Em termos temáticos e filosóficos, “Minha Terra, África” (2009) parece emular alguns conceitos já trabalhados em filmes como “Apocalypse Now” (1979): o temor e a inabilidade do homem branco ocidental em lidar com o desconhecido e misterioso representado pelos povos ditos “selvagens” e pelos lugares que lhes são estranhos. No filme de Claire Denis, há a dissolução de velhos preceitos típicos dos que são “desenvolvidos” – a obsessão da francesa Maria Vial (Isabelle Huppert) em fazer a colheita de café da sua fazenda em pleno coração da África e no meio de uma sangrenta guerra civil poderia parecer heróica, mas na realidade apenas reflete a alienação, a insensibilidade emocional e a preocupação com a manutenção de um status econômico por parte da protagonista. A narrativa, que alterna sutilmente passado e presente, estabelece um lento e inexorável processo de destruição dos desejos da personagem, assim como relaciona de forma intrínseca os lados social e intimista da trama, como se quisesse jogar na cara de Maria a impossibilidade de seu alheamento da realidade que a cerca – o que acaba se consumando na tragédia familiar que encerra o filme. No mais, Denis estabelece um estilo de filmar que oscila entre o seco e o poético, como se contaminada por uma certa sensação de lassidão melancólica que provém de um país que se despedaça aos poucos, sentimento esse que a música etérea e sombria dos Tindersticks, habituais colaboradores da cineasta, sublinha em sintonia marcante.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, julho 29, 2011
quinta-feira, julho 28, 2011
Metadona - Uma Maneira Americana de Trafica, de Jim Klein e Julia Reichert ****
Alguns posts atrás eu comentei sobre “Quebrando o Tabu” (2011), produção brasileira que discutia a questão da descriminalização das drogas e que tinha como principal problema o fato de ter uma concepção formal que caía muito para uma espécie de obra institucional sobre o tema. Pois “Metadona – Uma Maneira Americana de Traficar” (1974) tem uma pretensão aparentemente de ser um filme de caráter educativo sobre o tema do vício, mas o seu tratamento estético acaba fazendo com que transcenda tal finalidade. Pode-se discordar da visão dos autores sobre a questão da droga, mas o documentário acaba se grudando no nosso imaginário cinematográfico pela força de algumas de suas cenas. Tematicamente contra o uso oficial pelo governo da droga que o intitula, o filme possui uma formatação bem sistemática – escolhe dois grupos de apoio a usuários de heroína, um que utiliza a metadona no tratamento e outro que adota um método baseado em discussões de grupo, e os foca em dois momentos distintos com diferenças de poucos anos. Na primeira parte, a fotografia é em preto em branco, na segunda a mesma é colorida. Tal concepção nos registros não é gratuita: se nas tomadas mais antigas o preto e branco sombrio acentua um tom de angústia e incerteza para os viciados, nas mais recentes o colorido dá uma perspectiva de esperança para aqueles que conseguiram evoluir no tratamento. Se a dureza das situações focadas e de alguns depoimentos choca pela crueza, há momentos em que emerge de forma repentina uma inesperada dose de lirismo, principalmente quando a narrativa se concentra nas reuniões do segundo grupo, aquele que não usa metadona, em que um dos “remédios” adotados é o canto coletivo de clássicos do soul (afinal, os anos 70 foi um período de excelente safra de músicas no estilo). O conjunto de tais escolhas formais e temáticas dos diretores Jim Klein e Julia Reichert é que dá a “Metadona – Uma Maneira de Traficar” uma aura de clássico no gênero documental, ainda que um tanto obscuro.
quarta-feira, julho 27, 2011
Presságio, de Lamberto Bava **1/2
É claro que Lamberto Bava não tem a mesma classe estética do seu pai, o mestre Mario Bava. Mesmo assim, não dá para negar que ele tem competência razoável no domínio da narrativa cinematográfica. Mesmo não estando entre os pontos altos de sua cinematografia, “Presságio” (2010), produção dirigida originalmente para a televisão, consegue apresentar algumas das boas qualidades do “Bavinha”. A trama envolvendo elementos de policial e sobrenatural não apresenta grandes novidades no estilo, mas o cineasta insere elementos visuais interessantes, principalmente nas imagens oníricas de uma garota com capa de chuva fugindo de uma figura de preto, que parecem evocar cenas do clássico “Inverno de Sangue em Veneza” (1973). Bava também apresenta uma boa mão na direção de atores e composição cênica de algumas seqüências, dando ao filme um certo sabor nostálgico que lembram alguns filmes setentistas italianos no gênero giallo.
terça-feira, julho 26, 2011
Carros 2, de Brad Lewis ***1/2
Assim como boa parte do melhor que se produz atualmente em termos de animação, “Carros 2” (2011) traz uma gama de referências visuais e temática tão grande que de certa forma acaba sendo até mais atrativo para os adultos do que para as crianças. A trama evoca as conspirações rocambolescas típicas dos filmes iniciais da franquia de 007 com Sean Conery, o que dá para a animação um sabor nostálgico. O tom de parábola moral da primeira parte se mantém, mas acrescido desse pendor para a aventura mais elaborada, cheia de reviravoltas e momentos de tensão, ainda que temperada pelo viés cômico. Graficamente, a obra de Brad Lewis é de encher os olhos. A recriação estilizada de Tóquio e Londres combina com precisão realismo e fantasia, além de um admirável senso de ironia ao tirar um sarro de leve das afetações características de cada uma das nações em que a trama da produção se desenrola. E é claro que as citações e referências de “Carros 2” seriam meros truques formais sem maiores consequências se não viessem acompanhadas de uma narrativa que dosa habilmente ação alucinante e momentos estilo “lições edificantes de vida”.
segunda-feira, julho 25, 2011
Schock, de Mario Bava ****
Dentro da tradicional combinação do subgênero de filmes de horror de casas mal assombradas com tramas cheias de segredos, “Schock” (1977) acaba surpreendendo justamente naquilo que tem de mais particular – o detalhismo visual e narrativo de Mario Bava. O diretor aproveita cada cena para inserir diversos elementos imagéticos insólitos, explorando de forma bastante imaginativa um universo que se divide entre o delírio e o puro terror sobrenatural. Isso se reflete também na forma barroca com que Bava trabalha os contrastes visuais entre claro e escuro, além de trucagens impactantes, como estiletes que flutuam e braços que saem do chão e das paredes. Em tal concepção cinematográfica, a técnica não é um ente separado do lado temático – a primeira ajuda a dar sentido para a trama do filme, que vai se revelando cada vez mais sórdida e obscura, envolvendo seus personagens num vórtice de culpa e loucura. E em termos temáticos, “Schock” se revela até mais ousado do que aquilo que costumamos ver recentemente na linha terror/suspense – Bava torna a ambientação da obra cada vez mais opressiva e angustiante, não vislumbrando uma dicotomia tão clara entre o bem e o mal e também nem uma solução fácil de final feliz para os seus personagens.
sexta-feira, julho 22, 2011
Manôushe, de Luiz Begazo **1/2
Talvez boa parte da interesse que vem de “Manôushe” (1992) seja o seu contexto histórico. Afinal, não é muito freqüente assistir no cinema nacional a uma obra que traga uma junção tão insólita de elementos diversos e estranhos. Situada em uma época algo imprecisa, a trama do filme traz cenas de danças flamencas, tipos grotescos, direção de arte estilizada que recria um ambiente de fábulas (obviamente, “A Lenda” de Ridley Scott parece ser uma influência que permeia toda a produção), diálogos com um dialeto totalmente inventado. A encenação de referências pouco ortodoxas como essas parece emular influências de Fellini, trazendo uma narrativa simbólica e delirante que pode assustar aqueles que estão habituados com a linguagem naturalista de boa parte da filmografia nacional recente. É certo que em alguns momentos o excesso de esquisitices do filme acaba cansando pela repetição, além do diretor Luiz Begazo não ter a mesma fluência para lidar com o picaresco fantástico que Fellini tinha. Mesmo assim, “Manôushe” acaba sendo uma experiência curiosa pela atmosfera atemporal e onírica que envolve a história.
quinta-feira, julho 21, 2011
Estrada Real da Cachaça, de Pedro Urano ****
Há duas cinebiografias dentro de “Estrada Real da Cachaça” (2008). Uma da própria bebida que está no título no filme, e outra do Brasil. Ou pelo menos de parte de sua história. Mas não se pense que o documentário tenha um fim meramente didático, pois tal narrativa se apresenta muito mais como uma espécie de viagem sensorial pela alma do brasileiro. O diretor Pedro Urano abdica de uma trama detalhada e linear para recriar a trajetória tanto da aguardente quanto do nosso país. São jogados na telas elementos diversos, simulando uma espécie de jogo aleatório, mas que aos poucos compõem um mosaico metafórico e perturbador de alguns dos mais remotos quintões nativos. A Estrada Real alude aos caminhos explorados para a extração e comercialização do ouro na era colonial, marcando o processo de civilização do país. Nos seus calcanhares, vem a difusão da cultura da cachaça e a sua consequente associação à constituição do imaginário coletivo do brasileiro. Para construir essa complexa associação de simbolismos, Urano utiliza depoimentos de populares (às vezes com uma língua portuguesa e pronúncia tão particulares que exige legendas), cantorias tradicionais, longas tomadas contemplativas de pessoas e paisagens, animações envolvendo mapas. A intenção não é tanto fazer o espectador “aprender” com os fatos, mas que o mesmo veja um fragmento de um estado de espírito, de um sentimento um tanto difuso, mas também verdadeiro.
Cabe ressaltar que a abordagem de Urano em “Estrada Real da Cachaça” não é exatamente de exaltação da bebida ou ufanista em relação ao Brasil. Há vários momentos no documentário em que a cachaça possui um caráter festivo e rende comicidade para a obra, mas Urano não se furta de mostrar sequências que evidenciam algo de degradante e melancólico na conseqüência que o vício na bebida pode causar em seus adeptos. Tal contradição se estende na visão dúbia que se oferece do nosso país: tão cheio de vida, mas também tão repleto de exploração e injustiças sociais – nesse ponto, a produção parece estabelecer um possível questionamento: “Não seria a cachaça usada também como um anestesiante para esse povo tão oprimido?”. No final das contas, essa dicotomia de atração e repulsa que permeia “Estrada Real da Cachaça” mais oferece perguntas do que respostas. E isso ainda mais acentua a fascinante aura de mistério que envolve o filme.
Cabe ressaltar que a abordagem de Urano em “Estrada Real da Cachaça” não é exatamente de exaltação da bebida ou ufanista em relação ao Brasil. Há vários momentos no documentário em que a cachaça possui um caráter festivo e rende comicidade para a obra, mas Urano não se furta de mostrar sequências que evidenciam algo de degradante e melancólico na conseqüência que o vício na bebida pode causar em seus adeptos. Tal contradição se estende na visão dúbia que se oferece do nosso país: tão cheio de vida, mas também tão repleto de exploração e injustiças sociais – nesse ponto, a produção parece estabelecer um possível questionamento: “Não seria a cachaça usada também como um anestesiante para esse povo tão oprimido?”. No final das contas, essa dicotomia de atração e repulsa que permeia “Estrada Real da Cachaça” mais oferece perguntas do que respostas. E isso ainda mais acentua a fascinante aura de mistério que envolve o filme.
quarta-feira, julho 20, 2011
Quebrando o Tabu, de Fernando Grostein Andrade **1/2
Tentar escrever sobre “Quebrando o Tabu” (2011) sob um prima exclusivamente cinematográfico pode ser um ato incompleto, no sentido de que a intenção do filme é muito mais evidenciar o seu tema do que ressaltar suas possíveis qualidades formais como produto audiovisual. O diretor Fernando Grostein Andrade até apresenta algumas soluções narrativas atraentes, principalmente na seqüência de abertura, em que utiliza recursos de animação para ilustrar a história do fascínio da humanidade pelas drogas. Além disso, há momentos em que ele consegue capturar com crueza depoimentos bastante contundentes sobre o assunto, principalmente quando o médico Dráuzio Varella entra em cena e dispara sua perplexidade e raiva contra hipocrisia que ronda a questão da descriminalização do uso de determinadas substâncias ilícitas. No geral, entretanto, predomina no documentário um certo tom cerimonioso, quase de um filme institucional sobre o tema. A trilha sonora melosa e inconveniente (sério, seria muito melhor em algumas seqüências que não tivesse música alguma!) acentua ainda mais essa impressão de obra-propaganda. Por outro lado, é de se convir que a abordagem sobre a matéria é até bastante ousada e pouco preconceituosa na forma franca com que lida com pontos tão polêmicos, ainda mais que a mídia geralmente apresente uma tendência conservadora quando trata da questão. Assim, se “Quebrando o Tabu” pouco impressiona como cinema, acaba se redimindo pela lucidez de seu aspecto sociológico.
terça-feira, julho 19, 2011
Potiche - Esposa Troféu, de François Ozon ***
Se tem uma coisa que não dá para acusar o cineasta francês François Ozon é dele não manter uma coerência autoral em sua obra. Em “Potiche – Esposa Troféu” (2010), o diretor continua a fazer os seus experimentos de desconstrução de gêneros cinematográficos. O filme em questão apresenta uma estrutura de comédia de costumes meio bobinha, quase também nos moldes de seriados televisivos na linha “I Love Lucy”, mas situada dentro de um contexto histórico mais complexo – os turbulentos anos 70. Assim, questões espinhosas como a emancipação feminina, a liberação sexual, os conflitos de ideologia e a luta de classes passam por um viés cômico, que beira o frívolo, repletos de seqüências açucaradas, cenas de humor pastelão, revelações novelescas e exagerados figurinos de épocas. Esse choque de contradição entre os aspectos formais e temáticos de “Potiche” reflete o próprio gosto de Ozon em dessacralizar algo que, a princípio, deveria ser levado a sério. Nesse sentido, a participação de monstros sagrados do cinema francês como Catherine Deneuve e Gerard Depardieu não é gratuita – de certa forma, há uma sensação de estranhamento em ver tais artistas em meio a diálogos que chegam perto do pueril e de cenas de comédia amalucada.
A escolha de Deneuve para o papel de protagonista também deixa claro uma influência importante de Ozon em “Potiche” – o esquisito musical “Os Guarda-Chuvas do Amor” (1964), no qual Deneuve também interpretava a personagem principal. Em tal obra, o diretor Jacques Demy usava uma estrutura de filme de diálogos totalmente cantados, recurso típicos de fantasiosas produções de Hollywood, para embalar uma realista e dura história de amor não realizado, em um contraste de abordagem que se revela em sutil sintonia com a recente produção de Ozon. E para escancarar ainda mais tal referência, boa parte da ação de “Potiche” se desenrola em uma fábrica de, olha só, guarda-chuvas!!
A escolha de Deneuve para o papel de protagonista também deixa claro uma influência importante de Ozon em “Potiche” – o esquisito musical “Os Guarda-Chuvas do Amor” (1964), no qual Deneuve também interpretava a personagem principal. Em tal obra, o diretor Jacques Demy usava uma estrutura de filme de diálogos totalmente cantados, recurso típicos de fantasiosas produções de Hollywood, para embalar uma realista e dura história de amor não realizado, em um contraste de abordagem que se revela em sutil sintonia com a recente produção de Ozon. E para escancarar ainda mais tal referência, boa parte da ação de “Potiche” se desenrola em uma fábrica de, olha só, guarda-chuvas!!
segunda-feira, julho 18, 2011
Não Se Pode Viver Sem Amor, de Jorge Durán **1/2
A proposta narrativa de Jorge Durán em “Não Se Pode Viver Sem Amor” (2010) é interessante como conceito. Três histórias paralelas que vão estabelecendo pontos em comuns até atingirem um denominador como trama única lá pelo seu terço final. Para fazer tal interligação, há toques de elementos fantásticos no roteiro. Se essa união entre uma abordagem naturalista e elementos de fantasia traz momentos insólitos que garantem o interesse para o filme, também é responsável pelo ponto fraco da produção, no sentido de revelar uma certa indecisão criativa na narrativa. A conclusão do filme é reflexo claro de tal postura, ao evidenciar uma solução estapafúrdia, típica de alguma novela global. Se tais equívocos comprometem o trabalho de Durán, por outro lado o cineasta compensa os mesmos ao apresentar um sólido trabalho de direção de atores – Simone Spoladore, Ângelo Antonio, Cauã Reymond e Fabíula Nascimento oferecem uma consistência dramática notável para os seus respectivos personagens.
sexta-feira, julho 15, 2011
Cuidado, Madame, de Julio Bressane **1/2
Assim como “A Família do Barulho”, “Cuidado, Madame” (1970) é mais uma extensão dos experimentos cinematográficos radicais de Julio Bressane nos tempos da produtora Belair. A trama é claramente alegórica, ao focar a rotina de uma doméstica que assassina suas patroas megeras e dondocas. É óbvio que se tratando de uma produção da linha do cinema marginal, nada é muito linear e claro. O filme explora bastante a violência, mas de uma forma quase cartunesca, valorizando mais os detalhes visuais dos atos brutais da protagonista. Nesse sentido, Bressane revela uma espécie de sintonia estética com Godard e Tarantino. No geral, entretanto, é uma obra bastante irregular na forma enigmática com que Bressane joga as suas obsessões formais e temáticas na tela.
quinta-feira, julho 14, 2011
A Família do Barulho, de Julio Bressane ***
Há um fio de história em “A Família do Barulho” (1970) que pode servir como premissa para tentar entender um pouco essa viagem sensorial de Julio Bressane: prostituta escrachada sustenta dois malandros que acabam se ligando em outra profissional do sexo (ou pelo menos foi isso que eu entendi...). Mas a verdade é que tentar compreender a obra apenas pela trama pode acabar sendo insuficiente. O filme é uma grande colcha de retalho composta de bordões, frases de efeitos, cenas aleatórias, tiradas cômicas, tomadas repetidas, como se Bressane composse um mosaico casual, em que a sua persistente obsessão em juntar conceitos populares e de vanguarda procura se cristalizar, às vezes de forma bem sucedida, às vezes aos trancos e barrancos. Legítimo representante radical do cinema underground, “A Família do Barulho” é um estimulante desafio para aqueles de saco cheio das obviedades cinematográficas (ainda que a cópia em que o filme circule atualmente esteja com uma qualidade bem ruim de som e imagem).
quarta-feira, julho 13, 2011
Kung Fu Panda 2, de Jennifer Yuh ***1/2
Uma das coisas que mais me surpreendeu no primeiro “Kung Fu Panda” (2008) foi o fato de elementos como filosofias orientais e várias cenas de pancadaria conseguiam se combinar dentro de um formato de desenho animado infantil. Em “Kung Panda 2” (2011), as coisas vão ainda mais longe – há massacre de aldeias, reminiscências infantis perturbadoras, morte brutal de um herói, combates ainda mais violentos. Mas o senso de espetáculo e a ironia também estão sempre presentes, fazendo desta nova aventura da série uma continuação mais que digna. O requinte visual da reconstituição de época de uma China antiga é magnífico, com enquadramentos e grafismo que remetem a verdadeiras pinturas. O uso do antropomorfismo mostra uma precisa sacada conceitual na medida que a escolha de determinados animais para os personagens reflete uma criativa associação de personalidades. Nesse sentido ainda, a incorporação de nuances da mitologia oriental dentro do roteiro é bem amarrada e natural, valorizando alguns dos mais interessantes conceitos dessa cultura. E é claro que não dá para esquecer da qualidade das sequências de ação, verdadeiros balés em termos de sincronia e valorização de detalhes nos movimentos dos personagens, remetendo ao que melhor se fez no gênero dos filmes de artes marciais, mas sempre temperando com toques próprios e cômicos ao se ter como protagonista das lutas um protagonista de estilo tão desajeitado.
terça-feira, julho 12, 2011
Meia-Noite em Paris, de Woody Allen ****
Muito se fala que “Meia-Noite em Paris” (2011) traz uma série de referências culturais mais direcionadas para iniciados, como se só eles fossem capazes de entender e gostar. Ora, acredito que um dos grandes méritos do filme é justamente o contrário – Allen mostra que ver um filme de Buñuel, olhar um quadro de Dali ou Picasso, ler um livro de Fitzgerald ou Hemingway, apreciar uma foto de Man Ray, ouvir uma música de Cole Porter, é algo simplesmente prazeroso e que está ao alcance de todos, pois no fundo todo esse pessoal tem uma linguagem universal, ou seja, são artistas pop! O que Allen faz é tirar esses artistas do pedestal da exclusividade do elitismo cultural e mostrar que arte é acessível para a apreciação de todos.
Os méritos do diretor norte-americano, entretanto, não são só temáticos. Em termos formais, “Meia-Noite em Paris” é um dos filmes recentes de Allen mais redondos. O timing das tiradas cômicas é perfeito, fazendo com que a combinação entre a ironia e a homenagem atinja um equilíbrio natural. Nesse sentido, o diálogo entre o protagonista Gil (Owen Wilson) e os surrealistas Buñuel, Dali e Man Ray é exemplar. Outro toque de gênio de Allen está na forma com que propõe a reconstituição de época da Paris dos anos 20 e na forma com que ela se relaciona com a capital francesa atual. Em vez de investir em uma exagerada direção de arte, ele preferiu a discrição, fazendo com que a diferenciação entre as épocas se dê por uma sutil mudança de iluminação. Assim, a Paris dourada do imaginário de Gil apresenta uma atmosfera etérea e algo estilizada, quase como se fosse um sonho.
No mais, Allen repisa algumas das suas velhas obsessões, mas sempre com elegância e sagacidade, e mostrando que, afinal, tem um estilo particular na sua encenação cinematográfica, fazendo de “Meia-Noite em Paris” não só a melhor comédia de 2011, mas também uma das obras mais divertidas e encantadoras a aparecerem nos cinemas nos últimos anos.
Os méritos do diretor norte-americano, entretanto, não são só temáticos. Em termos formais, “Meia-Noite em Paris” é um dos filmes recentes de Allen mais redondos. O timing das tiradas cômicas é perfeito, fazendo com que a combinação entre a ironia e a homenagem atinja um equilíbrio natural. Nesse sentido, o diálogo entre o protagonista Gil (Owen Wilson) e os surrealistas Buñuel, Dali e Man Ray é exemplar. Outro toque de gênio de Allen está na forma com que propõe a reconstituição de época da Paris dos anos 20 e na forma com que ela se relaciona com a capital francesa atual. Em vez de investir em uma exagerada direção de arte, ele preferiu a discrição, fazendo com que a diferenciação entre as épocas se dê por uma sutil mudança de iluminação. Assim, a Paris dourada do imaginário de Gil apresenta uma atmosfera etérea e algo estilizada, quase como se fosse um sonho.
No mais, Allen repisa algumas das suas velhas obsessões, mas sempre com elegância e sagacidade, e mostrando que, afinal, tem um estilo particular na sua encenação cinematográfica, fazendo de “Meia-Noite em Paris” não só a melhor comédia de 2011, mas também uma das obras mais divertidas e encantadoras a aparecerem nos cinemas nos últimos anos.
sexta-feira, julho 08, 2011
Sem Essa, Aranha, de Rogério Sganzerla ***1/2
Há um momento no documentário “Belair” (2009) em que Rogério Sganzerla declara a necessidade da aproximação do cinema nacional com a música popular brasileira, no sentido que a mesma apresenta uma grande sintonia espiritual com o próprio Brasil. Em “Sem Essa, Aranha” (1970), uma das mais cultuadas produções da Belair, o diretor coloca em prática essa junção cinema/música. Sequências cruciais do filme trazem performances ao vivo de Luiz Gonzaga e Moreira da Silva, dois dos maiores baluartes do nosso cancioneiro. Além disso, o cineasta insere a figura inesperada de Zé Bonitinho como o protagonista Aranha. No meio de suas tiradas típicas, o comediante profere falas desconexas e interage estranhamente com as criaturas características do universo particular de Sganzerla. É claro que a combinação de tantos elementos diversos pode soar dissonantes em alguns momentos, mas em outros o filme pega na veia na união entre o experimental e o popular e o resultado é de um raro impacto sensorial. Nesse último caso, o ápice é o longo plano sequência de um número de baião alucinado de Gonzaga acompanhado por populares enquanto Zé Bonitinho delira e Helena Ignez vocifera contra o mundo. Um verdadeiro must da bizarrice cinematográfica!
quinta-feira, julho 07, 2011
Macbeth - Reinado de Sangue, de Orson Welles ****
Poucas vezes cinema e teatro se combinaram de forma tão coesa quanto em “Macbeth – Reinado de Sangue” (1948). Talvez a causa disso esteja no fato de que nas concepções barrocas de Orson Welles a linguagem shakesperiana faça totalmente sentido. Welles sempre foi uma espécie de antinaturalista do cinema, mesmo quando as tramas de seus filmes trouxessem algo de linear ou com apego a realidade. Para ele, sempre foi mais decisivo o jogo de luzes e sombras, os enquadramentos cheios de nuances, a montagem que esmiúça a ação de forma pouco convencional. Nesta sua versão para o clássico de Shakespeare, todas essas características cinematográficas estão intactas, e realçam ainda mais o sombrio drama do personagem-título. O gosto de Welles pela manipulação de cenários artificiais encontra uma das suas expressões máximas nas reconstituições de florestas e castelos – estes últimos, parecem muito mais cavernas distorcidas vindas de algum pesadelo (nesse sentido, fica evidente a clara influência do expressionismo alemão na obra de Welles). E mesmo os diálogos carregados de empostação teatral acabam adquirindo uma naturalidade espantosa na encenação do cineasta, estando em perfeita sintonia com a atmosfera de conto de horror proposta pelo filme
quarta-feira, julho 06, 2011
Como Arrasar Um Coração, de Pascaul Chameil **
Uma produção européia emular cacoetes do cinema norte-americano não é algo necessariamente condenável. O alemão “Soul Kitchen” (2009), por exemplo, recicla elementos de comédia pastelão e blackexploitation sob uma ótica bastante particular, entregando um resultado mestiço e brilhante. “Como Arrasar Um Coração” (2010) não segue tal linha, pegando aquilo que há de pior no gênero comédia romântica. É claro que há alguns detalhes que tornam o filme levemente atrativo, principalmente pela fotografia estilo cartão postal que registra belas imagens em Mônaco e pelo fato que Romain Duris ser um ator acima da média. Mas é muito pouco para segurar uma trama derivativa e uma concepção formal engessada que mais parece um episódio mal disfarçado de série televisiva.
terça-feira, julho 05, 2011
Belair, de Noa Bressane e Bruno Safadi ***1/2
Sei que é esquisito começar a escrever sobre um filme falando sobre seus créditos finais, mas é que esse elemento de “Belair” (2009) acaba sendo bem sintomático do significado dessa produção. Nos mesmos, constam em determinado momento os nomes de pessoas que deram depoimentos neste documentário que trata da breve trajetória da produtora Belair que Julio Bressane e Rogério Sganzerla fundaram nos anos 70 e que em poucos meses gerou sete longas-metragens. Ocorre que na realidade em nenhum momento do documentário realmente fica claro que todos aqueles depoentes falaram ou se só deram um testemunho em off. Esse detalhe é revelador da proposta estética dos realizadores Noa Bressane e Bruno Safadi: para contar a história de experimentos radicais e sem concessões da Belair, não bastaria obedecer a uma comportada concepção linear. Pelo contrário: no documentário, transpira o espírito anárquico da dupla Bressane/Sganzerla, em que o erudito se mistura sem cerimônia com o popular, refletindo dessa forma a própria alma caótica de um país como o nosso. Assim, em “Belair” combinam-se sem muita ordem trechos de filmes da produtora, depoimentos atuais que parecem capturados espontaneamente, imagens de arquivo de Sganzerla em ação ou desfiando suas teorias ora lúcida ora um tanto delirantes sobre cinema e cultura brasileira. Ou seja, no geral, uma verdadeira profissão de fé sobre uma maneira criativa (e também perigosa) de se entender o fazer cinematográfico.
segunda-feira, julho 04, 2011
X-Men - Primeira Classe, de Matthew Vaughn ****
Há algumas coisas em “X-Men – Primeira Classe” (2011) que realmente incomodam. A principal delas é a tendência em algumas tomadas para uma encenação que parece um teatrinho infantil. Mas isso é típico da dificuldade de transpor os quadrinhos para as telas. Às vezes o que cai bem no gibi pode ficar meio ridículo no cinema. Tirando esses pequenos detalhes e se concentrando no essencial, entretanto, essa nova incursão cinematográfica do grupo de heróis mutantes é a experiência mais bem sucedida da linha Marvel nessa mídia. Para começar, a densidade dramática obtida pelo diretor Matthew Vaughn é digna de dos melhores momentos do X-Men nos comics, o que revela conhecimento de causa do cineasta no saber extrair o melhor dos personagens (qualidade, aliás, que ele já havia demonstrado no sensacional “Kick Ass”). A trama explora sabiamente elementos importantes da mítica dos mutantes, tanto na caracterização dos personagens como em elementos importantes da história dos mesmos (até mesmo o erotismo subentendido típico de algumas fêmeas fatais mutantes está lá). Também colaboram nesse sentido interpretações consistentes do trio principal da trama – James Mc Avoy (Charles Xavier), Michael Fassbender (Magneto) e Kevin Bacon (Sebastian Shaw) – que dão um estofo dramático atípico em produções do gênero. E num filme de super-heróis, é claro que não dá para esquecer da aventura, e no quesito ação, “X-Men: Primeira Classe” também se mostra acima da média. As sequências de lutas e efeitos especiais têm uma clareza e um detalhamento notáveis que passam longe daquela mediocridade de câmera tremendo e confusão visual que transformam tudo em um grande borrão ou um grande jogo de vídeo game (o que parece que virou regra atualmente).
sexta-feira, julho 01, 2011
Se Beber, Não Case! Parte II, de Todd Philips ***
Não é o caso de “Se Beber, Não Case! Parte II” (2011) ser um mau filme. Ele é até bom, com alguns momentos bem divertidos. Mas esta continuação também é decepcionante no sentido que na comparação com o primeiro filme acaba deixando a desejar. A narrativa demora a engrenar – dá para dizer que o filme começa a ganhar um ritmo mais fluente só quando o trio de protagonistas desperta num quarto de hotel bagaceiro em Bangcoc. Há as doses de escatologia grossa e piadas sacanas, mas sem aquele pique alucinado do primeiro filme. Além disso, Zach Galifianakis e Ed Helms apresentam uma certa afetação preguiçosa em suas atuações. Tanto que o habitual canastrão Bradley Cooper é o que apresenta uma maior naturalidade em cena. Mas o que perturba mesmo em “Se Beber, Não Case! Parte II” é quando se pensa como um filme que tem sodomia e automutilação pode soar tão “família”. A horrível e moralista sequência final é sintomática dessa contradição, manchando o saudável espírito de celebração do hedonismo da franquia (sim, franquia, afinal já estão até falando numa terceira parte....).
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