “gran finale” capaz de ficar muito tempo
colado no imaginário do espectador pela sua carga catártica e melancólica.
sexta-feira, julho 06, 2018
Aterrorizados, de Demián Rugna ***
Há algo de desequilibrado em “Aterrorizados” (2017). Por
vezes a encenação parece um tanto truncada, parte do elenco envereda por um tom
canastrão em suas interpretações, o roteiro fica especialmente confuso em
algumas passagens. Ocorre, entretanto, que tais “defeitos” também ajudam a dar
um charme especial para essa produção de horror dirigida pelo argentino Demián
Rugna, afastando a obra daquele caráter asséptico que grassa em boa parte do
que vem sendo feito no gênero nos últimos anos. Rugna evoca muito do melhor do
cinema do diretor italiano Lucio Fulci – há aquelas ambientações sujas e
sórdidas, o grafismo violento e perturbador e o tom obscuro na narrativa que
permearam obras clássicas como “Zombi 2” (1979) e “Terror nas trevas” (1981). É
claro que Rugna não tem a mesma classe artística de Fulci, mas ainda assim
consegue oferecer um filme de horror bastante eficaz em termos de tensão
dramática e teor imagético de forte impacto sensorial.
quinta-feira, julho 05, 2018
Ex-pajé, de Luiz Bolognesi ***1/2
Por mais que se fale que “Ex-pajé” (2018) seja um
documentário e que o filme em questão tenha participado de festivais do gênero,
a efetiva percepção que se tem da obra dirigida por Luiz Bolognesi é de uma contundente
recriação dos principais preceitos do neo-realismo italiano – estão lá a
temática de forte cunho social, o uso de um elenco de amadores, o
aproveitamento de recursos naturais e externos. Nesse contexto, a narrativa se
formata em termos de encenação e atmosfera praticamente como um conto fabular,
revelando ainda uma rigorosa decupagem. Essa concepção artística revela uma
coerência existencial notável com o subtexto repleto de nuances do roteiro.
Nesse sentido, é de se reparar na forma com que a direção de fotografia capta
as imagens da floresta onde vivem os índios Pater Saruí, principais personagens
da história, em que esses cenários refletem um caráter misto de beleza e
mistério e complementam o forte teor místico da trama. Com sutileza, fica
estabelecido um embate marcante que paira sobre toda a narrativa: a força
opressora da cultura branca, na síntese entre os madeireiros brancos que
invadem as terras indígenas e o opressor missionarismo evangélico que
estabelece um processo de aculturação na tribo, e a discreta resistência mística/cultural
do lado silvícola promovida pelo pajé “aposentado” Perpera Surui e pelo seu
sobrinho ativista virtual Ubiratan Surui. Bolognesi evita uma abordagem
espetaculosa desse conflito, preferindo um ritmo narrativo contemplativo, quase
plácido, que acentuam com vigor e sensibilidade elementos cênicos fundamentais
para a obra, como os sons da natureza, a impenetrável beleza da floresta e os
gestos e expressões de seus principais personagens. Nesse sentido, a sequência
final de “Ex-pajé” tem um impacto sensorial memorável: Perpera Surui observa a
floresta de maneira e serena, como se ambos fossem uma única entidade.
quarta-feira, julho 04, 2018
Auto de resistência, de Natasha Leri e Lula Carvalho ***1/2
No gênero documentário, muito se fala sobre os limites entre
a captação daquilo que é efetivamente “verdade” e a realidade encenada. Em “Auto
de resistência” (2018), assim como em “O processo” (2017), o questionamento vai
mais além – e se a nossa própria realidade não é uma encenação mal disfarçada?
No filme de Natasha Leri e Lula Carvalho, a narrativa se foca em boa parte nos
ritos processuais judiciais de ações penais que apuram os assassinatos de
jovens dos morros e periferias do Rio de Janeiro por parte de policiais em
serviço. Nessa abordagem que combina um certo caráter investigativo com um
forte lado de dramático discurso sócio-existencial, a obra se vale da captação
própria de cenas envolvendo os depoimentos de familiares e amigos das vítimas e
daqueles que os apoiam em sua cruzada e de audiências de algumas dessas ações
judiciais, além de usar filmagens de terceiros que geralmente são provas
escancaradas da brutalidade homicida da polícia. O registro de todos esses
momentos é de um detalhismo minucioso que vai do incômodo ao francamente
perturbador. A saga por busca de alguma justiça em relação às ações violentas
do aparelho estatal de segurança vai se revelando cada vez mais quixotesca,
além de escancarar o abismo sócio-econômico entre as partes envolvidas – jovens
pobres e negros são executados por policiais também pobres e negros e são
analisados de maneira indiferente e mecânica por um aparelho institucional-jurídico
composto por profissionais brancos e burgueses. Cumprir os ritos processuais
mais parece a necessidade da imposição de uma teatralização hipócrita do que do
que propriamente oferecer justiça. Na conclusão de uma audiência, ao proferir
uma sentença condenatória, uma juíza discursa que o resultado final pouco
alento trará para a sociedade e mais tem a função do cumprimento de um preceito
legal. Nessa assertiva entre o melancólico e o cinismo reside a razão de ser de
um sistema opressor e injusto tão bem dissecado em “Auto de resistência”.
terça-feira, julho 03, 2018
Un + une, de Claude Lelouch **
O cinema do diretor francês Claude Lelouch parece que vai
ser tornando cada vez mais autorrefencial. “Un + une” (2015) é um exemplar
enfático dessa tendência. Trama e atmosfera evocam aquela mistura de romantismo
exacerbado e homenagens ao universo cinematográfico já delineada em outros
longas-metragens do cineasta, sempre tendo como pano de fundo um cenário marcado
pelo exotismo e mistério. Se em outros filmes tal fórmula artística rendeu
alguns momentos memoráveis, na obra em questão o resultado final é banal e por
vezes enfadonho, ainda que a sua competência formal possa soar agradável em
algumas passagens. Com toda a sua fotogenia e amenidade narrativa, “Um + une” é
uma produção fácil de ver e mais fácil ainda de esquecer.
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