sexta-feira, julho 31, 2015

México bárbaro, de vários diretores ***1/2

O fato de “México bárbaro” (2014) ser uma obra composta de episódios dirigidos por nove cineastas praticamente não afeta em nada a sua unidade formal e temática. Sua síntese narrativa é baseada numa insólita e perturbadora equação artística: influências e elementos tradicionais de diversas vertentes do gênero horror (com uma queda especial para o grafismo explícito do gore), referências a lendas regionais e retrato pessimista do conturbado quadro social contemporâneo do México. De certa forma, faz lembrar bastante o que o capixaba Rodrigo Aragão vem fazendo aqui no Brasil. O resultado final dessa produção mexicana é arrasador, bem distante daquele padrão asséptico e óbvio que grassa na maioria do que tem sido feito no gênero nos últimos anos. Os episódios são plenos de brutalidade e de atmosferas sórdidas, sem abrir mão, contudo, de uma constante e consistente tensão dramática, levando o espectador para uma viagem sensorial memorável. Além disso, há variedade estimulante na ambientação das histórias, indo desde uma caracterização estética crua, beirando o bagaceiro, até um barroquismo plástico de toque perverso.

quinta-feira, julho 23, 2015

À procura,de Atom Egoyan ***

O diretor canadense Atom Egoyan vem em suas últimas obras se dedicando a uma espécie de reconstrução do cinema de gênero, mais especificamente os filmes de suspense. Ele se apropria de clichês narrativos típicos de “thriller” e procura os reconstruir sob uma sutil perspectiva autoral. Na superfície, tais produções se apresentam dentro de uma formatação tradicional. São em discretas nuances estéticas e na abordagem emocional distanciada que tais trabalhos se mostram diferenciados e instigantes. Dentro de tal concepção artística, alguns filmes se mostram bem sucedidos (“Verdade nua”, “Sem evidências”) e outros ficam deixando a desejar (“O preço da traição”). Em relação ao mais recente “À procura” (2014), dá para dizer que as coisas ficaram em um meio termo. O que incomoda de forma primordial é a falta de uma tensão mais efetiva e envolvente, decorrência provável de uma queda excessiva por convencionalismos formais e temáticos. Ainda sim, Egoyan é um cineasta de estilo pessoal e marcante, conseguindo em preciosos momentos deixar o seu registro pessoal evidente, como se pode perceber na bela fotografia, na edição elegante e na caracterização insólita de alguns personagens (principalmente os “vilões”) – o conjunto dessas qualidades gera uma obra de atmosfera sórdida e perturbadora, longe de ser uma obra-prima, mas que ainda assim consegue ser memorável.

terça-feira, julho 21, 2015

Terapia intensiva, de Arnaud Desplechin **

É bem provável que aqueles que se admiraram com a encenação contundente e a ironia perversa de “Reis e rainha” (2004) e “Um conto de natal” (2008), os ótimos filmes anteriores do diretor francês Arnaud Desplechin, irão se decepcionar com “Terapia intensiva” (2013), a estreia de Desplechin numa produção norte-americana. A premissa da trama dessa obra mais recente, baseada em fatos reais, é até bem interessante, mostrando a relação entre um traumatizado índio veterano de guerra (Benicio Del Toro) e o psicanalista francês (Mathieu Amalric) de abordagem não-ortodoxa responsável pelo seu tratamento. O roteiro apresenta nuances psicológicas e intimistas amadurecidas e que fogem das obviedades. O que incomoda, entretanto, é que o filme peca justamente naquilo que os trabalhos franceses de Desplechin tinham de melhor – narrativa e encenação. O diretor adota um incômodo tom solene na forma com que conduz a história, quase como se fosse uma espécie de literatura filmada. Faltou vigor na forma com que as situações e personagens são caracterizados. Mesmo atores diferenciados como Del Toro e Amalric se congelam em composições dramáticas opacas, como se estivessem contaminados pela falta de criatividade e entusiasmo que perpassa a atmosfera de “Terapia intensiva”.

segunda-feira, julho 20, 2015

Tokyo-Ga, de Wim Wenders ****




Pode ser que se esteja forçando a barra, mas talvez uma das melhores maneiras de se entender “Tokyo-Ga” (1985) seja o encarar sob uma perspectiva histórica-política. De forma simples resumida, seria assim: Alemanha e Japão se associaram na Segunda Guerra Mundial ao fazerem parte do Eixo. Com a respectiva derrota militar desses últimos no conflito, os referidos países acabaram devastados em termos econômicos e infraestrutura. Seus reerguimentos como nação foram bastante dependentes de empréstimos e perdões de dívidas, sob o preço de terem recebido uma massiva influência cultural externa, principalmente dos Estados Unidos. Assim, a partir do final de década de 40, a discussão sobre a identidade nacional passou a ser frequente em boa parte da produção artística nipônica e germânica. Dentro dessa abordagem, dá para dizer que pelo menos dois cineastas foram fundamentais: Yasujiro Ozu e Wim Wenders. “Tokyo-Ga” versa justamente sobre a relação existencial e artística entre esses dois diretores.

Em um primeiro momento, a narrativa parte de uma premissa simples: Wenders se apresenta como admirador e discípulo indireto de Ozu, indo para o Japão em busca de uma maior compreensão do universo que circundava seu mestre. Afinal, quando o alemão conheceu os filmes de Ozu esse último já era falecido. Dentro desse conceito, Wenders faz o aparentemente previsível – conversa com pessoas que trabalharam com Ozu, visita locais onde ele filmou suas produções, exibe trechos de alguns dos mais importantes filmes do seu homenageado. Ocorre, entretanto, que Wenders encaixa esses elementos de uma forma muito particular, dentro de um sentido que extrapola a mera exposição cronológica de fatos. A preocupação é inserir tudo isso dentro de um conjunto de forte teor sensorial, como se Wenders quisesse emular a atmosfera e estilo típicos dos clássicos de Ozu, mas sob uma ótica “estrangeira”. Como complemento essencial dessa visão, “Tokyo-Ga” apresenta cenas da capital japonesa na época em que o documentário foi realizado (anos 80), indo do cotidiano até sequencias marcadas por uma certa bizarrice, confrontando o contemporâneo com a ótica pessoal de Ozu, cujo o conjunto de sua filmografia expressava a sua visão de uma série de tradições seculares se desintegrando de forma gradual e inexorável. Dentro dessa concepção insólita e poética de formatar o seu documentário, Wenders constrói um contundente trabalho impressionista e melancólico ao procurar traduzir para o espectador o ideário e a essência estética de um artista genial.

sexta-feira, julho 17, 2015

Homem-Formiga, de Peyton Reed ***


O britânico Edgar Wright era o nome inicialmente previsto para dirigir “Homem-Formiga” (2015). Devido a tradicionais diferenças criativas com produtores, acabou cedendo o lugar para Peyton Reed. Ainda sim, dá para sentir algo do particular talento de Wright no filme em questão (ele é até creditado como um dos autores do roteiro). A combinação entre aventura escapista e toques de humor não é tão azeitada quanto nos brilhantes “Chumbo Grosso” (2007) e “Scott Pilgrim contra o mundo” (2010), mas ainda sim rende uma obra bem satisfatória dentro do gênero “super-herói”. Ao contrário dos excessos melodramáticos e das cenas de ação genéricas de “Vingadores – A era de Ultron” (2015), “Homem-Formiga” se destaca pela concisão de sua trama e por sequências marcantes de pancadaria. O roteiro faz uma eficiente síntese entre elementos típicos de HQs e ficção-científica B (aliás, as explicações científicas sobre os fenômenos da redução de tamanho e comunicação com formigas são até bem convincentes e divertidas), além de revelar uma veia cômica afiada, sem cair naquelas piadinhas infames e burocráticas de Tony Stark. As trucagens digitais de grafismo expressivo estão em sintonia com o espírito nostálgico da produção. No mais, “Homem-Formiga” consegue manter o padrão de qualidade dos estúdios Marvel – a adaptação se mostra acessível para neófitos e também agrada aos “marvetes” roxos ao preservar a essência dos quadrinhos. E cada vez mais a interação entre as produções do estúdio se mostra natural e coerente, configurando um universo de interessantes possibilidades criativas.

quinta-feira, julho 16, 2015

Saint Laurent, de Bertrand Bonello ****


É bem curioso o fato de que em um espaço de quatro anos o estilista Yves Saint-Lauren tenha merecido três cinebiografias. Dá até para dizer que o documentário “O louco amor de Yves Saint Lauren” (2010) e “Yves Saint Lauren” (2014) se confundem na abordagem comportada e cronológica, de discreto tom melodramático, que fazem sobre a vida de seu protagonista. Em termos de efetiva relevância estética e temática, contudo, a pegada é bem mais forte nesse “Saint Lauren”. O diretor Bertrand Bonello preserva o seu estilo rarefeito e refinado que havia deixado aflorar com contundência no extraordinário “L’Apollonide – Os amores da casa de tolerância” (2011). A obra não se preocupa apenas na recriação de fatos reais marcantes na vida do artista, mas também é bastante voltada na recriação da ambientação sensorial que circundava a figura de Saint Lauren (Gaspard Ulliel). Nesse sentido, fica evidente uma atmosfera de hedonismo e lassidão que envolve o cotidiano de seu principal personagem que se choca de forma contraditória com as reuniões de negócios do amante/sócio Pierre Bergé (Jérémie Renier) para defender os interesses da grife de ambos. Ao contrário dos filmes mencionados antes sobre Saint Lauren, a obra de Bonello não se vincula a uma visão romântica e sentimental dos romances e conquistas de seu protagonista. Prevalece uma certa frieza na caracterização de situações e personagens, o que reforça ainda mais o caráter de estilização da produção. Os trabalhos de direção de fotografia e de edição são primorosos, configurando um audiovisual hipnótico e perturbador. De lambuja, dá até para dizer que é um dos grandes filmes rock and roll dos últimos tempos (só as sequências embaladas por canções de Velvet Underground e Creedence Clearwater Revival já valeriam o ingresso/locação).

quarta-feira, julho 15, 2015

Vida de casado, de Ira Sachs ***


O modus operandi do diretor Ira Sachs é simples e eficiente nas suas intenções e resultados. Na superfície, seus filmes enveredam pela estrutura do melodrama tradicional. Com o desenvolver da narrativa, toques irônicos e por vezes até perversos configuram contundentes e amargos contos morais. Tal estilo particular se cristalizou de forma bastante consistente em “Deixe a luz acesa” (2012) e “O amor é estranho” (2014). Em “Vida de casado” (2007), um de seus primeiros trabalhos, ele já insinuava de forma expressiva suas concepções artísticas. O roteiro estabelece alguns motes básicos e aparentemente até banais, centrando a trama em temas típicos como insatisfação matrimonial e traições conjugais. São em sutis e desconcertantes detalhes, entretanto, que essa produção se diferencia. Sachs opta por atmosfera e formalismo que evocam uma estilização entre o nostálgico e o sensual. Nesse sentido, o trabalho de direção de arte valoriza de maneira minuciosa o imaginário que se tem sobre os anos 50. Essa estética é a moldura mais que adequada para os conflitos e dilemas morais que rondam a trama, uma espécie de inventário das hipocrisias sexuais e sentimentais da classe média norte-americana na época. Sachs se permite algumas ousadias desconcertantes nas soluções de sua história, em que cenas habituais de descaminhos amorosos convivem naturalmente com preceitos do gênero suspense, fazendo de “Vida de casado” uma engenhosa crônicas de costumes da sociedade ocidental.

terça-feira, julho 14, 2015

O crítico, de Hernán Guerschuny **


A trama da produção argentina  “O crítico” (2013) obedece a uma equação insólita – mostrar os dilemas e contradições na vida do crítico cinematográfico Víctor Tellez (Rafael Spregelburd) dentro de uma narrativa que se formata como uma comédia romântica, justamente o gênero que o protagonista menos aprecia. Em um filme cuja temática envolve o próprio universo do cinema, é quase óbvio que referências e citações a outras produções serão recorrentes. Nesse quesito, a obra do diretor Hernán Guerschuny tem alguns achados narrativos e estéticos bem interessantes. Como a história é vista pelo olhar do personagem principal, há momentos em que imagens e sons evocam alguns clássicos do cinema, principalmente relacionados ao movimento da Nouvelle Vague (os pensamentos de Tellez são em francês, por vezes as imagens são em preto-e-branco, trilha sonora que evoca um jazz atemporal). Esses truques, entretanto, acabam sendo insuficientes para dar um estofo artístico satisfatório para o filme. Ao mostrar o cotidiano profissional de Tellez, a narrativa se revela esquemática e superficial, obedecendo a uma lógica simplista – o rigor do personagem com obras “água com açúcar” seria um reflexo do seu endurecimento emocional, de uma falta de sensibilidade com as coisas simples da vida. Mesmo quando a bela Sofía (Dolores Fonzi) entra em cena, é por uma questão formulaica, pois ela será o vetor de abrandamento da personalidade dura de Tellez. Nesse instante, a proposta existencial de “O crítico” fica ainda mais confusa: é uma obra que converte em um sacana pastiche de comédia romântica? Ou é uma homenagem ao gênero, resgatando os seus preceitos básicos? Essa indefinição de rumo retira o impacto da produção, pois ela não consegue cativar o espectador pelo seu grau emocional e nem por um possível caráter de ironia. Isso sem falar que levanta uma dúvida que chega as raias do absurdo: quer dizer que alguns dos melhores trabalhos da Nouvelle Vague, por exemplo, têm as suas reais importâncias condicionadas ao humor de críticos?

segunda-feira, julho 13, 2015

Happy, happy, de Anne Sewitsky **1/2


Pela perspectiva da temática, a produção norueguesa “Happy, happy” (2010) guarda forte relação com boa parte da cinematografia nórdica, principalmente quando se pensa em Ingmar Bergman. O roteiro disseca as relações intimistas entre duas famílias de origens culturais diversas que acabam tendo uma convivência mais próxima pelo fato de serem vizinhas. A partir dessa premissa de trama, a diretora Anne Sewitsky aborda assuntos complexos como adultério, homossexualidade, insatisfação sexual, conflitos familiares e racismo. Por vezes, o desenrolar da história até evoca um certo caos emocional no momento em que os matrimônios se desestabilizam quando os desejos dos personagens começam a aflorar com mais intensidade. Nesse sentido, o filme até vislumbra um caráter de contestação dos valores morais vigentes da sociedade ocidental. Sewitsky adota uma narrativa formatada dentro do gênero comédia dramática, o que acaba conferindo à obra alguma leveza irônica. O que quebra a possibilidade de um maior impacto sensorial e existencial para “Happy, happy” é que a produção não leva para níveis mais avançados as suas inquietações artísticas. A sensação de desordem sentimental se dissipa com a necessidade da trama se acondicionar a soluções conciliadoras e um tanto conservadoras. É como se o filme ficasse com medo das consequências morais de sua trama e redirecionasse tudo para uma conclusão careta, em que a unidade familiar deve ser preservada a qualquer custo. Nesse sentido, a comparação inicial que fez nesse texto com Bergman acaba soando covarde. O diretor sueco, afinal, nunca foi de se melindrar em diatribes contra a hipocrisia das relações humanas.

sexta-feira, julho 10, 2015

Meu verão na Provença, de Rose Bosch *


Na obra-prima “Sangue negro” (2007), o diretor Paul Thomas Anderson focava a sua narrativa na exposição crua e sem concessões de um indivíduo mesquinho e antissocial, mostrando que sua misantropia revelava diversos traços de comportamentos inerentes à condição humana. Não havia redenção ou alguma espécie de transcendência epifânica para o protagonista Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis em um trabalho de composição dramática que mais parecia uma possessão). Em “Meu verão na Provença” (2014), a trama também é centrada em um indivíduo bronco e com dificuldades de se relacionar com as pessoas, principalmente com a filha e os netos. Parte dessa personalidade pode se atribuir à sua atividade de fazendeiro – é como se a rudeza de sua atividade acabasse se refletindo na sua vivência social. A diferença entre a obra de Anderson e essa produção mais recente da cineasta de Rose Bosch, entretanto, é uma escancarada e abissal profundidade artística: enquanto “Sangue negro” é uma obra de grande rigor estético e temático, “Meu verão na Provença” é destituída de uma abordagem mais consistente. É possível dar um desconto para a competente fotografia, que valoriza bastante as belas paisagens campestres em que se desenvolve a sua história. Fora disso, é uma narrativa trôpega e banal, cuja encenação se baseia em clichês superficiais e sem uma efetiva densidade dramática. A transformação do carrancudo Paul (Jean Reno) em um senhor boa praça é apressada e artificial. Bosch se apóia exclusivamente em melosos e simplórios clichês sentimentalóides na resolução dos dilemas do roteiro. Elementos que poderiam configurar algumas doses de contradição e questionamento (conflitos de geração, alcoolismo, nostalgia em relação aos ideais dos anos 60) são esvaziados de interesse e tensão. O resultado final é um filme anódino e pouco memorável dentro da sua irrelevância formal e mesmo textual.

quinta-feira, julho 09, 2015

Almas silenciosas, de Aleksei Fedorchenko ***1/2


O grande mote da narrativa de “Almas silenciosas” (2010) é o contraponto dos extremos. Se num primeiro momento as concepções estética e temática dessa produção russa denotam um viés realista, com o a avançar da trama passam a surgir alguns toques metafísicos. Isso porque a história contida no roteiro alude a um confronto entre o cotidiano melancólico e cinzento dos personagens de um vilarejo russo com as suas tradições envolvendo estranhos rituais e particulares misticismos distantes dos padrões morais das religiões cristãs ocidentais. Nesse sentido, novamente a ideia da contradição se evidencia, em que elementos tecnológicos da rotina normal de indivíduos contemporâneos (computadores, celulares) convivem dentro de um ambiente bastante marcado por costumes centenários e atavismos. Por mais que esses seres estejam inseridos numa sociedade ocidental de valores pequeno-burgueses, eles trazem dentro de si uma espécie de herança telúrica, cuja ligação com a natureza e os seus próprios instintos é praticamente inerente às suas condições existenciais. O contexto narrativo de “Almas silenciosas” vai se tornando cada vez mais difuso e enigmático, fazendo com que as ações de seus personagens carreguem um sentido simbolista de fortes tons poéticos. Nessa lógica, erotismo e morbidez se confundem de maneira perturbadora, mas também notavelmente coerente, gerando assim uma obra de extraordinário encanto sensorial.

quarta-feira, julho 08, 2015

O exterminador do futuro: Gênesis, de Alan Taylor ***


Não é novidade que a grande inspiração para o primeiro “O exterminador do futuro” (1984) foi a HQ “Dias de um futuro esquecido”, clássica saga dos X-Men. Aliás, esse arco de histórias é tão bom que acabou recebendo uma bela adaptação para o cinema no mais recente filme da franquia dos mutantes. A produção original dirigida por James Cameron levou aquela influência dos “comics” para um patamar diferenciado, combinando o clima sórdido de ficção científica B com uma dinâmica de aventura típica dos gibis de super-heróis. Na continuação dirigida por Cameron em 1991, havia uma ambientação mais grandiosa, épica, mas ainda em sintonia com aquela equação artística da primeira parte. O grande mérito de “O exterminador do futuro: Gênesis” (2015) é justamente retomar esse pique dos dois primeiros filmes da série. É claro que o diretor Alan Taylor está bem longe de ter a mesma classe formal de Cameron. Ainda sim, seu filme é bem convincente na mescla de reciclagem e atualização dos cânones da franquia. Há cenas que evocam elementos antológicos das obras dirigidas por Cameron, principalmente em detalhes de trucagens e enquadramentos. Por outro lado, esse novo capitulo aprofunda o conceito sobre viagens no tempo e a possibilidade de existência de dimensões paralelas, gerando algumas soluções criativas para a trama que oscilam entre o estapafúrdio e o bem sacado. Nesse contexto, o filme de Taylor faz a franquia se aproximar novamente da ambientação de aventura alucinada das HQs. Esse sopro renovador joga essa retomada da saga para algo além da continuação oportunista e deixa até uma curiosidade para o que vem por aí nas inevitáveis continuações.

sexta-feira, julho 03, 2015

Migração alada, de Jacques Perrin, Jacques Cluzaud e Michel Debats ***


Num primeiro momento, “Migração alada” (2001) não parece diferir de inúmeros documentários sobre animais selvagens e sua relação com a natureza que aparecem frequentemente nos Animal Planet e National Geographic da vida. Com o desenrolar da narrativa, entretanto, alguns detalhes o diferenciam de tais produções. Ao mostrar as diferentes fases da corrente migratória de diversos tipos de pássaros, o filme em questão oferece uma dinâmica narrativa que remete a uma verdadeira aventura épica, sem que com isso deixe de preservar o rigor científico dos fatos. É de se destacar ainda o apuro formal na captação das imagens, cujo registro capta nuances fenomenais no cotidiano dos animais. A proximidade das câmeras em relação aos seus “personagens” nas sequências de voos, por exemplo, tem um impacto sensorial memorável.

quinta-feira, julho 02, 2015

Pais & filhos, de Hirokazu Koreeda ***


O drama familiar parece ser o gênero cinematográfico preferido do diretor japonês Hirokazu Koreeda. Ele já havia enveredado por esse tipo de produção em expressivas obras anteriores como “Ninguém pode saber” (2003) e “O que eu mais desejo” (2012). “Pais & filhos” (2013) é mais um exemplar desse direcionamento autoral por parte de Koreeda. Na comparação com os filmes anteriores, esse trabalho mais recente do cineasta apresenta uma tendência mais ostensiva para elementos de melodrama. Isso não quer dizer, entretanto, que se descambe para sentimentalismo excessivo. Koreeda consegue preservar boa parte de sua habitual sobriedade emocional ao narrar a história de uma troca de bebês descoberta alguns anos poucos anos depois, com as respectivas crianças já devidamente integradas às suas famílias. Os sentimentos e dilemas dos personagens são expostos de forma mais direta. Ainda assim, o roteiro revela uma certa sutileza no desenvolvimento de alguns meandros da história contada, principalmente ao relacionar a temática em questão com alguns dos valores mais caros da moderna sociedade japonesa (pressão social por sucesso profissional, forte sentimento de competitividade). Ainda que “Pais & filhos” não apresente a mesma austeridade estética e textual de outros trabalhos de Koreeda, é de se louvar que ele mantenha um direcionamento existencial que faz com que a complexidade de personagens e situações mostradas não se resolva em soluções fáceis e banais. O final em aberto e de considerável caráter humanista deixa clara a capacidade do cineasta de instigar o espectador.

quarta-feira, julho 01, 2015

Minions, de Pierre Coffin e Kyle Balda *


Assim como os pinguins psicóticos de “Madagascar”, os minions fazem aquela linha de coadjuvantes engraçadinhos e esquisitos que acabam ganhando mais popularidade que os protagonistas de seus respectivos filmes e merecendo um filme só para si. Em ambos os casos, as produções em que se tornam figuras principais não justificam tal ascensão e até mesmo evidenciam suas fragilidades em termos de construção de personagem. No caso de “Minions” (2015), isso fica evidente de maneira que beira o constrangedor. Se nos filmes da franquia “Meu malvado favorito” (que já não eram grande coisa) as criaturinhas já pareciam uma piada de graça já limitada, na animação em questão fica difícil sustentar interesse apenas nelas. Os minions até fazem lembrar, devido ao seu dialeto sem sentido e visual “monstrinho”, os marcianos dementes do sensacional “Marte ataca!” (1996). Só que os diretores Pierre Coffin e Kyle Balda estão bem longe de ter o senso de humor perverso e genial de Tim Burton. Não há caracterização convincente de personagens e nem alguma tensão que se extraia da trama. Predomina apenas a banalidade sem graça de uma produção oportunista, em que mesmo as referências à cultura dos anos 60 que permeiam o roteiro soam pueris e gratuitas.

Rainha & país, de John Boorman ***1/2


É claro que “Rainhas & país” (2014) não se enquadra no mesmo nível artístico de obras-primas clássicas do cineasta britânico John Boorman como “Amargo pesadelo” (1972), “Excalibur” (1981) e “Esperança e glória” (1987) – essa última, por sinal, produção da qual essa mais recente é continuação natural. Ainda assim, é um trabalho de relevo, com o veterano diretor conduzindo sua narrativa com uma elegância formal notável. Assim como já havia feito no ótimo “O alfaiate do Panamá” (2001), Boorman se vale de um gênero tradicional, no caso o melodrama, e de elementos estéticos e temáticos que beiram o clichê para construir a sua narrativa. Encenação, enquadramentos e edição formam um conjunto marcado pela clareza audiovisual e ausência de maiores invencionices. Essa opção pela convencional, entretanto, não resulta em assepsia ou irrelevância. O grande barato do filme é justamente transcender a partir daquilo que é aparentemente óbvio e banal. Por trás de uma trama memorialista e de fortes tons românticos, há um subtexto contestador e repleto de fina ironia. Com sutileza, Boorman questiona a opressiva disciplina militar, o vazio da retórica nacionalista que incentiva guerras oportunistas, o moralismo familiar e até mesmo a alienação insensível do dito amor romântico. O processo de amadurecimento do protagonista Bill Rohan (Callum Turner) é mostrado de forma convincente e com consistente dimensão humanista. Assim, “Rainhas & país” se mostra muito além de ser uma mera sequência oportunista, reforçando o expressivo traço autoral da cinematografia de Boorman.