sexta-feira, março 12, 2021

Jojo Rabbit, de Taika Waititi ***


O diretor neozelandês Taika Waititi vinha em uma ascendente interessante. Depois do divertido e promissor “O que fazemos nas sombras” (2014), ele foi responsável por umas das obras mais personalíssima e engraçada dos Estúdios Marvel, o ótimo “Thor: Ragnarok” (2017). Assim, as expectativas para “Jojo Rabbit” (2019) eram consideráveis. Os 15 minutos iniciais do filme, basicamente a parte em que o protagonista fica no acampamento para crianças nazistas, são antológicos e honram as boas promessas geradas em torno de Waititi. São de um humor alucinado, ácido, com uma encenação tão pirada que até faz lembrar o Monty Pyton. Depois, a magia se desfaz e a impressão que fica é que Waititi se adequa a alguns preceitos acadêmicos óbvios de filmes de 2ª Guerra para sugerir uma respeitabilidade artística. Não chega a ser exatamente ruim, só é dolorosamente óbvio e previsível, uma espécie de variante mais engraçadinha de “A vida é bela” (1997). Nem mesmo a boa sacada imagética/textual de um Hitler como amigo imaginário consegue se sustentar de maneira convincente. Pelo menos a conclusão poética de “Jojo Rabbit” tira um pouco a obra da vala comum e mostra que Waititi não é um talento totalmente domesticado.

terça-feira, março 09, 2021

1917, de Sam Mendes **

 


O gênero dos filmes de guerra não é estranho para o diretor britânico Sam Mendes. Ele dirigiu “Soldado anônimo” (2005), sardônica obra a refletir sobre o desigual conflito no Golfo Pérsico entre Estados Unidos e Iraque. A irônica e desapaixonada narrativa evidenciava uma ácida reflexão sobre o vazio ético daquela guerra, retirando qualquer carga patriótica ou ufanista de sua abordagem. Assim, causa estranheza que Mendes tenha entregue um trabalho tão asséptico e convencional em “1917” (2019), que narra episódios baseados em fatos reais que se sucederam no front europeu na I Guerra Mundial. A princípio, o filme sugere uma certa ousadia formal ao sugerir que toda a trama será concentrada em uma encenação sem cortes. Tal recurso narrativo, entretanto, pouco acrescenta ao filme em termos sensoriais, dando até por vezes a impressão que se está assistindo a alguém jogando um game de guerra. Essa impressão é acentuada pelo próprio roteiro do filme, em que fatos se sucedem de maneira esquemática e apelativa. Falta profundidade psicológica e efetiva densidade dramática para as ações da trama e seus personagens – tudo se desenvolve quase mecanicamente a reproduzir de maneira algo preguiçosa os clichês de heroísmo e sacrifício do gênero. O mofado resultado final de “1917” mais evidencia uma obra protocolar para marcar os 100 anos do final do conflito do que uma pretensão de se entregar um filme realmente memorável.

sexta-feira, março 05, 2021

O farol, de Robert Eggers ***1/2

 


Depois da obra-prima “A bruxa” (2016), o diretor norte-americano Robert Eggers volta a investir no horror calcado em fortes simbologias em “O farol” (2019). Se o resultado final não é tão expressivo quanto a obra anterior, é de se convir que ainda assim o filme em questão tem momentos memoráveis. O cineasta abdica de facilidades narrativas e investe em um formalismo de notável rigor estético e em uma encenação que funde sem cerimônias o naturalismo e o delirante, às vezes resvalando até em uma concepção teatral desconcertante (nesse sentido, a interpretação possessa de William Dafoe é um enfático indicativo). A tenebrosa fotografia em preto e branco, o grafismo brutal de algumas sequências e a soturna ambientação da obra claramente sugerem o uso de alguns preceitos básicos do gênero horror, mas com o desenvolver da trama tais quesitos se distorcem a favor de um intrincado jogo cênico e textual em que os limites da realidade e da fantasia se mostram cada vez mais tênues, jogando o filme em uma bizarra e perturbadora área artística-existencial que evoca tanto uma jornada devastadora sobre a natureza humana quanto um conto a expor de maneira visceral o atávico conflito entre o homem e a natureza.