Tudo aquilo que parece aleatório ou casual em “Os pássaros
de Massachusetts” (2019) na realidade revela um domínio rigoroso e notável da
narrativa cinematográfica por parte do diretor Bruno de Oliveira. Os fatos da
trama se sucedem de maneira fluida, beirando o espontâneo, mas o que dá
realmente essa impressão de leveza é a encenação precisa engendrada pelo
cineasta. O tratamento estético-existencial do filme evoca tanto clássicos de
Eric Rohmer quanto a sofisticação narrativa disfarçada de amadorismo do coreano
Hong Sang-soo, ou seja, a obra de Oliveira remete a um desconcertante híbrido
de modernidade e nostalgia. Dentro dessa curiosa formatação, é de se destacar o
registro audiovisual de uma Porto Alegre melancólica e crepuscular, mas que por
vezes também soa como um insólito e algo encanador universo paralelo (em
contraste, por exemplo, com o retrato depressivo e assustador da capital rio-grandense
em “Tinta bruta”). Num contexto geral, uma das mais curiosas revelações do
cinema gaúcho dos últimos anos.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
segunda-feira, dezembro 30, 2019
sexta-feira, dezembro 27, 2019
Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles ****
Excessos tomam conta de “Bacurau” (2019). Mas são aqueles
excessos típicos de quem assistiu muito filme bom na vida e quer colocar o
máximo disso num filme só (além de deixar evidente algumas convicções
existenciais/políticas). O grande mérito dos diretores Kleber Mendonça Filho e
Juliano Dornelles é justamente fazer com que referências e citações não se
amontoem como se fossem uma mera colcha de retalhos estética, realizando uma
obra que tem uma unidade artística coerente e impressionante. O lírico
sensorialismo de algumas sequências e o misto desconcertante de poesia e prosa
de determinados diálogos remetem ao melhor do que o Cinema Novo e o Cinema
Marginal brasileiros produziram em seus respectivos auges, assim como a
encenação da violência tem algo do barroquismo brutal de mestres do faroeste
como Peckimpah e Leone e mesmo do horror operístico de Fulci e Argento. E no
meio desses arroubos formais e narrativos, preserva-se um senso humanista
lúcido e comovente. Nesse conjunto artístico, cristaliza-se um trabalho
emblemático para o cinema brasileiro, tanto em seus antológicos detalhes
cênicos como na capacidade de captar um perturbador zeitgeist.
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