Esse documentário de 2008 sobre a ditadura militar no Uruguai durante o período de 1974 a 1984 não traz nenhuma novidade para o gênero. A diretora Maria Tereza Curzio se prende a todos os macetes mais genéricos, fazendo a velha combinação de depoimentos com imagens de arquivo. Mesmo assim, é inegável a força narrativa e emocional do filme. Curzio conseguiu obter uma interessante dinâmica cinematográfica, sendo que se acompanha com interesse a dolorosa busca de desaparecidos e seus descendentes por parte de parentes e a evocação das duras lembranças de torturas e perseguições durante àquela época de totalitarismo. Por mais que para alguns o filme possa parecer panfletário demais, dificilmente não se fica impressionado com tais relatos.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sábado, agosto 29, 2009
Pequeno Crime, de Christos Georgiou **1/2
Uma co-produção entre o Chipre e a Grécia não é o tipo de filme que se assiste seguidamente. Mas “Pequeno Crime” (2008) consegue transpor o mero interesse de curiosidade geográfica. Num misto de comédia, policial e a singela crônica de costumes, a obra se sustenta no roteiro bem humorado, na bela fotografia que focaliza as bucólicas paisagens de uma ilha cravada no meio do Mar Egeu e no exotismo dos costumes e línguas dos personagens. No final das contas, não é nada de parar o trânsito, mas consegue distrair na boa o espectador por uma hora e meia.
Feliz Natal, de Selton Mello ***1/2
Se como ator Selton Mello consegue ser irritante em alguns dos seus maneirismos, no seu lado como cineasta ele consegue ser bem mais fluente e interessante. “Feliz Natal” (2008), seu de estréia na direção, é a prova natural disso. Logo nas primeiras cenas já se fica surpreendido com a paixão de Mello pela imagem cinematográfica: as tomadas do ferro velho, com enquadramentos magníficos sob iluminação naturalista e saturada, têm um impacto fortíssimo. Esse gosto pelas imagens, e não palavras, que traduzem idéias e concepções paira por todo o filme. O estilo de filmar pode ser seco e objetivo, mas também tem um corte elegante: não se cai na armadilha fácil de câmeras que tremem ou que ficam fora do foco da ação principal. A lente do diretor é contemplativa e curiosa. Acompanha de forma detalhada a desintegração psicológica e emocional da família do protagonista Caio (Leonardo Medeiros), com a câmera investigando toda a sordidez e falta de esperança que emanam das situações e dos personagens. Mello, todavia, não esquece de pingar sobre a trama um pouco de um senso de humor agudo e perverso. Nesse sentido, é inesquecível a cena em que o cunhado bonachão e desempregado fica devorando pernil e farofa durante a ceia de Natal enquanto patriarca e matriarca (Lúcio Mauro e Darlene Glória) discutem da forma mais áspera e bagaceira possível.
Outro ponto alto de “Feliz Natal” são as atuações dramáticas que Selton Mello consegue extrair do seu elenco. Leonardo Medeiros atinge o seu auge como ator ao compor sutilmente um Caio imerso em fragilidade e culpa. Lúcio Mauro, de rosto pétreo e gestos econômicos, é o retrato perfeito da amargura, enquanto Darlene Glória oferece uma interpretação completamente over mas adequada a uma idosa mergulhada na loucura e no alcoolismo. Já Paulo Guarnieri surpreende ao caracterizar uma imensa melancolia apenas no seu olhar triste e apagado. Graziella Moretto sai do seu registro cômico habitual e oferece o retrato muito bem delineado da mulher frustrada em todos os sentidos.
Mesmo não sendo uma obra-prima, “Feliz Natal” é aquele tipo de produção que cria uma tremenda expectativa sobre o que seu autor pode oferecer no futuro, além de dar vontade de pedir ao Selton Mello que largue a carreira de ator e se concentre só em fazer filmes (tudo bem, estou exagerando: em “Lavoura Arcaica” e “O Cheiro do Ralo” ele teve atuações extraordinárias).
Outro ponto alto de “Feliz Natal” são as atuações dramáticas que Selton Mello consegue extrair do seu elenco. Leonardo Medeiros atinge o seu auge como ator ao compor sutilmente um Caio imerso em fragilidade e culpa. Lúcio Mauro, de rosto pétreo e gestos econômicos, é o retrato perfeito da amargura, enquanto Darlene Glória oferece uma interpretação completamente over mas adequada a uma idosa mergulhada na loucura e no alcoolismo. Já Paulo Guarnieri surpreende ao caracterizar uma imensa melancolia apenas no seu olhar triste e apagado. Graziella Moretto sai do seu registro cômico habitual e oferece o retrato muito bem delineado da mulher frustrada em todos os sentidos.
Mesmo não sendo uma obra-prima, “Feliz Natal” é aquele tipo de produção que cria uma tremenda expectativa sobre o que seu autor pode oferecer no futuro, além de dar vontade de pedir ao Selton Mello que largue a carreira de ator e se concentre só em fazer filmes (tudo bem, estou exagerando: em “Lavoura Arcaica” e “O Cheiro do Ralo” ele teve atuações extraordinárias).
Jardins de Outono, de Otar Iosseliani ***
Essa produção francesa de 2006 é uma bela reciclagem do cinema surrealista de Luis Bunuel. Apesar de não ter a mesma excelência artística do velho mestre espanhol, o cineasta Otar Iosseliani elabora com habilidade uma estranha e agradável atmosfera onírica que reveste uma trama cômica sobre políticos corruptos e mazelas familiares. O espectador se sente envolvido por um tom nostálgico e bucólico, como se sentisse saudade de algo indefinível, obscuro, mas ao mesmo tempo vagamente reconhecível, numa sensação típica de devaneio.
quarta-feira, agosto 19, 2009
Breton é um Bebê, de Arturo Sotto ***
Nesse documentário de 2008, o diretor Arturo Sotto e sua equipe percorrem o interior de Cuba na intenção de fazer um registro do imaginário mágico do país. O resultado é uma obra perturbadora, em que a visão pretensamente objetiva que se poderia ter sobre o assunto se dissolve no olha fascinado sobre os rituais de religiões afro-americanas que prevalecem na nação. A violência dos ritos e a fé dos devotos são retratados num formato cru e sem concessões, mas ao mesmo tempo há um tom entre o onírico e o surreal que tornam estranhamente atraentes tais práticas.
terça-feira, agosto 18, 2009
California Dreamin', de Cristian Nemescu **1/2
Essa produção romena de 2007 é uma sátira política que oscila entre a ironia e a ingenuidade. A trama, que mostra um pelotão norte-americano em missão internacional preso numa cidadezinha romena pela burocracia estatal, tem um caráter evidentemente simbólico, trazendo uma crítica ao velho imperialismo ianque e ao caráter corrupto e subverniente dos países de terceiro mundo. O problema do filme é que o seu lado farsesco é tão acentuado que acaba tirando o impacto dramático de algumas seqüências que pretendiam um tom mais sério. No mais, “California Dreamin’” é envolvente e simpático, sendo que os seus melhores momentos se concentram nas engraçadas cenas do baile oferecido pela cidade aos soldados, que na verdade estão loucos para transar com as mais belas garotas da localidade. Como se pode observar, as metáforas no filme são mais que óbvias...
quinta-feira, agosto 13, 2009
Segredos, de Alice Nellis **1/2
Essa produção tcheca de 2007 é um drama intimista mostrando uma dona de casa em um dia de crise, onde vários problemas de sua vida (casamento abalado, adultério, desilusões existenciais) convergem para que uma série de questionamentos pessoais venha à tona. A diretora Alice Nellis revela uma certa sensibilidade para retratar as angústias das mulheres burguesas nesse começo de milênio, apesar de cair em alguns momentos num ranço de esquematismo psicológico de almanaque. O que realmente garante o interesse por “Segredos” é que as situações limites vividas pela protagonista recebem um bem vindo filtro de bom humor, o que acaba tornando mais agradável a uma hora e meia de duração do filme.
Os Escritórios de Deus, de Claire Simon ****
A estrutura narrativa e formal de “Os Escritórios de Deus” (2008) lembra bastante o extraordinário “Entre os Muros da Escola” (2008). A trama focaliza a rotina em um órgão público responsável por aconselhamentos para planejamento familiar, mas o que se enfatiza principalmente é a questão do aborto. O filme se divide em episódios que retratam várias situações que levam uma mulher a optar pelo aborto, sendo que cada um dos casos é baseado em histórias reais colhidas num desses órgãos. A junção de todos esses casos oferece um amplo panorama não só sobre a questão do aborto na França, mas da própria sociedade, ao refletir as diferentes formas com que a situação é encarada tanto por diferentes classes sociais quanto geracionais. Para a diretora Claire Simon, não há explicações e nem soluções fáceis para essa questão: o aborto tanto pode ter uma causa que vem da condição social e econômica da mulher quando de um aspecto insondável da sua natureza humana. Nesse sentido, impressiona a perspicácia de Simon ao selecionar cada um desses casos mostrados no filme, da adolescente inconseqüente de periferia até a veterana prostituta que engravida mais de uma vez de um homem por quem é apaixonada.
É claro que em vários momentos do filme a cineasta privilegia um registro que se utiliza de uma estética quase documental, mas isso não quer dizer que “Os Escritórios de Deus” se resuma a atores depondo para as câmeras. Fotografia e edição são inquietantes, valorizando e detalhando ambiente e a própria expressão corporal dos atores, obtendo uma atmosfera que varia do angustiante e desolador para até mesmo uma certa leveza, alternando tensão e bom humor.
Assim como “Entre os Muros da Escola”, “Os Escritórios de Deus” reafirma uma tendência no atual cinema francês em combinar engajamento social temático com admiráveis criatividade e ousadia artísticas.
É claro que em vários momentos do filme a cineasta privilegia um registro que se utiliza de uma estética quase documental, mas isso não quer dizer que “Os Escritórios de Deus” se resuma a atores depondo para as câmeras. Fotografia e edição são inquietantes, valorizando e detalhando ambiente e a própria expressão corporal dos atores, obtendo uma atmosfera que varia do angustiante e desolador para até mesmo uma certa leveza, alternando tensão e bom humor.
Assim como “Entre os Muros da Escola”, “Os Escritórios de Deus” reafirma uma tendência no atual cinema francês em combinar engajamento social temático com admiráveis criatividade e ousadia artísticas.
As Noivas de Alá, de Natalie Assouline *
Esse documentário retrata a rotina de mulheres palestinas presas por atividades de guerrilha contra Israel. Os depoimentos impressionam por conciliarem os dramas pessoais delas com as suas visões sobre a guerra que travam. Como registro histórico, é uma obra de interesse por focar com crueza um dos grandes conflitos mundiais dos últimos anos, evidenciando uma das suas mais nefastas conseqüências. Pelos seus méritos cinematográficos, entretanto, “As Noivas de Alá” deixa muito a desejar: a narrativa é truncada, focalizando-se basicamente em entrevistas, parecendo mais um vídeo institucional de propaganda. Faltou ao filme ousadia e inspiração.
domingo, agosto 09, 2009
A Caixa de Pandora, de Yesim Ustaoglu ***1/2
Não sei se a produção turca “A Caixa de Pandora” (2008) é uma obra tão representativa do seu país de origem. Afinal, não vejo tantos filmes turcos assim... Mesmo assim, é um belo cartão de visitas do cinema daquelas bandas. O diretor Yesim Ustaoglu faz uma interessante contraposição entre as paisagens rurais e urbanas, sendo que em ambas predomina um registro seco e opressivo. O ambiente da cidade parece ser tão ameaçador quando a natureza pouco hospitaleira. Os cenários estão perfeitamente adequados ao contexto da trama, repleto de conflitos familiares mal resolvidos e melancolia. Ustaoglu pode não trazer nada de revolucionário em “A Caixa de Pandora”, mas impressiona pela concisão formal e pela forte impacto emocional de seu filme, fazendo do mesmo uma pequena perola a ser descoberta.
segunda-feira, agosto 03, 2009
Ill Divo, de Paolo Sorrentino ****
“Gomorra” (2008) é um correto drama policial, mas está muito longe de ser “o” grande filme de máfia recente. Esse título é, inquestionavelmente, de “Ill Divo” (2008). A realidade, entretanto, é que tal produção italiana não é somente um drama sobre mafiosos. Esse é apenas um dos seus fascinantes aspectos, em um filme que também envolve intrigas políticas, comédia farsesca e uma ácida visão social da Itália contemporânea. Tendo como mote principal a biografia do Primeiro Ministro italiano Giulio Andreotti, focalizando principalmente o apogeu do seu poder político e a sua derrocada devido a escabrosos escândalos, o cineasta Paolo Sorrentino oferece um sombrio e sarcástico retrato dos bastidores da classe política italiana. Seu estilo de filmar barroco impressiona por variar dos tons realistas documentais até momentos quase surreais que beiram o grotesco. Sorrentino instaura no filme um ambiente de paranóia e pesadelo, temperado por um venenoso humor negro, ao mostrar os jogos de gato e rato entre Andreotti e seus asseclas com seus adversários, o que acaba deixando o espectador em constante tensão. As seqüências de ação que envolvem atentados e ataques da Máfia trazem aquela velha e bem vinda grandiloqüência operística tão características de obras como “O Poderoso Chefão” ou “Era Uma Vez na América”. Além disso, a interpretação de Toni Servillo no papel principal está em perfeita sintonia com o espírito do filme, numa composição dramática que dispensa o naturalismo e enfatiza o caricatural.
Evocando o excelente cinema político de cineastas como Elio Petri, “Ill Divo” é o melhor filme italiano que assisto em anos. Pode parecer exagero, mas é provável que qualquer um que assista a essa obra-prima possa ter essa impressão....
Evocando o excelente cinema político de cineastas como Elio Petri, “Ill Divo” é o melhor filme italiano que assisto em anos. Pode parecer exagero, mas é provável que qualquer um que assista a essa obra-prima possa ter essa impressão....
De Mão Para Filha, de Andrea Zambelli *
Esse documentário italiano de 2008 trata sobre a tradição dos cantos folclóricos das colhedoras de arroz da região de Vercelli, ambiente esse que já havia sido retratado no clássico “Arroz Amargo” (1948). O filme combina antigas imagens de arquivo com depoimentos pessoais das cantoras, indo de veteranas senhoras até as mais moças que batalham para perpetuar essa expressão cultural. É claro que é uma história interessante, sendo que os maiores atrativos do filme estão no carisma de algumas dessas mulheres e no encanto pela beleza bruta da música que vem da tela. O resultado final, entretanto, é enfadonho, pois a direção é tão burocrática e o roteiro tão raso ao abordar os aspectos históricos que se acaba ficando com uma impressão constante de se assistir a um vídeo institucional sobre o coro feminino em questão.
Belle Toujours, de Manoel Oliveira ***
Confesso que a minha expectativa para “Belle Toujours” (2006) não era das maiores. Afinal, nunca fui muito fã do cineasta português Manoel de Oliveira. Além disso, querer fazer uma continuação da obra-prima “A Bela da Tarde” (1967) de Luis Bunuel pode soar pretensioso demais. Mas o resultado final é surpreendente. Oliveira sabe que seria quase impossível fazer uma obra à altura do original, sendo que dessa forma prefere concentrar sua narrativa em uma visão sarcástica sobre a velhice dos principais personagens do clássico de Bunuel. A trama oscila entre o monótono e até mesmo um certo tom mágico, fazendo com que “Belle Toujours” funcione como uma discreta e bem humorada homenagem a um dos grandes momentos da história do cinema.
Canções de Amor, de Christophe Honoré ****
“Canções de Amor” (2007) parece começar justamente de onde parou “Em Paris” (2006), produção também dirigida por Christophe Honoré. O cineasta aprofunda as suas experimentações formais, pendendo ainda mais para a linguagem irreal do musical. Mas as intenções estéticas de Honoré não são simplesmente escapistas. Seu objetivo é justamente fazer o confronto do anti-naturalismo do gênero musical com a pungência e a dureza emocional que emanam de um roteiro que fala sobre perdas e paixões desencontradas. É como se o “cinema total” de Jean-Luc Godard encontrasse o intimismo romântico dolorido e desiludido típico da obra de Truffaut. Essa conexão com a Nouvelle Vague está presente de forma marcante em várias seqüências de “Canções de Amor”, mas Honoré está bem distante do mero revivalismo. Seu filme transpira vivacidade e naturalidade impressionantes, embalado por uma trilha sonora repleta de canções memoráveis. É extraordinária a maneira fluida com que a música irrompe em cenas de alto teor dramático. A sensação inicial em tais momentos é de estranhamento, mas ao poucos essa insólita combinação começa a fazer totalmente sentido. A grande força criativa de “Canções de Amor” está justamente nessa conjugação entre o estranho e o encantador.
Antonioni sobre Antonioni, de Carlo Di Carlo **
Esse documentário sobre a carreira do cineasta italiano Michelangelo Antonioni não traz muitos atrativos no seu aspecto formal. O grande foco de seu interesse está mesmo nos depoimentos colhidos do diretor biografado. Antonioni não fala muito sobre a sua vida, preferindo fazer comentários sobre alguns de seus filmes. O mais fascinante na visão que oferece sobre sua obra é que ele não procura explicar o sentido da mesma, preferindo se concentrar em pequenos detalhes quanto ao seu estilo de filmar. “Antonioni sobre Antonioni” não é um documento definitivo sobre o grande diretor que foi Antonioni, mas rende alguns momentos preciosos para os admiradores não só do cineasta, mas também do cinema em geral
Assinar:
Postagens (Atom)