quarta-feira, outubro 31, 2018

Halloween, de David Gordon Green ***1/2


O fato de David Gordon Green ser o diretor responsável pela retomada do universo original da franquia “Halloween” não é gratuito. O cineasta norte-americano em questão tem uma espécie de norte criativo em boa parte da sua filmografia que é uma abordagem estética marcada pelo classicismo típico das décadas de 70 e 80 e na revitalização de gêneros proeminentes naquela época. Nessa concepção artística, ele dirigiu alguns filmes memoráveis em vertentes diversas: melodrama (“Prova de amor”), policial (“Contra corrente”), comédias entre o juvenil e o escrachado (“Segurando as pontas”, “O babá(ca)”) e até a fantasia medieval (“Sua alteza?”). Assim, nada mais natural que ele resolvesse reciclar o horror slasher em “Halloween” (2018). Mais do que mero oportunismo mercadológico, entretanto, Green demonstra notável sobriedade narrativa na forma com que conduz mais esse capítulo na saga do psicopata Michael Myers. O roteiro por vezes até se perde um pouco entre exageros e inconsistências, mas isso tudo se compensa por uma encenação precisa tanto na interação dramática entre os personagens quanto no perturbador detalhismo gráfico das sequências de forte teor gore. E por mais que se saiba que a história se passe nos dias atuais, a direção de fotografia repleta de nuances e o sereno ritmo da montagem dão à produção uma fascinante atmosfera de atemporalidade. Nesse bem delineado formalismo de “Halloween” se revela com sutileza uma carinhosa homenagem de Green ao estilo muito particular de filmar do grande John Carpenter.

terça-feira, outubro 30, 2018

Sobrenatural, de James Wan **


O diretor James Wan pode ser considerado como o nome mais expressivo do horror cinematográfico mainstream contemporâneo, pelo menos em termos comerciais. A milionária franquia “Invocação do mal” e seus derivados são provas enfáticas dessa constatação. Se formos pensar no lado artístico disso, entretanto, pode-se ver que ele está muito mais para um esforçado reciclador de clichês narrativos do que para um cineasta de evidente marca autoral ou mesmo com uma pegada mais criativa, ainda que por vezes ele se mostre eficaz nessa sua abordagem mais convencional. “Sobrenatural” (2010) é um exemplar esclarecedor dessa tendência estética-temática de Wan. Todos os artifícios narrativos são puro deja vu de coisas que o espectador já viu diversas vezes em produções do gênero: o roteiro que sintetiza “O exorcista” com filmes de casa mal-assombrada, trucagens digitais um tanto assépticas, encenação e enquadramentos que obedecem as fórmulas de sustos fáceis e óbvios. Ok, pode-se dizer que parte do público desse tipo de filme espera isso mesmo e nesse sentido o filme de Wan entrega até com alguma eficiência esse arsenal de truques baratos. É fato também, entretanto, que a previsibilidade formal-textual de “Sobrenatural” tira muito da tensão dramática da obra, fazendo com que aquelas sequências que deveriam ser efetivamente assustadoras acabem tendo um impacto sensorial irrelevante. Ou seja, o filme até pode distrair por uma hora e meia, mas no final das contas é uma experiência audiovisual banal e pouco memorável.

segunda-feira, outubro 29, 2018

Viajar é preciso, de David Wain **


No gênero comédia, o diretor norte-americano David Wain provou que pode ir da paródia constrangedora (“Encontros e desencontros do amor”) até a ótima sátira (“Mais um verão americano”). Em “Viajar é preciso” (2012) ele prova que pode também ficar no meio do caminho. O filme tem até um terço inicial promissor, ao fazer uma espécie de cômica crônica de costumes narrando a história de um típico casal nova-iorquino pequeno-burguês que acaba arruinado economicamente e meio por acidente passa a viver em uma comunidade hippie no interior. Há boas piadas e mesmo um certo teor crítico no filme, mas aos poucos tudo vai se amoldando de maneira cômoda e sem maiores inspirações em um formato de conto moral conservador e previsível. Não chega a ser especialmente ruim como obra cinematográfica, mas também está bem longe de ser considerável memorável.

sexta-feira, outubro 26, 2018

Tratamento de choque, de Peter Segal **1/2


A figura do sujeito reprimido que ao não saber expressar suas emoções acaba entrando em uma relação conturbada com aqueles que o cercam já havia sido interpretada, de certa forma, pelo mesmo Adam Sandler em “Embriagados de amor” (2002). Mas enquanto no filme de Paul Thomas Anderson a abordagem artística-existencial era menos óbvia e mais complexa e desconcertante, em “Tratamento de choque” (2003) as soluções criativas encontradas pelo diretor Peter Segal em termos temáticos e estéticos descambam para o moralismo fácil e para uma narrativa frouxa e despersonalizada. Sandler até procura dar alguma consistência cômica e dramática para o seu personagem e mesmo a presença de um Jack Nicholson exagerado e caricatural dá um certo peso para o filme, principalmente nos embates cênicos marcados pelo grotesco entre os dois atores. Ainda assim, a insistência de Segal pelo convencionalismo formal e por um roteiro quadradinho acabam tirando muito do vigor que a produção poderia ter.

quinta-feira, outubro 25, 2018

Fandango, de Kevin Reynolds ****


Confesso que não consegui assistir à “Fandango” (1985) sem fazer relações com conturbado e cenário sócio-político brasileiro atual, ainda mais a poucos dias da eleição presidencial que provavelmente confirmará um indivíduo de extrema-direita como nosso líder republicano pelos próximos e funestos quatro anos. O espectro temporal é algo que paira sobre toda a narrativa do belo filme dirigido por Kevin Reynolds – uma produção oitentista cuja trama foca um grupo de jovens recém-formados em uma cidadezinha do interior norte-americano no início dos anos 70, recém convocados para lutarem no Vietnã, e que já se sentem nostálgicos em relação à própria juventude que viveram na década de 1960. É mais uma obra a versar sobre a transição da inocência para uma certa maturidade, com o fato de que boa parte da ação se desenvolver na estrada já evidencia esse simbolismo sobre ritos de passagem. Por mais que esses elementos façam sugerir caminhos temáticos e estéticos já bastante explorados no cinema norte-americano, a verdade é que a direção repleta de nuances carinhosas e irônicas de Reynolds oferece um encantador frescor para o filme, vide acertos memoráveis como a preciosa encenação, a direção de fotografia de talhe clássico, a trilha sonora que combina com precisão clássicas canções de rock e pop sessentistas e expressivos temas incidentais e o elenco com algumas atuações memoráveis (grande destaque para Kevin Costner em interpretação de raras sensibilidade e carisma). Como cereja do bolo, o roteiro é um verdadeiro achado na sua síntese de crônica saudosista e sutil crítica aos valores hipócritas da sociedade ocidental (nesse sentido, impossível não fazer a conexão do ufanismo opressor do jovem Phil, louco para “servir o país” no Vietnã, com o fascista discurso patriótico de Bolsonaro e seguidores). Posteriormente, Reynolds até dirigiu alguns bons filmes como “Robin Hood – O príncipe dos ladrões” (1991) e “Waterworld – O segredo das águas” (1995), mas nada que chegasse perto do brilho criativo de “Fandango”.

terça-feira, outubro 23, 2018

Floresta maldita, de Jason Zada *1/2


Depois de se assistir a filmes como “A bruxa” (2015) e “As boas maneiras” (2017), obras do gênero horror que recriam as convenções dessa linhagem de produções sob uma ótica artística contestadora e libertária, fica difícil encarar um negócio tão previsível e medíocre como “Floresta Maldita” (2016), longa que recicla sem criatividade ou mesmo convicção clichês e truques baratos do gênero.

segunda-feira, outubro 22, 2018

Bancando o águia, de Buster Keaton ****


Ver um filme de Buster Keaton no auge da forma artística continua a ser uma experiência desconcertante, mesmo em pleno século XXI. “Bancando o águia” (1924) é prova enfática dessa constatação. A uma encantadora comicidade ingênua, com uma trama flertando por vezes com o melodrama, soma-se um afiado senso cênico e uma concepção visual-narrativa que envereda de maneira fluente para o onírico e o delirante. As coreografias de quiproquós e perseguições tem um detalhismo gráfico impressionante e são executadas com precisão assustadoras, fazendo com que várias sequências desse média-metragem grudem no nosso imaginário. As criativas trucagens e o roteiro a juntar elementos de comédia de costumes, policial e fantasia ajudam também a compor uma obra que discorre sobre as inúmeras possibilidades artísticas da própria arte cinematográfica. Poucas vezes uma produção versou sobre o universo do cinema com tanta maestria e sensibilidade.

quinta-feira, outubro 18, 2018

Venom, de Ruben Fleischer **


No Universo Marvel dos quadrinhos, Venom é um dos supervilões mais importantes nas histórias do Homem-Aranha. Nesse sentido, talvez o mais relevante antagonista do herói aracnídeo que não foi criado por Stan Lee. Como levar a sério um filme sobre o personagem, dessa forma, em que ele é um super-herói e o Homem-Aranha não aparece em instante algum e sequer é mencionado? “Venom” (2018) é um reflexo perfeito do que está acontecendo em Hollywood na atualidade: na pressa em lucrar de qualquer maneira para aproveitar essa onda benfazeja de produções no gênero aventura de super-heróis, os estúdios por vezes fazem os seus filmes meio de qualquer jeito e procurando emular os principais preceitos narrativos e temáticos do que se tem feito na área nos últimos anos. No caso da produção dirigida por Ruben Fleischer, recicla-se os diálogos repleto de piadinhas bestas da franquia Homem de Ferro, o humor gráfico escroto e escatológico dos filmes de Deadpool, uma certa atmosfera sombria das obras protagonizadas por Wolverine. O resultado final dessa maçaroca de influências é uma apressada e despersonalizada adaptação dos quadrinhos. Não chega a ser exatamente algo mal feito, mas apenas executado sem maiores inspirações criativa e incapaz de efetivamente causar algum impacto para o espectador. E o patético gancho explícito para uma continuação expresso na inevitável cena pós-crédito mais acentua essa impressão de “Venom” ser um produto oportunista do que uma obra de alguma coerência artística, característica essa, por exemplo, que é marcante na grande maioria das produções originárias dos Estúdios Marvel.

quarta-feira, outubro 17, 2018

Nasce uma estrela, de Bradley Cooper ***1/2


Megaconcertos de rock, daqueles realizados em imensas arenas e afins, guardam uma espécie de parentesco com o fascismo. O artista diz um “yeah” qualquer e uma imensa massa responde urrando de aprovação e os sistemas de som propagam um volume sonoro ensurdecedor estimulando uma resposta sensorial do público ainda mais tonitruante. Em eventos como esse, a contemplação e reflexão não encontram muito espaço – grande parte das pessoas está lá para urrar e pular em troca do caro ingresso que elas pagaram. Diante de um quadro como esse, é mais que compreensível a considerável quantidade de vaias que Roger Waters angariou em terras brasileiras ao mostrar uma postura crítica em relação à ascensão do fascismo bolsonarista no país. Por mais que essa postura de desafio seja coerente com a própria trajetória artística de Waters, a verdade é que essa situação é sintomática da própria condição contraditória e anacrônica do rock and roll em pleno século XXI. Aquilo que começou como uma revolução musical e comportamental em meados da década de 1950 como reação à postura moralista, hipócrita e racista da sociedade ocidental da época se transformou na trilha sonora de pessoas que hoje em dia adotam essa mesma postura.
A nova versão de “Nasce uma estrela” (2018) é mais uma prova enfática dessa melancólica decadência existencial do rock and roll. Logo no início do filme, há uma memorável sequência em que o rock star Jackson Maine (Bradley Cooper) toma uns aditivos nos bastidores de um show e quando entra em cena logo dispara riffs e solos faiscantes de guitarra diante de uma imensa e barulhenta plateia. A música é um intenso southern rock, pleno de rusticidade e melodia, mas também com um certo ar datado. De maneira simbólica, essa cena sintetiza com sutileza o subtexto da obra – por maior que seja a beleza e a espontaneidade da arte de Maine, a realidade é que ele é um dinossauro à beira da extinção. Mais do que seu comportamento autodestrutivo e a inconstância do seu temperamento, seu definitivo algoz, ainda que de maneira involuntária, é a cantora pop Ally (Lady Gaga) – Maine a descobre acidentalmente, acolhe-a e a transforma em esposa e parceira e por fim é suplantado por ela de forma avassaladora. O genuíno talento de Ally, bruto e cortante quando descoberto por Maine, aos poucos é lapidado e estilizado de acordo com os preceitos comerciais da indústria da música atual. O paralelo que se estabelece entre os dois personagens é direto e algo exagerado, mas altamente eficaz e perturbador – a ascensão como diva pop de Ally corresponde à amarga e fulminante derrocada de Maine.
Basicamente, a trama dessa revisão de “Nasce uma estrela” é a mesma das três versões cinematográficas anteriores. O grande mérito de Bradley Cooper na direção é repetir a história e a enquadrá-la sob um contexto histórico-existencial diferente e também em um formato narrativo e cênico de forte frescor criativo. Em termos de estilo, Cooper faz lembrar muito alguns trabalhos marcantes de Clint Eastwood na direção – narrativa e encenação seguem um classicismo muito bem delineado, a atmosfera dramática é marcada pela sobriedade, o elenco apresenta seguras e convincentes atuações. Além disso, é de se destacar o vigor cênico dos números musicais da produção e que valoriza com sensibilidade a beleza das canções originais da trilha sonora. Nessa afiada concepção formal e temática, o filme apresenta algumas antológicas sequências: Ally no centro do palco na premiação do Grammy enquanto Maine está atirado bêbado na escada de acesso ao palco, o doloroso rito de morte do artista que remete ao suicídio de Kurt Cobain e a sensacional sequência final em que uma versão grandiosa e plastificada de uma canção de Maine interpretada por Ally se contrapõe a um cortante flashback dele mesmo interpretando cruamente a música ao piano. E a conexão com Eastwood é tão forte que por vezes o filme faz lembrar uma das mais estimadas obras do veterano cineasta, a cinebiografia musical “Bird” (1988), que marcava justamente a conturbada substituição do jazz clássico pelo rock and roll no imaginário cultural norte-americano.

terça-feira, outubro 16, 2018

A chefa, de Ben Falcone **


No primeiro terço de sua narrativa, “A chefa” (2016) até insinua algo como uma crítica irônica a aspectos machistas e desumanos da sociedade capitalista-consumista ocidental. Esse direcionamento, digamos, mais ousado do filme, entretanto, logo é suplantado em nome de uma adequação aos cânones mais comportados da comédia norte-americana contemporânea. Há até algumas sequências engraçadas, principalmente quando o direto Ben Falcone deixa aflorar um lado mais grotesco na encenação, mas o que prevalece mesmo é uma lógica artística-temática conservadora e previsível. A própria atuação de Melissa McCarthy parece uma extensão dessa abordagem, com a atriz repisando maneirismos que haviam se mostrado mais eficazes em produções anteriores.

segunda-feira, outubro 15, 2018

Mortdecai - A arte da trapaça, de David Koepp *1/2


A combinação de comédia farsesca e aventura de “Mortdecai – A arte da trapaça” (2015) poderia ter resultado em uma experiência cinematográfica interessante. Uma direção menos previsível e com alguma sutileza em termos de encenação teria chances de entregar um resultado final memorável na linha do divertido (e subestimado) “Hudson Hawk – O falcão está à solta” (1991) ou mesmo de alguns exemplares antológicos da franquia da Pantera Cor de Rosa. A forma com que o cineasta David Koepp conduz a narrativa, entretanto, é tão mão pesada e despersonalizada que o máximo que consegue é induzir o sono ao espectador. Faltam vigor para as cenas de ação, alguma graça para os momentos pretensamente mais espirituosos e ousadia na concepção visual, além das atuações do elenco principal caírem em um tom caricatural frágil e banal.

quinta-feira, outubro 11, 2018

A outra mulher, de Daniel Auteuil ***


A premissa inicial da trama de “A outra mulher” (2018), em um primeiro momento, parece até bem batida: ao conhecer a nova namorada bem mais jovem de um amigo, o protagonista Daniel (Daniel Auteuil) vê a suas concepções pequeno-burguesas de um casamento estável e uma vida estruturada se abalarem ao também se apaixonar pela tal garota. O que torna esse filme dirigido por Auteuil uma obra divertida e algo inquietante é a encenação repleta de interessantes nuances dramáticas e cômicas. De maneira sutil e irônica, Auteil consegue estabelecer uma criativa narrativa que se alterna de maneira fluida o espaço temporal da trama e que também insere um toque entre o onírico e o delirante, sem que tudo pareça necessariamente confuso. O quarteto principal de atores tem atuações expressivas e que valorizam os espirituosos diálogos e as situações de quiproquós do roteiro. Nesse contexto geral, “A outra mulher” está mais para uma comédia ligeira a abordar a questão dos relacionamentos amorosos do que para um trabalho mais profundo e instigante a fustigar o mesmo tema, mas envereda por esse lado mais leve com razoável competência narrativa.

quarta-feira, outubro 10, 2018

As herdeiras, de Marcelo Martinessi ***


A construção narrativa da produção paraguaia “As herdeiras” (2018) é baseada em um conceito minimalista. A ação é desenvolvida sem atropelos, o roteiro mais sugere os dilemas de suas personagens do que os fixa de forma definitiva ou ostensiva, não há música a pontuar a dramaticidade das cenas. A concepção artística do diretor Marcelo Martinessi é tão rigorosa na secura e contenção de seus elementos estéticos-temáticos que mesmo situações da trama e personagens que poderiam complementar a obra são limados sem concessão. Esse direcionamento por vezes pode tornar a obra um tanto árida, mas aos poucos vai se mostrando eficaz na maneira como cria tensão dramática e dá uma contundente dimensão existencial para as principais figuras da história. O roteiro foca de maneira preponderante o universo feminino que gira em torno de um casal maduro de lésbicas. Quando homens entram em cena, sempre é de longe, distante, como se fossem uma opressora e difusa sombra patriarcal sobre as personagens. Nesse sentido, novamente a forma minimalista de Martinesse filmar consegue ressaltar com sutileza essa crítica a uma sociedade machista, além de evocar aquela atmosfera de um atraente mundo particular da série Peanuts – é de se lembrar que no ambiente de Charlie Brown e sua turma os adultos nunca são mostrados de forma direta. Nesse formato narrativo, “As herdeiras” não é filme de grandes arroubos formais. A coerência de seu direcionamento artístico, entretanto, torna a obra estranhamente envolvente e sensual em seus desdobramentos, impressão essa ainda mais acentuada pela intensa interpretação de Ana Brum.

terça-feira, outubro 09, 2018

Mais um verão americano, de David Wain ***1/2

O diretor norte-americano David Wain tem uma queda para fazer pastiches/homenagens a determinados subgêneros cinematográficos. Se em “Encontros e desencontros do amor” (2014) a sua paródia de comédia romântica se mostra mal-ajambrada e sem graça, na reciclagem perversa que faz das comédias oitentistas de acampamento em “Mais um verão americano” (2001) o resultado final se mostra bem mais satisfatório. Estão lá todos os clichês narrativos e temáticos típicos desse tipo de produção devidamente atualizados por um olhar mais irônico, mas que também revela um certo viés carinhoso e libertário. Tudo no filme soa bastante estilizado: as atuações exageradas de atores adultos emulando adolescentes estereotipados, a direção de arte a emular uma atmosfera algo idealizada imaginária dos anos 80, o roteiro que trafega entre o caricatural e o grotesco. Wain consegue dar uma considerável unidade artística para tais elementos e fazer com que a narrativa se mostre funcional e divertida, além de evidenciar personagens memoráveis e passagens da trama efetivamente antológicas (os monitores que vão para uma cidadezinha para vandalizar e se drogar, o surreal show de talentos no terço final do filme).

segunda-feira, outubro 08, 2018

Tarde para la ira, de Raúl Arévalo **


A produção espanhola “Tarde para la ira” (2016) busca narrativa e encenação de caráter mais realista dentro do já manjado subgênero “filmes de vingança”. A ação se desenvolve num bairro popular, com momentos importantes da trama se situando também em periferias barra-pesadas. A forma com que o diretor Raúl Avéralo conduz a narrativa é tão desprovida de vigor e criatividade, entretanto, que o resultado final está muito para mais novela mexicana com alguma violência gráfica mais brutal em sequencias pontuais do que um filme na linha policial/suspense. Faltou maior consistência dramática, atuações menos caricaturais do elenco e uma concepção estética-visual um pouco mais ousada para afastar a obra do meramente derivativo e esquecível.

sexta-feira, outubro 05, 2018

Bad day for the cut, de Chris Baugh **1/2


Filmes de vingança têm um certo charme para parte do público. Tanto que viraram praticamente um subgênero dentro da linhagem policial-suspense. A produção britânica “Bad day for the cut” (2017) é mais uma obra voltada para essa temática e está bem longe de apresentar algo de especialmente transcendente em termos artísticos, mas também é verdade que é eficiente dentro de sua narrativa formulaica. A abordagem estética do diretor Chris Baugh é interessante, enveredando por um lado mais naturalista. O roteiro apresenta alguns elementos interessantes, principalmente por trazer à tona um submundo irlandês envolvido com tráfico de mulheres do leste europeu. A encenação é econômica e objetiva, valorizando as sequências graficamente mais violentas ao expor espancamento brutais e sangrentos com certo detalhismo, dispensando a assepsia visual. E mesmo o ator Nigel O’Neil chama atenção positivamente pela sua contida composição dramática do protagonista Donal, um fazendeiro solteirão e taciturno que parte numa desajeitada e furiosa jornada de revanche contra aqueles que mataram sua mãe. Ainda que por vezes envolvente para o espectador, é evidente também que esse conjunto formal-temáticol é derivativo e pouco memorável. É aquela coisa: fácil de ver numa noite preguiçosa em frente à TV, também fácil de esquecer.

quinta-feira, outubro 04, 2018

A moça do calendário, de Helena Ignêz ***


Helena Ignêz cada vez mais se revela como legítima herdeira artística-existencial de Rogério Sganzerla. “A moça do calendário” (2017) é prova enfática desse seu direcionamento. Há uma linha tênue de narrativa que vincula o filme a uma recriação do gênero comédia romântica – não ligada às produções mais contemporâneas dessa linhagem cinematográfica, mas mais voltada para aquelas produções clássicas de Billy Wilder, Frank Capra e Ernest Lubitsch. É claro, entretanto, que a abordagem de Ignêz não é das mais convencionais. Ela pega algumas arestas tradicionais e as perverte sob uma ótima poética, libertária e até mesmo panfletária. Assim, a narrativa se desenvolve como um grande fluxo onírico e simbolista em que a realidade e o delirante se casam de maneira bizarra e fluente. Discursos sócio-políticos de naturezas ideológicas diversas, diálogos entre o absurdo e a mais cortante lucidez, encenação que atira para vários lados, referências e citações culturais que se incorporam de maneira contundente na trama (com direito, inclusive, a menções explícitas a filmes de Sganzerla). Se por vezes a junção de todos esses elementos estéticos e temáticos tornam a narrativa um tanto irregular, é verdade também que jogam o espectador em um universo sensorial lúdico e perturbador repleto de lirismo, ironia e melancolia. No saldo final, há uma leveza sardônica e humanista em “A moça do calendário” que até serve como uma espécie de breve alívio em tempos tão opressores...

quarta-feira, outubro 03, 2018

Missão 115, de Silvio Da-Rin **1/2


Há uma conexão temática evidente entre os documentários “Hércules 56” (2006) e “Missão 115” (2018), ambos dirigido por Silvio Da-Rin – as duas obras tratam de episódios relativos ao período da ditadura militar no Brasil. Se na época do lançamento do primeiro filme havia uma impressão de que a narrativa abordava fatos de um passado atribulado e que dificilmente poderiam se repetir no presente, na produção documental mais recente a sensação é que passado, presente e futuro estão entrelaçados de maneira intrínseca e perturbadora. Ainda fazendo a comparação entre os dois documentários, “Missão 115” se mostra com um viés mais pessoal, ainda que mantenha a linha didática histórica do trabalho anterior de Da-Rin. Tanto que o próprio diretor se coloca como personagem logo no início da narrativa por ter sido preso político na época da ditadura. A maioria dos depoimentos vem em um tom professoral e detalhista; ainda que bastante informativas e esclarecedoras, tais entrevistas dão uma formatação um tanto cansativa para o filme, fazendo com que por vezes tudo pareça mais uma grande reportagem, carecendo assim de uma abordagem estética mais ousada. Provavelmente, diante das circunstâncias sócio-políticas atuais, em que há fortes possibilidades de que país venha a ser governado por um ultradireitista raivoso ou mesmo sofra um novo golpe militar, as verdadeiras intenções artísticas-existenciais de Da-Rin estejam no caráter panfletário-informativo de “Missão 115” do que em alguma grande elaboração criativa em termos de linguagem cinematográfica. Olhando sob esse ângulo, dá para dizer que o documentário em questão se mostra uma experiência cultural e sensorial até bem-sucedida, pois consegue estabelecer uma ligação de coerência e profundidade entre as ações de terrorismo de Estado no crepúsculo da ditadura com os arroubos de autoritarismo e hipocrisia que levaram ao golpe parlamentar de 2016 e à nova ascensão do pensamento reacionário-fascista na sociedade contemporânea.

terça-feira, outubro 02, 2018

The Cloverfield Paradox, de Julius Onah **


Nas produções audiovisuais ligadas ao universo Cloverfield, há uma curiosa variação de gêneros. Se em “Cloverfield” (2008) a narrativa se vinculava aos filmes de monstros na linha Godzilla, em “Rua Cloverfield, 10” (2016) predominava a linha do thriller psicológico. No mais recente “The Cloverfield Paradox” (2018), o que se tem é uma ficção-científica propriamente dita. Dentro dos cânones típicos dessa linhagem de produções, a obra de Julius Onah tem alguns pontos promissores – o roteiro aborda com razoável profundidade a questão de universos paralelos, além de fazer interessantes especulações sobre o futuro geopolítico do mundo. A direção de arte apresenta um certo grau de realismo, no sentido de que a ambientação tecnológica-científica pareça verossímil para o espectador. Essas boas impressões iniciais, entretanto, sucumbem a uma narrativa e encenação pouco imaginativas e a uma concepção estética asséptica em demasia. A impressão constante é a de uma obra de ficção científica que foi excessivamente lapidada para um público pouco afeito ao gênero. Ainda que “Rua Cloverfield, 10” tenha sido uma boa surpresa, com esse “The Cloverfield Paradox” fica ainda a impressão, no cômputo geral, que as boas possibilidades criativas do universo Cloverfield continuam subaproveitadas.