quinta-feira, outubro 01, 2020

A frente fria que a chuva traz, de Neville D'Almeida ***


O cineasta Neville D’Almeida fez uma das melhores adaptações para o cinema de uma peça do dramaturgo Nelson Rodrigues em “Os sete gatinhos” (1980), preservando a força cômica-dramática do original e também dando uma dinâmica cênica que fugia totalmente do mero teatro filmado. Em “A frente fria que a chuva traz” (2015), o diretor volta ao universo do teatro só que com o trabalho de um autor mais contemporâneo, Mário Bortolotto. Nessa obra mais recente, D’Almeida atinge resultados artístico menos satisfatórios, tanto por uma encenação que por vezes não se decide entre o teatral e o cinematográfico quanto por um texto de momentos entre o ingênuo e o apelativo. Ainda assim, é um trabalho acima da média que se valoriza por algumas nuances formais e existenciais interessantes. As interpretações do elenco são bastante intensas, ainda que beirando o excessivo em algumas passagens, e ganham uma forte dimensão dramática ao se associarem a ambientação sórdida e sardônica concebida por D’Almeida. E por mais que a escrita de Bortolotto derrape, há trechos que se mostram contundentes e até perturbadores na ácida e irônica maneira que retratam a sociedade de classes no Brasil, mostrando bastante sintonia, inclusive, com o tenebroso momento histórico que vivemos no país.