Apesar de se enquadrar no gênero drama de guerra, a produção
israelense “Beaufort” (2007) não se propõe a um registro épico-heróico ou a uma
defesa das atitudes bélicas dos judeus. Sua visão da guerra é mais intimista,
focando os dilemas dos militares envolvidos na defesa de um forte localizado no
Líbano. Contradições, escolhas equivocadas e questionamentos acabam se
revelando tão contundentes quanto a violência das batalhas. A abordagem formal
do diretor Joseph Cedar é sóbria, privilegiando tomadas sombrias, que parecem
refletir a própria condição existencial atormentada de oficiais e soldados. “Beaufort”
não chega a nenhuma conclusão nova sobre a sua temática e não é especialmente
memorável na sua estética rigorosa, mas é uma obra envolvente na sua pesada narrativa.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, setembro 28, 2012
quinta-feira, setembro 27, 2012
Valente, de Mark Andrews e Brenda Chapman ***1/2
A qualidade do traço e o capricho visual dos efeitos
digitais são evidentes em “Valente” (2012). Mas essa competência formal é quase
uma regra nesse gênero de animações contemporâneas. O que faz o filme dos
diretores Mark Andrews e Brenda Chapman se destacar, assim como outras produções
do estúdio Pixar, são dois pontos: o roteiro bem delineado e a ágil dinâmica
narrativa. A trama concilia de forma equilibrada uma forte dimensão dramática
com toques de humor e referências pop, sem parecer uma colcha de retalho. O tom
fabular apresenta nuances temáticas até ousadas que destoam sutilmente dos cânones
das histórias infantis tradicionais, trazendo questionamentos sobre o habitual
papel submisso e meramente romântico das “mocinhas”. Mas o interesse que o
filme pode despertar não se restringe a um aspecto sociológico/cultural.
Andrews e Chapman apresentam cenas memoráveis em termos de ação, além de
enfatizar em algumas sequências violentos embates físicos e atmosferas sombrias.
Tal brutalidade e climas sinistros mostram que mesmo no estilo contos-de-fada a
Pixar consegue deixar impressa a sua marca particular.
quarta-feira, setembro 26, 2012
Chernobyl, de Bradley Parker **1/2
Por mais que o cinema de horror se aprofunde na fantasia,
sempre haverá uma ligação com o real, em menor ou maior grau, ingrediente esse
que colabora para a capacidade das produções do gênero de perturbar as
platéias. Em “Chernobyl” (2012), essa característica é evidente. O diretor
Bradley Parker retoma aquela clássica ligação entre experimentos nucleares e o
surgimento de criaturas mutantes, em voga desde as produções ficções
científicas B dos anos 50, fazendo a relação com a tragédia do acidente nuclear
na União Soviética na década de 80. Ainda que Parker não apresente maiores voos
formais na composição de sua narrativa, é inegável que o filme estabelece uma
interessante atmosfera sinistra ao contrapor uma típica trama de jovens
incautos sendo perseguidos e mortos por seres monstruosos com um subtexto
(seria involuntário?) a mostrar uma cidade abandonada e em ruínas, como se o
seu isolamento físico refletisse a própria ruína econômica e moral do império
soviético.
Na estrada, de Walter Salles ***
Minha expectativa era baixa para “Na estrada” (2012). Assim
que fiquei sabendo que Walter Salles seria responsável pela adaptação do célebre
livro de Jack Kerouac desanimei com o destino da produção. Não que eu ache
Salles um mau cineasta. No geral, ele faz filmes corretos, com exceções acima
da média (“Terra estrangeira”, “Abril despedaçado”). É o tipo de diretor que
gosta de “contar uma história” em seus filmes, o que não se mostraria em
sintonia com a obra literária de Kerouac, que é um romance que se concentra
mais em um estilo muito particular, em que o ritmo da narrativa, o seu aspecto
sensorial, que como linguagem artística remete muito ao jazz improvisado de
John Coltrane, é mais importante do que detalhes de trama. Vendo o filme,
entretanto, a conclusão que se chega é dúbia. Se compararmos diretamente com o
livro, a versão cinematográfica sai perdendo pelo tom comportado de sua dinâmica
narrativa e até por uma certa conotação
moralista do roteiro. Desligando de tal comparação, “Na estrada” ganha uma
perspectiva mais positiva e surpreendente. O trabalho de direção de fotografia
e de direção de arte é notável na composição de uma atmosfera melancólica e
algo “fora do tempo”. Já os esfuziantes números musicais, relacionados
diretamente ao jazz em diversas de suas vertentes, são filmados com paixão e
vigor. Por fim, destacam-se ainda as boas composições dramáticas de seu elenco,
com destaque para o jovem trio principal de protagonistas
na sua exata equação de naturalismo e estilização icônica. Assim, por mais que
possa decepcionar os apreciadores de Kerouac, “Na estrada” acaba representando
um passo expressivo na filmografia de Salles.
segunda-feira, setembro 24, 2012
Pavor na cidade dos zumbis, de Lucio Fulci ****
Na cinematografia de Lucio Fulci, roteiro é algo que beira o
rarefeito – o cineasta parece se guiar perante um esqueleto de trama, em boa
parte das vezes repleto de buracos, e assim constrói seus filmes a base de
sufocantes atmosferas de horror e de cenas de riqueza visual perturbadora. A
partir de tais preceitos, “Pavor na cidade dos zumbis” (1980) é um dos mais
impressionantes exemplos da estranha arte de Fulci. O espectador tem uma vaga
noção de que a história do filme tem alguma relação com portais para o inferno,
demônios e zumbis. O que interessa efetivamente em tal obra é a propensão do
diretor italiano para construir uma narrativa que beira o onírico tamanha a sua
estranheza, assim como uma série de seqüências antológicas na sua violência
gráfica brutal e barroca. O sentido surreal das cenas não se impõe de um
cerebralismo, mas de uma lógica grotesca de realidade por parte de Fulci. Não é
gratuito, assim, que Tarantino tenha citado as tomadas de uma personagem
enterrada viva para o segundo volume de “Kill Bill” (2004).
O espetacular Homem-Aranha, de Marc Webb **1/2
A herança indie de Marc Webb, diretor da comédia romântica
“500 dias com ela” (2009), fica evidente na sua visão para “O espetacular
Homem-Aranha” (2012). Isso porque é nítida a sua preocupação em dar um maior
estofo dramático para o filme, realçando mais as relações humanas. De certa,
não deixa de apresentar uma certa sintonia com o espírito original do
personagem nos quadrinhos, principalmente ao retratar aspectos do cotidiano e
comportamento de adolescentes (ainda que o Peter Parker de Andrew Garfield por
vezes mais evoca um adolescente rebelde do que um CDF tímido). Isso não
implica, contudo, em uma obra mais densa e memorável. Afinal, no universo do
Aranha, a ação também tem um papel primordial. Nesse campo, é evidente que Webb
não tem o mesmo senso virtuose e grandioso de Sam Raimi na encenação de sua
narrativa. As seqüências de ação são competentes, mas também não chegam a ser
surpreendentes ou memoráveis. A ênfase no “real” em retratar os dilemas dos personagens
acaba sacrificando bastante da fluência da narrativa, tornando o filme um tanto
artificial na sua pretensa “seriedade dramática” (aliás, essa pretensa seriedade é questionável por decisões como o fato de Parker revelar de forma inexplicável e cretina para Gwen Stacy que ele é o Aranha!). No cômputo geral da
comparação com a trilogia anterior da franquia, é difícil dizer se essa
primeira produção do reboot é melhor ou pior que a criticada e irregular
terceira parte dirigida por Raimi, mas com certeza é inferior aos dois
primeiros (principal em relação à segunda parte, uma das melhores transposições
de um gibi para o cinema).
Histórias que só existem quando lembradas, de Julia Murat ***1/2
A diretora Julia Murat se aventura por caminhos perigosos em
“Histórias que só existem quando lembradas” (2011). Através de uma narrativa
lenta e minuciosa, investe na repetição de atos corriqueiros, quase como se as
cenas buscassem uma sutil variação entre elas (de certa forma, parece uma
canção que vai sendo burilada lentamente em diferentes versões). Isso não quer
dizer, entretanto, que a cineasta busque simplesmente o tédio estéril. Na realidade,
a reincidência de pequenos rituais entre os parcos habitantes de um vilarejo
acaba gerando uma sensação de hipnótica beleza, tanto no sereno e luminoso
registro visual quanto no esmiuçamento da ação e dos diálogos. A atmosfera
concebida varia entre uma espécie de beatitude do cotidiano e a sensação do
fantástico de um universo que se coloca à parte do real. A ideia da fantasia
não se concretiza em trucagens, mas na sugestão para o olhar do espectador: será
que os idosos que residem naquela localidade estão numa espécie de limbo? São
imortais? Ou somente são pessoas comuns que acreditam que podem morrer apenas
quando quiserem? Murat não se mostra disposta a entregar respostas fáceis para
a plateia. Um dos segredos da sedução de seu filme está justamente no mistério
e na falta de explicações convencionais que rondam seu roteiro.
Cairo 678, de Mohamed Diab ***
A combinação do gênero melodrama com um tom panfletário na
produção egípcia “Cairo 678” (2011) pode soar óbvia em um primeiro momento. Uma
das intenções do filme é justamente propor uma visão bastante crítica do
machismo e preconceito inerentes à sociedade muçulmana. A indignação social que
emana por parte de sua trama não contamina, entretanto, a noção de espetáculo
cinematográfico do diretor Mohamed Diab. A obra não se formata como peça de
propaganda – há um roteiro bem delineado a explorar os aspectos contraditórios
e dilemas de situações e personagens. Mesmo quando realça de forma crua o
grotesco sexismo dos assédios sofridos pelas principais personagens, tais
momentos não ganham o simples viés apelativo de uma manipulação emocional. Pelo
contrário: valorizam ainda mais a dinâmica narrativa concebida por Diab, num
misto entre o caráter sentimental de algumas cenas com um registro objetivo que
beira o documental.
quinta-feira, setembro 13, 2012
A velha dos fundos, de Pablo Meza **1/2
Mesmo sem maiores arroubos criativos formais e nem tendo
alguma seqüência particularmente memorável, a produção argentina “A velha dos
fundos” (2011) acaba causando certo interesse pela sua ambientação sóbria e
seca, expondo temas do quotidiano como a solidão e as dificuldades financeiras
sem soluções fáceis. O registro delineado pelo diretor Pablo Meza valoriza silêncios,
enfatiza a dramaticidade através de pequenos gestos e utiliza quase sempre
planos fixos, compondo uma narrativa de viés realista que se sintoniza com o
tom melancólico da trama. Por mais que o filme possa ser monótono em alguns
momentos, tal direcionamento se mostra coerente com a sua proposta temática.
Eventualmente, “A velha dos fundos” atinge alguns picos emocionais ao ressaltar
as desilusões de seus personagens principais ao se defrontarem com as durezas e
impossibilidades de suas rotinas, sem que necessariamente caia em tragédias
exageradas.
quarta-feira, setembro 12, 2012
A era do gelo 4, de Steve Martino e Mike Thurmeier **1/2
É claro que animações na linha desse “A era do gelo 4”
(2012) sempre terão uma qualidade esmerada no seu traço e vasto recursos de
produção que não as deixariam se qualificar exatamente como obras “ruins”. O
que causa desconforto é a falta de alguma ousadia, de alguma densidade dramática
capaz de causar tensão na plateia (qualidade que pode ser encontrada, por
exemplo, em várias produções da Pixar). Nesse mais recente capítulo da
franquia, a condução da narrativa é tão burocrática que até os momentos do
esquilo alucinado por uma noz acabam soando pouco impactantes. Ocasionais
surpresas que poderiam fugir desse marasmo (a caracterização repulsiva de
alguns dos personagens vilões, as figuras assustadoras dos “monstros sereias”)
acabam esvaziadas pelo modelo de fábula moralizadora, edificante e politicamente
correta em demasia.
terça-feira, setembro 11, 2012
Os acompanhantes, de Shari Springer Berman e Robert Pulcini ***
O ponto mais interessante de “Os acompanhantes” (2010) é a
forma com que estabelece a relação cinema e literatura. Tendo como protagonista
Louis Ives (Paul Dano), um estranho jovem obcecado pela literatura
norte-americana da primeira metade do século XX, o filme insere uma constante
narração em off do personagem, que se vê como um herói literário típico de seus
romances favoritos. O contraste de tal narração idealizada com a realidade em
que ele se enquadra na presente época contemporânea produz os momentos mais
desconcertantes da produção. Por vezes, a estética de “Os acompanhantes” evoca
uma atmosfera retrô em termos de figurino e direção de arte, assim como no seu
desenvolvimento de roteiro, em que trama dramática apresenta toques irônicos
insólitos, ainda que pese contra o filme a carência de uma maior consistência
em termos temáticos, em que a equação drama e comédia não consegue apresentar
uma sintonia mais harmoniosa.
segunda-feira, setembro 10, 2012
Quem se importa, de Mara Mourão *
A diretora Mara Mourão já tinha quase batido o recorde no gênero
documentário “chapa branca” em “Doutores da alegria” (2005), onde mostrava seu
marido Wellington Moreira, palhaço e coordenador de um projeto em que ele e
outros palhaços alegram crianças com câncer, quase como um santo. Pois agora em
“Quem se importa” ela se supera: novamente realiza uma obra destinada a
beatificar seus protagonistas, todos “ongueiros”
que se definem como empreendedores sociais, sendo que entre eles se encontra,
ora veja, Wellington Moreira! Se o discurso político do filme é altamente
questionável (algo na linha “políticos, governos e Estado não fazem nada, o negócio
é a iniciativa privada fazer política social”), por outro lado a concepção estética-temática
de “Quem se importa” é clara: é mais um exercício formal de propaganda
narcisista que faz lembrar um horário eleitoral estendido para o cinema. Como
cinema, o filme é asséptico e sem personalidade, fazendo pensar até que ponto o
politicamente correto pode chegar.
quinta-feira, setembro 06, 2012
Para Romar com amor, de Woody Allen ***1/2
As intenções de Woody Allen na concepção de “Para Roma com
amor” (2012) são evidentes – parece uma espécie de homenagem/ironia com o
clássico livro “Decameron” e aquelas produções cômicas e episódicas italianas
dos anos 60 e 70. O filme não se pretende um retrato típico do espírito
italiano; é mais como se víssemos na tela o imaginário típico de um americano
médio do que seriam a Itália e o seu povo. Como nas fontes que o inspiraram,
seu tom é francamente picaresco, o que acaba se mostrando bastante em sintonia
com o próprio espírito criativo de Allen. Talvez parte do público habitual do
diretor nova-iorquino implique com a falta de maiores novidades (tem-se a
impressão de que por vezes se ouve/vê uma piada reciclada). Não há também um
roteiro consistente e tão bem amarrado quanto “Meia-Noite em Paris” (2011). É
inegável, contudo, que esse aparente comodismo ainda consiga seduzir boa parte
da platéia, seja num estilo formal que traz um registro visual ora apaixonado
ora sarcástico na sua contraposição entre a fotografia cartão postal e uma
estética que beira o onírico, seja pelas passagens que revelam a verve arguta
de Allen a esmiuçar as relações humanas. No saldo final, “Para Roma com amor”
que não vai converter habituais detratores e nem decepcionar a grande maioria
dos apreciadores, mas apenas manter um certo padrão de qualidade do cineasta. O
que, aliás, já é algo acima da média.
quarta-feira, setembro 05, 2012
As neves do Kilimanjaro, de Robert Guédiguian ***1/2
O cineasta francês Robert Guédiguian retoma de forma
vigorosa a sua veia social-humanista em “As neves do Kilimanjaro” (2011), nos
moldes de outras produções memoráveis suas como “A cidade está tranqüila”
(2000) e “Marie-Jo e seus dois amores” (2002). Nessa obra mais recente, o viés
dramático é menos trágico, permitindo-se até eventuais momentos bem humorados.
Guédiguian mantém o seu registro objetivo e desglamorizado do quotidiano de
pessoas simples, ressaltando com sutileza a discreta grandeza de pequenos atos
do dia a dia de trabalhadores, desempregados, marginais e demais figuras do
povo. Assim como nos filmes anteriores destacados, o diretor consegue
estabelecer um equilíbrio entre a crítica social e o intimismo das relações
humanas de seus personagens. E por mais que “As neves do Kilimanjaro” adote uma
postura panfletária e um tom sentimental em sua narrativa, é inegável que tais
opções temáticas criam uma forte empatia com a plateia, credenciando Guédiguian
como um dos mais expressivos cineastas no gênero político ao lado do britânico
Ken Loach.
Jovens adultos, de Jason Reitman **1/2
Os fãs da dobradinha entre o diretor Jason Reitman e a
roteirista Diablo Cody em “Juno” (2007) tem mais motivos para comemorar a mais
recente parceria da dupla, “Jovens adultos” (2012), onde os principais
ingredientes da produção anterior são retomadas: trilha sonora indie, citações
pop, personagens adultos levemente desajustados. Da minha parte, confesso que
um filme que tem a bela canção “The Concept” do Teenage Fanclub como peça
central da narrativa já me desperta simpatia. Essa bela sacada, contudo, não
consegue esconder a falta de uma maior consistência formal e temática para a
obra. Fotografia e edição compõem um todo estético entre o agradável e a
palidez dramática – é tudo sem maiores sobressaltos, mas também não há uma cena
que se fixe no nosso imaginário. E mesmo a pretensão de fazer uma abordagem
mais realista sobre adultos com dificuldade em amadurecer acaba se formatando
num padrão previsível e superficial.
segunda-feira, setembro 03, 2012
Filme demência, de Carlos Reichenbach
Uma obra como “Filme demência” (1986) não é uma avis rara
apenas dentro do panorama do cinema nacional. Mesmo em âmbito mundial, tal
produção dirigida por Carlos Reichenbach é algo de difícil definição. Isso ocorre
porque o cineasta trafega em uma área artística limítrofe, em que o popular e o
erudito não apenas convivem no mesmo plano, como até acabam se fundindo em um
híbrido instigante. A narrativa envereda várias vezes pelo delirante, mas sem
abdicar de uma fluência clara nos seus propósitos estéticos e temáticos. O protagonista
perambula pela noite paulistana (caracterizada por Reichenbach como se fosse um
universo paralelo), encontra tipos esquisitos e marginais, inclusive o próprio
demônio, e por fim se aventura na estrada (configurando um torto road movie). A
simbologia de tal trama (com inspiração no “Fausto” de Goethe) não descamba
para o hermetismo fácil, tanto que toques de um humor tipicamente popular
pontuam com freqüência o roteiro (além de personalíssimas referências
culturais). E é no meio desses elementos tão diversos que Reichenbach compõe
cenas de uma riqueza visual impressionante, aliado a um formalismo que
estabelece relação intrínseca entre uma linguagem naturalista e a ambiência
fantástica.
Paralelo 10, de Silvio Da-Rin ***
Um documentário brasileiro tendo como temática os índios
nativos não chega a ser propriamente uma novidade no panorama cinematográfica
nacional. “Paralelo 10” (2011), contudo, acaba gerando um impacto acima da
média. Tendo como protagonista o sertanista
José Carlos Meirelles, o filme dirigido por Silvio Da-Rin oferece uma visão
bastante contundente sobre a questão indígena no Brasil. Sua abordagem está
muito longe do caráter oficialista, traçando os dilemas e contradições inerentes
ao assunto de forma crua e sem sentimentalismos. Os índios até podem ser
considerados vítimas de algumas circunstâncias decorrentes de ações de natureza
econômica dos “brancos”, assim como da falta de maior proteção e assistência
por parte das autoridades governamentais, mas também são retratados com a
dignidade dos indivíduos capazes de traçar seu próprio destino. Essa abordagem
encontra ressonância na concepção formal de Da-Rin, que lembra as produções
documentais de Werner Herzog, com uma direção de fotografia que registra as
florestas dentro de um tom seco e sombrio, ressaltando ainda mais o lado
misterioso e mítico dos povos que a habitam.
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