“Garapa” (2009) é um documentário que aborda a questão da fome no Nordeste, focalizando a sua narrativa em três famílias passando por necessidades relativa à falta de alimentação adequada para a sua sobrevivência. Pode-se observar, tanto na recepção da crítica quanto na do público, que há um certo teor de ceticismo em relação ao filme. Isso ocorre, certamente, porque existe o pressuposto de que um assunto que já foi abordado em tantas oportunidades, não só pelo cinema como por outras mídias, não teria como render algo de novo. Fora que há o receio das visões ideológicas que um material como esse pode despertar. Não a toa, “Garapa” foi acolhido em poucas salas comerciais, destino diverso das duas partes de “Tropa de Elite” (2007 e 2010), produções mais renomadas de Padilha.
Padilha não apresenta novidades sobre a questão social que aborda em “Garapa”. Na verdade, nem era essa a sua pretensão. O que se sente no filme é que o diretor testa as sensibilidades própria e do espectador para ver se os mesmos são ainda capazes de se comover com as situações presentes no documentário, ainda que as mesmas sejam análogas a outras que já tenham sido mostradas e discutidas em diversas oportunidades. E nesse questionamento sobre tais capacidades, Padilha não faz concessões. O registro de sua câmera é objetivo e sem pudores, sendo que essa secura formal se acentua através de opções estéticas igualmente sóbrias como uma rigorosa fotografia em preto e branco e a ausência total de trilha sonora incidental. Há obsessão em evidenciar o maior número de detalhes sobre a rotina dos indivíduos focados, desde os atos mais banais do quotidiano até momentos fortemente dramáticos. Esse cuidado com o registro de detalhes e a duração do filme (quase duas horas) podem fazer pressupor um excessivo gosto pela repetição. Isso, entretanto, não se revela como equívoco de Padilha, mas como algo que está perfeitamente coerente com o que se busca como proposta narrativa. A repetição de situações evidencia a vida em colapso permanente e sem saída daqueles seres que tem as suas vidas desnudadas na tela em toda a sua crueza e melancolia, oferecendo a várias cenas de “Garapa” uma perturbadora sensação de pesadelo.
Outro aspecto inquietante em “Garapa” é a impressão de que em algumas sequências do filme está ocorrendo uma certa “maquiagem” da realidade, tanto por uma questão de receio dos protagonistas (a mãe que dá banho nos filhos antes de uma refeição) quanto por didatismo (a assistente social que aconselha uma outra mãe a como proceder em relação a sua precária rotina). O que novamente aparenta ser um “equívoco” se apresenta, na verdade, como uma bem sacada opção narrativa no sentido de que se aquelas situações adulteradas pela presença da câmera já refletem fatos muito preocupantes, imagina-se o quão pior deve ser a efetiva conjuntura do que é mostrado.
Ainda falando em opções estéticas, a já citada fotografia em preto e branco de “Garapa” possui uma textura quase envelhecida, o que novamente não é um mero acidente na concepção artística de Padilha. O que chega ao olhar de espectador é um visual estranhamente atemporal. Se não houvesse qualquer menção a ano de produção no filme e alguma referência prévia sobre o mesmo, haveria dificuldade em precisar com alguma exatidão o período focado no documentário. Padilha parece deixar clara a perenidade das desgraças que afligem aquelas pessoas, assim como o beco sem saída em que se encontram.
Eu poderia dizer com certeza que o sueco “Deixa Ela Entrar” foi o melhor filme de terror que vi nos cinemas em 2009. As moscas rondando os pratos de escassa comida de crianças, as doenças provocadas por diversas privações e a falta de esperança presentes nos fotogramas de “Garapa” me provocaram, entretanto, as maiores sensações de horror cinematográfico no referido ano. O distanciamento formal de Padilha permite um ajustado olhar lúcido, mas que possibilita também o afloramento do lado emocional.
Padilha não apresenta novidades sobre a questão social que aborda em “Garapa”. Na verdade, nem era essa a sua pretensão. O que se sente no filme é que o diretor testa as sensibilidades própria e do espectador para ver se os mesmos são ainda capazes de se comover com as situações presentes no documentário, ainda que as mesmas sejam análogas a outras que já tenham sido mostradas e discutidas em diversas oportunidades. E nesse questionamento sobre tais capacidades, Padilha não faz concessões. O registro de sua câmera é objetivo e sem pudores, sendo que essa secura formal se acentua através de opções estéticas igualmente sóbrias como uma rigorosa fotografia em preto e branco e a ausência total de trilha sonora incidental. Há obsessão em evidenciar o maior número de detalhes sobre a rotina dos indivíduos focados, desde os atos mais banais do quotidiano até momentos fortemente dramáticos. Esse cuidado com o registro de detalhes e a duração do filme (quase duas horas) podem fazer pressupor um excessivo gosto pela repetição. Isso, entretanto, não se revela como equívoco de Padilha, mas como algo que está perfeitamente coerente com o que se busca como proposta narrativa. A repetição de situações evidencia a vida em colapso permanente e sem saída daqueles seres que tem as suas vidas desnudadas na tela em toda a sua crueza e melancolia, oferecendo a várias cenas de “Garapa” uma perturbadora sensação de pesadelo.
Outro aspecto inquietante em “Garapa” é a impressão de que em algumas sequências do filme está ocorrendo uma certa “maquiagem” da realidade, tanto por uma questão de receio dos protagonistas (a mãe que dá banho nos filhos antes de uma refeição) quanto por didatismo (a assistente social que aconselha uma outra mãe a como proceder em relação a sua precária rotina). O que novamente aparenta ser um “equívoco” se apresenta, na verdade, como uma bem sacada opção narrativa no sentido de que se aquelas situações adulteradas pela presença da câmera já refletem fatos muito preocupantes, imagina-se o quão pior deve ser a efetiva conjuntura do que é mostrado.
Ainda falando em opções estéticas, a já citada fotografia em preto e branco de “Garapa” possui uma textura quase envelhecida, o que novamente não é um mero acidente na concepção artística de Padilha. O que chega ao olhar de espectador é um visual estranhamente atemporal. Se não houvesse qualquer menção a ano de produção no filme e alguma referência prévia sobre o mesmo, haveria dificuldade em precisar com alguma exatidão o período focado no documentário. Padilha parece deixar clara a perenidade das desgraças que afligem aquelas pessoas, assim como o beco sem saída em que se encontram.
Eu poderia dizer com certeza que o sueco “Deixa Ela Entrar” foi o melhor filme de terror que vi nos cinemas em 2009. As moscas rondando os pratos de escassa comida de crianças, as doenças provocadas por diversas privações e a falta de esperança presentes nos fotogramas de “Garapa” me provocaram, entretanto, as maiores sensações de horror cinematográfico no referido ano. O distanciamento formal de Padilha permite um ajustado olhar lúcido, mas que possibilita também o afloramento do lado emocional.