Reparem nas linhas gerais da progressão da trama de “Ouija –
O jogo dos espíritos” (2014): a protagonista Laine (Olivia Cooke) se sente
assombrada pelo fantasma de uma amiga, decide contatá-la através do jogo do título
na casa em que a falecida morava, acaba despertando espíritos malignos que
perseguem a ela e seus amigos, alguns deles são enganados e mortos, a
protagonista descobre que tais espíritos eram de pessoas que moravam na casa da
amiga morta e na conclusão há uma batalha épica para exorcizar todos esses
fantasmas. Ou seja, dá para sacar que é um roteiro bem manjado, o que por si só
não dá para dizer que seria uma garantia de ruindade para essa produção. O
problema maior, entretanto, é que o diretor Stiles White é tão mecânico e sem
inspiração ao acumular clichês temáticos e chavões formais que “Ouija” não vai
além de alguns sustos básicos e mequetrefes. Faltou uma condução de narrativa
mais sanguínea e uma estética mais ousada capazes de extrair alguma efetiva
tensão no meio de tantas obviedades.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
terça-feira, dezembro 30, 2014
segunda-feira, dezembro 29, 2014
Mommy, de Xavier Dolan ***1/2
Uma das coisas que mais impressiona no cineasta canadense
Xavier Dolan é a maturidade humanista das abordagens existenciais de seus filmes,
além do extraordinário vigor narrativo de tais produções. Isso já era evidente
em sua obra de estreia, “Eu matei a minha mãe?” (2009), lançado quando ele
tinha apenas 19 anos, e agora sua marca artística fica ainda mais indelével em “Mommy”
(2014). Assim como no seu debut, nesse filme mais recente a trama se concentra
num enfoque intimista e familiar, mas que também em seu subtexto traz uma visão
bastante coerente e ácida sobre as relações humanas no mundo moderno. A encenação
proposta por Dolan é um estranho misto entre atribulados embates físicos e sutis
nuances psicológicas. Dentro dessa complexa e intensa concepção formal/temática,
revela-se fundamental o esmerado trabalho de direção de atores com o trio
protagonista em composições dramáticas que variam com selvagem naturalismo
entre a contenção emocional e explosões de ira, alegria e sensualidade.
terça-feira, dezembro 23, 2014
Ultraje: Muito além, de Takeshi Kitano ***1/2
Takeshi Kitano fazendo continuação de um de seus filmes não é
algo exatamente habitual. Ainda mais de “Ultraje” (2010), um de seus melhores
trabalhos. “Ultraje: Muito além” (2010), a segunda parte da saga dos mafiosos
nipônicos, não tem a mesma intensidade formal da primeira produção, mas mesmo
assim é uma obra de peso que se coloca muito acima da média do que se faz no
cinema policial contemporâneo. Kitano se utiliza novamente de um roteiro de
variações mínimas, cujo mote principal está nas disputas brutais e insidiosas
entre clãs de criminosos. A força de suas concepções artísticas está na
construção de atmosferas secas e desoladas, na violência descarnada de algumas seqüências,
no extraordinário trabalho de composição cênica, na estranha ironia tipicamente
nipônica de Kitano. Tudo parece previsível na trama, mas mesmo assim o
espectador se sente surpreendido e atraído pelas noções perversas e trágicas
que escorrem de forma abundante da narrativa sangrenta engedrada pelo cineasta.
E a surpreendente conclusão do filme acentua a sensação de desconcerto, quando
num único ato brutal emana uma inesperada aura de conto moral.
segunda-feira, dezembro 22, 2014
O Hobbit: A batalha dos cinco exércitos, de Peter Jackson ***
Vi “O Hobbit: A batalha dos cinco exércitos” (2014) numa
projeção 3D HFR. Não costumo destacar nos meus comentários sobre filmes a
condição tecnológica na qual os assisti. Mas na produção em questão isso acaba
sendo inevitável. A tecnologia que mencionei dá uma impressão esquisita, de
como se estivéssemos vendo um filme no cinema com a textura de imagem de
televisão. Nessas condições, as trucagens digitais que grassam por praticamente
toda a metragem da obra de Peter Jackson não têm aquele realismo e naturalidade
que eram prementes tanto nos outros episódios da franquia quanto em toda a
trilogia de “O senhor dos anéis”. Por vezes, o resultado imagético aparenta muito
mais de um game do que de um filme propriamente dito. Ou seja, aquilo que vinha
sendo o grande mérito dos filmes anteriores, o formalismo rebuscado concebido
por Jackson, acaba não tendo o mesmo destaque. Ainda sim, é uma obra que dentro
do gênero da aventura cinematográfica consegue se colocar acima da média. Por
mais que o roteiro tenha seus excessos melodramáticos e chafurde em alguns
clichês épicos, a narrativa ainda é capaz de gerar tensão e mesmo encantar na
sua overdose de cabeças decepadas, construções ardendo em chamas, explosões e
corpos perfurados, além de alguns personagens apresentarem dimensão dramática e
construção psicológica mais acuradas. Ou seja, uma fantasia épica de um Peter
Jackson em entressafra tem mais estofo e substância que os “Percy Jackson” ou “Jogos
vorazes” da vida...
terça-feira, dezembro 09, 2014
Um homem misterioso, de Anton Corbjin ****
A vasta experiência do diretor Anton Corbjin como fotógrafo
se reflete de forma magnífica em seus filmes. “Um homem misterioso” (2010) é
uma prova indelével disso. As variações da trama são minimalistas, por vezes até
bastante previsíveis. A força
dessa produção está justamente na construção de atmosferas e na encenação
detalhista, que faz com que a obra tenha um clima de tensão permanente. O
subtexto é óbvio – quando o protagonista, o implacável matador de aluguel Jack
(George Clooney), entra em crise existencial e se apaixona, isso implica na sua
inexorável queda. Ainda sim, Corbjin estabelece um fatalismo perturbador,
fazendo com que “Um homem misterioso” ganhe a aura de uma tragédia clássica.
Para isso, o cineasta se vale de uma notável capacidade de composição de cena,
tanto em tomadas fixas cujos enquadramentos expressam uma força imagética memorável
quanto nas cenas de ação elegantemente coreografadas. A sobriedade da abordagem
emocional e a formalismo classudo concebidos por Corbjin fazem lembrar a produção
francesa “O samurai” (1967), uma das grandes obras-primas do gênero policial.
segunda-feira, dezembro 08, 2014
Meninos de Kichute, de Luca Amberg *
O gênero memorialista infantil, em que a trama se concentra
em episódios de infância de um protagonista, é bastante recorrente no cinema. E
pode parecer até um recurso manjado utilizar esse tipo de temática para ganhar
a simpatia das plateias. Isso não quer dizer, entretanto, que de vez em quando
não possa aparecer uma obra de relevância dentro do gênero, como é o caso do
recente e extraordinário “O verão do Skylab” (2011), obra singular na sua
combinação de narrativa fluente, roteiro bem amarrado, senso de humor afiado e
atmosfera encantadora. Nada disso aparece em “Meninos de Kichute” (2010) –
parece que o diretor Luca Amberg pensou que o simples fato de mostrar crianças
fazendo peraltices e dizendo umas bobagens seria capaz de fazer de sua obra
algo memorável. Não há vigor e inspiração na encenação proposta por Amberg,
apenas uma narrativa trôpega, cuja trama se revela um compêndio de lugares
comuns sem graça. Até a crítica que se faz a repressão religiosa no filme soa
mecânica e mal explorada. Poderia se dizer que por ser Amberg um diretor
estreante não daria para ser tão exigente com “Meninos de Kichute”, mas
Truffaut em seu longa de estréia, “Os incompreendidos” (1959), gerou uma
obra-prima sobre a infância e adolescência...
sexta-feira, dezembro 05, 2014
Os amigos, de Lina Chamie **
O documentário “São Silvestre” (2013), dirigido por Lina
Chamie, foi uma das mais gratas surpresas do cinema nacional nos últimos anos
na sua combinação de esporte, música e encenação insólita. Assim, “Os amigos”
(2013), outra recente obra de Chamie, acaba sendo uma decepção, tanto pela
comparação que se faz com a produção anterior quanto pelos seus supostos méritos
artísticos. É claro que se pode perceber uma louvável ambição artística da
cineasta ao estruturar sua narrativa aos moldes do clássico literário “A Odisséia”
de Homero dentro de uma ambientação moderna e urbana, além de rechear sua
encenação com toques intelectuais sofisticados, indo de boas escolhas nos temas
musicais e passando por referências literárias e teatrais. Chamie não se
contentou também com uma encenação naturalista, demonstrando ousadias estéticas
na utilização de trucagens visuais e desvios para o cinema fantástico. Na
realidade, entretanto, o excesso de pretensão e truques formais descamba para
uma narrativa afetada e truncada – pode-se eventualmente gostar de alguma
sacada cultural do filme, mas a demasia nos artifícios de linguagem poucas
vezes consegue efetivamente cativar o espectador, que pouco se sente envolvido
pelas situações e personagens da trama.
quinta-feira, dezembro 04, 2014
O pequeno fugitivo, de Morris Engel e Ruth Orkin ***1/2
Dizer que “O pequeno fugitivo” (1953) parece distante
daquilo que se faz atualmente no cinema pode até ser correto, mas também é
impreciso. Afinal, o filme em questão parece algo fora do tempo e espaço em
relação a qualquer época. A linguagem estética adotada pelos diretores Morris
Engel e Ruth Orkin encontra bastante ressonância naquele estilo de fotografia naturalista,
em que o preto-e-branco enfatizava um misto entre a simplicidade, o sórdido, o
excêntrico e o irônico no registro de tipos nada glamorosos dos grandes centros
urbanos. A estrutura narrativa engedrada por Engel e Orkin é marcada pela concisão
e eficiência – ao usar técnicas documentais na encenação de uma história
ficcional, eles conseguem a proeza de fazer uma estranha e fascinante síntese
entre a formatação naturalista e o inesperado tom fabular. Isso porque a trama é
perpassada em boa parte de sua duração pelo olhar infantil do protagonista Joey
(Richie Andrusco). Assim, aquilo que era para ter um caráter prosaico e
realista acaba ganhando uma estranha dimensão épica para o pequeno personagem
principal. Os jogos e brincadeiras em um parque e os passeios e recolhimento de
garrafas pela praia de Coney Island se transformam numa espécie de aventuras
grandiosas. O registro visual do filme acentua ainda mais tal impressão: poucas
vezes se viu no cinema ruas, objetos e prédios corriqueiros ganharem uma beleza
pictórica tão cativante. A expressiva trilha sonora, composta basicamente por
temas de melodias singelas levadas numa harmônica beirando o desafinado,
colabora ainda mais para essa percepção de uma obra idiossincrática e
atemporal.
quarta-feira, dezembro 03, 2014
Boyhood - Da infância à juventude, de Richard Linklater ***
O que mais impressiona em “Boyhood – Da infância à juventude”
(2014) não é o uso do recurso narrativo de usar os mesmos atores por mais de 10
anos para narrar a trajetória de amadurecimento de seus personagens. É claro
que isso dá um peso dramático na composição de situações e personagens, mas o
que pega mesmo no filme é que por trás da história de caráter intimista e
realista da produção há um rico subtexto político e cultural que faz um raio x
arguto da sociedade norte-americana contemporânea. Nesse sentido, há grande mérito
por parte do diretor Richard Linklater em não cair, pelo menos em boa parte do
filme, em maniqueísmos ou visões simplórias ao trazer à tona questões
complexas. Por mais que Mason (Ellar Coltrane) seja o protagonista de “Boyhood”,
é a totalidade de sua família (ele, pai, mãe e irmã) que sintetiza aquilo que
Linklater quer evidenciar – liberais em termos políticos e ateus, representam o
oposto ao ideário conservador que Hollywood e a mídia ocidental gostar de propagar
como modelo. Apesar disso, sentem necessidade de se adequar a certos valores e
convenções para poderem sobreviver, ainda que quebrem a cara com isso por vezes
(o fato da mãe casar duas vezes com homens aparentemente respeitáveis, um
professor e um policial, mas que se revelam bêbados violentos é emblemático
disso). Tal concepção temática e textual da produção representa talvez o seu efetivo
lado transgressivo, em um discurso perturbador que desafia inclusive o ideal do
amor romântico. Essa crueza no expor as relações interpessoais bem como na
caracterização de determinadas passagens da trama deixa clara a forte carga humanista
da obra de Linklater.
Se “Boyhood” impressiona pelo seu subtexto, por outro lado
sua estrutura narrativa e formal não acompanha a sua ousadia temática. Não há
grandes arroubos estéticos por parte de Linklater e é provável que essa nunca
tenha sido a sua intenção, pois o caráter de uma ambientação sóbria e
naturalista de um cotidiano familiar/social não exigiria barroquismos ou
estilizações. Ocorre, entretanto, que o próprio Linklater já provou que é possível
conciliar um roteiro de talhe realista com uma narrativa criativa em termos
formais na sensacional trilogia “Antes do amanhecer” (1995), “Antes do pôr-do-sol”
(2004) e “Antes da meia-noite” (2013). Além disso, o cineasta se rende em
alguns momentos a alguns incômodos truques melodramáticos que tiram a fluência
da narrativa.
Os senões que se pode fazer a “Boyhood” são frustrantes em
relação às expectativas positivas que se tinha em relação ao filme. Ainda sim,
é o tipo de obra que traz tantos elementos intrigantes que acaba permanecendo
na mente de quem a assistiu por um bom tempo, fazendo do filme de Linklater um
trabalho memorável como poucos.
terça-feira, dezembro 02, 2014
Tim Maia, de Mauro Lima 1/2 (meia estrela)
Logo após sair da sala onde assisti à “Tim Maia” (2013) ouvi
alguns comentários de pessoas que também viram o filme em questão, sendo que um
deles se destacou para mim: “Como alguém pôde desperdiçar a vida assim?”. Daí
eu é que me indaguei mentalmente: mas como falar em desperdiçar a vida em relação
a um homem que gravou, no mínimo, oito discos fundamentais para a música
brasileira, além de ser um dos maiores intérpretes de nosso cancioneiro? Mas
tal percepção acaba se justificando diante do equívoco que representa a
cinebiografia dirigida por Mauro Lima. Durante a longuíssima duração de tal
produção, o que mais se vê é o “homenageado” abusando de drogas e comida e
sendo repreendido com lições de morais e de vida por parte de parente, amigos e
namoradas. De vez em quando, sobra um espaço para mostrar que o cara também
compunha e cantava... Ou seja, o filme tem um repugnante caráter moralista e
arrogante, parecendo julgar a todo momento o comportamento errático de Tim Maia
e reduzindo a sua vida ao cotidiano de um junkie qualquer. Essa medíocre visão
temática da obra se estende para a própria concepção estética perpetrada por
Lima – encenação engessada, direção de arte primária, interpretações
caricaturais, roteiro incapaz de desenvolver situações e personagens. No geral,
“Tim Maia” mais parece, na realidade, um longo video clip musical mal dirigido
e com um subtexto tomado por infantilismos.
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