A cinebiografia do saxofonista de jazz Charlie Parker, um dos grandes expoentes do bebop, é um filme realizado com paixão e conhecimento de causa. Clint Eastwood sempre foi admirador do músico e isso se reflete em cada fotograma. É admirável ainda que apesar de todo o carinho do diretor pelo seu protagonista, isso não impede que a vida de Bird (apelido de Parker) seja exposta de forma franca e sincera. Ao mesmo tempo em que podemos ver todos os motivos que levaram o personagem título a ser considerado um dos mais geniais músicos norte-americano do século passado, também constatamos muito da instabilidade e confusão da sua vida pessoal. Essa abordagem crua colabora ainda mais para o sucesso artístico de "Bird", tendo em vista que torna Parker um personagem ainda mais humano e carismático.
Eastwood foi ambicioso em "Bird": além de contar parte da trajetória de Parker, realiza também um belo panorama da cena jazz dos anos 40 e 50. Para isso, contou com um trabalho minucioso de reconstituição de época. A recriação dos ambientes enfumaçados dos clubes e boates onde Parker e outros músicos tocavam é impressionante. Os números musicais também são de tirar o chapéu: os solos originais de Parker foram inseridos dentro de um novo acompanhamento e o resultado é arrebatador, com um som que sai cristalino e que parece que foi gravado ontem. De se destacar ainda o fato de que Eastwood pegou todo o seu vasto conhecimento sobre os meandros do jazz, expondo com clareza e sensibilidade, e sem cair no didatismo estéril, muito das questões que norteavam o gênero na época: a falta de reconhecimento nos EUA e o auto-exílio dos músicos em Paris, o conflito entre o cool jazz acessível para as platéias brancas e a fúria criativa e improvisadora do bebop, a vida desregrada e auto-destrutiva de alguns de seus expoentes. Dentro desse último aspecto, é interessante observar como o roteiro de "Bird" evita o caminho fácil das simplificações e moralismos óbvios ao relacionar o conturbado comportamento de Parker com a sua música inovadora e imprevisível, como se esses dois lados da vida do músico tivessem uma relação de dependência recíproca. Isso fica evidente na seqüência em que a mulher de Parker, Chan (Diane Venora), fica na dúvida em permitir ou não a aplicação de uma terapia que poderia aplacar o processo de auto-destruição do saxofonista, mas que certamente embotaria muito da sua criatividade e sensibilidade.
Eastwood também foi extremamente feliz na escolha e direção do seu elenco. Forest Whitaker encarna com perfeição o papel título. Muito além da simples mimetização de maneirismos, o que realmente chama atenção na sua interpretação é a composição de um personagem que não cai no unidimensionalismo: o seu Charlie Parker pode ser uma cara infeliz e preste a desabar, mas ao mesmo tempo consegue ser irônico, sedutor e com um senso musical genial, e que da mesma forma que em alguns momentos consegue ser atraente também consegue causar o mais patético repúdio. Diane Venora também está magnífica, sendo que ela dá para Chan Parker uma personalidade que alterna com impressionante naturalidade uma série de diferentes situações e sensações: da admiração e cumplicidade, passando pela frustração e chegando a resignação, Venora dá uma dimensão humana para Chan tão forte quanto à do protagonista do filme.
É interessante observar também que "Bird" traz muito da visão pessoal do próprio Clint Eastwood sobre a música americana do século passado. O diretor não esconde suas preferências musicais: deixa bem claro o seu amor pelo jazz e desprezo pelo rock and roll. Isso pode até soar conservador, mas acaba ganhando a simpatia pela sinceridade, rendendo um dos momentos mais irônicos do filme, que é na dolorosa seqüência final que retrata a última noite da vida de Charlie Parker: o músico, bêbado e já muito doente, perambula pelas ruas de Nova Iorque visitando amigos ou velhos clubes já fechados quando acaba encontrando um velho conhecido saxofonista que está tocando rock em um auditório absolutamente lotado. Perplexo com a cena, Parker rouba o saxofone do "roqueiro" e sai correndo com o instrumento e tocando o mesmo. Após, entrega o sax e diz que o pegou apenas para ver se ele tocava mais de uma nota...
Mais do que simplesmente uma mera cinebiografia, Estwood conseguiu evidenciar em "Bird", através de sons e imagens, muito da essência do jazz através da figura de Charlie Parker, fazendo do seu filme uma das melhores traduções cinematográficas desse gênero musical, junto com o sensacional "Por Volta da Meia Noite", de Bertrand Tavernier.
Eastwood foi ambicioso em "Bird": além de contar parte da trajetória de Parker, realiza também um belo panorama da cena jazz dos anos 40 e 50. Para isso, contou com um trabalho minucioso de reconstituição de época. A recriação dos ambientes enfumaçados dos clubes e boates onde Parker e outros músicos tocavam é impressionante. Os números musicais também são de tirar o chapéu: os solos originais de Parker foram inseridos dentro de um novo acompanhamento e o resultado é arrebatador, com um som que sai cristalino e que parece que foi gravado ontem. De se destacar ainda o fato de que Eastwood pegou todo o seu vasto conhecimento sobre os meandros do jazz, expondo com clareza e sensibilidade, e sem cair no didatismo estéril, muito das questões que norteavam o gênero na época: a falta de reconhecimento nos EUA e o auto-exílio dos músicos em Paris, o conflito entre o cool jazz acessível para as platéias brancas e a fúria criativa e improvisadora do bebop, a vida desregrada e auto-destrutiva de alguns de seus expoentes. Dentro desse último aspecto, é interessante observar como o roteiro de "Bird" evita o caminho fácil das simplificações e moralismos óbvios ao relacionar o conturbado comportamento de Parker com a sua música inovadora e imprevisível, como se esses dois lados da vida do músico tivessem uma relação de dependência recíproca. Isso fica evidente na seqüência em que a mulher de Parker, Chan (Diane Venora), fica na dúvida em permitir ou não a aplicação de uma terapia que poderia aplacar o processo de auto-destruição do saxofonista, mas que certamente embotaria muito da sua criatividade e sensibilidade.
Eastwood também foi extremamente feliz na escolha e direção do seu elenco. Forest Whitaker encarna com perfeição o papel título. Muito além da simples mimetização de maneirismos, o que realmente chama atenção na sua interpretação é a composição de um personagem que não cai no unidimensionalismo: o seu Charlie Parker pode ser uma cara infeliz e preste a desabar, mas ao mesmo tempo consegue ser irônico, sedutor e com um senso musical genial, e que da mesma forma que em alguns momentos consegue ser atraente também consegue causar o mais patético repúdio. Diane Venora também está magnífica, sendo que ela dá para Chan Parker uma personalidade que alterna com impressionante naturalidade uma série de diferentes situações e sensações: da admiração e cumplicidade, passando pela frustração e chegando a resignação, Venora dá uma dimensão humana para Chan tão forte quanto à do protagonista do filme.
É interessante observar também que "Bird" traz muito da visão pessoal do próprio Clint Eastwood sobre a música americana do século passado. O diretor não esconde suas preferências musicais: deixa bem claro o seu amor pelo jazz e desprezo pelo rock and roll. Isso pode até soar conservador, mas acaba ganhando a simpatia pela sinceridade, rendendo um dos momentos mais irônicos do filme, que é na dolorosa seqüência final que retrata a última noite da vida de Charlie Parker: o músico, bêbado e já muito doente, perambula pelas ruas de Nova Iorque visitando amigos ou velhos clubes já fechados quando acaba encontrando um velho conhecido saxofonista que está tocando rock em um auditório absolutamente lotado. Perplexo com a cena, Parker rouba o saxofone do "roqueiro" e sai correndo com o instrumento e tocando o mesmo. Após, entrega o sax e diz que o pegou apenas para ver se ele tocava mais de uma nota...
Mais do que simplesmente uma mera cinebiografia, Estwood conseguiu evidenciar em "Bird", através de sons e imagens, muito da essência do jazz através da figura de Charlie Parker, fazendo do seu filme uma das melhores traduções cinematográficas desse gênero musical, junto com o sensacional "Por Volta da Meia Noite", de Bertrand Tavernier.