Os primeiros 10 minutos de “Flores raras” (2013) são
claudicantes: a encenação parece um tanto forçada, como se o diretor Bruno
Barreto não se sentisse à vontade para filmar nos Estados Unidos. Quando a
trama passa a se desenvolver no Brasil, entretanto, o filme adquire força e
desenvoltura surpreendentes. Mesmo com uma narrativa convencional, o filme
cativa pela maturidade na forma com que o roteiro enfoca as relações humanas,
contando ainda com uma visão política e histórica que foge das obviedades e dos
reducionismos simplistas. O estilo de filmar de Barreto é simples e elegante,
captando sutis nuances na dinâmica entre os personagens. Lota
(Glória Pires), por exemplo, tem uma noção bastante liberal sobre as cirandas
amorosas em que se envolve, mas ao mesmo tempo é fortemente reacionária e
oportunista em suas opiniões e escolhas políticas. Já sua amante, a poeta
Elisabeth Bishop (Miranda Otto), mostra uma sensibilidade à flor da pele na sua
arte enquanto age de forma seca em relação às pessoas que a cercam. Assim, por
mais que a história tenha os seus momentos de romantismo, o que prevalece é um
tom melancólico e pouco idealizado do amor romântico, o que dá uma dimensão
humana bastante contundente para “Flores raras”. Colaboram também para o
impacto considerável do filme as atuações da dupla de protagonista:
enquanto Glória Pires privilegia um registro visceral, Miranda Otto adota
uma contenção dramática admirável – as diferenças nas interpretações garantem a
tensão necessária de forma mais que convincente.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
segunda-feira, setembro 30, 2013
sexta-feira, setembro 27, 2013
Wrong, de Quentin Dupieux *1/2
A influência principal do diretor francês Quentin Dupieux em
“Wrong” (2012) é evidente em cada fotograma: o cara queria ser David Lynch. Mas
apenas emular um estilo não quer dizer necessariamente que se vá reproduzir a
mesma genialidade. E Dupieux acha que a estética lyncheana se resume a
bizarrices engraçadinhas. Não há aquela combinação marcante e de alto impacto
sensorial entre surrealismo e virtuosismo cinematográfico típica das melhores
produções de Lynch. O filme se limita a uma trama absurda e rasa formatada em
cenas esquisitas que estão muito mais para o besteirol de algumas comédias clássicas
dos irmãos Zucker (só que sem a mesma inspiração).
quinta-feira, setembro 26, 2013
Quarto 237, de Rodney Ascher ****
É difícil dizer exatamente sobre o que se trata o documentário
“Quarto 237” (2012). Pode-se considerar que o diretor Rodney Ascher quis
abarcar uma série de obsessões temáticas e estéticas – a capacidade do filme “O
iluminado” (1980) despertar as mais esquisitas e absurdas teorias, a
genialidade de Stanley Kubrick, a cinefilia, o poder da edição cinematográfica.
O impressionante é que Ascher juntou tudo isso com coerência formal
impressionante, tendo por resultado final uma obra que traz uma lógica
singular. O documentarista não tem a pretensão de fazer com que o espectador
acredite nas teorias meio amalucadas dos fãs do horror de Kubrick (no mais das
vezes, tratam-se de algumas explicações estapafúrdias para alguns erros de
continuidade ou mesmo de verossimilhança da produção em questão). Para Ascher, parece
mais divertido visualizar as ideias expostas pelos entrevistados. E é nesse
ponto que vem um dos aspectos mais fascinantes de “Quarto 237”: a brilhante e
minuciosa montagem que recorta com precisão cenas de “O iluminado”, outras películas
de Kubrick, imagens de arquivo em geral, alguns gráficos digitais. Ascher não
mostra sequer uma cena filmada por ele. Seu filme é um produto exclusivo da sua
imaginação e da sala de montagem. Talvez seja uma das manifestações fílmicas mais
contundentes sobre a importância primordial da edição numa obra cinematográfica.
Tal concepção pode ser discutível para alguns, mas é inegável a sedução
sensorial que a narrativa elaborada por Ascher proporciona.
quarta-feira, setembro 25, 2013
Nocturna, de Adrià Garcia e Victor Maldonado **1/2
A animação espanhola “Nocturna” (2007) apresenta uma série
de elementos que a diferencia das produções norte-americanas no gênero,
mostrando mais até uma sintonia com a filmografia de mestre japonês Hayao Miyazaki.
Há uma atmosfera entre o onírico e o conto de fada sombrio, prevalecendo um
traço menos rebuscado e mais estilizado, em detrimento do grafismo realista. O
roteiro explora uma mitologia atraente para o imaginário infantil – a de como
funciona o mundo quando estamos dormindo. Assim, há uma variedade de tipos
estranhos e por vezes encantadores. O que impede “Nocturna” de ser uma experiência
efetivamente memorável é sua narrativa um tanto truncada, que não tem a mesma
leveza e agilidade das obras Miyazaki. Mesmo assim, não deixa de ser uma
curiosidade a ser conferida pelos apreciadores de animações.
terça-feira, setembro 24, 2013
Confissões de um jovem apaixonado, de Sylvie Verheyde **1/2
Peter Doherty, vocalista e guitarrista da extinta banda
Libertines, sempre encarnou uma espécie de atualização para o nosso presente dos
jovens poetas ultra-românticos do século XIX: de feições entre o inocente e o blasé,
comportamento polêmico e autodestrutivo e arte intensa à flor da pele. Dessa
forma, foi uma bela sacada da diretora Sylvie Verheyde colocá-lo como protagonista
em “Confissões de um jovem apaixonado” (2012), versão cinematográfica para um
romance situado em 1830, cuja trama traz Octave (Doherty), rapaz que após uma
desilusão amorosa entra num vórtice de autopiedade, hedonismo e culpa. Verheyde
revela alguma sensibilidade plástica ao construir cenas impregnadas de
fotografia esmaecida e etérea, o que acaba rendendo uma atmosfera estranha que
varia entre o ascético e o sensual. O problema da produção é que a equação
entre cinema e literatura não consegue atingir uma melhor desenvoltura – a abordagem
formal da cineasta é naturalista, mas narração e diálogos trazem uma
literalidade e solenidade que tornam a fluência da narrativa bastante truncada,
induzindo por vezes à monotonia.
segunda-feira, setembro 23, 2013
A sorte em suas mãos, de Daniel Burman **
A presença do cantor Jorge Drexler no papel de protagonista
em “A sorte em suas mãos” (2012) não é gratuita. Sua atuação entre o aéreo e o
inexpressivo encaixa bem com o personagem Uriel, um contumaz jogador de pôquer
que estende o blefe e a mentira, artifícios naturais do jogo, para a sua vida e
acaba tendo por isso dificuldades em seus relacionamentos pessoais. Tal
premissa é bastante interessante, no sentido da possibilidade de manter uma
constante atmosfera de ambigüidade. Ocorre que o problema do filme é que o
diretor Daniel Burman se envereda por caminhos mais comportados. O tratamento
que dá para a narrativa é a de uma típica comédia romântica, o que tira muito
do inicial gume cortante da trama. Assim, a produção é até agradável por alguns
momentos engraçados, mas no geral prevalece uma insipidez criativa, daquelas
que tornam o filme fácil de ver e ainda mais fácil de esquecer.
sexta-feira, setembro 20, 2013
Repare bem, de Maria de Medeiros ***
É claro que se pode dizer que “Repare bem” (2013) não traz
maiores novidades para o gênero “documentário sobre a ditadura militar no
Brasil”. Mas é provável que isso nem fosse a intenção da diretora portuguesa
Maria de Medeiros ao realizar esse filme. Afinal, ela foi convidada a dirigir
tal obra por uma instituição ligada a pesquisa e investigação sobre o período
histórico em questão. O resultado final, entretanto, está muito longe de ser um
mero trabalho institucional. A cineasta soube aproveitar bem a contundente matéria
prima que tinha em mãos e concebeu um filme vigoroso e de forte teor emocional.
Medeiros concentrou sua narrativa nos depoimentos da protagonista Denise
Crispim, que viveu na clandestinidade nos tempos de chumbo e teve o marido Eduardo
“Bacuri”, também guerrilheiro, preso, torturado e morto. Seus relatos são
detalhados e vívidos, compondo um amplo panorama que mistura sem cerimônia o
intimismo de seu drama pessoal com um retrato brutal do cenário político e social
do Brasil dos anos 60 e 70, além de evidenciar que as sequelas e traumas
daquele período atribulado ainda são feridas abertas no imaginário daqueles que
vivenciaram na carne as agruras da repressão.
quinta-feira, setembro 19, 2013
Gente grande 2, de Dennis Dugan *
O primeiro “Gente grande” (2010) era um filme interessante.
Conseguia um equilíbrio razoável entre a comédia física ostensiva e um certo
tom de crônica nostálgica. Essa continuação, de 2013, tem uma abordagem muito
diferente da obra que a precedeu. É puro humor grotesco e escatológico. A
impressão é que o roteirista se preocupou apenas em criar um fio de história
para servir de mero pretexto para uma sucessão de cenas grosseiras, com o
diretor Dennis Dugan formatando tudo como se fosse um longo episódio do Zorra Total.
O resultado final é muito ruim, mas o negócio é tão tosco e forçado que a
produção acaba até ganhando uma aura de curiosidade tamanho o exagero e cara de
pau de suas ideias e concepções.
quarta-feira, setembro 18, 2013
Frances Ha, de Noah Baumbach ***
Nos seus filmes anteriores, principalmente naquele que é
considerado o seu melhor trabalho, “A lula e a baleia” (2005), o estilo do
diretor Noah Baumbach era marcado por um naturalismo objetivo. Em sua obra mais
recente, “Frances Ha” (2012), entretanto, o cineasta resolveu dar uma variada. Por
mais que a temática de tal produção seja contemporânea, há uma atmosfera no
filme fortemente retrô. A estética elaborada por Baumbach remete aos primeiros
filmes da Nouvelle Vague: tudo parece mais livre, solto, quase como se o
roteiro estivesse sendo escrito de acordo com a evolução da trama, a partir de
lembranças, citações, referências. A trilha sonora acentua o tom de farsa – a trajetória
da personagem-título é marcada por momentos dramáticos, até mesmo depressivos,
mas o tratamento oferecido por Baumbach faz tudo parece uma comédia meio
amalucada (ainda que por vezes amarga). É claro que a influência francófila
pode dar uma impressão de deja vu, mas a estrutura narrativa menos rígida dá um
certo frescor à obra, ainda mais se comparada com a anemia criativa da maioria
do que se faz no gênero atualmente no cinema norte-americano.
terça-feira, setembro 17, 2013
Rugas, de Ignacio Ferreras ***
O traço simples e a narrativa tradicional representam uma
superfície que esconde com sutileza os grandes méritos inquietantes da animação
espanhola “Rugas” (2011). A trama é centrada num asilo, tendo como protagonistas
dois idosos que encaram de forma nada idealizada as agruras da velhice
(abandono, doenças, decadência física). A abordagem do diretor Ignacio Ferreras
por vezes se permite uma razoável dose de bom humor e ironia, mas o que
prevalece é um certo tom amargo nessa crônica crepuscular. O fato do cineasta
ter preferido enveredar pelo desenho animado para contar a história ampliou as
possibilidades criativas do filme, pois possibilitou convincentes e belas cenas
envolvendo sonhos, delírios e recordações, todas situações que são inerentes à
condição dos personagens. E nesse sentido, “Rugas” acaba sendo fortemente
humano e contundente na forma com que retrata o desenvolvimento do Mal de Alzheimer
em um dos personagens. Entretanto, apesar de toda essa melancolia, o filme se
permite a um final de caráter discretamente redentor e que revela uma serena coerência
com a abordagem temática da obra.
segunda-feira, setembro 16, 2013
Bling Ring: A gangue de Hollywood, de Sofia Coppola ***
Assim como se fazia supor em “Um lugar qualquer” (2010), o
estilo de Sofia Coppola parece estar mais descarnado em “Bling Ring: A gangue
de Hollywood” (2013). É como se a diretora quisesse lapidar a sua estética de
excessos, preferindo reduzir seu cinema a um essencial básico. Isso é até
curioso, no sentido de que seu pai, Francis Ford Coppola, é um autor marcado
por um virtuosismo que por vezes até envereda pelo operístico. Essa abordagem
da cineasta encontra um material temático com o qual estabelece uma sintonia
bastante coerente. Afinal, a história que conta as aventuras contraventoras de
um bando de jovens de classe média alta que se divertem furtando casas de ricos
e famosos em Hollywood recebe um tratamento de distanciamento emocional e sem
glamourizações. O registro de Sofia é marcado pela frieza e objetividade, mesmo
quando ela obtém cenas memoráveis ao conceber uma atraente atmosfera de
hedonismo. E é de se ressaltar ainda a ótima mão dela na direção de atores – o trio
protagonista (Emma Watson, Katie Chang e Israel
Broussard) tem desempenhos antológicos. No geral, as escolhas artísticas de Sofia
podem frustrar aqueles que esperam maiores arrebatamentos sensoriais, mas é
inegável que dão à “Bling Ring” um forte conteúdo emblemático de sua época.
sexta-feira, setembro 13, 2013
Red 2 - Aposentados e ainda mais perigosos, de Dean Parisot **
Pelo menos um mérito dá para creditar para “Red 2 –
Aposentados e ainda mais perigosos” (2013): é bem melhor que a primeira parte.
É verdade, também, que para isso não precisava muito esforço, pois aquela
produção de 2010 era uma das piores coisas disparadas lançadas naquele ano (e
ainda tinha o inquestionável demérito de ser infinitamente inferior à HQ
original escrita por Warren Ellis na qual se baseou). Talvez por não ter esse peso
da comparação com a HQ, afinal se trata de roteiro original, essa continuação
pareça mais palatável. Mesmo assim, não vai muito além disso... Trata-se de uma
obra que é competente em algumas sequências de ação, mas a tensão dramática é
nula. Culpa da tendência do roteiro em querer fazer tudo parecer cool e engraçadinho,
fazendo o filme ter uma cara constante de farsa/paródia do gênero ação. Tanto
que apesar de todas as explosões, tiroteios e brigas que a trama contém, quase
não há sangue, dando à produção uma cara de violência asséptica, propícia para
dar aquele caráter família e baixar a faixa etária da audiência (condição muito
importante para se ter uma boa bilheteria). É como se o diretor Dean Parisot
tivesse vergonha de fazer um típico filme de ação. Dá até uma saudade com os
ossos quebrados e do sangue em profusão de alguns clássicos do cinema porrada
dos anos 80...
quinta-feira, setembro 12, 2013
Os sabores do palácio, de Christian Vincent **1/2
Assim como há os “filmes paisagem”, aqueles em que os
diretores adoram fazer enquadramentos mostrando as belas localidades onde a
trama se desenvolve (e que poderiam até funcionar como excelente peça
promocional de imobiliárias), há também aquelas produções que podem se
enquadrar no gênero “filmes gourmet”. Seriam aquelas que por vários momentos
enfatizam pratos apetitosos sendo elaborados e servidos (poderiam também ser
utilizados como material de marketing, nesse caso por restaurantes). É claro
que há exceções em que obras se utilizando desse expediente podem revelar
expressivas inquietações artísticas, como “A festa de Babette” (1987) ou “Ratatouille”
(2007), mas no geral os tais “filmes gourmet” mais revelam a propensão para a
assepsia formal do que para alguma improvável ousadia. E é nesse caso que “Os
sabores do palácio” (2012) se enquadra. É claro que os tais pratos parecem
deliciosos, há alguns momentos engraçados e o elenco tem certo carisma. O
filme, contudo, foge pouco dessa previsibilidade e bom-mocismo. Mesmo o comentário
político do seu subtexto é superficial e pouco desafiador. Ou seja, tudo fácil
de ver e de esquecer, ainda que possa dar vontade de ir a algum restaurante...
quarta-feira, setembro 11, 2013
As horas vulgares, de Vitor Graize e Rodrigo de Oliveira *1/2
A trilha sonora repleta de temas de jazz, a fotografia em
preto e branco e o tom existencialista da trama são elementos que deixam bem
claras as influências dos diretores Vitor Graize e Rodrigo de Oliveira em “As
horas vulgares” (2011). Passam pelas obsessões estéticas e temáticas de
Michelangelo Antonioni na Trilogia da Incomunicabilidade e de Ingmar Bergman na
Trilogia do Silêncio, pelas atmosferas rarefeitas dos filmes de Philippe Garrel
e pela sutileza melancólica do extraordinário “Trintas anos esta noite” (1963).
O resultado final do referido filme brasileiro, entretanto, fica bem longe do
alto padrão artístico de suas fontes inspiradoras. A produção até tem uma
fotografia caprichada, além do elenco trazer alguns atores de recursos dramáticos
expressivos. “As horas vulgares” não funciona é como narrativa mesmo – tudo soa
muito truncado, forçado, não havendo naturalidade em sua encenação. Culpa disso
também é também de um roteiro equivocado, em que não há espaço para a construção
de um subtexto, de uma possibilidade de interpretação por parte do espectador;
os personagens dizem tudo o que sentem e também o significado do que sentem,
configurando um texto de caráter ingênuo. Num comparativo, o filme me parece o
equivalente cinematográfico do disco “4” dos Los Hermanos: a gente até sente
que os caras tem talento, mas a pretensão em ser “profundo” e “sério” acaba
gerando uma obra aborrecida e carente de personalidade definida.
terça-feira, setembro 10, 2013
Vendo ou alugo, de Betse Paula **
As influências de Betse Paula em “Vendo ou alugo” (2012) são
bastante visíveis. A diretora procura resgatar aquela estética descompromissada
e popular das comédias/chanchadas setentistas, principalmente na vertente que
exaltava o alto-astral carioca, cujo modelo maior são algumas produções
dirigidas por Hugo Carvana. Ocorre que hoje em dia, como se pode em filmes
recentes do próprio Carvana, tal concepção formal soa bastante datada. É claro
que por vezes pode-se simpatizar com o tom de fuleiragem de algumas cenas, com
algumas atuações carismáticas, com o interessante contraste/complementação que
se estabelece entre o ambiente das favelas com a decadência classe-média (nesse
sentido, daria até para dizer que ocorre um registro emblemático da atual
conjuntura brasileira). O que predomina, entretanto, em “Vendo ou alugo” é a
sensação de que sempre está faltando alguma coisa no meio de uma encenação que
beira o mambembe e da ausência de uma efetiva tensão dramática, o que faz com
que a obra seja incapaz de apresentar alguma seqüência memorável para o imaginário
do espectador.
segunda-feira, setembro 09, 2013
Círculo de fogo, de Guillermo Del Toro ***1/2
Em um primeiro momento, “Círculo de fogo” (2013) pode
lembrar o genial “Tropas estelares” (1997). Afinal, as tramas de ambos
apresentam em comum jovens militares combatendo monstros alienígenas. Só que no
filme de Paul Verhoeven, o tom era de farsa sutil, trazendo um comentário irônico
velado sobre os excessos de uma sociedade militarizada. Já a produção dirigida
por Guillermo Del Toro é aventura puramente escapista. O roteiro é divertido,
mas na verdade é mero pretexto para exageradas cenas de ação. E nesse campo, “Círculo
de fogo” é um trabalho de fôlego. Os efeitos visuais são caprichados nos seus
detalhes visuais – os robôs gigantes, por exemplo, são muito mais convincentes
que aqueles da franquia “Transformers”. O design das criaturas que vêm das
profundezas marítimas revela um senso plástico elevado – são monstros efetivamente
asquerosos e assustadores. Del Toro aproveita muito bem essa expressiva matéria
prima: as cenas de batalhas são movimentadas e brutais na medida certa. Uma das
formas que dá para encarar essa ficção científica é pensar naqueles velhos
seriados japoneses de monstros (tipo Ultraman e Spectreman), cheios de
porradaria mas de estética fuleira, e vê-los devidamente recauchutados por um
orçamento milionário e um cineasta empolgado pelo gênero. O resultado é uma
releitura que se equilibra bem entre a nostalgia e a modernidade.
sexta-feira, setembro 06, 2013
As aventuras do Kon Tiki, de Joachim Ronning e Espen Sandberg ***
Os diretores noruegueses Joachim Ronning e Espen Sandberg obtém
uma síntese narrativa bastante eficiente em “As aventuras de Kon Tiki” (2012).
Tendo por base uma história real, o filme combina de forma harmoniosa drama
histórico, aventura e uma densidade psicológica aguçada tanto nas situações do
roteiro quanto na caracterização dos personagens. As paisagens exóticas são bem
valorizadas pela competente direção de fotografia, assim como a direção de arte
revela esmero na reconstituição de época. Mas a efetiva força criativa do filme
está em algumas sequências de ação empolgantes, principalmente naquelas
envolvendo tempestades marítimas e nos enfrentamentos alucinados contra tubarões.
E o filme não se prende nas soluções fáceis do tipo lições de vida e superação.
O que fica mais evidente é um caráter obsessivo, beirando o doentio, nas
atitudes dos personagens – tanto pode ser a vontade de provar alguma teoria
científica obscura quanto o simples desejo quase suicida de desafiar a natureza
e a morte. As figuras do filme parecem se mover mais por desejos atávicos do
que por algum impulso de moralidade. E isso acaba sendo mais assustador e
inquietante que os perigos enfrentados por eles no mar aberto.
quinta-feira, setembro 05, 2013
Não toque no machado, de Jacques Rivette ****
A obsessão na junção entre cinema e literatura de Jacques
Rivette atinge um alto grau de excelência artística em “Não toque no machado”
(2007). O cineasta francês preserva da obra original de Balzac aquilo que ela
tem de essencial: os diálogos que fluem entre o solene e o poético, a
dramaticidade que navega entre o sombrio e a ironia sutil. Nesse encruzilhada
de mídias, Rivette elabora uma narrativa realista de cunho muito particular –
as situações focadas no roteiro, as relações humanas, tudo sugere uma abordagem
que foge do idealismo romântico, mas ao mesmo tempo parece que se assiste a uma
obra cujo naturalismo pertence a uma outra dimensão. Talvez seja um plano de
realidade que se vincule ao universo resultante das fusões das concepções
formais e temáticas próprias tanto de Balzac quanto de Rivette. Até o trabalho
de direção de arte e figurino mais se relacionam a uma noção de imaginário de
uma época do que a um rigor histórico. A atuação do casal protagonista
está em sintonia com o ideário estético da obra, sendo que tanto Jeanne Balibar
como Guilaume Depardieu trazem caracterizações extraordinária na aura de
melancolia e alienação que imprimem em seus respectivos papéis. Dizem que
Rivette anda bem doente e que em razão disso dificilmente voltará a filmar. Se
isso realmente se concretizar, é inegável que “Não toque no machado” seria uma
contundente síntese dos preceitos artísticos que sempre nortearam a sua
filmografia.
quarta-feira, setembro 04, 2013
Augustine, de Alice Winocour ***
A temática da psiquiatria não é uma novidade no cinema,
principalmente no que diz respeito a roteiros inspirados em fatos reais. Do
emblemático “Freud além da alma” (1962) até o recente “Um método perigoso” (2011), o estudo
das doenças e meandros da mente renderam algumas obras de interesse. Nesse
caso, também pode ser enquadrada a produção francesa “Augustine” (2012), cuja
trama é baseada nos estudos sobre a histeria do professor Jean-Martin Charcot
(aqui interpretado com a habitual sobriedade de Vincent Lindon). A narrativa é
até bastante convencional e o próprio formalismo do filme não chega a
transcender dos limites do competente, além do roteiro por vezes enveredar por
um certo romantismo incômodo. Apesar de tais limitações, entretanto, o filme
ganha interesse pela sutileza com que expões contradições e dilemas. A
atmosfera sombria e rigorosa de “Augustine” traz em seu bojo a velha discussão
(mas ainda muito atual) do conflito entre o obscurantismo religioso contra a
busca da ciência por respostas mais verossímeis e humanas para os distúrbios
mentais. Na visão do filme, por mais que os métodos de Charcot possam ser
severos e por vezes de resultados duvidosos, ainda sim representam uma busca
mais digna do que o simples conformismo mistificador.
terça-feira, setembro 03, 2013
Amor louco, de Jacques Rivette ****
Um filme com mais de quatros horas de duração já faz o
espectador desavisado pensar em algum épico histórico ou algo semelhante. De
certa forma, até dá para dizer que Jacques Rivette fez uma espécie de épico em “Amor
louco” (1969), mas direcionado a um relacionamento amoroso. No filme em questão,
a trama se foca em dois planos – nos ensaios de uma peça e na decadência do
relacionamento amoroso do diretor da referida montagem com sua esposa, atriz
afastada da montagem mencionada. A ligação entre teatro e cinema é recorrente
na filmografia de Rivette e aqui atinge um ponto extraordinário em sua fluência
narrativa. As tomadas das passagens de texto, das discussões, dos laboratórios,
trazem ângulos e enquadramentos que oferecem uma dimensão inusitada para as
duas mídias. No cerne da produção fica evidente que o interesse maior de
Rivette está no registro do processo criativo de uma montagem teatral e não
tanto no resultado final (o que faz lembrar o recente e extraordinário “César
deve morrer”). A evolução artística da montagem, entretanto, parece
corresponder à degradação da vida pessoal de seu principal artífice. Nesse
sentido, a longa duração de “Amor louco” se justifica para além da mera
excentricidade. Rivette esmiúça os passos da dissolução mental da protagonista
Claire (Bulle Ogier) em cenas de uma crueza emocional exasperante. Nada parece
acontecer de forma gratuita, sendo que a decadência do relacionamento dos
amantes se estende e consolida de forma indelével. Seu melancólico ocaso, não à
toa, coincide com o ápice criativo da encenação que é a outra tônica da produção,
numa conclusão de perversa ironia de Rivette.
segunda-feira, setembro 02, 2013
Tabu, de Miguel Gomes ****
Num primeiro momento, a estética peculiar da produção
portuguesa “Tabu” (2012) pode sugerir um certo hermetismo. Afinal, o diretor
Miguel Gomes estabelece inextricável formalismo envolvendo citações e referências
cinematográficas e abordagem literária, principalmente no segundo momento da
trama. O que ocorre, entretanto, é que o filme impressiona justamente pela fluência
da narrativa em meio a suas experiências estéticas. Gomes perverte as noções de
dramaticidade e de tempo. Na primeira história que se desenvolve, predomina a
atmosfera de melancolia no meio de temas de viés triste como a solidão e a
velhice. No subtexto, pairam questões como o preconceito e a tradição
colonialista de Portugal. Gomes foge do óbvio, inserindo sutis traços irônicos,
mesmo quando a morte e a decrepitude vão se tornando mais evidentes. Quando a
trama passa para a segunda parte, a visão artística do cineasta se torna ainda
mais particular. É como se tratassem de lembranças do narrador. Sua voz parece
impertubável com as memórias que evoca, dando a impressão de quase recitar suas
falas. Essa prosa poética produz um contraste admirável e perturbador com as
imagens de tons nostálgicos que emanam da tela. Como se tratam de lembranças,
fotografia e direção de arte não se vinculam a uma predisposição ao realismo.
Ao contrário – a estilização fala mais alto, com direito a números musicais que
dão a impressão da reconstituição distorcida das antigas produções de Hollywood.
Raras vezes as paisagens africanas pareceram tão sedutoras e até mesmo oníricas,
mas o senso de sarcasmo perverso de Gomes nunca deixar cair “Tabu” no simples
contemplar de uma beleza visual superficial. A trágica história de amor
proibido que é o centro do roteiro, no final das contas, é mais um sintoma de
alienação dos colonizadores perante a realidade de exploração econômica e
social entre os europeus e os nativos do continente.
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