Oliver Twist, de Roman Polanski ***1/2Antes de mais nada, devo confessar que não li o livro "Oliver Twist" de Charles Dicken e nem assisti a adaptação clássica de David Lean para esse clássico da literatura. Sei que isso representa uma lacuna miserável na minha formação cultural (culpa do tempo que perco lendo gibis e ouvindo rock), sendo que pretendo corrigir o mais breve possível tal omissão. Dessa forma, faço esse breve comentário sobre a mais recente versão cinematográfica realizada por Roman Polanski a luz do próprio filme em si.
Dentro da cinematografia recente de Polanski, "Oliver Twist" não atinge os patamares de genialidade do horror virtuosista "O Último Portal" ou da frieza irônica de "O Pianista". Mesmo assim, é uma obra de peso no atual panorama cinematográfico, trazendo algumas das boas qualidades presentes nas obras mencionadas acima.
O que impressiona logo de cara é a magnífica reconstituição de época que Polanski oferece da Inglaterra vitoriana. A pobreza e a sujeira daquela época parecem quase palpáveis para o expectador, tamanha a obsessão estilística do diretor polonês na caracterização da ambientação. A Londres recriada no filme é opressora e sinistra, cheia de becos e esquinas que escondem o pior da maldade humana, compondo um cenário adequado para a saga do órfão Oliver Twist (Barney Clark). A câmera inquieta de Polanski registra a trajetória do protagonista com uma versatilidade admirável, indo de belos momentos intimistas como aquele em que Oliver é acudido no meio da estrada por uma velha senhora até seqüências de ação afiadas. Nesse último quesito, é de se destacar o momento em que o nosso herói foge de uma multidão que o acusa de ladrão, uma perseguição que revela um trabalho de edição fantástico.
Polanski também acerta na composição dos personagens e direção de elenco. A começar por Fagin, o velho trambiqueiro judeu que utiliza crianças em seus golpes, que recebe uma das melhores interpretações da carreira de Ben Kingsley (que parece estar no seu auge artístico, vide as suas atuações igualmente brilhantes em "Sexy Beast" e "Casa de Areia e Névoa"). A atuação de Kingsley é cheia de nuances: Fagin é francamente odioso e repulsivo ao explorar a sua gangue de trombadinhas, mas ao mesmo tempo é patético e desperta pena pela decadência em que vive. Outro destaque no elenco é Jamie Foreman, que faz de Bill Sykes um vilão devidamente assustador e violento, disposto até mesmo a assassinar crianças para reforçar o seu poder.
É de mencionar ainda que a caracterização elaborada por Polanski da gangue de trombadinhas e prostitutas juvenis liderada por Fagin é um capítulo a parte. Em nenhum momento conseguimos esquecer que dentro daquelas típicas roupas de escroques e dos vestidos e maquiagens vulgares há crianças. Essa junção de inocência perdida e sordidez traz um impacto visual perturbador.
Apesar da temática de "Oliver Twist" envolver questões como crianças abandonadas e criminalidade, por boa parte da duração do filme podemos sentir uma certa frieza e distaciamento emocional de Polanski ao retratar o verdadeiro calvário do protagonista, o que acaba sendo uma opção mais do que feliz do cineasta. Uma abordagem mais sentimental provavelmente tiraria muito do impacto que o filme tem. Tanto que Polanski reserva para o final de "Oliver Twist" o seu momento mais catártico, que é quando Oliver visita Fagin na prisão. O pedido de perdão e redenção do velho marginal impressiona justamente por contrariar ao espírito emocionalmente contido que permeia durante quase todo o filme.
É claro que "Oliver Twist" não pode ser considerado uma grande obra-prima de Roman Polanski. Contudo, reafirma o nome do cineasta como um dos grandes mestres cinematográficos da realidade, mostrando que ele mantém a mesma chama criativa de obras como "Chinatown" e "Repulsa ao Sexo".