Assim como “Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles” é sintomático dos problemas de boa parte das produções atuais de ação norte americanas, “Incêndios” (2010) é reflexo do beco sem saída criativo no qual se encontra uma considerável parte das produções ditas “de arte” ou “alternativas” fora do eixo hollywoodiano. O filme apresenta algumas soluções formais elegantes (como aquele plano sequência inicial com os garotos “feios, sujos e malvados” tendo seus cabelos raspados ao som de um tema musical sombrio do Radiohead) e contundentes (as cenas do massacre no ônibus são uma porrada em termos de violência e crueza). A temática envolvendo guerra civil no Líbano, fanatismo religioso e conflitos familiares pode parecer áspera, mas é atraente para aquele perfil “filme de festival”. No saldo geral, a proposta estética do filme é convencional e linear (mesmo com todas as idas e vindas no tempo), com a narrativa privilegiando mais o desenvolvimento da trama do que a busca de maiores arrebatamentos formais. E é justamente aí que as coisas complicam para “Incêndios”. Por mais que o roteiro guarde surpresas e carregue no tom trágico (com direito, inclusive, a um excesso de coincidências e golpes do destino que beiram a pura fantasia), os exageros dramáticos da narrativa beiram o novelesco, com fins claramente apelativos de comover as platéias. Ser apelativo, entretanto, não chega a ser um defeito por si só. Incomoda é que justamente o filme se leva muito a sério nesse aspecto. O que era até para ser irônico nas suas nuances acaba descambando para um broxante tom edificante.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
quarta-feira, março 30, 2011
segunda-feira, março 28, 2011
Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles, de Jonathan Liebesman *1/2
Existem filmes que conseguem ser a síntese da cultura de uma era. Ou até, mais especificamente, dos equívocos de determinada época. “Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles” (2011) pode se configurar como um símbolo perfeito do que há de errado no cinema de ação da atualidade. A proposta estética do estilo documental, de câmeras inquietas que não param de tremer, já está mais que cansativa, revelando uma espécie de preguiça formal em enquadrar uma tomada ou editar uma seqüência de forma decente. No filme de Jonathan Liebesman, até uma simples cena de dois personagens conversando calmamente em um escritório é um “show” de cortes desconjuntados e de movimentos de câmeras que avançam aos esbarrões. Talvez a justificativa para essa concepção tosca venha da intenção em retratar uma invasão alienígena sob o ângulo dos recursos do cinema verdade, algo que o frustrante “Cloverfield” (2008) já havia feito pelos “filmes de monstro”. Tal exercício de estilo, entretanto, é pueril no sentido de que o próprio roteiro de “Invasão do Mundo” repisa sem constrangimento em todos os clichês dramáticos do gênero, com direito, inclusive, a vários momentos repletos de patriotismo forçado, o que só colabora para que a produção fique com uma desnecessária duração de quase duas horas. De qualquer forma, o filme chega até ser divertido em alguns momentos na sua truculência visual e nas besteiras de sua trama. É quase como se fosse um filme trash, apesar do seu orçamento ser infinitamente superior aos das infames produções de um Ed Wood.
sexta-feira, março 25, 2011
Corpos Celestes, de Marcos Jorge e Fernando Severo *1/2
Quem viu “Estômago” (2007), o contundente longa de estreia de Marcos Jorge, vai estranhar quando assistir a “Corpos Celestes” (2009). Provavelmente pensará: como é que o segundo filme de um cineasta pode parecer mais amador que o primeiro? A resposta é simples. “Corpos Celestes”, na verdade, estava praticamente pronto antes de “Estômago” começar a ser rodado, mas este último acabou sendo lançado antes.
Em “Corpos Celestes” pode-se perceber as boas intenções de Marcos Jorge e Fernando Severo. O roteiro é convencional, mas bem estruturado em termos de delineamento dos personagens e situações. A ideia de inserir discretas trucagens digitais de imagens e conceitos astronômicos é criativa e a seleção dos temas musicais que servem de trilha é de inequívoco bom gosto. O problema da produção, entretanto, é não conseguir pegar esses elementos isolados e inseri-los numa narrativa fluida. A encenação é frágil e quase mambembe – fotografia e edição oscilam entre uma rigidez formal e a pura falta de imaginação. A própria interpretação dos atores é sintomática do espírito da obra: empostada, quase um teatro mal filmado. A seqüência final de “Corpos Celestes” sintetiza com fidelidade o que há de errado – o que era para ser catártico e revelador acaba soando apenas banal e sem convicção.
Em “Corpos Celestes” pode-se perceber as boas intenções de Marcos Jorge e Fernando Severo. O roteiro é convencional, mas bem estruturado em termos de delineamento dos personagens e situações. A ideia de inserir discretas trucagens digitais de imagens e conceitos astronômicos é criativa e a seleção dos temas musicais que servem de trilha é de inequívoco bom gosto. O problema da produção, entretanto, é não conseguir pegar esses elementos isolados e inseri-los numa narrativa fluida. A encenação é frágil e quase mambembe – fotografia e edição oscilam entre uma rigidez formal e a pura falta de imaginação. A própria interpretação dos atores é sintomática do espírito da obra: empostada, quase um teatro mal filmado. A seqüência final de “Corpos Celestes” sintetiza com fidelidade o que há de errado – o que era para ser catártico e revelador acaba soando apenas banal e sem convicção.
quinta-feira, março 24, 2011
Passe Livre, de Peter e Bobby Farrelly ***1/2
Ao ressaltar a importância do casamento e da fidelidade conjugal, “Passe Livre” (2011) estrutura-se quase como um conto moral. Isso não é impedimento, entretanto, para os irmãos Farrelly abusarem de um humor alucinado e com direito a farpas contra tudo que vem pela frente, dos valores da sociedade de consumo até os tabus sexuais norte-americanos. Como nos seus melhores filmes anteriores, os manos diretores combinam com rara eficiência escatologia, humor negro e até uma certa dose de romantismo. Pode-se perceber nos Farrelly um traço quase autoral na encenação cinematográfica, em que uma fotografia ensolarada, que beira o asséptico, como se evocasse o dourado american way of life, entra em contradição perturbadora com alguns dos truques mais grosseiros de sua ácida comicidade. Assim, parte dos valores mais caros da sociedade ocidental é satirizada impiedosamente, apesar de que na superfície estejamos vendo apenas alguns momentos de comédia pastelão. Assim, apesar de se desenvolver na área do humor físico e ostensivo, “Passe Livre” demonstra uma refinada sutileza na sua crítica social e que se mostra mais impactante que o discurso explicitamente panfletário dos documentários de Michael Moore, por exemplo.
terça-feira, março 22, 2011
Jogo de Poder, de Doug Liman ***
Nas primeiras obras de sua filmografia, o cineasta norte-americano Doug Liman se mostrava como um dos talentos mais promissores de sua geração. “Swingers” (1996) e “Vamos Nessa” (1999) evidenciavam um diretor que abusava com talento de referências e truques estéticos diferenciados, além de servirem, em termos temáticos, como uma espécie de raio x comportamental da juventude dos anos 90. Quando passou a trabalhar em grandes produções de Hollywood, Liman conseguiu preservar parte de seu traço autoral em célebres blockbusters de aventura como “Identidade Bourne” (2002) e “Jumper” (2008). “Jogo de Poder” (2010), sua obra mais recente, parece revelar a sua intenção em se vincular a um cinema mais “sério”. A pretensão de Liman é evocar elementos dos mais clássicos thrillers políticos, tanto que o roteiro é baseado em um dos mais escandalosos episódios envolvendo a Guerra do Iraque. O ponto alto do filme está na forma em que a narrativa se alterna entre tensas reuniões de gabinete e a ação nos recantos de algumas das cidades mais perigosas do planeta. Liman consegue manter em vários momentos uma atmosfera ambígua, principalmente na figura de Valerie Plame (Naomi Watts), o que é inerente à sua própria condição de espiã. “Jogo de Poder”, entretanto, não consegue manter esse intrigante clima de dubiedade quando passa a se focalizar em excesso nas questões familiares de seus protagonistas. A narrativa nessas seqüências perde muito de sua dinâmica enxuta e progressivamente adota um tom discursivo. Assim, por mais que suas intenções temáticas sejam louváveis, “Jogo de Poder” acaba resultando na obra menos pessoal de Liman.
segunda-feira, março 21, 2011
Gnomeu e Julieta, de Kelly Asbury **1/2
É claro que dentro das atuais regras de cinema comercial, determinados gêneros obedecem a um rigoroso padrão estético e narrativo. Ainda mais nas animações, que têm envolvida nos seus lançamentos uma série de promoções típicas relacionadas ao marketing infantil. Eventualmente algumas produções conseguem transcender sobre tais convenções, mas a realidade é que a ousadia passa longe da maioria de tais filmes. “Gnomeu e Julieta” (2011) é mais um exemplar a confirmar essa regra. O fato de usar como base de sua trama uma das mais clássicas tragédias de Shakespeare até poderia fazer pressupor uma obra mais contundente na sua encenação, mas os elementos mais pesados do texto original são amenizados a tal ponto que acabam passando batidos pelas crianças. Há detalhes que conseguem colocar a animação um pouco acima da média, principalmente pelas suas sequências de ação (a corrida de máquinas de cortar é uma boa sacada), além do exotismo da trama se desenrolar em jardins domésticos e ter como personagens anões de jardim. A trilha sonora, composta basicamente por canções clássicas de Elton John, é outro ponto positivo de “Gnomeu e Julieta”. No mais, entretanto, navega-se em águas tranqüilas até demais, com o traço gráfico apresentando uma qualidade artística apenas regular (é eficiente, mas longe de ser brilhante), aliada a uma certa mesmice na caracterização de situações e personagens, com direito, inclusive, a indefectível seqüência final em que todas as figuras do filme ficam dançando. Ou seja, engraçadinho e anódino...
sexta-feira, março 18, 2011
Esposa de Mentirinha, de Dennis Dugan *1/2
Em “Ta Rindo do Quê?” (2009), Adam Sandler vivia o papel de um comediante veterano e famoso que se notabilizara como astro em comédias cretinas e que se descobria com câncer, o que fazia com que ele fosse obrigado a realizar uma reflexão sobre a sua vida e a sua arte. O tom do filme era do humor amargo, e de certa forma dava a impressão configurar uma espécie de espelho das escolhas artísticas do próprio Sandler. Assim, não deixa de ser irônico que um dos trabalhos posteriores dele seja justamente esse “Esposa de Mentirinha” (2011), mais uma produção medíocre que entra para a conta do ator. O filme parece obedecer a um padrão de uma linha de montagem que Sandler vem se especializando: a de comédias familiares em que ele faz um cara meio cafajeste e conquistador que se mete em determinado caso de mal entendido e acaba recebendo lições de vida de algum coadjuvante (geralmente uma criança engraçadinha). O problema em “Esposa de Mentirinha” nem é tanto o seu aspecto formulaico ou a cretinice de algumas seqüências, mas sim a aparente falta de convicção da obra em se assumir dentro do seu gênero. Os momentos de escrachos são encenados tão no piloto automático que parecem revelar até um certo constrangimento por parte de Sandler em estar fazendo parte da produção. E o lado dramático é tão caricatural e meloso que nem dá para considerar digno de nota. No cômputo geral, mesmo dentro do padrão de Sandler, o filme é decepcionante, até porque o ator já vinha de uma parceria bem sucedida com o diretor Dennis Dugan no bom “Gente Grande” (2010).
quinta-feira, março 17, 2011
Restrepo, de Sebastian Junger e Tim Hetherington ***
O formato de “Restrepo” (2010) pode provocar a presunção de que tal documentário tenha uma intenção muito mais jornalística do que propriamente cinematográfica ao combinar as filmagens “in loco” de um pelotão do exército dos Estados Unidos em combate em uma região do Afeganistão contra guerrilheiros talebans com depoimentos em estúdio dos soldados do referido pelotão. O fato do filme ser produzido pela National Geographic acentua ainda mais esse aspecto de uma grande reportagem. Ocorre, entretanto, que boa parte dos méritos de “Restrepo” não se concentra somente em sua parte temática. O impacto das sequências de combate impressiona pelo seu registro cru e brutal, por mais que a câmera fique tremendo com relativa constância (o que é muito natural, afinal, as filmagens se dão em plena guerra real). Os diretores Sebastian Junger e Tim Hetherington também conseguem captar fortes nuances dramáticas nos momentos de “calmaria” dos militares, principalmente quando eles são obrigados a buscar uma convivência harmoniosa, na medida do possível, com os moradores do lugarejo localizado na região onde se travam as batalhas. Mas como conseguir estabelecer uma relação amistosa quando mulheres e crianças nativas são mortas no fogo cruzado? É fascinante ainda em “Restrepo” a forma com que os “vilões” do filmes são caracterizados – em nenhum momento conseguimos vê-los efetivamente, é quase como se os talebans fossem uma força invisível e sobrenatural incrustada na floresta em que se escondem. Essa caracterização espontânea de uma desconhecida força da natureza remete muito ao conceito do temor do homem branco ocidental perante uma natureza agressiva e misteriosa, tão presente, por exemplo, na literatura de Joseph Conrad e, por tabela, no clássico do cinema de guerra “Apocalypse Now” (1979).
quarta-feira, março 16, 2011
Rango, de Gore Verbinski ***1/2
Em animações recentes, o uso de referências e citações a clássicos do cinema é uma prática recorrente. Em “Rango” (2011), entretanto, tal recurso acaba ganhando uma dimensão diferenciada. O filme de Gore Verbinski é uma verdadeira declaração de amor ao gênero do spaghetti western, com o roteiro emulando detalhes da trama de “Era Uma Vez no Oeste”, incluindo ainda a recriação de enquadramentos típicos de produções dirigidas por Sergio Leone e outros maneirismos característicos do saudoso cineasta italiano. A fotografia impressiona também pela beleza de paisagens áridas, cortesia da colaboração com Roger Deakins, parceiro dos Irmãos Coen na concepção dos faroestes outonais “Onde Os Fracos Não Têm Vez” (2007) e “Bravura Indômita” (2010). A figura do protagonista Rango remete ao pistoleiro misterioso encarnado por Clint Eastwood na clássica trilogia spaghetti de Leone. Na verdade, aparece a própria versão animada de Eastwood como o Espírito do Oeste. A composição visual dos demais personagens antropomorfizados de “Rango” é outro achado criativo, pois são vividos por animais não exatamente “fofinhos” (cobras, lagartos, toupeiras, porcos-espinhos, corujas, tartarugas, tatus); na verdade, beiram o asqueroso, o que se mostra em perfeita sintonia com a proposta da animação.
Apesar de essencialmente ter como centro de suas homenagens as produções de spaghetti western, “Rango” ainda se permite a aventurar em outros gêneros. A seqüência em que o personagem principal e seus companheiros enfrentam um bando de toupeiras “pilotando” morcegos se dá aos moldes do clássico ataque de helicópteros em “Apocalipse Now” (1979) – não à toa, há a utilização de “A Cavalgada das Valquírias” de Richard Wagner como tema musical. Nuances do roteiro também trazem lembranças das intrincadas jogadas criminosas de “Chinatown” (1974). E é claro que não dá para esquecer o momento em que aparece o próprio Hunter Thompson no meio de seu delírio gonzo em “Medo e Delírio em Las Vegas” (1998). No final das contas, é bastante provável que cinéfilos velhos de guerra vão curtir muito mais “Rango” do que o inocente público infantil...
Apesar de essencialmente ter como centro de suas homenagens as produções de spaghetti western, “Rango” ainda se permite a aventurar em outros gêneros. A seqüência em que o personagem principal e seus companheiros enfrentam um bando de toupeiras “pilotando” morcegos se dá aos moldes do clássico ataque de helicópteros em “Apocalipse Now” (1979) – não à toa, há a utilização de “A Cavalgada das Valquírias” de Richard Wagner como tema musical. Nuances do roteiro também trazem lembranças das intrincadas jogadas criminosas de “Chinatown” (1974). E é claro que não dá para esquecer o momento em que aparece o próprio Hunter Thompson no meio de seu delírio gonzo em “Medo e Delírio em Las Vegas” (1998). No final das contas, é bastante provável que cinéfilos velhos de guerra vão curtir muito mais “Rango” do que o inocente público infantil...
terça-feira, março 15, 2011
Bruna Surfistinha, de Marcus Baldini **1/2
O fenômeno Bruna Surfistinha, no que diz respeito ao seu aspecto comportamental, talvez configure uma situação emblemática, um elemento do nosso zeitgeist (para usar termo bastante em voga). Já a versão cinematográfica das aventuras da mocinha, definitivamente, está mais para um exercício voyerístico do que para possíveis análises reflexivas. O olhar do diretor Marcus Baldini apresenta uma queda para o exploitation – por mais que encene alguns draminhas de consciência da protagonista, o seu forte está mesmo no caráter apelativo ao mostrar a nudez de Deborah Secco e as infinitas transas de Surfistinha. Há de se convir, entretanto, que em tais momentos de sacanagem Baldini realiza suas tomadas com convicção. “Bruna Surfistinha” (2011) apresenta sequências que chegam a serem perturbadoras no sentido de estabelecer atmosferas que oscilam entre o sensual e o grotesco, apresentando uma dicotomia entre a atração e a repulsa. Isso acaba entrando em sintonia com a sua estrutura narrativa convencional, no manjado estilo “ascensão, apogeu e queda” de sua personagem principal. Mesmo que superficial como desenvolvimento de trama e personagens, tais escolhas formais acabam dando uma certa dimensão vertiginosa e épica em situações que vão de apoteótica festa no apartamento de luxo de Surfistinha no seu apogeu econômico até o ponto mais baixo de sua “carreira” onde faz sucessivos programas a 20 reais numa birosca mais que bagaceira. É de se destacar ainda a performance dramática de Secco. Ela não é uma intérprete muito expressiva, mas é inegável sua forte presença de cena, evoluindo com considerável naturalidade de um registro meio inocente e desengonçado para o estilo mulherão vulgar.
O grande problema de “Bruna Surfistinha” como experiência cinematográfica é a sua origem literária, que acaba se tornando uma espécie de herança maldita para o filme. A narração em off de Deborah Secco é excessiva e com um texto qualidade artística mais que duvidosa, tendo a necessidade constante de explicar com detalhes para o espectador as atitudes de Surfistinha. É provável que se Baldini tivesse dispensado esse recurso o impacto de sua narrativa seria muito maior, pois daria um poder mais sugestivo para as imagens.
De qualquer forma, mesmo estando longe de ter um padrão de qualidade inquestionável, “Bruna Surfistinha” acaba se revelando mais do que um mero exercício de marketing barato.
O grande problema de “Bruna Surfistinha” como experiência cinematográfica é a sua origem literária, que acaba se tornando uma espécie de herança maldita para o filme. A narração em off de Deborah Secco é excessiva e com um texto qualidade artística mais que duvidosa, tendo a necessidade constante de explicar com detalhes para o espectador as atitudes de Surfistinha. É provável que se Baldini tivesse dispensado esse recurso o impacto de sua narrativa seria muito maior, pois daria um poder mais sugestivo para as imagens.
De qualquer forma, mesmo estando longe de ter um padrão de qualidade inquestionável, “Bruna Surfistinha” acaba se revelando mais do que um mero exercício de marketing barato.
segunda-feira, março 14, 2011
Trabalho Interno, de Charles Fergunson ***1/2
Se em “Capitalismo: Uma História de Amor” (2009) Michael Moore mostrava um olhar atônito sobre a crise econômica mundial que eclodiu em 2008 e suas conseqüências na sociedade norte-americana, em “Trabalho Interno” (2010) as intenções são mais ambiciosas. Utilizando uma linguagem técnica para falar de conceitos econômicos, e que pode até soar hermética para não iniciados, o diretor Charles Fergunson busca explicitar com detalhes todas as causas que levaram os mercados financeiros de vários países ao colapso. O espectador é bombardeado com uma série de dados históricos, explicações e imagens repleta de siglas e números infindáveis. É provável que não se apreenda tais noções em sua totalidade, mas a dinâmica narrativa do documentário torna palatável essa quantidade imensa de informações, fazendo com que o filme não caia em um caráter meramente didático.
Assim como Moore, Fergunson dispõe de truques eficientes na composição humana de “Trabalho Interno”. Dessa forma, os depoimentos assépticos e de tom impessoal de alguns dos principais responsáveis pela quebradeira geral do sistema financeiro se contrapõem de forma chocante com o resultado social de tal episódio, assim como as entrevistas com teóricos renomados mostram como tal tragédia poderia ter sido evitada. É claro que ao abusar de tais expedientes, Fergunson cai em certos maniqueísmos, caracterizando sua temática pela divisão de pólos entre malvados e suas vítimas. Obviamente, muitas pessoas foram ludibriadas pelas regras econômicas e financeiras que provocaram a crise, mas tal crise também é fruto de todo um sistema de valores sociais, culturais e educacionais típicos de uma comunidade ocidental capitalista. Fergunson crítica os tubarões de Wall Street e da Casa Branca, mas não questiona o sistema que gera esse tipo de gente.
Apesar deste posicionamento ideológico discutível, “Trabalho Interno” não deixa de ser um feito considerável no gênero documental ao conseguir combinar de forma satisfatória um rebuscado trabalho formal de montagem e fotografia com um lado temático de conscientização de sua platéia.
Assim como Moore, Fergunson dispõe de truques eficientes na composição humana de “Trabalho Interno”. Dessa forma, os depoimentos assépticos e de tom impessoal de alguns dos principais responsáveis pela quebradeira geral do sistema financeiro se contrapõem de forma chocante com o resultado social de tal episódio, assim como as entrevistas com teóricos renomados mostram como tal tragédia poderia ter sido evitada. É claro que ao abusar de tais expedientes, Fergunson cai em certos maniqueísmos, caracterizando sua temática pela divisão de pólos entre malvados e suas vítimas. Obviamente, muitas pessoas foram ludibriadas pelas regras econômicas e financeiras que provocaram a crise, mas tal crise também é fruto de todo um sistema de valores sociais, culturais e educacionais típicos de uma comunidade ocidental capitalista. Fergunson crítica os tubarões de Wall Street e da Casa Branca, mas não questiona o sistema que gera esse tipo de gente.
Apesar deste posicionamento ideológico discutível, “Trabalho Interno” não deixa de ser um feito considerável no gênero documental ao conseguir combinar de forma satisfatória um rebuscado trabalho formal de montagem e fotografia com um lado temático de conscientização de sua platéia.
sexta-feira, março 11, 2011
Terra Deu, Terra Come, de Rodrigo Siqueira ***
Os limites entre a realidade e o imaginário dentro do formato documental receberam abordagens diversas em obras como “Jogo de Cena” (2007) e “Dzi Croquetes” (2009). Em “Terra Deu, Terra Come” (2010), tais fronteiras voltam a serem exploradas com resultados por vezes desconcertantes. O diretor Rodrigo Siqueira faz um registro pouco convencional sobre o cotidiano e o imaginário de um pequeno vilarejo no sertão mineiro, centrando com destaque nas delirantes concepções sobre a morte dos nativos da região. A figura de Pedro de Alexina, algo entre o sábio e o delirante, serve como guia para Siqueira e o espectador tentarem compreender uma cultura aparentemente exótica para a ótica urbana, mas que na verdade também se revela como síntese das diversas influências religiosas que impregnam o Brasil. Apesar de documentarista, Siqueira se mostra insatisfeito em usar apenas fatos para ilustrar seu filme. Assim, parte para uma experiência estética em que a encenação por parte dos membros do vilarejo é um recurso explorado sem cerimônia para nos revelar um mundo em que a subjetividade do olhar é o elemento mais primordial. Fazer aquelas pessoas interpretarem a si mesmas e os seus costumes não é uma simples redução artificial, mas também um questionamento sobre a obrigação dos documentários apenas registrarem o real para atingirem seus objetivos de uma pretensa “verossimilhança”. No final das contas, a fidelidade de Siqueira não é com o verossímil, mas com as ricas impressões pessoais de seus “personagens” perante o mundo que os cerca.
quinta-feira, março 10, 2011
Um Lugar Qualquer, de Sofia Coppola ***
O fato de carregar um sobrenome tão emblemático para a história do cinema não passaria incólume para Sofia Coppola. Talvez pela influência paterna, em qualquer um de seus filmes pode-se perceber que ela sabe o que fazer com uma câmera. “Um Lugar Qualquer” (2010), entretanto, sugere que as influências da cineasta também se originam de outras fontes fundamentais, principalmente de Michelangelo Antonioni e Jim Jamursh. Do autor italiano, há aquele gosto por um intimismo existencialista que se configura em longos e silenciosos planos que buscam certo distanciamento emocional ao evidenciarem o vazio espiritual de seus personagens – com destaque, é claro, para o protagonista Johnny Marco (Stephen Dorff em atuação em que parece não estar interpretando, mas apenas sendo ele mesmo, o que acaba resultando em uma caracterização eficiente). De Jamursh, a pequena Coppola mimetiza o humor minimalista e árido extraído de situações ora dramáticas ora quase ridículas.
Apesar de todas estas refinadas referências, “Um Lugar Qualquer” acaba apresentando uma narrativa irregular ao buscar um excesso de sutileza e simbologia que no final das contas nem está em sintonia com a própria encenação elaborada por Sophia. Desde o início do filme está mais que evidente que Johnny Marco é um astro do cinema afogado em hedonismo fácil regado a álcool, sexo e luxo. Ao passar uns dias com sua filha Cleo (Elle Faning), percebe que sua vida carece de sentido mais substancial. É provável que o desejo de Sophia ao retratar Johnny de maneira letárgica em meio a sexo com beldades, stripteases exóticos, porres e ressacas intermináveis era buscar um proposital registro desapaixonado, o que faria com que o espectador visse os fatos pelo olhar entediado e sem perspectivas do protagonista. Esta frieza no filmar, todavia, acaba empalidecendo a própria ação do filme, tornando-o amorfo em alguns momentos.
Ainda que apresente tais problemas, é claro que “Um Lugar Qualquer” está muito longe de ser considerado um filme ruim. Apesar do excesso de planos estáticos, alguns deles apresentam enquadramentos que beiram o poético. E quando Cleo está em cena, a produção ganha uma vivacidade envolvente – as seqüências dela com Johnny fazendo brincadeiras pueris na piscina ou jogando videogame são particularmente memoráveis. Além disso, Sofia preserva o seu bom gosto na escolha e inserção de canções rock/pop em cenas marcantes. São tais virtudes que fazem com que “Um Lugar Qualquer” tenha um saldo geral decepcionante. Ficamos sempre com aquela impressão de que poderia ter sido muito melhor.
Apesar de todas estas refinadas referências, “Um Lugar Qualquer” acaba apresentando uma narrativa irregular ao buscar um excesso de sutileza e simbologia que no final das contas nem está em sintonia com a própria encenação elaborada por Sophia. Desde o início do filme está mais que evidente que Johnny Marco é um astro do cinema afogado em hedonismo fácil regado a álcool, sexo e luxo. Ao passar uns dias com sua filha Cleo (Elle Faning), percebe que sua vida carece de sentido mais substancial. É provável que o desejo de Sophia ao retratar Johnny de maneira letárgica em meio a sexo com beldades, stripteases exóticos, porres e ressacas intermináveis era buscar um proposital registro desapaixonado, o que faria com que o espectador visse os fatos pelo olhar entediado e sem perspectivas do protagonista. Esta frieza no filmar, todavia, acaba empalidecendo a própria ação do filme, tornando-o amorfo em alguns momentos.
Ainda que apresente tais problemas, é claro que “Um Lugar Qualquer” está muito longe de ser considerado um filme ruim. Apesar do excesso de planos estáticos, alguns deles apresentam enquadramentos que beiram o poético. E quando Cleo está em cena, a produção ganha uma vivacidade envolvente – as seqüências dela com Johnny fazendo brincadeiras pueris na piscina ou jogando videogame são particularmente memoráveis. Além disso, Sofia preserva o seu bom gosto na escolha e inserção de canções rock/pop em cenas marcantes. São tais virtudes que fazem com que “Um Lugar Qualquer” tenha um saldo geral decepcionante. Ficamos sempre com aquela impressão de que poderia ter sido muito melhor.
quarta-feira, março 09, 2011
Besouro Verde, de Michel Gondry ***1/2
Esta adaptação cinematográfica das aventuras do Besouro Verde tem origem um tanto bastarda. Afinal, trata-se de um personagem relativamente obscuro dentro do universo pop, tanto que é normal haver confusão em saber de que mídia afinal ele se originou – pelo que eu sei, as primeiras histórias do combatente esmeralda do crime apareceram num seriado televisivo dos anos 60. A partir daí, houve versões para outros meios, principalmente os quadrinhos. Assim, o fato de não se tratar de uma figura tão tradicional do imaginário popular possibilitou esta excêntrica diversão que representa “Besouro Verde” (2011). Para começar, o roteiro de Seth Rogen (que também interpreta o personagem-título) e Evan Goldberg, a mesma dupla que escreveu a trama do ótimo “Superbad” (2007), faz uma esperta síntese entre uma comicidade escrachada contemporânea e o tom camp do seriado televisivo sessentista. Essa linha temática encontra o complemento adequado na direção surreal de Michel Gondry. Céticos podem achar que o autoral cineasta francês tenha embarcado no projeto apenas pela grana, mas o resultado final do filme revela bastante dos maneirismos típicos de Gondry. A forma com que os efeitos especiais se integram na narrativa remete a um insano estilo cartunesco, o que fica ainda mais acentuado pela atmosfera sombria e violenta que permeia em algumas sequências (o que acaba causando um contraste desconcertante com o aludido bom humor da ótica de Rogen e Goldberg). As cenas de ação de “Besouro Verde”, em particular, representam um pequeno achado – confesso que não sou um admirador daquelas tomadas em câmera lenta estilo “comercial de sabonete” de Zack Snyder nos sofríveis “300” (2007) e “Watchmen” (2009), mas no filme de Gondry tais tomadas que beiram o estático ganham uma dimensão criativa muito mais intrigante, principalmente pela proximidade existencial com a estética dos quadrinhos que se torna muito mais orgânica.
quinta-feira, março 03, 2011
Léo & Bia, de Oswaldo Montenegro *
Em termos teóricos, pensar na concepção formal de “Léo & Bia” (2010) poderia gerar interesse em relação ao filme. Propondo-se como um exercício estético que investe nas conexões entre teatro e cinema, com direito a elementos de metalinguagem, a transposição para as telas da peça teatral de autoria do trovador Oswaldo Montenegro, também diretor do filme, acaba ficando muito aquém de suas intenções. A encenação da trama é marcada por excessiva empostação e pouca fluência narrativa, dando a impressão de puro teatro filmado. Talvez se a obra de dramaturgia que deu origem ao filme tivesse algum estofo dramático de peso poderia compensar os equívocos de sua transposição para o cinema, mas esse não é o caso aqui. As caracterizações dos personagens são bastante baseadas em estereótipos caricaturais e irritantes – eles não conseguem dialogar entre si com naturalidade, com suas falas caindo mais para os tons discursivos ou para citações engraçadinhas. A esquematização do roteiro é artificial demais, beirando um didatismo anacrônico na sua intenção de mostrar os conflitos da juventude no auge da ditadura militar brasileira, reinando uma incômoda atmosfera narcisista no retrato que Montenegro mostra de sua geração (ideia reforçada pela apresentação que Paloma Duarte faz no início da obra). Mas é aquela coisa: não sou grande apreciador das canções de Oswaldo Montenegro e nem vi a peça original nos anos 80. Assim, é provável que seus fãs desfrutem melhor da sua estreia como cineasta...
quarta-feira, março 02, 2011
Desconhecido, de Jaume Collet-Serra ***
A trama de “Desconhecido” (2011) é uma saudável miscelânea de referências de escapismo fantasioso que parecem vindas diretas de HQs e filmes B de espionagem, indo de amnésias improváveis até conspirações que beiram o inverossímel. O grande mérito do diretor Jaume Collet-Serra está em abraçar com convicção total essa série de elementos pouco críveis, oferecendo uma eficiente obra de ação e suspense. Na metade inicial de “Desconhecido”, Collet-Serra investe numa ambientação de tensão psicológica, evocando até uma leve atmosfera de delírio onde se duvida da própria sanidade do protagonista Martin Harris (Liam Neeson, cada vez mais assumindo o seu lado de herói durão). Ter como cenário uma cidade fria e sombria como Berlin contribui para o clima de mistério. Aos poucos, o roteiro adquire um tom mais direto de aventura, com direito a carros explodindo, tiros e muita porradaria. As revelações se tornam cada vez mais “quadrinhescas”, assim como a brutalidade em algumas cenas se acentua. Há uma seqüência em “Desconhecido”, entretanto, que revela uma sutileza inesperada no meio de tanta ação física que é aquela que traz o duelo por meio de diálogos dos personagens interpretados por Bruno Ganz e Frank Langella, dois veteranos peões de sujos jogos de poder que remetem à Guerra Fria, num extraordinário enfrentamento verbal recheado de subterfúgios e um elegante código de honra.
terça-feira, março 01, 2011
127 Horas, de Danny Boyle ***1/2
A cinematografia de Danny Boyle não é pautada por uma unidade temática, mas sim formal. Seus filmes são marcados por uma conjunção épica de imagem, som e fúria, abordagem essa que tanto pode se aplicar para uma saga de junkies em busca de drogas ou redenção (“Trainspotting”, 1996) quanto para um musical descabeladamente romântico derivado de Bollywood (“Quem Quer Ser Milionário”, 2008), ou até mesmo para um filme de zumbis (“Extermínio”, 2002). Em “127 Horas” (2010), o diretor aplica suas particulares concepções estéticas para o subgênero aventura de sobrevivência edificante e consegue preservar sua identidade autoral. Trabalhando quase que dentro do espaço limitado de um buraco e centrado na figura de um personagem, insere uma série de trucagens bem sacadas, indo da tela dividida até sutis variações de iluminação que ilustram os momentos delirantes e oníricos do protagonista, além de abusar de uma trilha musical apoteótica e frenética. O excesso de cortes pode até beirar o clipeiro, mas oferece um ritmo ágil à narrativa e condiz com o próprio espírito aventureiro Aron Ralston (James Franco em interpretação que oscila muito bem entre o sereno e o over). Os radicais provavelmente implicarão com o luminoso final feliz e os velhos fundamentos dos filmes baseados em fatos reais (com direito a letreiro dizendo como tudo acabou bem para todos), mas a verdade é que Boyle conseguiu envenenar com criatividade algumas gastas ortodoxias do cinema norte-americano.
Assinar:
Postagens (Atom)