O fato de “Era uma vez eu, Verônica” (2012) começar e
terminar com uma grande suruba na praia não configura apenas um gosto pela
sacanagem. No caso do filme, representa também uma declaração existencial de
princípios e que também se revela em sintonia com a própria trajetória da protagonista
Verônica (Hermilla Guedes) no filme. A personagem apenas quer extrair algum
prazer da vida, independentemente das convenções sociais e pequeno-burguesas. Numa
sociedade que defende valores arraigados em fortes tradições morais e
religiosas, ainda que em pleno século XXI, o desejo de liberdade de Verônica
acaba lhe deixando em crise pessoal. Em tempos de neo-conservadorismo e da
assepsia temática e formal da produções oriundas da Globos Filmes, os dilemas e
desejos da protagonista soam profundamente
ousados e inquietantes. A questão da vontade por uma vida mais livre de convenções
de Verônica parece influenciar o próprio tratamento estético concebido pelo
diretor Marcelo Gomes para a sua obra. Se por vezes ele utiliza um registro
objetivo, de tons que beiram o documental, em outros momentos sua câmera é
livre, além dele valorizar uma considerável gama de efeitos visuais em termos
de iluminação e enquadramentos, com o seu áudio enfatizando nuances como
sussurros, gemidos, leves cantarolares. O fato da trilha sonora ser dominada
pelas belas canções da Karine Buhr (uma lasciva combinação de rock, brega e
regionalismos) sublinha com classe as intenções de Gomes. O resultado final
desse conjunto formal é uma obra de efeito sensorial desconcertante, próximo do
espírito libertário da protagonista.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
terça-feira, abril 30, 2013
segunda-feira, abril 29, 2013
Um porto seguro, de Lasse Hallström *
O sueco Lasse Hallström nunca foi um diretor especialmente
brilhante, principalmente depois que se bandeou para Hollywood. Em sua carreira
norte-americana, a cada produção foi perdendo traços de personalidade própria,
a um ponto que hoje em dia se confunde com os mais burocráticos paus para toda
obra que existem às dúzias por aí. Esse “Um porto seguro” (2013) é o seu fundo
do poço artístico (se bem que nunca dá para duvidar que as coisas sempre podem
piorar). Hallström devia estar precisando bastante da grana para aceitar
trabalhar com um roteiro tão medíocre e derivativo como esse baseado no
original de Nicholas Sparks. O tratamento que o cineasta dá para a trama é tão
pífio e sem inspiração quanto o texto. É aquele tipo de filme que a gente pode
identificar com clareza todo o seu mecanismo – quando não há muito o quê dizer,
abusa de câmeras a fazer grandes panorâmicas (estilo cinema cartão postal);
cenas intimistas são filmadas como se fossem um comercial de perfume ou
sabonete para adolescentes; o roteiro tem viradas dramáticas que oscilam entre
o formulaico e o apelativo (o que dizer da “surpresa” espírita do final?). A
maior ousadia estética de Hallström é simular uma câmera que trepida quando o
vilão alcoólatra entra em cena, e mesmo assim o resultado é simplesmente tosco
e gratuito. E depois de ver um desastre tão ostensivo quanto “Um porto seguro”,
não há como ficar curioso em saber qual é o próximo passo rumo ao grande nada
por parte de Hallström.
sexta-feira, abril 26, 2013
Argo, de Ben Affleck ***
Pode-se dizer que a metade inicial de “Argo” (2012) mostra
um trabalho formal bem definido e até com um certo traço autoral. O filme evoca
bastante a estética típica do cinema de viés político norte americano dos anos
70 na linha de obras como “Três dias de Condor” (1975) e “Todos os homens do
presidente” (1976) - até os créditos iniciais com o ícone do estúdio apresenta
esse estilo retrô. Nessa formatação, o diretor Ben Affeck abusa da narrativa
por vezes quase documental e da fotografia de tons granulados. Também no início
do filme, o roteiro sugere uma visão mais crítica sobre a questão dos conflitos
políticos dentro do Irã, ressaltando a própria participação dos Estados Unidos
para que a situação chegasse a um ponto tão explosivo quanto aquela da época
(final da década de 1970). Nessa conjunção estética e temática, “Argo” se
mostra uma produção realmente inquietante. Ocorre que em sua metade final, o filme
muda seu direcionamento. Affleck adota uma
abordagem bem mais convencional, além de mostrar uma visão política claramente
maniqueísta, com os iranianos sendo retratados como animais fanatizados. Por
mais que a seqüência de fuga no aeroporto possa soar emocionante para parte dos
espectadores, também revela uma incômoda falta de coerência que todo aquele
estilo mais cerebral e contido do início do filme. Talvez essas diferenças
entre as metades inicial e final de “Argo” reflitam uma esquizofrenia criativa
por parte de Affleck. No final das contas, entretanto, é provável que se mostre
como uma forma de adequação progressiva a um gosto médio das plateias.
quinta-feira, abril 25, 2013
A morte do demônio, de Fede Alvarez ***
Não há como não comparar uma refilmagem com o original, por
maiores que sejam os méritos artísticos daquela. Ainda mais se a primeira versão
do filme é uma obra-prima fundamental e marcante como o primeiro “A morte do
demônio” (1981). Nesse sentido, essa revisão concebida pelo diretor Fede
Alvarez, e lançada agora em 2013, decepciona, principalmente por não trazer o
grau de inventividade e virtuosismo que a produção dirigida por Sam Raimi
apresentou. Não há aquele senso de humor perturbador e a sordidez irônica que
conquistaram o público e tornaram o debut de Raimi uma obra influente. Na versão
de Alvarez, por mais que a ideia de misturar o terror sobrenatural com o vício
de drogas da protagonista possa ser uma boa
sacada, há uma incômoda impressão de um roteiro que se leva demasiadamente a sério,
o que fica ainda mais acentuado quando a trilha sonora melodramática entra em
cena e nos momentos envolvendo discussões familiares. Ora, convenhamos: num
terror gore, profundidades psicológicas são um tanto irrelevantes... Tirando
tais considerações comparativas, entretanto, há de se reconhecer que essa
refilmagem tem os seus méritos que a colocam num nível acima da média do que
vem se produzindo no gênero nos últimos tempos. Há seqüências efetivamente
assustadoras, tanto pelo grau de violência explícita quanto pelo alto nível de
suspense. Alvarez pode não chegar perto da criatividade estética de Raimi, mas
mesmo assim tem talento e coragem suficientes para realizar cenas extremas de
mutilações absurdas e sanguinolências desvairadas, capazes de se grudar no
imaginário cinematográfico.
quarta-feira, abril 24, 2013
Oblivion, de Joseph Kosinski ***1/2
Dentro do gênero da ficção científica, “Oblivion” (2013) não
chega a trazer nada de exatamente novo. O filme recicla muito de alguns
preceitos temáticos já bastante utilizados em outras produções do estilo. Mesmo
assim, é uma obra que surpreende por apresentar esmero estético e criatividade
na sua concepção visual, que chega até a lembrar por alguns momentos o grafismo
dos quadrinhos europeus da “Metal Hurlant” (aquele visual de uma Lua despedaçada
é de ficar colado no nosso imaginário por um bom tempo), e por uma atmosfera
constante de tensão. Nesse último ponto, isso é valorizado pelo fato de que quase
metade da trama traz o protagonista Jack
Harper (Tom Cruise) sozinho em cena, percorrendo um planeta Terra devastado por
desastres naturais e bombas nucleares. O filme até surpreende por um tom
reflexivo e intimista, o que também possibilita uma caracterização mais
aprofundada do personagem principal. Isso não quer dizer que o diretor Joseph
Kosinski esqueça que “Oblivion” é na sua essência uma aventura – há boas seqüências
de ação, ainda que por vezes um tanto genéricas.
terça-feira, abril 23, 2013
Vocês ainda não viram nada!, de Alain Resnais ***1/2
Filmes que procuram ligações entre as linguagens cinematográfica
e teatral não chegam a ser exatamente uma novidade. Por vezes, esses tipos de
produção caem no puro teatro filmado. Por outras, resultam em obras inquietantes,
que reviram os conceitos de tais meios de expressão a um ponto que fica difícil
delimitar onde começa um e termina o outro. Nessa última categoria, pode-se
enquadrar a extraordinária versão recente de “Anna Karenina” (2012) e esse “Vocês
ainda não viram nada!” (2011), de Alain Resnais. O veterano diretor francês
sempre teve uma queda por uma abordagem anti-naturalista, vide obras como “O
ano passado em Marienbad” (1961) e “Meu tio da América” (1980). Na obra em
questão, Resnais propõe uma fusão radical de elementos, com direito inclusive à
metalinguagem. O roteiro parte de uma premissa relativamente simples: um grupo
de atores assiste a uma peça, (uma modernização da lenda de Orpheus e Eurídice),
filmada num grande telão. Aos poucos, essa platéia de intérpretes começa a
interagir com a encenação filmada, a um ponto que há duas (por vezes até três)
narrativas paralelas, ou que se fundem, contando a mesma história. A ação se
expande para fora do espaço “real”, entrando num universo paralelo (é um palco?
É um sonho?). Em alguns momentos, a mesma cena é recontada, como se Resnais
buscasse de forma obsessiva uma nuance específica. É fascinante que ainda assim
o filme fuja do simples experimentalismo – a fluidez da sua narrativa e mesmo o
caráter emocional de sua trama causam forte empatia com o público. A sintonia
artística entre o cineasta e o seu elenco também contribui de forma decisiva
com o impacto sensorial de “Vocês ainda não viram nada!” – é desconcertante a
maneira como os atores variam o tom de suas atuações, passando do ato de
interpretarem a si próprios ao de vestirem a pele dos personagens da peça numa
simples variação de um gesto ou do olhar.
segunda-feira, abril 22, 2013
Alvo duplo, de Walter Hill ***
O diretor norte-americano Walter Hill era um nome recorrente
nas salas de cinema nos anos 70 até a primeira metade da década de 90.
Especialista no gênero ação, algumas de suas produções se tornaram sucessos
comerciais consideráveis, além de serem bastante cultuadas por parte dos cinéfilos.
Só que nos últimos 20 anos praticamente nada de seus filmes chegaram aos nossos
cinemas. Daí a surpresa quando aparece esse “Alvo duplo” (2012), e tendo ainda
como protagonista Sylvester Stallone, ou seja,
um encontro de titãs da porradaria oitentista!! O resultado final está longe do
status obra-prima de produções clássicas de Hill como “Warriors – Os selvagens
da noite” (1979) ou “48 horas” (1982), mas é respeitável. Dá até para fazer
suposições: a gente imagina Hill louco para filmar e alguém oferece um roteiro
bem mequetrefe para ele. O cara não se faz de rogado e faz o que pode com a
trama cheia de furos e obviedades. E o filme tem pelo menos dois grandes méritos:
algumas cenas de ação muito boas e uma presença cênica marcante de Stallone (bem
melhor que naquela paródia insossa que é a franquia “Os mercenários”). Por
outro lado, “Alvo duplo” também serve como uma melancólica constatação – a de
que não se fazem mais filmes de pura macheza truculenta como se fazia nos anos
80...
sexta-feira, abril 19, 2013
Sejam muito bem-vindos, de Jean Becker ***
A trama de “Sejam muito bem-vindos” (2011) já foi vista, com
algumas variações, em inúmeras outras produções: um homem maduro em crise e
desiludido que conhece alguém especial (um jovem, uma criança, um idoso), acaba
tendo alguma lição de vida com essa experiência e se torna um ser humano um
pouco melhor. A própria estrutura narrativa do filme em questão, clássica e
linear, não foge muito do padrão tradicional das obras do gênero. É nos
detalhes que o filme dirigido por Jean Becker acaba se sobressaindo. A encenação
traz alguma virulência que soa inquietante para o espectador, além das
abordagens formal e temática apresentarem uma contenção que faz com que não se caia
no sentimentalismo excessivo. O protagonista
Tailandier (Patrick Chesnais) sofre de depressão, sendo que a composição dramática
do personagem é o fiel da balança de “Sejam muito bem-vindos” – a alternância
de reações e o comportamento atribulado de Tailandier criam a empatia necessária
para que o filme se torne consideravelmente crível e convincente.
quinta-feira, abril 18, 2013
Deste lado da ressureição, de Joaquim Sapinho **1/2
A última coisa que se pode querer acusar o diretor português
Joaquim Sapinho em “Deste lado da ressurreição” (2011) é de querer facilitar as
coisas para o espectador. Seu filme tem um roteiro repleto de situações que
mais sugerem do que explicam. Os dilemas e traumas dos personagens nunca ficam
bem esclarecidos – só se pode saber que são graves a um ponto de gerarem várias
lamúrias e até autofragelações. Para complicar ainda mais, tudo isso é
temperado por uma atmosfera católica, onde culpa e uma improvável redenção
rondam a história. A abordagem formal de Sapinho se mostra em sintonia com o
seu hermetismo temático, pois a narrativa é vagarosa, abusando de longos e
fixos planos sequência e ações repetidas. A ausência de uma trilha sonora
musical acentua ainda mais essa aridez. Tais escolhas artísticas refletem influências
bem definidas do diretor que vem desde do neo-realismo italiano até obras
recentes do cinema iraniano. Essa estética exasperante de Sapinho parece querer
jogar quem assiste ao filme direto nos tormentos existenciais de suas criaturas
(ainda que por vezes mais estimule uma certa sensação de vazio e tédio). Por
outro lado, a produção tem um encanto visual cativante em alguns momentos. As
tomadas marinhas, por exemplo, trazem uma concepção bastante criativa: ao
retratar o protagonista (e surfista) Rafael
(Pedro Souza) no mar, o registro audiovisual traz crueza e dinâmica que evocam
uma espécie de tom documental naturalista, como se o personagem conseguisse
apenas atingir sua integridade existencial quando está na água surfando. E é
nesse limite entre a letargia e o insólito que “Deste lado da ressureição”
trafega. Ainda que aborreça em determinadas sequências, é inegável a sensação
de inquietação que passa.
quarta-feira, abril 17, 2013
Thérèse D., de Claude Miller ***
O grande mérito de “Thérèse D.” (2012) está no seu roteiro.
O excelente texto do filme extrai a essência de um original literário,
conseguindo valorizar expressivas nuances psicológicas tanto das situações
quanto de personagens. A trama possui forte caráter intimista, mas concilia com
um teor de simbologia – ao narrar os percalços da protagonista
Thérèse (Audrey Tautou), a produção também traça com precisão o perfil
conservador e hipócrita de uma sociedade e de uma época (no caso, a França das
primeiras décadas do século passado). O diretor Claude Miller tem preocupação
em evitar que o filme caia em excessos melodramáticos, conduzindo a narrativa
num tom mais sóbrio, o que pode ser percebido em alguns sutis detalhes: trilha
sonora discreta, edição de poucos cortes, abordagem emocional um tanto
distanciada, interpretações contidas por parte de seu elenco. O rigor desse
formalismo da narrativa impede maiores voos criativos em termos estéticos em “Thérèse
D”. É inegável, entretanto, que estabelece uma relação de coerência artística com
a proposta temática da obra.
terça-feira, abril 16, 2013
Sangue do meu sangue, de João Canijo ***
Vendo uma obra como “Sangue do meu sangue” (2011) pode-se
perceber que filmes de temática social não se diferem muito de um país para
outro (a não ser que quem esteja por trás das câmeras seja um Ken Loach). De
certa forma, chega a ser uma receita bastante simples: olhar mais árido sobre o
cotidiano, atores de interpretações naturalistas, registro formal objetivo,
beirando o documental. A produção portuguesa dirigida por João Canijo utiliza
todos esses elementos de forma rígida, e por vezes até lembra alguns filmes de
Walter Salles (com essa crise econômica mundial, parece que os problemas dos
nossos irmãos lusos não são muito diferentes dos nossos...). Mesmo assim, “Sangue
do meu sangue” consegue encontrar espaço para surpreender. Por vezes, o roteiro
traz uma variação até incômoda: se algumas situações batem em clichês melodramáticos
(homem descobre que sua jovem amante na verdade é sua filha, fruto de uma
transa eventual de décadas atrás), outras trazem uma visão contundente e
complexa dos relacionamentos humanos. Nesse último campo, destaque absoluto
para uma perturbadora seqüência de sexo forçado entre um chefe do tráfico e a
tia de um de seus empregados, num momento de ambiguidade notável entre o
grotesco e a amargura. Dá para imaginar se Canijo não andou lendo alguma peça
de Nelson Rodrigues...
segunda-feira, abril 15, 2013
Invasão à Casa Branca, de Antoine Fuqua ***
A mensagem nacionalista obtusa e o excesso de furos no
roteiro de “Invasão à Casa Branca” (2013), aliadas a uma trilha sonora de tons
épicos e ufanistas, podem causar um certo incômodo. Por outro lado, essa
abordagem política/temática do filme não deixa de trazer um aspecto
interessante por ser bastante emblemática da presente conjuntura social e econômica
dos Estados Unidos, um país em crise moral devido a uma séries de medidas
equivocadas de sua política externa. Assim, não à toa, os vilões são coreanos e
espancam e humilham de forma impiedosa suas vítimas norte-americanas. Analisar
a produção, entretanto, apenas pelo seu conteúdo político seria injusto e
equivocado, pois o principal mérito está no exagero de sua estética. O diretor
Antoine Fuqua tem notória preferência pelo gênero ação (é dele, por exemplo, o ótimo
policial “Dia de Treinamento”), e isso se reflete no filme, que não economiza
na brutalidade e no ritmo frenético. Mesmo usando bastante efeitos digitais, “Invasão
à Casa Branca” chega a ser nostálgico na forma com que a violência explode na
tela, pois lembra muito do que se fazia em algumas das melhores aventuras
oitentistas – é sangue e tripas voando para todos os lados, explosões
estrondosas e lutas e tiroteios coreografados com consideráveis requintes de
detalhismos gráficos, muito distante da assepsia politicamente correta que
grassa atualmente no gênero (pelo menos no que diz respeito nos EUA).
sexta-feira, abril 12, 2013
Uma história de amor e fúria, de Luiz Bolognesi ***
O diretor Luiz Bolognesi buscou soluções artísticas que
fogem de alguns dos padrões vigentes na animação “Uma história de amor e fúria”
(2012). O resultado final da obra mostra que ter arriscado acabou valendo à
pena. Na parte formal, o traço se afasta do realismo digital vigente no atual
panorama das animações, apostando mais num traço estilizado, evocando a escola
européia na linha “Heavy Metal” (revista e filme). O filme também apresenta uma
diversidade de abordagem visual admirável, indo desde um grafismo de tons
suaves e nostálgicos, que remete a um universo pictórico clássico, passando por
sombrias matizes cinzentas (quando a trama retrata os anos de chumbo da
ditadura) e chegando num estilo repleto de cores, luzes e arquiteturas excêntricas,
ao retratar um futuro distópico. Apesar de tal variação estética, Bolognesi
mantém unidade e coerência em cada um desses estilos. Esse formalismo reveste
com sutileza as arestas do roteiro – nesse último quesito, “Uma história de
amor e fúria” se apresenta ainda mais ousado, ao não esconder uma visão histórica
e social bastante pessoal e ideologizada, beirando o panfletarismo. Ingênua ou
não, o que importa é que tal visão acaba criando forte empatia, estabelecendo
uma linha de opressores (portugueses colonizadores, império, ditadura militar e
corporações) que configuram como um grande mal a ser combatido (mesmo que
detenham os plenos poderes institucionais). Sobra até para o Duque de Caxias,
retratado como um malévolo comandante a massacrar rebeldes bem intencionados.
Em tempos que a mídia puxa o saco de um papa latino-americano, é notável que
uma produção como essa consiga aliar uma narrativa de aventura envolvente com
um lado bastante reflexivo sobre os valores distorcidos e as mazelas da história
brasileira.
quinta-feira, abril 11, 2013
Mama, de Andres Muschietti **1/2
Sou de uma geração que era acostumada a ver com freqüência filmes
de horror no cinema. E um dos principais motivos para que isso ocorresse era o
fato de que a oferta era grande e variada: produções classe A dos grandes estúdios,
filmes B, algumas obras muito boas, outras tranqueiras divertidas, alguns com
muito sangue e tripas, outros apostando no suspense sutil. Era um universo bem
diversificado. Na atualidade, dá para contar nos dedos quantas produções de
horror são lançadas ao ano nos nossos cinemas. E quando aparece algo no gênero,
costuma ser asséptico e acessível para os gostos sensíveis dos frequentadores de
multiplex. E se a trama do filme trata sobre fantasmas, pode escrever que eles
vão ser retratados, mais para o final, como espíritos mal compreendidos, que
foram injustiçados e que merecem ser ajudados (afinal, temos de ser
politicamente corretos até com os fantasmas). “Mama” (2013) é exemplo
expressivo dessa presente situação do terror cinematográfico. Visualmente,
emula uma estética típica das produções orientais, aquela consagrada por “O
chamado” (1998) e afins – menina ou mulher fantasma, de visual cabeludo e
molhado, que teve morte trágica e que se dedica a atormentar e matar incautos. Dentro
desse padrão, “Mama” se desenvolve de forma mecânica e sem espaço para algum
respiro criativo. A condução da direção de Andres Muschietti é tão piloto-automático
que em nenhum momento dá para dizer que se trate de uma obra efetivamente
assustadora. Mas talvez seja isso que boa parte da platéia contemporânea
espera...
quarta-feira, abril 10, 2013
Jack - O caçador de gigantes, de Bryan Singer ***
É claro que por ser obra do cineasta que dirigiu “Os
suspeitos” (1994) e “X-Men 2” (2003) um filme como “Jack – O caçador de
gigantes” (2013) pode parecer decepcionante. É inegável, entretanto, que essa
produção mais recente de Bryan Singer traga alguns méritos expressivos. A
começar pelo ótimo design visual e as trucagens de algumas cenas. A concepção
gráfica dos gigantes é o ponto alto do filme – asquerosos e assustadores na
medida certa, acabam se justificando como a grande atração em cena. O que
incomoda no filme é que a estrutura narrativa não acompanha a contundência
visual de seus protagonistas monstruosos.
Faltam mais cenas de ação para que se aproveitasse devidamente o potencial
criativo que as figuras dos gigantes representam. O fato da produção ser
destinada a um público mais infanto-juvenil também contribui para uma certa assepsia
estética: poderia haver mais sangue e brutalidade nas seqüências de aventura e
violência. Apesar de tais ressalvas, no saldo final dá para dizer que “Jack” é
boa diversão escapista, bem acima, por exemplo, daquela versão insossa e sem
pegada do homem-de-aço de Singer em “Superman – O retorno” (2006).
terça-feira, abril 09, 2013
O último Elvis, de Armando Bo ***
A narrativa de “O último Elvis” (2011) caminha aparentemente
por uma linha tênue entre o naturalismo e o melodrama. O filme dirigido por
Armando Bo traz uma trama que se alterna entre o retrato seco do cotidiano de um
operário que nas horas vagas age como se fosse o próprio Elvis Presley e o
retrato agridoce de seu relacionamento difícil com a filha pequena. Ocorre que
aos poucos a obra vai ganhando uma dimensão sardônica e por vezes até épica. Os
encontros do protagonista Carlos Gutiérrez
(John McInermy) com outras figuras insólitas que mimetizam outros ídolos do
passado trazem um ingrediente que beira o grotesco, enquanto alguns números
musicais em que Gutiérrez encarna Elvis realmente impressionam pela qualidade e
grau de intensidade das interpretações de McInermy. Na realidade, “O último
Elvis” se mantém em uma constante dicotomia entre a dura realidade proletária
de Gutiérrez e o mundo de fantasia em que ele vive. E o que em um primeiro
momento parecia mera excentricidade vai se revelando uma espécie de progressiva
jornada rumo à loucura. A visão da obra sobre a trajetória de seu protagonista
é inclemente – nem mesmo o carinho da filha de Gutiérrez consegue servir como
alguma espécie de redenção para o personagem. Essa coerência temática e sem
concessões se mantém numa conclusão de insólita beleza melancólica.
segunda-feira, abril 08, 2013
O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares ***
Com base no roteiro e nas próprias experiências pessoais de
seu pai Flávio Tavares, o diretor Camilo Tavares realiza em “O dia que durou 21
anos” (2012) uma obra de nítido caráter panfletário. Ao retratar a participação
do governo norte-americano no golpe militar de 1964 ocorrido no Brasil, o
documentário não se constrange em vilanizar de forma ostensiva tanto os agentes
estrangeiros quanto os sombrios oficiais que derrubaram João Goulart e
instauraram uma ditadura no país. Não dá para dizer, entretanto, que isso seja
especialmente um demérito da produção. Afinal, é bastante difícil conceber um
filme político sem deixar impresso alguma visão pessoal e ideológica sobre os
fatos retratados. Na realidade, é até esse subjetivismo que delineia e
personaliza como arte a visão autoral do realizador. Nesse sentido, “O dia que
durou 21 anos” resulta numa obra vigorosa e criativa. Além dos habituais
depoimentos reveladores e de preciosas cenas de arquivo, o documentário se notabiliza
por um trabalho de edição bastante hábil que dá uma dimensão contundente e até
lúdica na abordagem estética de Tavares. As trucagens insinuam um clima de
thriller político, principalmente quando fundem fotografias com filmagens e
trechos de áudio. De certa forma, reforça aqueles questionamentos sobre os
limites entre o cinema verdade e o ficcional, mostrando que as fronteiras entre
tais vertentes são tênues a um ponto perturbador.
sexta-feira, abril 05, 2013
G.I. Jose - Retaliação, de Jon M. Chu **
Para os apreciadores de cinema de ação, uma trama que reúne
grupos terroristas, ninjas, forças tarefas e conspirações sempre parecerá
promissora, por mais que a trama possa trazer elementos inverossímeis ou francamente
cretinos. Afinal, detalhes como roteiro seriam apenas desculpa para um monte de
cenas com pancadarias, tiroteios e perseguições protagonizadas
por personagens durões e carismáticos. Daí a certa expectativa que uma obra
como “G.I. Joe – Retaliação” (2013) poderia gerar. Ainda mais que o primeiro
filme, “G.I. Joe – A origem de Cobra” (2009), levantava algumas possibilidades
interessantes para futuras continuações. O resultado final, entretanto, é
bastante aquém do que se poderia esperar. O potencial dos personagens e das situações
da trama não é bem explorado como poderia – a encenação pouco inspirada concebida
pelo diretor Jon M. Chu beira o burocrático. Talvez isso seja o reflexo de uma
contenção que é típica da Hollywood contemporânea – numa obra que deveria
primar pela violência, há uma incômoda assepsia estética há ponto que quase não
exista sangue no filme.
quinta-feira, abril 04, 2013
O amante da rainha, de Nikolaj Arcel **1/2
Confesso que a minha percepção sobre “O amante da rainha”
(2012) pode estar comprometida por fatores externos. Digo isso porque depois de
ver recentemente o extraordinário “Anna Karenina” (2012), obra marcada por uma acentuada
criatividade estética e narrativa, fica difícil não fazer comparações com
outras produções que enveredem pelo gênero dos filmes de época. O filme
dirigido por Nikolaj Arcel possui os seus méritos: é bem fotografado, tem uma
cuidadosa direção de arte, há boas atuações em seu elenco, o roteiro apresenta
alguns dilemas interessantes (principalmente ao retratar a influência nefasta
da religião em questões políticas, o que se mostra em forte sintonia com o
deslumbre atual com a escolha de um novo papa). A junção de tais elementos,
entretanto, não resulta numa obra de maior contundência. “O amante da rainha”
padece de um certo excesso de academicismo na sua encenação. A narrativa por
vezes é até envolvente, mas nada que implique em uma experiência cinematográfica
efetivamente memorável – fácil se vê, fácil também se esquece. Falta uma
ousadia formal, coisa que a já aludida versão de “Anna Karenina” de Joe Wright
tem de sobra.
quarta-feira, abril 03, 2013
As quatro voltas, de Michelangelo Frammartino ***1/2
A abordagem estética e temática concebida pelo diretor
Michelangelo Frammartino para “As quatro voltas” (2010) se insere dentro uma
tradição cara ao cinema italiano, que é aquela vertente que busca uma linguagem
mais crua e realista. Isso pode ser verificado tanto no fundamental movimento
do neo-realismo, proeminente nas décadas de 40 e 50, quanto em obras clássicas
como “Pai Patrão” (1977) e “A árvores dos tamancos” (1978). O filme de
Frammartino, mesmo não estando no mesmo nível artístico das obras-primas
mencionadas, é uma produção de vigor e de caráter personalíssimo. Propõe uma
insólita combinação entre ficção e documentário a um ponto que fica difícil
separar um do outro. A forma com que as situações da trama são filmadas sugere
naturalismo e um tom quase casual, mas na realidade é encenação. E o que se
pressupõe aleatório em um primeiro momento se mostra como um rigor estético de
Frammartino, em meio a longos planos sequência que registram a ação da maneira
obsessiva em seus detalhes. Esse formalismo minucioso se revela fundamental
para realçar um dos aspectos mais fascinantes de “As quatro voltas” que é o seu
intrincado simbolismo, em que as trajetórias de três protagonistas
(um pastor, uma cabra e uma árvore) correm em paralelo e refletem a conflituosa
relação do homem com a natureza.
terça-feira, abril 02, 2013
Depois de Lúcia, de Michel Franco ***1/2
Em uma primeira impressão, pode-se perceber uma pretensa
abordagem formal e temática contida por parte da produção mexicana “Depois de Lúcia”
(2012) – ausência de trilha sonora, edição de cortes sóbrios, narrativa de dinâmica
serena e que se apóia por vezes em longos planos sequência. Tais escolhas do
diretor Michel Franco poderiam levar à conclusão de que o filme seria uma análise
séria sobre a questão do bulling entre adolescente. Ocorre, entretanto, que há
uma perversidade que beira o irônico em determinadas nuances da obra à medida
que o roteiro se desenrola. As cenas de violência psicológica e física cometida
contra a protagonista Alejandra (Tessa Ia) por
seus colegas de escola são perturbadoras, mas também trazem uma conotação
exagerada que lembra muito o contexto de produções exploitation típicas dos
anos 70. Interessante também que o roteiro de “Depois de Lúcia” traz uma carga
simbolista notável que vai muito além do simples retrato de um problema
contemporâneo. A figura de Roberto (Hernán Mendoza), pai de Alejandra, traz um
significado que está mais para tragédia grega de caráter universal do que para
um exemplar de pai classe média do século XXI – imerso em dor e culpa pela
morte da esposa, o personagem parece encontrar uma possibilidade de redenção e
de extravasar suas frustrações quando descobre os abusos sofridos pela filha.
Sua sinistra e politicamente incorreta vingança na conclusão do filme é catártica,
como se o próprio espectador se sentisse com a alma lavada depois de todos os
tormentos que Roberto e Alejandra sofreram. De certa forma, é quase como se “Desejo
de matar” fosse atualizado para os tempos atuais e ainda com uma certa aura
cult!!
segunda-feira, abril 01, 2013
Parker, de Taylor Hackford ***
O diretor norte-americano Taylor Hackford nunca se notabilizou
por inovações formais ou polêmicas temáticas em seus filmes. Pode-se dizer dele
que é um competente artesão. Isso não quer dizer, entretanto, que ele seja um
nome a se menosprezar no atual panorama. Prova disso foi a cinebiografia “Ray”
(2004), obra que foi uma bela tradução audiovisual do impacto da vida e da música
fundamental de Ray Charles. Em “Parker” (2012), sua obra mais recente, Hackford
não apresenta nada de novo e nem atinge o mesmo patamar de excelência artística
de “Ray”, mas mesmo assim apresenta uma produção bastante acima da média do que
tem sido feito no gênero ação nos últimos anos, pelo menos no que se trata
daquilo vindo das grandes estúdios de Hollywood. Mesmo com as típicas obviedades
narrativas e de roteiro, o que predomina é uma elegância no filmar que sabe
valorizar tanto a tensão (principalmente nas seqüências que envolvem os metódicos
e espetaculares roubos) quanto a pancadaria desenfreada – nesse último aspecto,
com destaque absoluto para as cenas de luta entre o protagonista
Parker (Jason Statham) e um assassino casca grossa num quarto de hotel, resultando
num clímax absurdo de porradaria e sangue. Para aqueles que já estão cansados
de filmes de ação em que não se entende o que está acontecendo em cena, “Parker”
chega a ser um alívio...
Assinar:
Postagens (Atom)