Ainda que marcada por alguns excessos melodramáticos, “Os
assassinos estão entre nós” (1946) é uma obra capaz de impressionar o
espectador contemporâneo, tanto na temática quanto nos seus aspectos formais. O
ano em que foi lançada é decisivo para compreensão de seus méritos. A 2ª Guerra
Mundial recém havia terminado. Surpreende que numa época em que as chagas do
conflito ainda eram tão presentes tenha aparecido um filme cuja trama é um
acerto de contas com a participação da sociedade alemã em alguns dos mais
hediondos atos da época do nazismo. O diretor Wolfgang Staudete consegue
sintetizar essa questão na figura de um simpático industriário, que no período
da guerra havia atuado como um oficial nazista responsável por atos de pura
barbárie. Aliado a esse incômodo roteiro, há uma orientação estética que remete
a muitos dos preceitos mais caros do expressionismo alemão, tanto no intenso
jogo de claros e escuros a ressaltar o tom sombrio do filme quanto numa encenação
marcada por um certo barroquismo exagerado – situada nas ruínas resultantes da
guerra, a ambientação evoca um clima de horror, acentuado ainda mais uma
atmosfera que oscila entre o realismo e o terror psicológico beirando o
delirante.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, outubro 26, 2012
quinta-feira, outubro 25, 2012
Eu tinha dezenove anos, de Konrad Wolf ****
Legítima pérola obscura não só do cinema germânico como do
mundial, “Eu tinha 19 anos” (1968) propõe uma linguagem formal audaciosa para
refletir sobre a ressaca moral da Alemanha diante das consequências do final da
2ª Guerra Mundial. Apesar de ser uma obra ficcional de cunho fortemente dramático,
por vezes o filme evoca um estilo frio e distanciado, principalmente pela direção
de fotografia e pela edição que enveredam pela estética documental. O resultado
dessa forma de filmar acaba tendo um efeito contundente sobre o espectador – o diretor
Konrad Wolf não busca a empatia sentimental, realçando mais a sensação de incômodo
e vergonha de um povo diante de um passado recente marcado por atitudes
monstruosas e trágicas. Mesmo quando a produção envereda para a ação envolvendo
algumas poucas batalhas campais, o registro visual é reflexivo; a violência de
tiros e mortes não é banalizada, com cada disparo de fuzis ressoando um
impressionante impacto sensorial. E se a 2ª Guerra Mundial foi um dos fatos
históricos que mais serviu como pano de fundo para produções cinematográficas
dos últimos 80, “Eu tinha dezenove anos” se apresenta como avis rara diante de
um gênero tão marcado pelas obviedades.
quarta-feira, outubro 24, 2012
O ditador, de Larry Charles ***1/2
Se em “Borat” (2007) e “Bruno” (2009) a parceria entre o
diretor Larry Charles e o ator Sacha Baron Cohen promovia uma ousada mistura
entre ficção e documentário, em “O ditador” (2012) eles abandonam essa
estrutura narrativa e investem numa trama puramente ficcional. Isso não quer
dizer, entretanto, que perderam a criatividade e a ironia ácida características
das produções anteriores. A narrativa farsesca oscila entre o grotesco e o
escatológico ao expor sem cerimônias os preconceitos e contradições da
sociedade ocidental. Por vezes, o filme até brinca com uma certa concepção
formal mais tosca, num registro estético que beira o documental, como se
sugerisse que estivéssemos vendo uma grande reportagem. A brincadeira com
estereótipos grosseiros de racismo e obscurantismo junto a um estilo de
narrativa que parece ter um tom aleatório aos poucos revelam uma arguta coerência
artística da obra. Os questionamentos levantados pelo filme, observados com uma
olhar mais clínico, revelam até uma sutileza a expor dilemas complexos do
panorama político mundial. E por mais que busque o riso do espectador, revela
amargura e perplexidade com os caminhos atuais da humanidade.
terça-feira, outubro 23, 2012
O vingador do futuro, de Len Wiseman **1/2
Vamos convencionar uma coisa: por mais que diretores,
produtores e atores tentem nos convencer que eles se envolvem em refilmagens
por razões artísticas, a verdade é que a grande maioria de tais “releituras” (e
até mesmo os tão falados reboots) tem por fim principal objetivos comerciais. O
que não é demérito ou surpresa: cinema, antes de tudo, é indústria... Encarando
por tal perspectiva é que se pode entender porque alguém ousaria fazer uma nova
versão, em pleno 2012, para “O vingador do futuro”, obra exemplar do gênero
ficção científica de aventura lançada em 1990, um filme que por si só não
precisaria ser melhorado em praticamente nada. Na comparação, a versão mais
recente dirigida por Len Wiseman não chega aos pés em termos de criatividade e
como narrativa da produção original comandada pelo holandês genial Paul
Verhoeven. Não há um astro carismático como Arnold Schwarzenegger como protagonista,
um vilão assustador como o mítico Michael Ironside e, principalmente, o senso
de humor perverso e violento estabelecido por Verhoeven. Se olharmos o filme de
Wiseman sem essa sombra de uma comparação pesada com um clássico, entretanto,
até pode-se perceber alguns detalhes expressivos como as interessantes
trucagens e direção de arte que lembram outros grandes filmes do gênero. Mas no
final das contas, acaba sendo muito pouco, numa visão que extrapola o simples
interesse mercantilista, para justificar uma pretensa recriação.
segunda-feira, outubro 22, 2012
Tudo que eu amo, de Jacek Borcuch ***
Uma obra mostrando fatos típicos no amadurecimento de um
adolescente, como as primeiras experiências sexuais e desilusões, não chega a
ser uma novidade no cinema. O que acaba fazendo com que uma obra como “Tudo que
eu amo” (2009) seja cativante e desperte o interesse das platéias é o estilo
sereno da direção de Jacek Borcuch e alguns detalhes particulares do contexto
histórico em que a trama de desenvolve. Focalizando um jovem vocalista de banda
punk na Polônia em 1981, marcado pelo auge das divergências entre o governo
comunista e o movimento do sindicato solidariedade, o filme estabelece uma
forte relação intrínseca entre o intimismo da vida pessoal de seu protagonista
com o conturbado momento político e social de seu país. A narrativa tem uma dinâmica
que oscila entre a melancolia, a tensão e o vigoroso. Nesse último quesito, são
antológicos os números musicais, tanto pela qualidade das canções quanto pelo
tom frenético das apresentações (altamente educativas para fãs de bandinhas emo
brasileiras saberem o que é punk rock).
sexta-feira, outubro 19, 2012
A tentação, de Mattwew Chapman *1/2
Filmes cuja intenção principal é divulgar alguma doutrina
religiosa não representam uma novidade. É só se prestar atenção na regularidade
com que aparecem em nossos cinemas produções de temática espírita ou católica.
Agora uma produção a defender de forma veemente o ateísmo não é algo que
aparece todo dia. E esse é o caso de “A tentação” (2011). A visão da obra sobre
a religiosidade é pouco lisonjeira – crenças serviriam apenas para estimular o
fanatismo e o obscurantismo, gerando infelicidade para os seus crentes.
Independente de concordar ou não com tal ótica, o que mais incomoda no filme é o
traço esquemático de sua narrativa, além da forma caricatural com que
caracteriza os seus “vilões”. A ideia central da possibilidade de transcendência
de um ser humano mesmo não tendo alguma religião é interessante, mas acaba
retratada de forma banal. Assim, no máximo, pode-se dizer que “A tentação”
desperta curiosidade pela sua temática inusitada, mas apenas por isso.
quinta-feira, outubro 18, 2012
A primeira coisa bela, de Paolo Virzi **1/2
Um dos tipos mais característicos de produções italianas são
aquelas comédias dramáticas que transitam sem cerimônia entre o sentimental, o
irônico e o sensual. “A primeira coisa bela” (2010) se mostra como um exemplar
razoável dessa linhagem. O filme do diretor Paolo Virzi tangencia algumas
complexidades, principalmente quando foca a personalidade do protagonista
Bruno (Valério Mastandrea), um professor quarentão desajustado e viciado em
drogas. Quando o roteiro parte para as explicações do comportamento de Bruno,
centra-se na figura de uma mãe amorosa e um tanto irresponsável. A narrativa
envereda na transição entre o presente e o passado de forma esquemática,
utilizando o manjado recurso de que a melhor compreensão do que ocorreu na
trajetória dos personagens fará com que no presente eles sejam pessoas
razoáveis. Apesar de suas simplificações temáticas e de um formalismo quadradão
que não o tornam uma experiência cinematográfica especialmente memorável, o
filme até cativa em alguns momentos por um certo caráter bonachão de
determinadas sequências.
quarta-feira, outubro 17, 2012
Aqui é o meu lugar, de Paolo Sorrentino ***1/2
Se em “O divo” (2008) o diretor italiano Paolo Sorrentino
investiu numa visceral mescla de thriller político e filme de máfia, em “Aqui é
o meu lugar” (2011) ele concebe uma obra de caráter mais contemplativo, repleta
de estranhos simbolismos. A insólita mistura de gêneros continua presente: há
elementos de road movie, toques de drama de guerra, por vezes uma atmosfera de
comédia agridoce (evocando algo das produções setentistas de Hal Ashby).
Acentuando ainda mais esse clima de estranheza, o fato do filme mostrar um rock
star aposentado possibilita uma série de referências à cultura rock. E que
acabam não sendo gratuitas: Cheyenne (Sean Penn) parece um misto de Robert
Smith e David Bowie, conectando duas linhagens importante na história do rock,
o gótico e o glam. Esses estilos são bastante ligados a conceitos como a
melancolia, o ridículo e a decadência, características essas que baseiam muitas
tanto atitudes de Cheyenne como situações do roteiro. Assim, por mais
esquisitos e improváveis que sejam os rumos da trama, há uma coerência na conexão
de elementos tão distintos. Sorrentino amarra tudo isso dentro de uma concepção
formal de certo rigor estético, privilegiando ora planos fixos, ora planos seqüências.
Sua abordagem emocional distanciada afasta seu filme do sentimentalismo fácil,
fazendo com que transite numa área nebulosa entre o solene e o irônico. Ainda
que não apresente a fúria criativa e épica de “O divo”, Sorrentino elabora em “Aqui
é o meu lugar” uma obra cativante e de forte cunho autoral.
terça-feira, outubro 16, 2012
Vou rifar meu coração, de Ana Rieper ***
Em um primeiro momento, pode-se pensar que Ana Rieper
enveredou em “Vou rifar meu coração” (2011) pelos caminhos tradicionais dos
documentários musicais que de forma habitual vêm aparecendo nos cinemas.
Afinal, canções e músicos vinculados ao gênero brega aparecem como fios
condutores da narrativa. Na essência, entretanto, a produção dirigida por
Rieper busca um objetivo mais nebuloso e complexo, querendo traçar uma espécie
de itinerário existencial dos descaminhos amorosos do povo brasileiro. A
concepção da cineasta é descarnada tanto no seu formalismo quanto no campo temático:
no filme não há uma preocupação em detalhar a biografia dos cantores ou
ressaltar sua importância (nem mesmo são colocadas legendas para identificação
dos artistas), com depoimentos deles e populares simplesmente jogados na tela
sem maiores cerimônias, assim como Rieper não se constrange em expor as
entranhas sentimentais de seus entrevistados sem medo de resvalar no ridículo
ou ofensivo. Nessa linha, o espectador envereda em um roteiro que abarca
sexualidade a flor da pele, homossexualismo, bigamia, adultério, prostituição e
um pouco de sordidez, mas sempre deixando brecha para mostrar que no meio de
tudo isso há sempre espaço para o amor. Para Rieper, nada ilustra melhor essa
montanha russa de emoções (que variam entre o emotivo, o perturbador ou o ridículo)
do que as letras derramadas das canções de Odair José, Agnaldo Timóteo, Wando
ou outro dos bardos focados em “Vou rifar meu coração”.
segunda-feira, outubro 15, 2012
O que eu mais desejo, de Hirokazu Kore-Eda ***1/2
O diretor japonês Hirokazu Kore-Eda trafega em um gênero que
beira o melodrama em “O que eu mais desejo” (2011). Com uma trama abordando
questões familiares, e ainda tendo como fio condutor da narrativa o olhar
infantil de uma dupla de irmãos, o filme se afasta do meramente sentimental. A
influência da percepção dos protagonistas faz
com que a produção adquira uma espécie de suave tensão entre o realismo e o viés
fabular/onírico. O roteiro não apresenta grandes viradas e nem maiores arroubos
dramáticos – sua preferência vai pelo registro discreto de pequenos atos do
cotidiano. Tal opção não é gratuita, pois reforça ainda mais a angústia dos
personagens principais pela reconciliação dos pais separados. O tom sereno da
narrativa evoca algo da cinematografia do mestre Yasujiro Ozu, apesar de
Kore-Eda não ter uma estética espartana tão rigorosa como Ozu. Essa aproximação
se concretiza na proposta temática sem concessões: por mais que se possa
comover e torcer pelo destino dos garotos, as resoluções dramáticas não apelam
para soluções fáceis, revelando uma coerência com a proposta autoral do
cineasta. Assim, ainda que não tenha a contundência criativa de “Depois da vida”
(1998) ou “Ninguém pode saber” (2004), “O que eu mais desejo” se mostra em
sintonia com o padrão autoral e artístico de Kore-Eda.
quinta-feira, outubro 11, 2012
Bel ami - O sedutor, de Declan Donnellan e Nick Ormerod **1/2
Seria equivocado dizer que uma adaptação cinematográfica de
uma obra literária como esse “Bel Ami – O sedutor” (2012) é bem sucedida apenas
pelo fato de trazer uma fotografia bonita, uma direção de arte requintada e uma
edição competente. Na verdade, tais atributos apenas configuram uma produção
agradável para as platéias em geral, mas incapaz de efetivamente de criar algum
atrito criativo que possa instigar o espectador. O que azeda o filme na
realidade, e o torna aquém do romance original de Guy de Maupassant, é a falta
de sintonia dos diretores Declan Donnellan e Nick Ormerod com aquilo que pode
ser considerado a essência real do livro. Pode-se perceber que há um
descompasso do texto, irônico e cruel, com a narrativa solene e as interpretações
do elenco, algo melodramáticas em excesso. Para aqueles interessados em algo
mais consistente na linha de combinação de filmes de época com adaptações de clássicos
da literatura, recomenda-se obras mais consistentes como “A época da inocência”
(1993) e “Orgulho e preconceito” (2005).
quarta-feira, outubro 10, 2012
O que esperar quando vocês está esperando, de Kirk Jones *1/2
Talvez a narrativa-mosaico, onde não existe um protagonista
definido (a maioria dos personagens são “principais”), seja o formato ideal
para genéricas comédias românticas na linha “água-com-açucar” edificante.
Afinal, com tantos personagens na trama não haveria a necessidade de desenvolvê-los
com alguma profundidade. Bastaria colocá-los vivenciando algum drama
corriqueiro e depois lhes dar o devido final feliz. “O que esperar quando você
está esperando” (2012) ilustra bem essa tendência. Sob o pretexto de focar as
delícias e agruras da maternidade/paternidade, o filme adota
uma postura de almanaque de conselhos e situações superficiais na intenção de
criar uma identificação com a platéia. A concepção formal do diretor Kirk Jones
é bastante limitada em termos criativos: direção de fotografia e edição estilo “comercial
de margarida” e atores e atrizes fotogênicos em interpretações no piloto automático.
É provável que agrade um público menos exigente, mas também é possível que fuja
logo da lembrança desse mesmo espectador.
terça-feira, outubro 09, 2012
Um verão escaldante, de Philippe Garrel **1/2
Os melhores momentos do cineasta francês Philippe Garrel
ocorrem quando ele envereda para o cinema de gêneros a partir de seu estilo
cerebral e retrô. O resultado configura obras instigantes e perturbadoras como o
policial “Inocência selvagem” (2001) e o horror “A fronteira da alvorada”
(2008). Quando Garrel enfoca exclusivamente o drama, como em “Os amantes
constantes” (2001), entretanto, acaba não se saindo tão bem. E esse parece ser
o caso de “Um verão escaldante” (2010). O cineasta consegue extrair uma
interessante química em seus atores, assim como estabelece uma direção de
elenco que se vale muito mais de um iconismo do que de profundidades psicológicas.
A fotografia evoca uma certa atmosfera atemporal, pelos seus tons esmaecidos,
provocando algum encanto estranho, ainda mais pela habitual abordagem emocional
distanciada do diretor. O que pega mal para o filme é que esses bons elementos
isolados não conseguem interagir de forma convincente devido à narrativa amorfa
estabelecida por Garrel. É como se ele se perdesse numa viagem estética nostálgica
e blasé da Nouvelle Vague – pode-se até sentir simpatia pelo estilo que lembra
algo agradável no universo do nosso imaginário cinematográfico, mas sua
inconsistência como obra acabada o joga no limbo do descartável.
segunda-feira, outubro 08, 2012
As idades do amor, de Giovanni Veronesi *
Assim como no recente “Para Roma com amor” (2012) de Woody
Allen, “As idades do amor” (2011) evoca aquelas típicas produções episódicas
italianas dos anos 60 e 70 que traziam um humor entre o escrachado e o picaresco.
Se o filme de Allen apresentava uma certa recriação irônica e particular de tal
gênero, neste filme do diretor Giovanni Veronesi a relação se encaixa de forma
vaga. É um filme asséptico e bem comportado, com um visual cartão postal. Na
realidade, vincula-se muito mais com comédias românticas norte-americanas
contemporâneas do que propriamente com a tradição cômica cinematográfica de seu
país. E desperta a indagação: será que Robert De Niro está tão necessitado de
grana para se meter em mais uma obra tão medíocre?
A guerra dos botões, de Yann Samuell ***
O livro “A guerra dos botões” é um clássico da literatura
infantil e já recebeu algumas versões para o cinema. Esta mais recente adaptação
(2011) não se propõe a uma visão radical em relação às obras anteriores. Claro,
alguns pequenos detalhes buscam uma atualização de leve, como o fato de ter uma
menina que adquire um tom mais ativo dentro dos conflitos entre dois grupos
rivais de crianças e adolescentes. Mas no cerne, o filme de Yann Samuell busca
uma saudável nostalgia, evocando uma época em que os infantes nem poderiam
supor que um dia existiria vídeo games ou internet. Isso não quer dizer que o
filme seja conservador. Significa que há apenas uma abordagem formal sem
estilizações ou tons sombrios. A fotografia é clara e luminosa, o registro da
ação dispensa a edição picotada ou outros
truques, o delineamento dos personagens não se atem a maiores profundidades
psicológicas (mas sem fazer com que eles não tenham um inegável carisma).
Samuell elabora com sensibilidade uma atmosfera equilibrada entre a comicidade
e a dramaticidade das situações, compondo uma obra em perfeita sintonia com a
forte tradição do cinema francês em propor uma visão diferenciada sobre a
juventude (a exemplo de título como “Os incompreendidos” e “O pequeno Nicolau”).
quarta-feira, outubro 03, 2012
Além da liberdade, de Luc Besson **1/2
Por mais longe que pudesse estar da unanimidade, a
cinematografia de Luc Besson sempre foi marcada na exploração de uma linguagem
estética que por vezes enveredava pela estilização e barroquismo exagerados. O
lado temático, por sua vez, não era o aspecto prioritário em sua concepção de
cinema. “Além da liberdade” (2011) nada contra a corrente dentro dessa lógica. É
claro que há um cuidado formal em termos de direção de arte e fotografia, mas o
foco principal do filme é a trama baseada em fatos reais, que retrata os
percalços de uma líder política em meio a ditadura na Birmânia. A reconstituição
de detalhes dessa luta da protagonista tem a
clara função panfletária de divulgar a sua causa. Tal intenção é nobre, e é mérito
de Besson a condução de uma narrativa longa (mais de duas horas) que até
consegue prender a atenção do espectador. No saldo final, entretanto, “Além da
liberdade” é frustrante pela ausência de maiores vôos criativos do cineasta:
podemos simpatizar com os ideais de sua heroína, mas praticamente não há cenas
que se fixem no nosso imaginário.
terça-feira, outubro 02, 2012
Batman - O cavaleiro das trevas ressurge, de Christopher Nolan **1/2
A trilogia concebida por Christopher Nolan para Batman
apresenta uma certa esquizofrenia em relação à abordagem de cada um dos filmes.
“Batman Begins” (2006) era tão sóbrio e contido que beirava a assepsia. Já “Batman
– O cavaleiro das trevas” (2008) era incrivelmente denso na construção psicológica
de seus personagens e situações, mas também enveredava para um thriller de ação
bastante movimentado. Não à toa, foi o melhor filme disparado da franquia de
Nolan. A conclusão da saga em “Batman – O cavaleiro das trevas ressurge” (2012)
é a negação dos filmes anteriores: é exagerado, desprovido de sutileza, com uma
dramaticidade derramada que beira o brega, repleto de personagens mal
caracterizados. É tão barulhento e frenético que chega até a hipnotizar o
espectador no seu turbilhão constante de mil coisas acontecendo ao mesmo tempo.
Se por um lado a platéia fica seduzida com o pandemônio de Nolan, logo após o
final do filme corre o risco de sentir um certo vazio. Fica-se com a sensação
de uma obra pensada e executada às pressas, muito distante das nuances
narrativas bem delineadas da segunda parte. É claro que o furor sentimental do
filme até tem uma certa conotação cativante.
Mas irrita ver um protagonista como Batman tão
estúpido e impulsivo (como é que lá pela metade do filme ele não percebeu que o
seu interesse romântico era a verdadeira vilã da trama? Por que ele,
enfraquecido e fora de forma, resolve procurar um Bane no auge do vigor físico
para enfrentá-lo num corpo-a-corpo suicida?) e trucagens digitais derivativas
em excesso. Diante desse quadro, um reboot para a franquia até não chega a ser
uma má idéia...
segunda-feira, outubro 01, 2012
Violeta vai para o céu, de Andrés Wood ***
Dentro do padrão habitual de cinebiografias, a produção chilena “Violeta
vai para o céu” (2011) surpreende por fugir de algumas obviedades narrativas. A
principal ousadia seria da mera recriação cronológica e linear dos fatos. O diretor
Andrés Wood pega situações importantes da vida da célebre cantora e compositora
Violeta Parra e os encadeia segundo uma lógica mais poética e simbólica do que histórica.
A forma com que monta narrativa parece refletir o próprio caos criativo e sentimental
que envolvia a sua protagonista. A montagem e a
fotografia também obedecem a essa concepção formal e temática de Wood, sugerindo
uma ótica mais sensorial e menos objetiva – é admirável, por exemplo, como os números
musicais se relacionam com episódios do roteiro. Nesses termos, o filme acaba sendo
revelador não só da intimidade da artista, mas também do seu particular processo
de composição e mesmo performático, evocando uma sintonia cultural e existencial
de Parra com a vida e a arte dos anônimos que habitam os grotões do Chile.
Colabora também para o impacto de “Violeta vai para o céu” a atuação de entrega
de Francisca Gavilán no papel principal.
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