quarta-feira, dezembro 28, 2011

Livide, de Alexandre Bustillo e Julien Maury ***1/2



O cinema de horror europeu dos anos 60 e 70 era conhecido pela combinação original entre o requinte formal e a violência gráfica, buscando uma estranha síntese entre morbidez e erotismo. Os diretores Alexandre Bustillo e Julien Maury enveredam por tal estética em sua obra mais recente, “Livide” (2011), com resultados por vezes perturbadores. A escolha de cenário é perfeita para configurar o clima de terror gótico que o filme pretende: uma cidade portuária francesa, repleta de névoas e nuvens carregadas, o que oferece uma ambientação que fica entre o fantasmagórico e o melancólico, o que se acentua mais quando entra em cena uma velha mansão de ar sinistro e que insinua mais segredos. Na evolução da narrativa, trespassada por misteriosos flashbacks, a obra adquire uma atmosfera ambígua, não deixando claro se o teor do suspense é psicológico ou se é realmente algo sobrenatural. À medida que o elemento fantástico vai preponderando, entretanto, “Livide” adquire uma abordagem com toque do irreal, em que o caráter onírico e a brutalidade sangrenta tornam a trama progressivamente mais misteriosa. Para aqueles acostumados com os filmes no gênero suspense mais recentes, em que tudo costuma ser esclarecido até os mínimos detalhes, pode ser frustrante aceitar um roteiro com tantas pontas soltas, o quê na realidade torna a produção ainda mais fascinante.

terça-feira, dezembro 27, 2011

Helldriver, de Yoshihiro Nishimura 1/2 (meia estrela)



A princípio, vivemos em uma democracia cultural. Dessa forma, é possível que uma atrocidade como “Helldriver” encontre defensores ou apreciadores. Entretanto, pode-se convir também que tais indivíduos mais gostam da bizarrice pela bizarrice do que propriamente de cinema. O diretor Yoshihiro Nishimura pretende fazer com que a sua obra se imponha pelos excessos de violência, sexo e escatologia, como se fosse uma espécie de manifesto contra o bom gosto, mas o resultado final é apenas estéril – o máximo que as cenas da produção podem causar é algum sorrisinho amarelo constrangido. Os efeitos especiais toscos, o roteiro qualquer nota e a narrativa amadora formam um todo constrangedor que no final das contas até tornam “Helldriver” uma experiência cinematográfica a ser conferida simplesmente pelo fato de ver como as coisas podem dar tão errado. E mesmo a pretensão de entrar numa galeria de obras antológicas na categoria de podreira trash acaba afundando, pois não há nem sombra, por exemplo, daquela atmosfera de fuleiragem ingênua de um Ed Wood.

segunda-feira, dezembro 26, 2011

Rabies, de Aharon Keshales e Navot Papuchado ***



Talvez boa parte do que pode motivar os cinéfilos em geral a assistir a “Rabies” (2011) seja a combinação do gênero com a nacionalidade: uma produção israelense de horror. Descontando o inusitado da origem, entretanto, o filme consegue reservar algumas surpresas. É provável que boa parte dos apreciadores do terror fiquem um tanto ressabiados pelo excesso de psicologização dos personagens e de subtramas de teor dramático, o que não parece condizer muitos às vezes com o estilo meio splater da obra (muita escatologia, sangue, vísceras e afins). Ainda sim, há um interessante equilíbrio entre os momentos de tensão com as sequências de violência explícita. Mesmo tendo por base uma trama centrada na figura de um psicopata sádico (recurso narrativo um tanto manjado), os diretores Aharon Keshales e Navot Papushado souberam criar algumas cenas efetivamente perturbadoras pela sua brutalidade e sordidez, principalmente quando surge a figura do policial corrupto e lascivo que sevicia duas jovens. No saldo geral, “Rabies” está longe de ser um marco ou obra-prima, mas se coloca acima da média do que vem sendo praticado ultimamente no gênero.

quinta-feira, dezembro 22, 2011

The Day of Ants In The Sky, de Akira Nobi ***



Mesmo não tendo o virtuosismo vertiginoso de Takashi Miike ou a precisa síntese narrativa de Takeshi Kitano, o diretor Akira Nobi se mostra em “The Day Of Ants In The Sky” (2011) como um nome a ser lembrado com atenção no atual panorama do cinema japonês. O filme se move de forma insinuante entre o policial violento e o drama psicológico, formando um todo irregular, mas repleto de momentos de bizarrices e estranhezas que oscilam entre o choque e o encanto. Trabalha-se com alguns elementos típicos do imaginário do cinema japonês (assassinos da Yakuza, violência gráfica exagerada, garotas colegiais que transitam entre a inocência e a perversidade), mas Nobi consegue extrair algo de instigante, tanto na sua composição visual quanto nas sutilezas dramáticas do roteiro. Talvez a seqüência que melhor ilustre a abordagem ambígua do cineasta seja aquela em que as duas moças aprisionadas numa grande sala, após desenvolverem um aparente laço de afeto, são obrigadas a se digladiarem até a morte, num combate feroz e com requintes de crueldade – o resultado sensorial de tais cenas desconcertam o espectador entre o riso e o choque.

quarta-feira, dezembro 21, 2011

Warlock - O Demônio, de Steve Miner ***



É inegável que em certos aspectos “Warlock – O Demônio” (1989) envelheceu de forma esquisita como obra do gênero horror. Afinal, algumas sequências que deviam ser assustadoras e tensas acabam parecendo atualmente toscas pelas trucagens bagaceiras na comparação tecnológica com os efeitos especiais contemporâneos. É de se considerar, entretanto, que o filme ainda carrega um certo encanto atemporal pela sua estética, tanto pela ingenuidade das resoluções dramáticas quanto pela caracterização visual de algumas cenas (com um destaque especial para a bem elaborada reconstituição de época do século XVII das tomadas iniciais). A interpretação exagerada e cheia de fleuma de Julian Sands, no papel do personagem-título, também colabora para caracterizar “Warlock” como aquele tipo de produção que está longe de figurar como um clássico imprescindível, mas que ganha uma conotação cult dentro daquela linha de filmes que ficam num recanto obscuro no nosso imaginário cinematográfico.

terça-feira, dezembro 20, 2011

Attack The Block, de Joe Cornish ****



A década de 80 foi um período pródigo no gênero das aventuras juvenis. Diretores como Spielberg, Joe Dante e Richard Donner entregaram algumas de suas melhores obras em tal estilo cinematográfico. Curiosamente, 2011 foi um ano em que o gênero em questão e a estética dos cineastas mencionados receberam uma inesperada revitalização. Para começar, com o divertido “Super 8” e depois com o britânico “Attack The Block”. Neste último, entretanto, a recriação vai bem mais longe. O diretor Joe Cornish permeia sua obra com um humor crítico e cínico. Além disso, valoriza o estilo naquilo que ele tem de melhor: cenas de ação coreografadas com clareza e precisão, plenas de uma dimensão épica notável, com destaque para a seqüência final de combate entre o protagonista Moses (John Boyega) e as nojentas criaturas alienígenas, numa impressionante utilização do recurso da câmera lenta. O cineasta trabalha muito bem com uma atmosfera de ambiguidade, em que o tom de aventura escapista convive sem cerimônia com uma visão um tanto crua do cotidiano barra pesada e de classe média baixa dos conjuntos habitacionais londrinos, além do fato de que o estilo clássico de filmar de Cornish não prescinde de algumas modernidades expressivas (a excelente trilha sonora eletrônica é sintomático disso). Cornish tem ainda um faro notável para a direção dos atores – há, no mínimo, uma meia dúzia de caracterizações antológicas em seu elenco. E todas essas qualidades formam um todo poderoso que tornam “Attack The Block” a grande surpresa desta temporada cinematográfica.

quinta-feira, dezembro 15, 2011

Pov, de Norio Tsuruta **1/2



Eu não disse que o negócio está disseminado? “Pov” é mais uma produção do gênero horror a utilizar o recurso da câmera subjetiva. O que a diferencia um pouco é que se trata de uma produção japonesa. Tal origem acaba até implicando numa abordagem diversa. Para começar, percebe-se um tom mais irônico na trama, enfocando algumas obsessões fetichistas tipicamente nipônicas (garotas colegiais bobinhas) e elementos em voga tanto nas sociedades ocidentais como nas orientais (programas televisivos de gosto duvidoso que oscilam entre o “informativo” e o reality show). Além disso, o filme traz bastante daquilo que se está acostumado a ver nas obras de horror recentes do cinema oriental: assombrações, relação entre o sobrenatural e a tecnologia moderna, ausência de finais felizes. Talvez aí esteja uma possível “originalidade” do filme: o encontro das tendências orientais e ocidentais do cinema de horror em uma mesma produção. “Pov” traz algumas soluções criativas em termos visuais e de roteiro, principalmente no seu terço final, em que há um jogo entre o “real” e aquilo que está registrado pela imagem televisiva. Outro ponto positivo é o fato dos personagens que manipulam a câmera serem supostamente profissionais faz com que o filme não tenha aquela impressão de estar tudo tremido ou fora de foco no momento de ação, permitindo, inclusive, que se observe boas trucagens.

quarta-feira, dezembro 14, 2011

Atividade Paranormal 3, de Henry Joost e Ariel Schulman ***



Convenhamos que em boa parte destas produções de horror que utilizam o recurso da câmera subjetiva, em que a câmera é “operada” por um dos personagens, tal opção estética e narrativa se revela muito mais como uma desculpa para uma incompetência formal dos diretores. A câmera tremeu ou saiu de foco? Não há nenhuma grande cena em termos visuais? Ora, isso é coerente, afinal o personagem que “filmou” é amador, a intenção é que tudo pareça amador mesmo. Maldita “A Bruxa de Blair”... Ocasionalmente, entretanto, alguma obra a utilizar tal estilo de filmar consegue sair da mesmice e entregar um resultado que consegue cumprir com aquilo que é o mínimo em um filme do gênero terror: o de assustar e causar alguma tensão. “Atividade Paranormal 3” (2011) consegue entrar nesse pequeno e seleto clube. Entre os seus acertos, os diretores Henry Joost e Ariel Schulman encontram um bom pretexto para que a câmera tenha um procedimento mais regular e profissional durante o filme: o personagem que a opera trabalha no registro de festas de casamento. É claro que pode parecer um motivo meio cretino, mas para o filme funciona bem. O cara até se dá o direito a fazer experimentos artesanais para obter uma melhor panorâmica das imagens (afinal, o roteiro do filme se desenrola nos anos 80, época em que as tecnologias das filmadoras estavam bem abaixo das atuais). A trama desse novo capítulo da franquia também é bastante superior às partes anteriores – as cenas com trucagens e sustos são bem mais constantes, o que torna o filme visualmente mais rico, mas sem perder o senso de suspense (que também é maior agora). É claro que algumas ideias do roteiro não são exatamente novas, mas são clichês bem aproveitados. No cômputo geral, até deixa uma certa expectativa para o próximo filme da série (coisa que não ocorreu nas produções anteriores).

terça-feira, dezembro 13, 2011

Rock Brasília - Era de Ouro, de Wladimir Carvalho ***1/2



Quem acompanhou o rock de Brasília quando o mesmo despontou na primeira metade da década de 80 sabe que as principais bandas de tal movimento não se destacaram especialmente pela técnica ou criatividade musical. O que houve naquele momento histórico foi uma conjunção de fatores específicos, indo desde a conjuntura econômico-social-política daquela época (os anos finais da ditadura e o começo da Nova República), passando pelo carisma e talento de Renato Russo e chegando na persistência e garra de alguns integrantes em particular. O grande acerto inicial do documentário “Rock Brasília – Era de Ouro” (2011) está em justamente não se concentrar nos méritos artísticos/musicais das bandas. O diretor Wladimir Carvalho busca um enfoque muito mais abrangente, sabendo evidenciar com precisão o contexto histórico de surgimento destes grupos, relacionando a vida de seus membros à própria evolução cultural da cidade (afinal, boa parte deles era filho de uma classe média alta que era base da vida econômica de Brasília – professores, burocratas, diplomatas). Os depoimentos colhidos são reveladores das variantes particulares que propiciaram a ascensão, apogeu e queda das bandas (e no caso do Capital Inicial, a volta improvável a um apogeu comercial ainda maior!). Carvalho mostra a veia apurada de documentarista ao saber extrair com sabedoria o essencial de cada entrevista, formatando de acordo com a sua proposta artística e conceitual. O fecho do filme é exemplar desta capacidade, em que as palavras e choro inesperados do pai dos irmãos Fê e Flávio Lemos do Capital Inicial sintetizam o espírito errático tanto do grupo em questão quanto do próprio movimento roqueiro oitentista brasiliense.

segunda-feira, dezembro 12, 2011

O Veneno Está na Mesa, de Silvio Tendler **



A obra do documentarista Silvio Tendler sempre foi marcada pelo questionamento social e político, às vezes até beirando o panfletário. Na maioria das oportunidades, entretanto, o cineasta teve um elogiável cuidado formal com os seus filmes – o espectador podia não concordar com o teor ideológico do que estava sendo dito, mas reconhecia a dinâmica narrativa de Tendler, sua capacidade de criar tensão e prender a atenção de quem assiste às suas produções. Em “O Veneno Está na Mesa” (2011), essa combinação entre conteúdo e forma não fica bem equacionada. Por mais relevantes que sejam as denúncias levantadas no documentário, o excessivo tom jornalístico torna tudo arrastado e sonolento. O filme se concentra quase que apenas em depoimentos, com o diretor deixando de explorar alguns detalhes de ambientação que poderiam enriquecer a sua proposta (principalmente o aspecto de isolamento dos colonos que se recusam a usar agrotóxicos em sua lavoura – fica apenas levemente esboçado que tal atitude venha de uma possível condição cultural/étnica). É claro que “O Veneno Está na Mesa”, na sua essência, tenha mais preocupações educacionais e informativas do que um comprometimento com o lado “artístico”, mas talvez uma concepção cinematográfica menos dura tornasse a sua mensagem mais universal.

sexta-feira, dezembro 09, 2011

Um Gato em Paris, de Jean-Loup Felicioli e Alain Gagnol ***1/2



É interessante observar que a recente tendência dos últimos anos no cinema francês de revalorização do gênero policial se estendeu também para as animações. “Um Gato em Paris” (2010) é prova disso. Apesar de ter como protagonista um gato malandro e carismático, cuja dona é uma adorável garotinha, sua trama gira em torno de ladrões, assassinos, oficiais de polícia, trazendo até um clima de violência e sordidez. A crueza de tal roteiro, entretanto, acaba entrando em choque com o traço leve que predomina no filme, causando um contraste perturbador ao espectador. O filme evoca ainda uma certa atmosfera retrô, trazendo à mente algumas antigas e clássicas obras de Jean-Pierre Melville e Henri-Georges Clouzot. A trilha sonora, recheada de temas no estilo embalinho jazz, realça ainda mais a atmosfera atemporal do filme. No final das contas, “Um Gato em Paris” se configura muito mais como um vigoroso exercício estético do que propriamente entretenimento infantil.

quinta-feira, dezembro 08, 2011

Entre Segredos e Mentiras, de Andrew Jarecki ***



Em sua estreia em uma obra ficcional, o diretor Andrew Jarecki deixa claro sua origem documentarista. O seu estilo de filmar em “Entre Segredos e Mentiras” (2010) não traz nada de exageros visuais ou dramáticos e nem maiores arroubos formais. O cineasta prefere uma abordagem mais cerebral e discreta de um caso real que por si já seria escandaloso. Tal opção criativa acaba se revelando adequada ao evidenciar a gradual e verossímil degeneração moral e psíquica do protagonista David Marks (Ryan Gosling), ao mesmo tempo que a trajetória do personagem adquire um caráter simbólico de conto moral a retratar o vazio existencial e a hipocrisia comportamental da sociedade norte-americana na virada entre as décadas de 70 e 80. Por mais que as atitudes de David sejam odiosas e doentias, Jarecki consegue manter uma atmosfera de impessoalidade e destituída de maniqueísmos – a loucura do personagem parece adquirir uma certa coerência com o ambiente em que ele se situa. A estética que domina “Entre Segredos e Mentiras” também colabora para acentuar essa visão seca e objetiva de Jarecki, com uma fotografia de tons pálidos e narrativa que oscila com elegância entre o presente e o passado. De se destacar ainda a sólida composição interpretativa de Gosling no papel principal, marcando David com gestos sutis (mas reveladores) e um olhar assustador pela imprevisibilidade que esconde.

quarta-feira, dezembro 07, 2011

Eu Queria Ter a Sua Vida, de David Dobkin **



Costumo dizer que os grandes problemas de um filme não residem em seus clichês temáticos, mas sim na sua abordagem formal. Ou seja, não importa muito a história como se conta, mas a forma com que tal história seja contada. Assim, “Eu Queria Ter a Sua Vida” (2011), mais uma comédia a ter como mote central do roteiro a troca de corpos entre os personagens principais, poderia merecer alguma chance, mesmo com a sua trama para lá de batida. A sua primeira meia hora até chega a ser promissora, principalmente por investir num humor escatológico maior que o habitual no gênero. Com o seu desenrolar, entretanto, a produção se afunda em convencionalismos excessivos, além de uma estrutura capenga de conto moral destituído de quaisquer ousadias. É como se a falta do que dizer em termos temáticos contaminasse a própria narrativa. O meu sentimento ao final da sensação foi o de não querer ver por um bom tempo alguma produção envolvendo a temática em questão...

terça-feira, dezembro 06, 2011

Os Três Mosqueteiros, de Paul W. S. Anderson *



O desastre artístico que representa esta mais recente versão cinematográfica de “Os Três Mosqueteiros” (2011) não tem relação com uma possível falta de fidelidade com o original literário. Afinal, se as mudanças viessem para tornar a obra mais funcional ou atualizada, não haveria grandes deméritos. O problema do filme é a sua equivocada concepção estética e narrativa – em boa parte da produção, temos a impressão de estarmos vendo um grande e genérico vídeo game (não à toa, o diretor Paul W. S. Anderson foi o responsável pela franquia para os cinemas da versão dos jogos “Resident Evil”). Tudo é basicamente agitado, espalhafatoso e barulhento, mas o efeito sobre nossa percepção sensorial é estéril. Algumas ideias envolvendo uma modernização tecnológica e uma abordagem mais cínica e violenta para situações e personagens são interessantes em termos teóricos, mas têm resultados práticos rasos e dramaticamente nulos. No final das contas, o que salva um pouco “Os Três Mosqueteiros” são algumas boas escolhas de elenco, mas que acabam se perdendo no oceano de incompetência que domina a obra.

segunda-feira, dezembro 05, 2011

Não Tenha Medo do Escuro, de Troy Nixey ***1/2



Nos últimos anos, os filmes mais comentados e cultuados no gênero horror têm se concentrado no já gasto estilo câmera subjetiva com enfoque pseudo-documental. Ou seja, aquelas produções em que se vê a história se desenrolar pela ótica de uma câmera que é conduzida por um dos personagens. Eventualmente, até se produziu algo de realmente relevante nesta forma de conduzir a trama, mas no mais das vezes tal procedimento serviu apenas para mascarar a pasmaceira criativa dos diretores. “Não Tenha Medo do Escuro” (2010) prova que a boa e velha maneira clássica de filmar uma obra de terror ainda consegue gerar os devidos calafrios de tensão sem precisar apelar para invencionices estéreis. O diretor Troy Nixey não se furta de usar alguns dos mais básicos clichês do gênero: casa mal assombrada, um segredo do passado mal escondido, uma família em crise (que com o conflito com o mal é obrigada a se unir), uma criança que se defronta com o sobrenatural (mas a qual ninguém dá crédito). Nixey embala tudo isso com convicção e estilo, abusando de uma estética gótica que beira o barroco, além de saber criar com precisão uma atmosfera de tensão angustiante. Outro acerto do filme está no design das criaturas que atormentam a pequena Sally (Bailee Madison): um misto certeiro entre o infantil e o devidamente repulsivo. Não é a toa, aliás, que o nome de Guillermo Del Toro esteja nos créditos de produção e roteiro – boa parte dos méritos de “Não Tenha Medo do Escuro” remetem ao melhores de produções anteriores concebidas pelo diretor mexicano.

quinta-feira, dezembro 01, 2011

Amizade Colorida, de Will Gluck **



O gênero comédia romântica costuma ser uma espécie de camisa de força criativa. É claro que de vez em quando alguém consegue ousar ou propor algo de novo. Mas na maioria das vezes, por melhores que sejam as intenções iniciais dos respectivos diretores, as obras que trafegam por tal linha acabam caindo na mesmice. “Amizade Colorida” (2011) é um exemplo claro disso. A produção se propõe na sua primeira metade a ironizar os clichês básicos do gênero, principalmente ao contextualizar tais lugares comuns diante das particularidades comportamentais ocidentais da atualidade, o que até acaba rendendo momentos efetivamente engraçados. Com o desenrolar da narrativa, entretanto, o filme acaba enveredando por um beco sem saída, diante da impossibilidade de levar esta visão mais ácida até as últimas conseqüências. Assim, acaba se rendendo a todas as previsibilidades possíveis e a uma concepção estética pouco inspirada, aliado ao fato dos personagens ficarem piorarem progressivamente na sua caracterização – afinal, por que a protagonista Jamie (Mila Kunis), gatinha e simpática, é tão traumatizada com relacionamentos? E as coisas degringolam de vez quando lembramos que recentemente foi lançada a insossa “Sexo Sem Compromisso” (2011), de roteiro praticamente igual.

quinta-feira, novembro 24, 2011

Trabalhar Cansa, de Juliana Rojas e Marco Dutra **1/2



Dentro de “Trabalhar Cansa” (2011) há dois filmes que tentam se relacionar. Um é um drama social, de cunho bastante irônico, que traz uma visão crítica dos princípios e mazelas que marcam a atual classe média brasileira. O outro filme é um de horror, que a princípio traz algo de psicológico, mas que com o desenvolver a narrativa se aproxima cada vez mais em se manifestar fisicamente. É claro que a intenção dos diretores Juliana Rojas e Marco Dutra é estabelecer uma aproximação simbólica entre os dois gêneros distintos que compõe a sua obra. De certa forma, é algo que Roman Polanski já havia feito com maestria em obras como “Repulsa ao Sexo” (1965) ou “O Inquilino” (1976). O problema de “Trabalhar Cansa” é que a junção de duas linhas de tramas raramente consegue soar orgânica, principalmente com a parte do sobrenatural, que acaba soando como uma tentativa meio envergonhada de enveredar para o terror. Mesmo assim, a produção tem os seus méritos, principalmente nas sequências que enfatizam o absurdo da condição humana que aflora em situações ditas “normais” – como os momentos finais do filme em que profissionais liberais a procura de um emprego deixam vazar sua “porção animal”.

sexta-feira, novembro 11, 2011

A Onda Verde, de Ali Samadi Ahadi ***



Dentro do gênero “documentários-denúcia”, “A Onda Verde” (2010) acaba se destacando pelo uso criativo de alguns recursos formais e dramáticos. O filme narra o obscuro episódio das fraudes das eleições do Irã em 2009 que gerou revolta em parte da população do país e a conseqüente repressão por parte da polícia do governo e milicianos simpatizantes. A produção se utiliza de depoimentos de alguns dos principais envolvidos e de animações que reproduzem alguns dos episódios comentados pelo mesmo. O traço dos desenhos animados oscila entre o leve e o realista, sem nunca atenuar, entretanto, a brutalidade e crueza das histórias de violência e humilhação contadas. O diretor Ali Samadi Ahadi demonstra segurança na condução da narrativa, não permitindo que a mesma caia no sentimentalismo excessivo. É claro que o fator emocional permeia o filme, mas o mesmo irrompe em determinadas sequencias de forma natural, coerente e sutil.

quinta-feira, novembro 10, 2011

Sangue no Celular, de Frank Piasecki Poulsen ***



Há obras cujo maior foco está na sua proposta temática do que em seus eventuais méritos artísticos ou formais. Esse seria o caso do documentário dinamarquês “Sangue no Celular” (2010), cujo objetivo principal é denunciar o uso oficial de minerais provindos de forma clandestina da África para a fabricação de telefones celulares. O diretor Frank Piasecki Poulsen expõe a hipocrisia e amoralidade de grandes corporações em tentar justificar aquilo que é injustificável. Apesar de suas intenções sócio-políticas, entretanto, Poulsen consegue elaborar um filme que apresenta uma narrativa envolvente, carregada de tensão e até mesmo aventura, afinal, além dos previsíveis depoimentos em escritórios e outros lugares mais confortáveis, ele não se furta em se embrenhar no meio de minas precárias e repletas de guerrilheiros armados nas selvas africanas, visando mostrar o cotidiano dos nativos praticamente escravizados que trabalham na extração. O constante risco de desabamentos ou de simplesmente levar um tiro transformam tais momentos a produção num verdadeiro thriller de suspense.

quarta-feira, novembro 09, 2011

Um Filme Inacabado, de Yael Hersonski ***1/2



Por mais que achamos que nada mais pode nos surpreender em termos de filmes sobre a 2ª Guerra Mundial, sempre acaba aparecendo algo que tem a capacidade de apresentar algo de novo sobre o tema. Esse é justamente o caso de “Um Filme Inacabado” (2009). Este documentário tem como mote a descoberta de um inédito registro audiovisual da rotina dos judeus no Gueto de Varsóvia. A partir disso, o diretor Yael Heronski estabelece uma narrativa que se divide na amostragem de tal registro e em um processo investigativo da origem do mesmo, buscando motivos e fatos que levaram a realização do mesmo. O resultado é impressionante ao evidenciar imagens duras e tristes do cotidiano de privações e humilhações dos judeus no período da Polônia ocupada pelos nazistas. Esta percepção fica ainda mais acentuada quando alguns dos sobreviventes que moravam no local naquela época assistem e comentam as cenas em questão – suas reações e expressões faciais sintetizam com brutal precisão o horror do Holocausto. No decorrer da narrativa, descobre-se que o registro tinha a função de servir como uma espécie de material de propaganda para mostrar que as coisas não estavam tão degradantes assim para os judeus naquele gueto. A realidade, porém, falou mais alto – não havia como esconder os cadáveres pelas ruas, a fome escancarada nos rostos das pessoas, a crueldade tirânica dos nazistas na sua vigilância. Tanto que o projeto de “marketing” foi cancelado e o filme acabou escondido por vários anos em um depósito de arquivos na Alemanha até ser descoberto há poucos anos. No final das contas, “Um Filme Inacabado” acaba reforçando o papel contraditório do cinema tanto como forma de ilusão quanto de evidência da verdade factual.

terça-feira, novembro 08, 2011

Mamute, de Gustave de Kervern e Benoît Delépine ***



Em um primeiro momento, “Mamute” (2010) é uma obra que se apresenta com um registro visual cru, quase de tinturas documentais, ao focalizar a rotina de Serge (Gerard Depardieu), açougueiro recém aposentado que se vê envolvido em questões burocráticas e que o obrigam a fazer uma viagem para lugares onde viveu sua infância e juventude. É claro que tal viagem acaba ganhando contornos de uma jornada de reminiscências e auto-descoberta para o tipo bruto. Ocorre que à medida que esse processo de reflexão se sucede, o filme vai enveredando para pequenos toques de cinema fantástico, indo de figuras excêntricas até aparições fantasmagóricas de um antigo amor do protagonista. A força do filme está em justamente contrapor dois universos distintos, o real e o delirante, e fazer com que essa relação soe natural, quase como se configurasse na tela um “cinema verdade onírico”. No mais, “Mamute” serve também como alegoria da própria persona de Depardieu, cuja figura destoante e desajeitada possui uma conotação que oscila entre o anacrônico e o desafiador.

segunda-feira, novembro 07, 2011

O Homem Mais Perigoso da América, de Judith Ehrlich e Rick Goldsmith ***1/2



Dentro do tradicional modelo de documentário histórico, pode-se dizer que “O Homem Mais Perigoso da América” (2010) não apresenta maiores novidades para o gênero. Seu grande mérito está em conseguir explorar com precisão as possibilidades temáticas que o assunto do filme toma como mote. Focalizando a trajetória de Daniel Ellsberg, analista de guerra que trabalhava para a CIA e que trouxe à tona para o grande público os podres que envolviam a participação dos Estados Unidos no conflito do Vietnã, a produção obtém uma extraordinária dinâmica narrativa se valendo basicamente de registros de arquivos e depoimentos atuais. Os diretores Judith Ehrlich e Rick Goldsmith conseguem uma ambientação diferenciada para o seu documentário ao transformarem o mesmo num thriller tenso, transcendendo o simples didatismo da exposição de fatos. No cômputo geral, “O Homem Mais Perigoso da América” consegue se firmar com dignidade no panteão de outras obras de destaque do cinema verdade que abordaram a questão da Guerra do Vietnã (“Corações e Mentes”, “Sob a Névoa da Guerra”).

terça-feira, outubro 25, 2011

Meus País, de André Ristum ***



Em termos de cinema nacional recente, são raras as produções que trazem o grau de refinamento estético e temático de “Meu País” (2011). Nesse último quesito, o filme trafega em uma linha perigosa, ao abordar questões que geralmente tem a tendência a cair no sentimentalismo excessivo. No caso da produção do diretor André Ristum, entretanto, adota-se uma linha contida, em que a emoção flui com mais sutileza e naturalidade, privilegiando-se uma construção dramática detalhista para situações e personagens, mas sem apelar para explicações em demasia e ressaltando mais o poder sugestivo do roteiro. Ristum também soube se apoiar num time competente de colaboradores. A direção de fotografia apresenta nuances expressivas, indo de registros de iluminação naturalista, como se simulasse algum vídeo familiar, até o progressivo esbranquecimento total das imagens da tomada final do filme, a sugerir uma espécie de fusão entre o real e o onírico. Já a trilha sonora evoca uma insólita sensação de atemporalidade para o filme, o que está em precisa sintonia com a trama do filme, em que um passado de conflitos pessoais mal explicados sempre se insinua no presente. O elenco de “Meus País”, no geral, também se mostra nessa mesma sintonia de discrição, com destaque para as interpretações de Rodrigo Santoro, Cauã Raymond e Paulo José que trazem um enfoque que foge do ostensivo, valorizando com sabedoria os silêncios.

segunda-feira, outubro 24, 2011

Contra o Tempo, de Duncan Jones ***



O diretor Duncan Jones acabou mostrando uma certa sintonia espiritual artística com o seu pai, David Bowie. Afinal, o camaleão do rock, entre outros alter egos, incorporou o alienígena Ziggy Stardust, além de ter interpretado um ET na produção inglesa “O Homem Que Caiu na Terra” (1976). Em seu filme mais recente, “Contra o Tempo” (2011), Duncan envereda com eficiência pela ficção científica, utilizando vários conceitos típico do gênero, de viagens do tempo ao uso de tecnologias excêntricas. O cineasta, contudo, não chega aos limites de experimentos radicais nessa vertente (na linha cyberpunk ou inspirado em Phillip K. Dick), formatando a trama dentro de um padrão “love story” com final feliz. Isso tira uma parte considerável do impacto que “Contra o Tempo” poderia ter, de acordo com a sua premissa inicial, mas também não torna o filme uma perda de tempo.

sexta-feira, outubro 21, 2011

Sem Saída, de John Singleton **1/2



Quando surgiu com “Os Donos da Rua” (1991), John Singleton foi visto até como um cineasta com um certo toque autoral, pertencendo a um movimento de diretores afro-americanos, encabeçado por Spike Lee, destinado a expor uma temática relacionada às dificuldades do povo black nos Estados Unidos, além de um possível estilo “negro” de filmar (de certa forma, uma espécie de continuação da forte herança blackexploitation dos anos 70). Se no decorrer dos anos, Spike Lee se consolidou como uma das principais forças criativas do cinema norte-americano, por outro lado Singleton se afastou daquela idéia inicial e se tornou um competente artesão no gênero ação a trabalhar para os grandes estúdios. “Sem Saída” (2011), sua obra mais recente, é um exemplar emblemático da sua atual condição. O filme está longe de ser um clássico no gênero em questão, mas tem os seus momentos – a encenação da porradaria e das perseguições é bem convincente (distante das medíocres invencionices da escola Zack Snyder de filmar) e Singleton consegue extrair tensão a partir de um roteiro repleto de clichês. No final das contas, mesmo dentro desse formato sem ousadia, o diretor merece crédito por conseguir fazer tudo isso tendo um verdadeiro peso morto inexpressivo no papel principal

quarta-feira, outubro 19, 2011

A Hora do Espanto, de Craig Gillespie **1/2



O karma de toda refilmagem é que por melhor que seja sempre acabará sofrendo a comparação com o original. Com esta nova versão de “A Hora do Espanto” (2011) não é diferente. Até porque dentro da média dos filmes de horror contemporâneos de grande orçamento ele acaba ganhando um certo destaque – tem alguns atores de carisma, boa caracterização visual e efeitos especiais interessantes. O problema é que a produção de 1985 dirigida por Tom Holland é bem mais cativante. Na relação estrita que se pode fazer entre as duas obras, a conclusão a que se chega é que a mais antiga acaba até parecendo um filme europeu perante a mais recente – personagens melhores desenvolvidos, roteiro que sabe valorizar o suspense, equação entre horror e comicidade melhor resolvida. Nesta mais recente concebida pelo cineasta Craig Gillespie, as noções de sutileza e tensão são jogadas no espaço em troca de uma narrativa que parte logo para a porradaria. É claro que tem os seus momentos divertidos, mas a sensação de produto descartável permeia a mente do espectador ao final do filme.

terça-feira, outubro 18, 2011

Professora Sem Classe, de Jake Kasdan **1/2



É inegável que a comédia “Professora Sem Classe” (2011) tem a capacidade de surpreender em alguns momentos no seu misto de vulgaridade, escatologia, politicamente incorreto e ironia aos costumes da classe média norte-americana, principalmente pela visão franca do roteiro ao expor sem maiores concessões questões complexas como preconceito, bullying e arrivismo social. O diretor Jake Kasdan consegue construir uma interessante atmosfera de sordidez e sarcasmo que permeia boa parte da produção. Cameron Diaz também surpreende na sua caracterização abertamente vulgar, beirando a escrotidão, da protagonista Elisabeth Halsey. A produção patina, entretanto, quando aos poucos vai se convertendo numa espécie parábola moral, o que parece não casar muito com a própria ambientação elaborada por Kasdan. Na realidade, o confronto entre o tom crítico de comédia negra e a necessidade do final feliz edificante acaba trazendo um beco sem saída criativo para “Professora Sem Classe”.

segunda-feira, outubro 17, 2011

Todo Mundo Tem Problemas Sexuais, de Domingos de Oliveira ***



Em seus últimos filmes, o diretor Domingos de Oliveira tem adotado uma maneira bastante livre de formar, onde o cuidado formal nem sempre é o mais esmerado e o foco principal se concentra na temática em si. Se em algumas obras tal abordagem resulta em estilo inquietante e criativo, em outras as soluções encontradas resvalam na indulgência. “Todo Mundo Tem Problemas Sexuais” (2008) é uma precisa síntese do estado atual da arte de Oliveira. Nascido originalmente como uma peça teatral, o filme não esconde sua gênese. Pelo contrário: o autor mistura na narrativa, sem cerimônias, diferentes formas de encenação para cada um dos episódios que compõem a produção – dramatização cinematográfica, encenação teatral e até mesmo ensaio entre os atores. A utilização de recursos típicos da dramaturgia, de fortes tons anti-naturalistas, não impede que o filme apresente concepções ousadas de cinema, principalmente pela dinâmica de sua montagem e por enquadramentos insólitos. A multiplicidade de estéticas se expande também para a natureza da visão de Oliveira sobre o conteúdo principal de “Todo Mundo Tem Problemas Sexuais”: o sexo. Assim, o roteiro varia de forma vertiginosa entre imprecações intelectuais eruditas, filosofia de botequim, pastelão escrachado e dramaticidade rasgada. Para acompanhar esta muito pessoal trip, é fundamental a contribuição dos seus atores, com destaque para as composições cheias de nuances de Priscila Rozembaum e Pedro Cardoso.

sexta-feira, outubro 14, 2011

Medianeras, de Gustavo Taretto **1/2



Na ânsia de fazer um retrato sobre as relações humanas nos tempos modernos, “Medianeras” (2011) acaba tropeçando nas pernas pelo excesso de referências e auto-explicações. As narrações over dos personagens são explicativas demais, acabando por esvaziar as possíveis metáforas que poderiam ser feitas a partir da relação entre a rotinas solitárias dos mesmos personagens e as aparentes facilidades tecnológicas que os cercam. O diretor Gustavo Taretto acaba também caindo na armadilha de rechear a trama com citações visuais, canções e diálogos “espertos” que vinculam o filme a um particular universo pop contemporâneo – pode ser que tais recursos tragam uma possível identificação com uma parcela contemporânea da platéia que goste de tais referências, mas também dá ao filme uma atmosfera datada e pouco orgânica. Por vezes, tais escolhas estéticas surtem algum efeito, principalmente aos criarem uma ambiência opressiva que sugere um clima de pesadelo que oscila entre o irônico e o angustiante. Em outras oportunidades, entretanto, o jogo entre o cômico e o dramático fica mal costurado, tornando a narrativa de “Medianeras” um tanto amorfa. No final das contas, pode-se sair da sala de cinema com a impressão de ter visto uma versão portenha de “O Fabuloso Mundo de Amelie Poulain” (2001).

quinta-feira, outubro 13, 2011

Elvis & Madonna, de Marcelo Laffitte **

Por mais inusitado que seja o seu tema (o romance de uma lésbica com um travesti), “Elvis & Madonna” (2010) acaba padecendo de anemia criativa. Fotografia e edição são tão poucos imaginativos que fazem o filme mais parecer um grande episódio televisivo, além do roteiro recorrer constantemente a clichês cômicos que tornam a obra um tanto rasteira, diante das possibilidades que a sua história poderia trazer. O que poderia ter rendido uma viagem profunda sobre os preconceitos e convenções envolvendo a sexualidade humana acaba se convertendo em uma espécie de parábola moral edificante. A grande sustentação dramática da produção fica nas interpretações de Simone Spoladore e Igon Cotrim nos respectivos papéis de seus protagonistas, em atuações que conseguem alternar de forma convincente sutileza e arroubos emocionais.

terça-feira, outubro 11, 2011

Subterrâneos, de José Eduardo Belmonte **1/2



O cinema do diretor José Eduardo Belmonte sempre foi conturbado. Sua concepção formal sugere uma espécie de colapso no olhar, de narrativa fragmentada e enquadramentos que oscilam entre o tradicional e o documental. Tal estilo de filmar se mostra em sintonia com a própria natureza das tramas de Belmonte: a sociedade em colapso ético, personagens confusos e sem rumo que só encontram alguma possível saída no desafio confuso perante a ordem moral e legal. “Subterrâneos” (2004), primeira obra dirigida por Belmonte, evidencia boa parte dessas características particulares do cineasta, mas só que de forma bastante rascunhada. Assim, os excessos imperam: câmera de movimentos atribulados constantes, profusão de diálogos existencialistas, montagem que simula um vídeo amador, personagens cheio de conflitos (mas cujas origens temos apenas uma vaga idéia). Se por vezes fascina, essa demasia de ideias e referências também torna “Suberrâneos” irritante em outros momentos. De qualquer, a cinematografia de Belmonte prima pelo sensorial – é provável que encher o saco da platéia também faça parte de suas intenções.

segunda-feira, outubro 10, 2011

Missão Madrinha de Casamento, de Paul Feig ***



É tradição na comédia norte-americana a capacidade de refletir de forma crítica o espírito de uma época por trás de tramas aparentemente superficiais ou de momentos de pura escatologia e mau gosto. “Missão Madrinha de Casamento” (2011) honra com discrição esta sina. A protagonista Annie (Kristen Wiig) capta com razoável fidelidade alguns dos dilemas típicos de parte das mulheres do novo milênio: tem relações vazias emocionalmente com os homens (apesar de desejar ao contrário), fracassou profissionalmente, pouca grana no bolso. A caracterização do personagem chega a ser perturbadora pela crueza com que a sua rotina é exposta. É mérito do diretor Paul Feig conseguir moldar este aspecto deprimente da trama em um formato cômico tradicional repleto de sequências que beiram o pastelão, além de um inevitável final feliz. É claro que o lado mais questionador do filme acaba suavizado por tais convenções, mas é inegável que este fator de acessibilidade acaba tornando a proposta do roteiro mais universal. Além disso, o tom irônico em relação a determinados valores da sociedade ainda está lá, mesmo que um pouco diluído, de modo a deixar a platéia com uma sensação inquietante ao termino da produção.

quinta-feira, outubro 06, 2011

Um Conto Chinês, de Sebastián Borenztein **1/2



Parece que virou rotina que pelo menos uma vez ao ano apareça uma produção argentina que se torne uma espécie de fenômeno cult de público e crítica. Na grande maioria das oportunidades, entretanto, trata-se de alguma obra mediana de concepção formal apenas correta e temática com elementos novelescos (e nisso pode-se incluir até mesmo o oscarizado “O Segredo dos Seus Olhos”). Ah, e quase invariavelmente tais filmes trazem como protagonista o Ricardo Darin. Bem, tudo isso para dizer que “Um Conto Chinês” (2011), o argentino da vez, não foge à regra. A presença de chineses na trama até dar um certo ar exótico, mas na essência se trata de mais do mesmo. O roteiro é um primor de formulismo: Roberto, sujeito turrão e solitário (mas no fundo boa gente), acaba acolhendo um chinês em sua casa e é obrigado a rever os seus conceitos de vida, dando até uma chance para uma solteirona que o ama. O diretor Sebastián Borenztein conduz a sua narrativa sem maiores esboços de ousadia, com a possível exceção da sequência de abertura, que traz um certo toque de realismo fantástico. No final das contas, o que dá peso para “Um Conto Chinês” são alguns momentos efetivamente engraçados e a interpretação consistente de Darin, que oferece dignidade e carisma ao seu personagem. E querer ver mais que isso no filme é forçar a barra.

terça-feira, outubro 04, 2011

O Grande Êxtase do Entalhador Steiner, de Werner Herzog ****



Na superfície, “O Grande Êxtase do Entalhador Steiner” (1973) é um documentário a retratar o ápice de superação de Walter Steiner, campeão mundial de salto de esqui, que atinge sucessivamente impressionantes recordes mundiais. Na essência, entretanto, é obra que mostra a construção de mito, retratando o momento exato em que o homem se converte em lenda vida. Quando está fora da plataforma de salto e sem os esquis, Steiner é uma criatura tímida e desajeitada, de ar quase introspectivo. Quando entra em ação, ganha uma postura que beira a divindade, praticamente um semideus a desafiar os limites da velocidade e da gravidade. A forma com que Herzog registra os saltos de Steiner também colabora para a construção de tal dimensão épica: enquadramentos inusitados e uma câmera lenta que capta todas as nuances da performance do esquiador dão a impressão de que estamos vendo algum ser alado tirado de algum conto fantástico invadindo a nossa realidade. Mas se Herzog expõe um olhar admirado pelas proezas de seu protagonista, ele também reserva a lembrança de que o limite entre a glória mitológica e a dura realidade do fracasso é muito tênue – há sequências que trazem casos de saltos que resultaram em tragédias, como se o diretor lembrasse da própria fragilidade física humana diante de uma tentativa frustrada. Essa contraposição entre o sucesso e o fracasso estimula o questionamento sobre os motivos reais de um homem como Steiner a tentar ultrapassar cada vez mais as suas próprias marcas. A falta de uma resposta plausível acentua a aura de mistério que permeia “O Grande Êxtase do Entalhador Steiner”.

segunda-feira, outubro 03, 2011

Gasherbrum, de Werner Herzog ***1/2



A temática do documentário “Gasherbrum” (1984) pode lembrar algum episódio do Globo Repórter ou de um canal esportivo qualquer: dois alpinistas enfrentam dois grandes picos em apenas uma escalada. Se nos programas televisivos tal evento seria tratado como um exemplo de superação pessoal ou outra lição de vida edificante, nas mãos de Werner Herzog o mesmo acaba ganhando uma conotação bem diversa. Na visão pouco emocional do diretor alemão, o feito dos protagonistas é o retrato de uma obsessão e de desejos profundos que os envolvidos mal conseguem explicar. Não se trata de heroísmo, mas simplesmente de um beco sem saída existencial, em que a única alternativa restante na vida deles é escalar nas condições mais adversas possíveis. O método formal meticuloso e de distanciamento emocional de Herzog ao filmar encontra sintonia espiritual com a própria ambientação inóspita onde a produção se desenrola, e rende, pelo menos, uma seqüência antológica – aquela em que o diretor entrevista um dos aventureiros em questão sobre um episódio anterior em que o seu irmão, também alpinista, faleceu em uma escalada. O depoente mantém um tom sereno durante toda a narrativa que faz da sua tragédia pessoal, mas desaba em soluços quando indagado sobre como comunicou à sua mãe sobre o falecimento do outro filho. É avassalador o efeito do intimismo de tal manifestação em meio à crueza da abordagem até então praticada por Herzog. É como se não houvesse lugar para tais lágrimas naquele ambiente gélido.

sexta-feira, setembro 30, 2011

O Diamante Branco, de Werner Herzog ***1/2



Voltando a uma de suas temáticas favoritas, a relação conturbada entre o homem e a natureza, o diretor Werner Herzog oferece um retrato perturbador da obsessão humana no documentário “O Diamante Branco” (2004). Nos momentos iniciais, predomina um certo detalhamento técnico das minúcias que envolvem o projeto do protagonista Graham Dorrington, um engenheiro aeronáutico que projeta e constrói um dirigível com o objetivo de filmar uma floresta da América do Sul. Com o desenrolar da produção, entretanto, Herzog insere sutilmente elementos pessoais dos principais envolvidos na operação, extraindo depoimentos e situações que refletem um choque entre conflitos intimistas com a dimensão épica da jornada de Graham. Fica estabelecida uma metáfora poética: quanto mais avançam na floresta e procuram fazer com que o dirigível alce vôo, mais revelam e se aprofundam sobre as razões de se envolverem em empreitada tão difícil. Além disso, o cineasta mostra a sua habitual e particular forma de retratar ambientes nativos, num misto de admiração e temor perante o desconhecido. No geral, o registro de Herzog em “O Diamante Branco” até evoca uma das suas mais obras mais comentadas no gênero documentário, “Fata Morgana” (1970), com o real se transmutando em imagens que até ganham conotações oníricas – afinal, o diamante branco do título é uma comparação entre o formato da aeronave em questão no ar com aquele da pedra preciosa que por muitos anos era encontrada na Guiana Francesa, local onde a obra foi filmada.

quinta-feira, setembro 29, 2011

Fata Morgana, de Werner Herzog ***1/2



Tentar entender ou explicar “Fata Morgana” (1970) como um documentário a retratar o coração e alma da África seria impreciso. Aparentemente, não há um roteiro linear que ajude ao espectador a compreender o que seria a “trama” do filme. São imagens e sons que se sucedem e combinam, com sucessivos planos seqüências, de forma um tanto aleatória. O que era para ser cinema verdade acaba se tornando uma espécie de divagação existencial e estética a refletir um estado espiritual. Herzog demonstra olhar fascinado sobre o exotismo e mistério que rondam o continente africano, mas não transforma sua produção em algo de caráter didático ou de exaltação para gringo ver. Seu registro é de tintas impressionistas, em que mesmo o flagra da “verdade”, de acordo com a concepção formal do diretor, adquire, por vezes, o viés do irreal e do atemporal, sensação essa que é reforçada ainda mais por uma trilha sonora climática, marcada por temas típicos de rock progressivo setentista na linha kraut rock. Também permeia “Fata Morgana” a característica forma de Herzog retratar a natureza: sua abordagem não é de deslumbre ecológico, mas sim de um temor em relação ao desconhecido que emana daquelas paisagens inóspitas. Tal visão, por sinal, continuou a ser explorada em obras posteriores e fundamentais do diretor (“Aguire”, “Fitzcarraldo”, “O Homem Urso”).

quarta-feira, setembro 28, 2011

Larry Crowne - O Amor Está de Volta, de Tom Hanks **1/2

O título que arrumaram no Brasil para a mais recente incursão de Tom Hanks na direção acaba dando um sentido enganoso para a produção. Não que o elemento comédia romântica não esteja presente na trama – na realidade, é até um dos seus motes centrais. Mas “Larry Crowne – O Amor Está de Volta” (2011) tem uma pretensão um pouco maior na sua proposta. O que na realidade o diretor se propõe no filme é realizar uma espécie de revitalização daquelas comédias dramáticas de Frank Capra, em que no meio da recessão econômica pós-1929 se procurava fazer uma exaltação dos melhores valores humanos do homem comum norte-americano. No caso de Hanks, o roteiro se contextualiza na ressaca da quebra da economia mundial ocorrida em 2008 (e que na realidade ainda se expande atualmente). Os protagonistas vividos por Hanks e Julia Roberts se encontram com suas vidas pessoais em colapso. A personagem de Julia, inclusive, esboça um caráter niilista, devidamente temperado por alcoolismo light. Por se tratar de uma comédia de elenco estelar, é óbvio que tais figuras alcançam a sua redenção. É inegável, entretanto, que “Larry Crowne” traga no seu bojo uma visão crítica em relação aos valores pequenos burgueses. Por mais que as suas criaturas tenham um final feliz, algumas das soluções propostas na conclusão não enveredam pela mágica fácil. É como se o filme propusesse algo na linha “seja feliz com o que você tem ao seu alcance”, o que não deixa de ser um viés desafiador das convenções pequeno burguesas de sucesso a qualquer preço. No mais, Hanks pode não ter a mesma classe formal de Capra, mas mesmo assim consegue oferecer alguns momentos de boa diversão escapista, mas com uma certa dose de reflexão.

sexta-feira, setembro 23, 2011

Até o Fim - E Além, de Peter Buchka ***1/2



A concepção de “Até o Fim – E Além” (1988) até exala uma aparente simplicidade – consiste basicamente em uma entrevista do diretor alemão Werner Herzog comentando algumas de suas principais obras, entrecortado por trechos dos mesmos. O próprio fato de exibir alguns dos melhores momentos da cinematografia de Herzog já transformaria tal documentário em uma produção de peso, mas as coisas transcendem ainda mais pelo conteúdo das declarações do cineasta germânico. Ele expõe com veemência as suas visões pessoais e filosóficas sobre o cinema e o mundo que o cerca, explicando como tais visões se relacionam com a sua filmografia. Em suas observações, Herzog traz algo entre o delirante e a lucidez, conflito esse que sempre se manifestou em filmes como “Aguirre – A Cólera dos Deuses” (1972) e “Fitzcarraldo” (1982). Gostando ou não de sua obra, é inegável que a mesma reflete com fidelidade as intenções formais e temáticas de Herzog. Isso pode ser constatado na medida em que as declarações do artista revelam um grande domínio dele em relação ao que desejava e ao que realizou em seus filmes. E talvez esse seja o grande mérito de “Até o Fim – E Além”, na medida em que joga uma luz sobre as produções do artista e lhe dá uma perspectiva que as tornam ainda mais fascinantes.

quinta-feira, setembro 22, 2011

Cowboys e Aliens, de Jon Favreau **1/2



Dentro de uma concepção típica da cultura pop, a ideia central de “Cowboys e Aliens” (2011), apesar de não muito original, é muito boa ao procurar juntar dois dos mais estimados gêneros cinematográficos – faroeste e ficção científica. Não deixa de ser atraente também o fato de uma trama e ambientação características do cinema B receberam um tratamento de produção classe A. Mas se na teoria tais aspectos despertam curiosidade, na execução as coisas ficam abaixo do esperado. O pastiche de elementos diversos faz que tanto a parte western quanto a espacial soam fake e limpinhas demais. É claro que não dava para esperar um estilo clássico no dirigir na junção de gêneros diversos. O que incomoda é uma ambientação um tanto asséptica em que até a sujeira e o sangue parecem excessivamente clean. É de notar também que uma trama como “Cowboys e Aliens” exigiria uma abordagem mais marcada pela ironia, tendo em vista o tom juvenil de sua premissa. O que predomina durante o filme, todavia, é um viés dramático, de conotações moralistas e repleto de discursos edificantes, o que acaba sendo um pouco ridículo. Deixando tais equívocos de lado, resta ainda em alguns momentos uma diversão espapista até bem palatável, principalmente pelos bons efeitos especiais e pela ação desenfreada de algumas sequências. Talvez o azar de “Cowboys e Aliens” esteja no fato de que em 2011 houve produções de aventura nas telas bem mais satisfatórias como “X-Men: Primeira Classe”, “Capitão América: O Primeiro Vingador” e “Planeta dos Macacos: A Origem”.

quarta-feira, setembro 21, 2011

Além da Estrada, de Charly Braun **1/2



O grande mérito de “Além da Estrada” (2010) está na forma com que o filme aproveita as paisagens do interior do Uruguai. A direção de fotografia da produção consegue captar com sensibilidade a beleza melancólica dos pampas. Tais enquadramentos, entretanto, não se limitam à mera demonstração de virtuosismo. O diretor Charly Braun consegue estabelecer uma relação dessas imagens com a temática do filme – a de jovens em momento de indecisão que procuram algum sentido para a sua vida. De certa forma, Braun evoca um pouco da escola Sofia Coppola de filmar – olhar contemplativo, personagens em crise existencial, trilha sonora na linha rock/folk indie. O seu diferencial dentro do mencionado estilo se encontra no fato de se utilizar técnicas documentais no registro de algumas cenas, quase como se quisesse captar o efeito casual em diálogos e situações. Nesses momentos, “Além da Estrada” atinge o seu pico criativo. No geral, padece de uma certa frouxidão na dinâmica cinematográfica pelo excesso de quebras no seu ritmo narrativo.

segunda-feira, setembro 19, 2011

Esses Amores, de Claude Lelouch ***



Em um primeiro plano, “Esses Amores” (2010) seria uma história romântica marcada por um pano de fundo histórico. Em essência, entretanto, trata-se de uma espécie de inventário estético e biográfico do diretor francês Claude Lelouch, onde o mesmo faz a profissão de fé de suas obsessões formais e temáticas. Misturando gêneros (romance, guerra, musical), o cineasta gera um pastiche que configura diversas influências e referências, e, por mais que tenha passagens de histórias reais, monta um mosaico narrativo que evoca vários elementos do nosso imaginário cinematográfico. Em alguns momentos, a narrativa se torna frouxa e até mesmo fragmentada, com personagens e situações se desenvolvendo de forma superficial e apressada, mas é inegável que algumas sequências trazem um cuidado visual e sonoro cativante, induzindo a um registro de tintas quase oníricas. De certa forma, é como se Lelouch jogasse no celulóide uma gama de reminiscências e fizesse com que as lembranças se materializem numa trama. Como toda recordação, é provável que o tom fique distorcido/idealizado, o que dá para o filme uma atmosfera algo irreal. Apesar de um todo irregular, “Esses Amores” é um exercício contundente de cinema por afirmar um toque personalista na sua concepção e realização.

sexta-feira, setembro 16, 2011

Ainda Há Pastores?, de Jorge Pelicano ***1/2



Em princípio, a temática do documentário português “Ainda Há Pastores?” (2008) aparenta simplicidade: o progressivo fim da atividade pastoril na Serra das Estrelas. Registra prosaicos episódios do quotidiano dos moradores da região, dando especial ênfase para a rotina de Hermínio, o mais jovem pastor em atividade da localidade e, possivelmente, o último que exercerá a profissão. O diretor Jorge Pelicano adota uma concepção formal, entretanto, que transcende o conteúdo de sua trama, dando a mesma uma dimensão épica e que beira até mesmo um certo tom delirante. A direção de fotografia capta flagras antológicos da beleza natural daquelas montanhas, fazendo com que o local se apresente aos olhos do espectador como um refúgio situado em um fragmento de eternidade em que o tempo parou. Mesmo assim, Pelicano sempre nos deixa consciente que o fim daquela civilização arcaica e bucólica está próximo, com a modernidade do mundo exterior sempre à espreita agindo como um canto da sereia para os seus derradeiros habitantes. A solene narração em off acentua a impressão de anacronismo melancólico que ronda a produção. A figura de Hermínio sintetiza com perfeição os conflitos e contradições que emanam de “Ainda Hás Pastores?”: o rapaz é uma verdadeira força da natureza no seu misto de força bruta, ignorância, bom humor, observações perspicazes e hábitos bonachões (fuma e bebe como um condenado, além de adotar dieta alimentar baseada em muita gordura e quase nada de vegetais), pastoreando sem parar pelos campos e montanhas, mas se sentindo atraído pela possibilidade de trabalhar menos e descansar mais numa possível troca pela vida na cidade. E dentro de um conjunto tão coeso como narrativa, destacam-se algumas seqüências pela graça que oscila entre o ingênuo e o malicioso, como aquela em que Hermínio vai ao show do seu ídolo musical Quim Barreiros – a fúria com que rapazes e moças dançam no salão lembra muito mais um show punk do que a apresentação de um cantor brega-regional.

quarta-feira, setembro 14, 2011

Lanterna Verde, de Martin Campbell **1/2



Em adaptações recentes bem sucedidas do universo dos quadrinhos para o cinema como “X-Men: Primeira Classe” e “Capitão América: O Primeiro Vingador”, constata-se uma eficiente combinação de roteiros interessantes com encenações claras e dinâmicas, além de um respeito pela essência dos personagens conforme a sua mídia original. Em “Lanterna Verde” (2011), tal equação não consegue se concretizar. Claro que há pontos a se louvar, como os bonitos efeitos visuais, a caracterização repulsiva dos vilões e uma ambientação um tanto violenta e sórdida. No mais, entretanto, predomina uma narrativa truncada, aliada a uma trama que pouco desenvolve personagens e situações – é tudo muito rápido e superficial, com o diretor Martin Campbell dando a aparência de estar seguindo burocraticamente alguma cartilha de como fazer versões cinematográficas de um gibi. Completa os equívocos uma interpretação desprovida de carisma e profundidade de Ryan Reynolds no papel do protagonista. Claro que está longe de ser um filme ruim, mas como resultado final, “Lanterna Verde” acaba sendo uma decepção dupla, tanto pelo potencial criativo desperdiçado do personagem principal quanto pelo histórico de Campbell, o mesmo responsável por “Cassino Royale” (2006), uma das melhores aventuras da série 007.

terça-feira, setembro 13, 2011

Amor a Toda Prova, de Glen Ficarra e John Requa **



Steve Carrell é um ator cômico de potencial considerável. Quando bem aproveitado (“O Âncora”, “O Virgem de 40 Anos”), consegue ter alguns momentos antológicos de humor alucinado. Nos últimos anos, entretanto, tem se enquadrado em, pelo menos, dois insípidos nichos específicos no gênero comédia – aventuras light e familiares (“Agente 86”, “Uma Noite Fora de Série”, “A Volta do Todo Poderoso”) e dramas indie familiares (“Pequena Miss Sunshine”, “Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada”). “Amor a Toda Prova” se enquadra na segunda opção e é igualmente frustrante. A premissa inicial da trama é até interessante – o protagonista Cal (Carell) é traído pela esposa (Julianne Moore), com a mesma pedindo ainda o divórcio. A partir daí, acaba recebendo lições de um sebento metido a conquistador (Ryan Gosling) e passa a sair com várias garotas. O que poderia ter sido uma ácida crítica ao bem comportado modo de vida classe média aos poucos se converte na exaltação deste mesmo modelo, com Cal fazendo de tudo para reconquistar a ex-mulher. O final brega, com aqueles literais discursos moralistas, põe tudo mais a perder ainda. A concepção formal do filme obedece aos ditames temáticos, adotando visual e encenação assépticos, ainda que a bonita trilha sonora de canções indies insista em oferecer uma certa atmosfera indie. No mais, o filme até tem algumas sequências efetivamente engraçadas, quando se esquece o seu tom moralizante, além de possuir um elenco acima da média, mas acaba sendo pouco para salvar “Amor a Toda Prova” de um resultado final insatisfatório.

segunda-feira, setembro 12, 2011

Pacific, de Marcelo Pedroso **1/2



O próprio formato de “Pacific” (2010) já é algo polêmico. Afinal, coloca em cheque a importância do papel do diretor de um filme no momento em que o cineasta Marcelo Pedroso não coordenou qualquer tomada no documentário, aproveitando-se exclusivamente de registros amadores dos turistas participantes de um cruzeiro para Fernando de Noronha. Assim, seu papel foi trabalhar o material na montagem e lhe dar a coesão narrativa. Para aqueles que acreditam no cinema dentro da concepção de obra bem composta visualmente, tal procedimento beira a heresia. No entanto, dentro dessa proposta insólita, Pedroso consegue extrair um filme que tem momentos genuinamente engraçados e que pouco cai no enfadonho. Além disso, o diretor constrói uma obra que adquire interpretações diferentes de acordo com o olhar de cada espectador. É provável que o público cativo deste tipo de produção alternativa, que mais é exibido em festivais ou num circuito de salas não comerciais, entenda “Pacific” como a ridicularização do modo de pensar e estilo de vida pequeno burguês. Também é possível, entretanto, que se tal filme fosse exibido para uma platéia típica de salas comerciais a visão seria diversa – o mesmo espectador poderia dizer: “Que legal!! Eu queria estar me divertindo com esse pessoal!”. Por mais tosco que a sua concepção formal possa ser em alguns momentos, a força de “Pacific” está nesta capacidade de valorização do olhar subjetivo de quem o vê.

terça-feira, setembro 06, 2011

Estamos Juntos, de Toni Venturi **1/2



O diretor Toni Venturi já havia abordado o universo do MST (Movimento dos Sem Teto) e assemelhados no ótimo documentário “Dia de Festa” (2006). Em “Estamos Juntos” (2011), ele se volta novamente para esta temática, mas a relacionando a uma trama ficcional de cunho intimista. Não à toa, alguns dos melhores momentos desta produção mais recente do cineasta estão naquelas tomadas que mostram a invasão de um prédio abandonado por integrantes do movimento e seu consequente confronto com a polícia. Venturi filma a ação com competência, valendo-se, inclusive, de recursos tipicamente documentais, como câmera de mão e imagens granuladas. No geral, entretanto, “Estamos Juntos” apresenta uma narrativa irregular. Percebe-se o que o diretor quer propor ao contrapor o drama pessoal da protagonista Carmem (Leandra Leal) com elementos de drama social. O problema é que em algumas sequências o filme acaba adquirindo um certo tom ingênuo e professoral no viés politicamente correto que adota. Mesmo assim, “Estamos Juntos” ainda apresenta algumas nuances que o tornam uma experiência cinematográfica interessante, principalmente pela interpretação sanguínea de parte de seu elenco (com destaque para a própria Leandra Leal) e para a ótima trilha sonora, que inclusive acaba tendo relevância para o contexto dramático do roteiro.

segunda-feira, setembro 05, 2011

Planeta dos Macacos - A Origem, de Rupert Wyatt ***1/2



Os mais ranhetas podem dizer que há excessos de convencionalismos no roteiro. Ou os mais nostálgicos podem dizer que os primeiros filmes da série eram mais charmosos pela maquiagem dos macacos. Tudo isso, entretanto, é preciosismo desnecessário. “Planeta dos Macacos – A Origem” (2011) traz aquilo que sempre foi essencial para a franquia – a combinação bem azeitada de aventura empolgante e uma trama consistente. Os efeitos especiais digitais de captação de movimentos dão uma clareza cristalina para o visual do filme, com os macacos oscilando com desenvoltura entre os movimentos selvagens e expressões e gestos humanizados. A interação das trucagens com atores e cenários reais impressiona pela naturalidade, com o ápice desta integração se concentrando nas sequncias finais de embates entre símios e humanos. Os efeitos também conseguem a proeza de possibilitar individualizar os principais protagonistas primatas, ressaltando a importância dramática de cada um. Já em termos de trama, o filme realmente se prende a alguns gastos dogmas no gênero ficção científica (conflitos entre a ciência e a ganância, a falta de ética e humanidade nos experimentos científicos que levam ao apocalipse, os preconceitos), mas os mesmos são explorados com sensibilidade em algumas de suas nuances, além da história trazer alguns momentos de sutis simbologias e detalhes. A conjunção de todas essas qualidades cria expectativa para os eventos futuros que a final em aberto de “Planeta dos Macacos – A Origem” sugere.

sexta-feira, setembro 02, 2011

Um Sonho de Amor, de Luca Guadagnino ***1/2



A influência de Luchino Visconti paira em boa parte dos fotogramas de “Um Sonho de Amor” (2009). Pode-se perceber algo daquele rigor do velho mestre italiano na forma do diretor Luca Guadagnino em registrar ambientes suntuosos, figurinos elegantes e cenários bucólicos. Por alguns momentos, a câmera até se desvia da ação principal para enfatizar detalhes cênicos. Mas não se trata de simples demonstração gratuita de virtuosismo formal – Guadagnino consegue estabelecer uma simbiose do apuro visual do filme com a sua temática de confronto entre valores sentimentais e materialismo pequeno-burguês. Por mais que a produção tenha uma conotação de parábola moral, é inegável o poder ambivalente de atração e repulsa que se estabelece pelo quotidiano de luxo da protagonista Emma (Tilda Swinton) e sua família, principalmente pelas imagens e sons cheios de nuances que o diretor capta com fervor. Assim como em obras clássicas da filmografia de Visconti (“Deuses Malditos”, “Morte em Veneza”, “A Sedução da Carne”), a temática da decadência moral e ética se destaca como mote da trama, mas tal decadência sempre é filmada com extrema elegância. A forma com que Guadagnino resolve contrapor sua crítica a esse universo é elaborando seqüências em que a narrativa adquire conotação fortemente sensorial. Nesse sentido, as tomadas da transa de Emma e seu amante na relva são sintomáticas, com a ambientação remetendo a um cenário de puro onirismo. No mais, a conclusão de “Um Sonho de Amor” consegue a proeza de ser ousada e ao mesmo tempo coerente com a referida abordagem estética e temática de Guadagnino.

quinta-feira, setembro 01, 2011

Balada do Amor e do Ódio, de Alex de la Iglesia ****



As concepções particulares cinematográficas de Alex de la Iglesia atingem sua ebulição máxima em “Balada do Amor e do Ódio” (2010). Se suas produções sempre trafegaram num limite entre o realismo e o estilizado, nesta obra mais recente o diretor arrebenta com a mencionada fronteira e gera algo que parece advindo de um pesadelo ultra distorcido. Mesmo o franquismo, já bastante abordado em outros exemplares do cinema espanhol, recebe uma conotação perturbadora. Iglesia joga com elementos históricos de forma sarcástica, inserindo figuras e fatos reais, como o próprio General Franco, em uma trama envolvendo guerra, ditadura, palhaços psicóticos, taras sexuais e outras esquisitices. No meio disso tudo, há uma série de referências que vão de “Freaks” (1932) de Tod Browning (não à toa, boa parte do roteiro se desenvolve em um circo) até o universo repleto de simbologias e onirismo de Alejandro Jodorowsky. O cineasta brinca com conceitos típicos de um imaginário cinematográfico obscuro (como atesta a figura dos clowns desfigurados e violentos), assim como desconcerta com uma atmosfera que oscila sem cerimônia entre a comédia ácida e o puro horror, isso sem falar da arrasadora abertura, em uma alucinada seqüência de guerra que se assemelha a um sonho sangrento. E talvez isso seja um dos pontos mais luminosos de “Balada do Amor e do Ódio” – o encadeamento dos fatos se configura como um delírio obscuro, ainda que para os personagens seja o “mundo real”. Esta caracterização de uma dimensão difusa se configura como a própria essência da obra de Iglesias.