Existem filmes cuja temática e concepção de realização
configuram uma espécie de protótipo de obra feita para ganhar prêmios e gerar
discussões. “Clube Compras Dallas” (2013) se enquadra nessa linhagem e as suas
indicações ao Oscar confirmam o funcionamento desse mecanismo. A narrativa
evoca uma certa crueza, o roteiro evoca fatos reais e um tema tabu
(homossexualismo e AIDS), os atores enveredam por transformações físicas para
deixar suas interpretações mais intensas (recurso, aliás, que geralmente rende
crédito para algum ator ser lembrado para prêmios de atuação). É claro que a
produção é convencional na sua estrutura de melodrama, formulaica e por vezes
até apelativa em alguns golpes emocionais da trama, mas também é inegável que a
encenação proposta pelo diretor Jean-Marc Vallée tem vigor e oferece um
interessante panorama de uma época (anos 80) em que a ignorância e o
preconceito em relação aos soros positivos chegavam às raias do grotesco. E por
mais que haja o já mencionado direcionamento no estilo de composição dramática
de Matthew McConaughey, sua caracterização tem a capacidade de cativar e
impressionar.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, fevereiro 28, 2014
quinta-feira, fevereiro 27, 2014
Inside Llewin Davis - Balada de um homem comum, de Ethan e Joel Coen ***
Depois de uma sucessão de filme
marcados pelo barroquismo cênico, os irmãos Coen se voltam para um estilo mais
discreto em “Inside Llewin Davis – Balada de um homem comum” (2013). Essa obra
mais recente tem uma certa sintonia temática com “E aí, meu irmão, cadê você?” (2000)
pela questão musical, afinal este trazia tanto na trilha sonora quanto em
elementos do roteiro menções sobre os primórdios do cancioneiro americano,
principalmente o blues e o country, enquanto aquele tem como pano de fundo a
cena folk de Nova Iorque no início dos anos 60, cenário esse onde surgiu Bob
Dylan. Mesmo com essa relação, entretanto, as formatações das produções são
diferentes, pois enquanto “E aí, meu irmão, cadê você?” se configurava como uma
comédia aventuresca repleta de simbologias relacionando mitologia clássica
grega com elementos da história dos Estados Unidos, em “Inside Llewin Davis” a
abordagem é a de um sóbrio drama com toques irônicos. Na trama, não há grandes
acontecimentos ou superações pessoais nos eventos que envolvem o protagonista
do título (Oscar Isaac) – a sina de fracassos e decepções do personagem é
focada com distanciamento emocional, por vezes até de forma cômica. Nesse
sentido, há um contundente contraste no registro seco e desapaixonado do
cotidiano de um cara normal com o próprio ambiente de intensa efervescência
cultural em que ele está inserido. Colaborando com tal orientação artística, o
trabalho de direção de arte e fotografia do filme se mostra fundamental e é
bastante interessante na sua concepção, fazendo uma combinação entre o realismo
e um certo senso de estilização, como se aqueles cenários saíssem também do
imaginário coletivo relativo a um dos períodos mais comentados da história da
cultura ocidental. É provável que todo esse rigor estético possa frustrar um
pouco àqueles que se acostumaram com as explosões criativas de outros trabalhos
dos Coen, mas mesmo um trabalho menor deles ainda é capaz de ser intrigante e
acima da média como esse “Inside Llewin Davis”.
quarta-feira, fevereiro 26, 2014
12 anos de escravidão, de Steve McQueen ***1/2
A estrutura narrativa linear clássica de “12 anos de
escravidão” (2013) pode sugerir, na superfície, uma obra meramente acadêmica e
convencional. O que o diretor britânico Steve McQueen faz na verdade,
entretanto, é uma jogada sutil e perversa. Aproveitando-se de uma formatação típica
de melodrama histórico, o cineasta constrói um filme de estética contundente, não
se furtando de exageros que ampliam ainda mais o impacto sensorial da história
que contra. É claro que ele não chega às raias dos barroquismos e situações
delirantes concebidos por Quentin Tarantino em “Django livre” (2012), mas também
não se prende a uma linguagem apenas realista. Ainda que baseada em fatos
reais, a trama da produção se desenvolve mais como uma odisséia épica repleta
de violência e crueldade. E é nesse ponto que McQueen imprime sua marca
particular – a grande maioria dos personagens brancos é vista em registros
fortemente repulsivos tanto pela covarde brutalidade quanto pela covardia hipócrita
de suas atitudes (Paul Dano, Michael Fassbender e Benedict Cumberbatch
apresentam desempenhos antológicos no tom over de suas interpretações), fazendo
um contraste vigoroso com a nobreza comovente do protagonista
Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor),
enquanto a caracterização gráfica de seqüências brutais envolvendo a degradação,
exploração e espancamento de escravos recebe um detalhismo cênico perturbador
na profusão de sujeira impregnada, sangue espirrando e carnes laceradas. Além
disso, o diretor obtém alguns momentos de crueza impressionantes como aquele em
que Solomon passa horas sob as pontas dos pés pendurado pelo pescoço numa corda
enquanto atos cotidianos se desenrolam em sua volta e até mesmo crianças
brincam. A própria trilha sonora de “12 anos de escravidão” reflete com consistência
as concepções artísticas de McQueen: em algumas cenas sugerem uma solenidade
sentimental típica do gênero, mas em outras enveredam por um tom sinistro,
incorporando opressivos sons ambientais. Tais escolhas formais e temáticas
mostram que para McQueen seu compromisso autoral está muito mais concentrado na
percepção que Solomon tem do inferno que o rodeia do que com um rigor histórico
estéril.
terça-feira, fevereiro 25, 2014
Caçadores de obras-primas, de George Clooney *
Como é que o cara que dirigiu obras de peso como “Confissões
de uma mente perigosa” (2002), “Boa noite, boa sorte” (2005) e “Tudo pelo poder”
(2011) pode entregar um filme tão displicente e sem graça como “Caçadores de
obras-primas” (2014)? E o problema nem é o fato de ser mais uma produção que
tem como temática a 2ª Guerra Mundial. Até porque a perspectiva da premissa inicial
do roteiro até tem algo de diferenciado. O que incomoda é a absoluta falta de
brilho na direção de Clooney. É tudo tão apático e desanimado na condução da
narrativa que nem a possível desculpa de que se poderia tratar de um projeto
descompromissado para Clooney se divertir com amigos acaba se encaixando. As próprias
atuações no piloto automático de atores habitualmente carismáticos como Bill
Murray e John Gooodman só reforçam a impressão de um projeto equivocado do início
ao fim.
segunda-feira, fevereiro 24, 2014
Nebraska, de Alexander Payne ***1/2
Em 1982, o cantor e compositor Bruce Springsteen lançou o
álbum “Nebraska”, um de seus melhores trabalhos e provavelmente seu disco mais
triste e anti-comercial. Em despojadas baladas, o músico procurava fazer um
inventário de figuras e situações que se referiam a um estado de espírito
especifico, versando sobre estradas, desajustados em geral, relações mal
resolvidas. A influência do disco foi tão marcante na cultura norte-americana
que se tornou uma referência não apenas no cancioneiro do país como também se
estendeu a outros meios de expressão. Em 1991, por exemplo, o ator Sean Penn
estreou na direção com “Unidos pelo sangue”, obra comovente que se inspirava na
canção “Highway Patrolman”, um dos pontos altos da obra-prima de Springsteen.
Confesso que não sei se “Nebraska” (2013), de Alexander Payne, tem alguma
relação direta com o disco em questão, mas sua atmosfera sóbria e a direção de
fotografia em preto e branco parecem uma extensão existencial daquela obra de
Springsteen. Por outro lado, o filme de Payne tem personalidade própria e que
se mostra em sintonia artística com a cinematografia do diretor – na realidade,
é seu melhor trabalho desde a sua estréia, “Eleições” (1999). A trama se
formata como uma crônica sobre os sonhos perdidos, a falta de perspectivas e a
mediocridade dos habitantes de cidades sem graça e desoladas do interior dos
Estados Unidos. O roteiro da produção, entretanto, injeta insólitas doses de
ironia e bom humor, fazendo com que “Nebraska” não caia na aridez temática e
formal. Mesmo a redenção que oferece aos principais personagens na sua
conclusão não soa forçada ou como concessão, mas como um sutil toque emocional
que engrandece ainda mais a dimensão humana de tais figuras. No mais, Payne
embala essa pequena saga familiar com alguns elementos formais expressivos,
como a direção de fotografia que busca enquadramentos e iluminação que emulam
um efeito pictórico na linha de um Norman Rockwell às avessas, além de da
trilha sonora climática e acústica baseada em temas folk e country que acabam
lembrando (sem querer ou não?) o próprio “Nebraska” de Springsteen.
sexta-feira, fevereiro 21, 2014
Gloria, de Sebastian Lelio ***
O estilo narrativo estabelecido pelo cineasta Sebastian Lelio
em “Gloria” (2013) é seco e rigoroso – ainda que a trajetória sentimental da
personagem título seja tortuosa, o filme não envereda por grandes arroubos dramáticos
e nem por ostensivos truques formais. O registro de Lelio mantém de forma
constante a sobriedade e o naturalismo, beirando até o documental. Tal aridez
acaba se revelando coerente e adequada para a história que é contada. O
interesse da trama é por se focar em pequenos atos cotidianos, em que até as
mesquinharias e mediocridades de algumas criaturas ganham uma dimensão
relevante. Nesse sentido, o roteiro tem sacadas interessantes em termos de
sugestão – fatos do passado dos personagens são mencionados de forma ocasional,
como se em pequenos esboços tais figuras humanas fossem sendo construídas
sutilmente. A seqüência do jantar de aniversário do filho de Gloria (Paulina
García), por exemplo, é exemplar na utilização de tal expediente, em que
gestos, fragmentos de conversas e olhares evocam mágoas e relações mal
resolvidas. São justamente essas sensações de mal estar ou incômodo existencial
que dominam a narrativa de “Gloria”, fazendo com que essa crônica intimista
elaborada por Lelio traga no seu subtexto uma espécie de reflexo da condição
moral de uma sociedade dominada por solidão e preconceito.
quinta-feira, fevereiro 20, 2014
Ela, de Spike Jonze ***1/2
O diretor norte-americano Spike Jonze continua marcando a
sua filmografia com uma abordagem de idiossincrasias bastante particulares,
ainda que “Ela” (2013) seja o seu filme mais convencional. As sequências com
edição estilo “clipezinho”, por exemplo, representam uma concessão antes impensável
para aquele cineasta de narrativas delirantes como “Quero ser John Malkovich”
(1999) e “Onde vivem os monstros” (2009). Esses momentos de acessibilidade
configuram os pontos fracos desse filme mais recente de Jonze. Mesmo assim, um
filme de Jonze flertando com convencionalismos ainda consegue ser um produto
muito acima da média.
Nesse pequeno conto futurista/existencial que representa “Ela”,
Jonze cria uma ficção científica bastante rica em termos estéticos. As idéias que
apresenta de inovações tecnológicas são coerentes e críveis com a própria
realidade contemporânea (aquele joguinho de video game, por exemplo, com que o
protagonista Theodore se diverte seguidamente é
uma bela sacada tanto pelo design quanto pela ironia), sintetizando também a
natureza asséptica e algo triste daquela sociedade. Nesse sentido, o trabalho
de direção de arte do filme é fenomenal na caracterização de ambientes e situações.
A visão de Jonze para a interação emocional entre sistemas
operacionais e seres humanos impressiona na sua combinação de contundência,
lirismo e lucidez filosófica, tendo também uma simbologia bastante rica e ampla
ao retratar os relacionamentos contemporâneos. Jonze dispensa o simples e fácil
moralismo – na concepção existencial de “Ela”, relacionar-se com uma máquina de
inteligência artificial não configura uma distorção, mas sim uma conseqüência lógica
do mundo pós-moderno, onde a evolução do amadurecimento intelectual e sensorial
de autômatos e afins concebe naturalmente a possibilidade de que estes se
tornem seres mais avançados em todos os sentidos que os próprios humanos pelas
suas infinitas possibilidades virtuais. Nesse sentido, por mais que a obra de
Jonze tenha uma certa aura de melancolia romântica, ela também adquire uma
atmosfera perturbadora de perplexidade e impotência perante a ausência de uma
conclusão moralizante do tipo “nada supera a sagacidade humana”.
quarta-feira, fevereiro 19, 2014
Philomena, de Stephen Frears **
É claro que é normal que um cineasta mude com o passar dos
anos. Afinal, a maturidade pode fazer com que suas concepções artísticas
evoluam, que sua visão de mundo fique mais lúcida. Por vezes, entretanto,
mudanças parecem não fazer muito bem para a criatividade dos cineastas, o que
parece ser o caso do britânico Stephen Frears. Em seus primeiros filmes, ele
mantinha um registro seco e visceral, dando preferência para retratos
despojados dos subúrbios ingleses (“Minha adorável lavanderia”, “Sammy e Rosie”),
crônicas urbanas (“O amor não tem sexo”) e até mesmo algumas comédias de tons
naturalistas (“A grande família”, “A van”). Mesmo em suas primeiras produções
nos Estados Unidos se destacou em obras que reciclavam clichês de gêneros de
forma visceral e com inventividade (“Ligações perigosas”, “Herói”, “Os imorais”).
Em seus mais recentes filmes, Frears perdeu muito do seu gume criativo,
parecendo se conformar com um padrão de bom gosto asséptico e destituído de
vigor. E esse é justamente o caso de “Philomena” (2013). O aparente rigor estético
do diretor na verdade esconde um formalismo pálido e que acaba prejudicando até
mesmo a rica temática que se poderia extrair da mãe à procura do filho que lhe
foi tirado por freiras na sua juventude. A apatia da direção contamina ainda as
interpretações de Judi Dench e Steve Coogan, que entregam interpretações
apagadas. Ok, o filme recebeu algumas indicações ao Oscar e é capaz de angariar
a simpatia de adeptos de filmes “fofinhos com velhinhos”, mas o seu futuro
provavelmente é o limbo das produções esquecíveis. No mais, é esperar que Frears
um dia tome vergonha na cara, saia dessa lama e volte a fazer obras relevantes.
terça-feira, fevereiro 18, 2014
Trapaça, de David. O. Russell ***
Assim como já havia feito em obras anteriores como “O
vencedor” (2010) e “O lado bom da vida” (2012), o diretor David O. Russell
procurou imprimir em “Trapaça” (2013) uma narrativa mais solta, que enveredasse
por uma abordagem mais naturalista. Só que tal concepção entra em contradição
com um certo tom operístico no seu formalismo – não à toa, o filme foi
comparado em mais de uma oportunidade com alguns filmes de Martin Scorsese.
Esse choque de estilos gera uma produção irregular. Os pontos altos da obra estão
em momentos cuja encenação fluida de Russell melhor aflora, principalmente
quando a tônica da dramaticidade está nas mãos de um inspirado elenco de
atores. Russell se notabiliza por ser um ótimo
diretor de atores e aqui extrai interpretações antológicas de Christian Bale,
Bradley Cooper, Amy Adams e Jennifer Lawrence, além da ponta mais do que
expressiva de Robert De Niro como um gangster (dá até vontade de vê-lo protagonizando
mais um filme de Máfia). O problema, entretanto, é quando a “Trapaça” se foca
numa trama um tanto genérica, que mais valoriza surrados recursos do tipo “truque
dentro do truque” do que na caracterização de tipos e situações (ao contrário,
por exemplo, do registro seco beirando o documental e do visceral humanismo de “O
vencedor”). Assim, mesmo o tom barroco da fotografia de belos planos seqüências
e enquadramentos grandiosos acaba soando mais como uma forçação de barra do que
uma real inspiração artística. É claro que no cômputo geral “Trapaça” é um
filme com um certo grau de magnetismo, mas a frustração está no fato de que se
sabe que Russell, pelo potencial artístico apresentado em outras obras, poderia
ter se saído muito melhor.
segunda-feira, fevereiro 17, 2014
Cassandra Rios: A safo de Perdizes, de Hanna Korich *
Em sessão de debate com a platéia que sucedeu à exibição de “Cassandra
Rios: A safo de Perdizes” (2013), Hanna Korich, realizadora do filme em questão,
deixou claro que não se considera uma documentarista profissional e que a
intenção principal de sua produção era resgatar a memória de sua protagonista,
escritora lésbica bastante popular entre os anos 50 e 80 de romances de forte
teor erótico e que foi bastante censurada, principalmente na época da ditadura
militar. Vendo o documentário, é bem evidente essa falta de traquejo da
diretora. Nas cenas de depoimentos, Korich praticamente se limita a focalizar
seus entrevistados em longos comentários biográficos e/ou dissertativos sobre
Rios – falta uma caracterização de ambientação e também um trabalho mais zeloso
de edição. Do jeito que ficou, a impressão é a de longas seqüências de prolixas,
e por vezes tediosas, “cabecinhas falantes”. Incomoda também a falta de um
material audiovisual de arquivo mais amplo, tendo em vista que nesse sentido o
filme se limita a trechos de uma entrevista de Rios com Jô Soares. Além disso,
a narrativa tem um forte tom panfletário, o que atrapalha a fluência do seu
ritmo. Diante de todos esses equívocos, portanto, pode-se dizer que se trata de
uma obra dispensável? Pois é, pode parecer meio contraditório, mas mesmo com os
seus defeitos é um filme que merece ser visto pela riqueza de sua temática.
Cassandra Rios é uma figura fascinante e sua trajetória traz uma série de
questionamentos e contradições que são inerentes à história cultural, social e
comportamental do Brasil. Talvez o documentário de Korich possa servir como
ponta de lança para futuras abordagens cinematográficas mais aprofundadas e
melhor acabadas formalmente sobre a escritora.
sexta-feira, fevereiro 14, 2014
Uma aventura lego, de Phil Lord e Chris Miller ***
Muito mais que um mero pretexto para vender brinquedos, “Uma
aventura lego” (2014) é um filme que se expande para uma viagem para o imaginário
infantil, tanto de crianças quanto de adultos. A trama da animação brinca com
referências tanto ao universo lego quanto por citações a outros elementos da
cultura pop. E por trás de um roteiro focado na aventura e na comicidade,
repleto de personagens engraçados e carismáticos, encontra-se um subtexto de
forte teor orwerlliano, explorando até com um discreto tom sombrio conceitos
como a de uma sociedade distópica, em que a padronização desumana de
comportamentos e a influência subliminar da mídia são preceitos dominantes. A
estética adotada pelos diretores Phil Lord e
Chris Miller é uma insólita e criativa combinação entre efeitos digitais e uma
aparente “tosqueira” na movimentação de personagens e caracterização de cenários.
Tal concepção se relaciona com a própria natureza dos brinquedos legos, a de
estruturas de bonecos e objetos para montar, cujo design visual é puxado para o
estilizado e não para o realismo. Assim, a busca formal na encenação não é por
uma fluidez natural, mas pelo movimento que emula um indivíduo brincando e
interagindo com os legos. Nesse sentido, a explicação na parte final do filme para
as entidades (ou deuses) que regem o mundo dos personagens é uma engenhosa e até
sofisticada sacada temática. De certa forma, as boas idéias conceituais de “Uma
aventura lego” acabam funcionando como excelente propaganda para os brinquedos
que deram origem à produção, no sentido que reforçam o seu caráter nostálgico,
lúdico e criativo.
quinta-feira, fevereiro 13, 2014
O herdeiro do diabo, de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett 1/2 (meia estrela)
É complicado e um tanto leviano fazer vaticínios definitivos,
mas me atrevo a afirmar que talvez “O herdeiro do diabo” (2014) possa ser
considerado como um dos pontos mais baixos que o cinema de horror contemporâneo
já atingiu. É o típico exemplar da “esperteza” de produtores – por um lado se
apropria de uma temática, o nascimento do anticristo, bastante batida (ainda
que tenha rendido alguns filmes clássicos como “O exorcista” e “A profecia”) e
por outro usa o recurso estético mais manjado da atualidade, o do registro
audiovisual tosco emulando uma filmagem caseira. Ou seja, a intenção é apostar
na certeza comercial em qualquer direção. E o real problema do filme não é o
fato de que cada trecho do roteiro lembra várias outras obras na linha. O que
realmente incomoda é a direção medíocre de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler
Gillet, incapaz de extrair tensão em qualquer momento, limitando-se a repetir
mecanicamente todas as fórmulas e clichês possíveis inerentes ao gênero. E é
possível ainda que faça o espectador sentir saudade da franquia “Atividade
paranormal” (e olha que isto não representa necessariamente um elogio a esta última....).
quarta-feira, fevereiro 12, 2014
Operação Sombra: Jack Ryan, de Kenneth Branagh **1/2
Se hoje em dia é mania fazer reboot de tudo que é franquia,
não ia ser o Jack Ryan que ficaria de fora. E já é a segunda ou terceira vez
que tentam fazer um novo começo para o personagem criado originalmente na obra
literária de Tom Clancy. Na tentativa de dar um peso dramático maior para as
aventuras do agente da CIA, os produtores convocaram o diretor e ator britânico
Kenneth Branagh, conhecido por suas adaptações cinematográficas de textos de
Shakespeare para dirigir “Operação Sombra: Jack Ryan” (2014). O resultado dessa
nova tentativa está longe de ser memorável, mas também não chega a ser desprezível.
O roteiro traz algumas minúcias temáticas relativas a operações financeiras
obscuras e o novo cenário político mundial, mas no final das contas é uma trama
superficial para servir de suporte para cenas de ação. Branagh até dá um certo
estofo elegante para os cenários cosmopolitas do filme, além de sua encenação
das cenas de pancadarias e perseguições automobilísticas ser eficiente. Nada,
entretanto, que fuja muito do lugar comum dentro do que tem sido feito no gênero.
Sua experiência shakesperiana não consegue gerar alguma tensão dramática
convincente e mesmo sua atuação no papel de antagonista está mais para a
canastrice divertida do que para uma caracterização assustadora. No mais, “Operação
Sombra” dá uma sensação de que o grau de patriotismo ufanista é maior que em
outras produções protagonizadas por Ryan, e não
que isso seja necessariamente um elogio....
terça-feira, fevereiro 11, 2014
Os belos dias, de Marion Vernoux **1/2
Existe um bom motivo para assistir a “Os belos dias” (2012):
a serena interpretação de Fanny Ardant. No papel da protagonista
Caroline, uma dentista aposentada de 60 anos que vive um caso adúltero com um
rapaz de trinta e poucos, ela consegue dar uma considerável gama de emoções à
personagem, variando entre elas de forma natural e sutil. Assim como Ardant
consegue passar uma tocante fragilidade em momentos de melancolia, há sequências
em que impressiona por uma tremenda sensualidade latente em pequenos gestos e
olhares. Tal interpretação maiúscula dá ao filme da diretora Marion Vernoux uma
dignidade artística que somente a sua formatação convencional não conseguiria
oferecer, transformando uma produção derivativa em uma experiência cinematográfica
com um certo apelo memorável.
segunda-feira, fevereiro 10, 2014
Quando eu era vivo, de Marco Dutra ***1/2
O cinema de horror contemporâneo tem duas grandes vertentes
– uma, mais tradicionalista, recicla narrativa e temáticas clássicas do gênero,
enquanto que a outra, mais “moderninha”, usa e abusa daquela estética “câmara
subjetiva”, em que o registro é aparentemente amador para que se dê uma ideia
de maior realismo. De certa forma, a produção brasileira “Quando eu era vivo”
(2012) até se vale de alguns dos preceitos de tais vertentes, mas a via
criativa pela qual envereda é diversa. A trama se vale de elementos recorrentes
na filmografia do terror, evocando segredos de um passado obscuro, personagens
misteriosos, possessão demoníaca, alma penadas, ainda que o roteiro do filme
permaneça de forma constante numa fronteira tênue entre o horror metafísico e o
suspense psicológico. Em algumas seqüências, o diretor Marco Dutra se apropria
do recurso de filmagens caseiras, mas de forma econômica e sem usar como
desculpa para inserir um registro tosco. Mas catalogar a produção em questão na
categoria terror seria impreciso. Por mais que a obra de Dutra tenha momentos
assustadores (e realmente tem), o que ela sugere mais é um drama de tons
fantásticos a tratar sobre as relações familiares e a loucura humana,
carregando bastante no simbolismo. Nesse sentido, a transformação que o apartamento
que serve de cenário para história passa é exemplar – de um asséptico recanto
tipicamente classe média atual para um local mal iluminado repleto de móveis
antigos, enfeites cafonas e imagens religiosas nos moldes de um tradicional lar
católico de meados do século XX. E nisso reside um dos aspectos mais
fascinantes de “Quando eu era vivo”: a obsessão de Júnior (Marat Descartes) em
reconstituir fisicamente o seu passado e descobrir supostas mensagens crípticas
deixadas por sua mãe traz uma rica carga metafórica na busca nostálgica da
inocência perdida e de um amor familiar deteriorado pela busca do pai (Antônio
Fagundes) pelo conforto pequeno-burguês. O roteiro do filme é desconcertante na
maneira sutil com que lida com esse jogo de aparência e com a inversão de
expectativas. Em pequenas nuances narrativas, que vão de estranhas e evocativas
melodias musicais ao aparecimento nada aleatório de objetos corriqueiros, a
trama desconcerta o espectador ao preservar a visão singular do escritor
Lourenço Mutarelli, autor do romance que deu origem ao filme – a de que é mais
humano permanecer unidos na loucura do que desagregados pela suposta
normalidade. E nesse viés, a climática conclusão da obra apenas reforça a
impressão de “Quando eu era vivo” como um dos momentos mais comoventes da
filmografia brasileira recente.
sexta-feira, fevereiro 07, 2014
Mais uma canção, de Rene Goya Filho e Alexandre Derlam ***
Num primeiro plano, “Mais uma canção” (2013) seria um
documentário biográfico do músico gaúcho Bebeto Alves. Só que a abordagem
proposta pelos diretores Rene Goya Filho e Alexandre Derlam é mais ampla. A
partir da trajetória de seu protagonista, o
filme acaba oferecendo uma visão bastante lúcida e pouco óbvia do que significar
ser um músico no mundo contemporâneo, ainda mais com as peculiaridades tanto do
Brasil quanto da própria arte de Bebeto. Surgindo nos conturbados anos 70, ele
nunca facilitou as coisas para público e crítica – apesar das influências do
cancioneiro tradicional das milongas de sua terra natal, a fronteiriça
Uruguaiana, nunca fez música regional típica, partindo geralmente para fusões
com ritmos universais como reggae, rock, tecnopop e música árabe. Tal postura
artística irrequieta se reflete tanto no fato de Bebeto ter morado em várias
cidades quanto no fato de ter se mantido a margem de modismos fáceis ou
tradicionalismos limitadores. A formatação do filme tem a sensibilidade de
captar boa parte dessas nuances tanto pelo lado intimista e pessoal do músico
quanto pela contextualização histórica e social ao mostrar como Bebeto e sua
arte se inseriram em épocas diferentes. Para isso, Goya e Derlam se valeram de
registros como a gravação de um show-retrospectiva no emblemático Teatro Arena,
de raras imagens de arquivos, de depoimentos recentes e de trechos de uma
viagem de Bebeto por países orientais onde busca insólitas conexões da música de
tais localidades com as suas próprias canções. O trabalho de edição é muito bem
efeito ao combinar de forma harmoniosa esses diferentes registros e dar-lhes
uma unidade que sintetiza com fidelidade as particulares concepções artísticas
de Bebeto.
quinta-feira, fevereiro 06, 2014
Mazzaropi, de Celso Sabadin **1/2
Mais conhecido como crítico de cinema, Celso Sabadin mostra certa
relevância como realizador cinematográfico. O documentário “Mazzaropi” (2013)
pode estar longe de ser um primor em termos formais, mas é eficiente ao
oferecer um panorama até bastante esclarecedor sobre a história e a importância
de uma das figuras mais populares do cinema brasileiro. Sabadin tem uma bela
sacada narrativa ao começar a produção com depoimentos de admiradores do
universo caipira, contextualizando com lucidez boa parte das verdades, mitos e
preconceitos que envolvem a personalidade desse particular tipo interiorano.
Assim, a biografia de Amacio Mazzaropi ganha uma conotação
humana e social ainda mais ampla. Não há a preocupação de apenas ser didático –
também existe uma considerável parcela de bom humor ao se contar alguns saborosos
“causos” envolvendo as manias de seu protagonista
bem como os bastidores de alguns de seus principais filmes. Nesse sentido, o
documentário também ganha importância por fazer um retrato esclarecedor de como
era fazer cinema popular no nosso país entre as décadas de 50 e 80, revelando
velhos dilemas que até hoje grassam por aí, principalmente no que diz respeito à
dicotomia na distinção entre o que é artístico e o que é comercial. É claro que
há alguns elementos dispensáveis – os comentários do apresentador de televisão
casca grosa Ratinho, por exemplo, chegam a ser constrangedores pelo tosquice de
suas “teorias” e concepções do que é cultura popular – mas no final das contas
o filme de Sabadin consegue cumprir a contento tanto a missão de fazer os
velhos admiradores de Mazzaropi de matarem um pouco a saudade quanto de
apresentar para os neófitos um dos poucos ídolos do cinema nacional.
quarta-feira, fevereiro 05, 2014
47 ronins, de Carl Erik Rinsch **1/2
A história dos 47 ronins é um dos mitos mais tradicionais na
cultura japonesa, tendo recebido diversas adaptações cinematográficas no seu país
de origem. Assim, até soa estranho essa versão norte-americana para “47 ronins”
(2013). E não é só pelo fato de samurais e afins aparecerem falando inglês. A
marca ocidental da condução da narrativa do diretor britânico Carl Erik Rinsch
fica bastante evidente – há uma ênfase num romance entre um guerreiro mestiço
(Keanu Reeves) e a filha de um lorde que rende um excesso de momentos de
romantismo meloso que é estranho para um filme tradicional de samurais, assim
como a violência é bastante atenuada (praticamente não se vê no sangue nas seqüências
de ação ou nos rituais de suicídio). Por outro lado, não deixa de ser
interessante ver um filme de samurais feito com um padrão de grande produção
norte-americana. Ainda que ousadia e criatividade não sejam grandes marcas da
direção de Rinsch, a conjunção de trucagens eficientes com porradaria típica de
filmes orientais ocasiona algumas seqüências satisfatórias em termos de diversão
escapista.
terça-feira, fevereiro 04, 2014
A menina que roubava livros, de Brian Percival **
Por mais que a 2ª Guerra Mundial tenha sido abordada em inúmeras
produções cinematográficas, sempre é possível extrair algo de diferente de tal
temática. Está aí “Bastardos Inglórios” (2009) para comprovar isso. A
realidade, entretanto, é que a grande maioria das obras mais recentes que
versam sobre essa temática histórica pouco acrescentam em termos estéticos e
mesmo de conteúdo. Nessa esteira, pode-se até perceber que uma espécie de
vertente nesses filmes se abriu – a de filmes de 2ª Guerra light, daqueles que
podem se assistidos pela família inteira, na linha censura livre. Assim, por
mais que haja elementos espinhosos como mortes, privações, preconceitos e afins
na trama, tudo recebe um tratamento asséptico e de visual clean, para que as platéias
mais sensíveis não fiquem chocadas. “A menina que roubava livros” (2013) é um
exemplar bem acabado dessa tendência. Ainda que em teoria seja dura a realidade
da menina Liesel (Sophie Nélisse) sobrevivendo na Alemanha nazista e em pleno
auge do conflito, o tratamento formal proposto pelo diretor Brian Percival é tão
asséptico que em nenhum momento consegue deixar a platéia sensibilizada com a
crueza do cotidiano da protagonista. A conclusão
do filme sintetiza com precisão esse espírito “cor de rosa”: após um bombardeio
que extermina toda a família e os amigos de Liesel, ao se mostrar os corpos
deles não se vê um traço de sangue ou mesmo membros esmagados ou decepados.
Talvez essa abordagem bunda mole pode agradar velhinhas e mocinhas bem
comportadas, mas também faz com que “A menina que roubava livros” seja uma
produção descartável e incapaz de cativar o nosso imaginário cinematográfico.
segunda-feira, fevereiro 03, 2014
Um final de semana em Hyde Park, de Roger Michell **
O diretor britânico Roger Michel geralmente manteve em sua filmografia uma linha divisória
– oscilou entre comédias românticas (“Um lugar chamado Notting Hill”, “Uma manhã
gloriosa”) e pesados dramas (“Recomeçar”, “Amor para sempre”). Em “Um final de
semana em Hyde Park” (2012) ele procurou juntar esses dois universos distintos
no mesmo filme. O resultado acabou sendo bem indigesto... O roteiro de fundo
histórico – fala sobre a reunião num final de semana entre o presidente
norte-americano Franklin Delano Roosevelt (Bill Murray) e o rei inglês George
VI (Samuel West) para decidir sobre a participação dos Estados Unidos na 2ª
Guerra – até tem um certo atrativo, mas Michell aparenta indecisão entre
focalizar na comédia sobre os conflitos de costumes entre ingleses e
norte-americanos ou se concentrar no drama sobre as infidelidades conjugais de
Roosevelt. É como se houvesse dois filmes diferentes na mesma produção, com o
cineasta não conseguindo desenvolver a contento nenhum deles. O reflexo dessa
indecisão criativa é uma obra em que não tem tensão dramática e nem leveza irônica.
No final das contas, fica uma produção amorfa, que prefere se esconder atrás de
uma direção de fotografia estilo cartão postal e em interpretações
caricaturais.
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