sexta-feira, outubro 26, 2012

Os assassinos estão entre nós, de Wolfgang Staudte ***1/2


Ainda que marcada por alguns excessos melodramáticos, “Os assassinos estão entre nós” (1946) é uma obra capaz de impressionar o espectador contemporâneo, tanto na temática quanto nos seus aspectos formais. O ano em que foi lançada é decisivo para compreensão de seus méritos. A 2ª Guerra Mundial recém havia terminado. Surpreende que numa época em que as chagas do conflito ainda eram tão presentes tenha aparecido um filme cuja trama é um acerto de contas com a participação da sociedade alemã em alguns dos mais hediondos atos da época do nazismo. O diretor Wolfgang Staudete consegue sintetizar essa questão na figura de um simpático industriário, que no período da guerra havia atuado como um oficial nazista responsável por atos de pura barbárie. Aliado a esse incômodo roteiro, há uma orientação estética que remete a muitos dos preceitos mais caros do expressionismo alemão, tanto no intenso jogo de claros e escuros a ressaltar o tom sombrio do filme quanto numa encenação marcada por um certo barroquismo exagerado – situada nas ruínas resultantes da guerra, a ambientação evoca um clima de horror, acentuado ainda mais uma atmosfera que oscila entre o realismo e o terror psicológico beirando o delirante.

quinta-feira, outubro 25, 2012

Eu tinha dezenove anos, de Konrad Wolf ****


Legítima pérola obscura não só do cinema germânico como do mundial, “Eu tinha 19 anos” (1968) propõe uma linguagem formal audaciosa para refletir sobre a ressaca moral da Alemanha diante das consequências do final da 2ª Guerra Mundial. Apesar de ser uma obra ficcional de cunho fortemente dramático, por vezes o filme evoca um estilo frio e distanciado, principalmente pela direção de fotografia e pela edição que enveredam pela estética documental. O resultado dessa forma de filmar acaba tendo um efeito contundente sobre o espectador – o diretor Konrad Wolf não busca a empatia sentimental, realçando mais a sensação de incômodo e vergonha de um povo diante de um passado recente marcado por atitudes monstruosas e trágicas. Mesmo quando a produção envereda para a ação envolvendo algumas poucas batalhas campais, o registro visual é reflexivo; a violência de tiros e mortes não é banalizada, com cada disparo de fuzis ressoando um impressionante impacto sensorial. E se a 2ª Guerra Mundial foi um dos fatos históricos que mais serviu como pano de fundo para produções cinematográficas dos últimos 80, “Eu tinha dezenove anos” se apresenta como avis rara diante de um gênero tão marcado pelas obviedades.

quarta-feira, outubro 24, 2012

O ditador, de Larry Charles ***1/2


Se em “Borat” (2007) e “Bruno” (2009) a parceria entre o diretor Larry Charles e o ator Sacha Baron Cohen promovia uma ousada mistura entre ficção e documentário, em “O ditador” (2012) eles abandonam essa estrutura narrativa e investem numa trama puramente ficcional. Isso não quer dizer, entretanto, que perderam a criatividade e a ironia ácida características das produções anteriores. A narrativa farsesca oscila entre o grotesco e o escatológico ao expor sem cerimônias os preconceitos e contradições da sociedade ocidental. Por vezes, o filme até brinca com uma certa concepção formal mais tosca, num registro estético que beira o documental, como se sugerisse que estivéssemos vendo uma grande reportagem. A brincadeira com estereótipos grosseiros de racismo e obscurantismo junto a um estilo de narrativa que parece ter um tom aleatório aos poucos revelam uma arguta coerência artística da obra. Os questionamentos levantados pelo filme, observados com uma olhar mais clínico, revelam até uma sutileza a expor dilemas complexos do panorama político mundial. E por mais que busque o riso do espectador, revela amargura e perplexidade com os caminhos atuais da humanidade.

terça-feira, outubro 23, 2012

O vingador do futuro, de Len Wiseman **1/2


Vamos convencionar uma coisa: por mais que diretores, produtores e atores tentem nos convencer que eles se envolvem em refilmagens por razões artísticas, a verdade é que a grande maioria de tais “releituras” (e até mesmo os tão falados reboots) tem por fim principal objetivos comerciais. O que não é demérito ou surpresa: cinema, antes de tudo, é indústria... Encarando por tal perspectiva é que se pode entender porque alguém ousaria fazer uma nova versão, em pleno 2012, para “O vingador do futuro”, obra exemplar do gênero ficção científica de aventura lançada em 1990, um filme que por si só não precisaria ser melhorado em praticamente nada. Na comparação, a versão mais recente dirigida por Len Wiseman não chega aos pés em termos de criatividade e como narrativa da produção original comandada pelo holandês genial Paul Verhoeven. Não há um astro carismático como Arnold Schwarzenegger como protagonista, um vilão assustador como o mítico Michael Ironside e, principalmente, o senso de humor perverso e violento estabelecido por Verhoeven. Se olharmos o filme de Wiseman sem essa sombra de uma comparação pesada com um clássico, entretanto, até pode-se perceber alguns detalhes expressivos como as interessantes trucagens e direção de arte que lembram outros grandes filmes do gênero. Mas no final das contas, acaba sendo muito pouco, numa visão que extrapola o simples interesse mercantilista, para justificar uma pretensa recriação.

segunda-feira, outubro 22, 2012

Tudo que eu amo, de Jacek Borcuch ***


Uma obra mostrando fatos típicos no amadurecimento de um adolescente, como as primeiras experiências sexuais e desilusões, não chega a ser uma novidade no cinema. O que acaba fazendo com que uma obra como “Tudo que eu amo” (2009) seja cativante e desperte o interesse das platéias é o estilo sereno da direção de Jacek Borcuch e alguns detalhes particulares do contexto histórico em que a trama de desenvolve. Focalizando um jovem vocalista de banda punk na Polônia em 1981, marcado pelo auge das divergências entre o governo comunista e o movimento do sindicato solidariedade, o filme estabelece uma forte relação intrínseca entre o intimismo da vida pessoal de seu protagonista com o conturbado momento político e social de seu país. A narrativa tem uma dinâmica que oscila entre a melancolia, a tensão e o vigoroso. Nesse último quesito, são antológicos os números musicais, tanto pela qualidade das canções quanto pelo tom frenético das apresentações (altamente educativas para fãs de bandinhas emo brasileiras saberem o que é punk rock).

sexta-feira, outubro 19, 2012

A tentação, de Mattwew Chapman *1/2


Filmes cuja intenção principal é divulgar alguma doutrina religiosa não representam uma novidade. É só se prestar atenção na regularidade com que aparecem em nossos cinemas produções de temática espírita ou católica. Agora uma produção a defender de forma veemente o ateísmo não é algo que aparece todo dia. E esse é o caso de “A tentação” (2011). A visão da obra sobre a religiosidade é pouco lisonjeira – crenças serviriam apenas para estimular o fanatismo e o obscurantismo, gerando infelicidade para os seus crentes. Independente de concordar ou não com tal ótica, o que mais incomoda no filme é o traço esquemático de sua narrativa, além da forma caricatural com que caracteriza os seus “vilões”. A ideia central da possibilidade de transcendência de um ser humano mesmo não tendo alguma religião é interessante, mas acaba retratada de forma banal. Assim, no máximo, pode-se dizer que “A tentação” desperta curiosidade pela sua temática inusitada, mas apenas por isso.

quinta-feira, outubro 18, 2012

A primeira coisa bela, de Paolo Virzi **1/2


Um dos tipos mais característicos de produções italianas são aquelas comédias dramáticas que transitam sem cerimônia entre o sentimental, o irônico e o sensual. “A primeira coisa bela” (2010) se mostra como um exemplar razoável dessa linhagem. O filme do diretor Paolo Virzi tangencia algumas complexidades, principalmente quando foca a personalidade do protagonista Bruno (Valério Mastandrea), um professor quarentão desajustado e viciado em drogas. Quando o roteiro parte para as explicações do comportamento de Bruno, centra-se na figura de uma mãe amorosa e um tanto irresponsável. A narrativa envereda na transição entre o presente e o passado de forma esquemática, utilizando o manjado recurso de que a melhor compreensão do que ocorreu na trajetória dos personagens fará com que no presente eles sejam pessoas razoáveis. Apesar de suas simplificações temáticas e de um formalismo quadradão que não o tornam uma experiência cinematográfica especialmente memorável, o filme até cativa em alguns momentos por um certo caráter bonachão de determinadas sequências.

quarta-feira, outubro 17, 2012

Aqui é o meu lugar, de Paolo Sorrentino ***1/2


Se em “O divo” (2008) o diretor italiano Paolo Sorrentino investiu numa visceral mescla de thriller político e filme de máfia, em “Aqui é o meu lugar” (2011) ele concebe uma obra de caráter mais contemplativo, repleta de estranhos simbolismos. A insólita mistura de gêneros continua presente: há elementos de road movie, toques de drama de guerra, por vezes uma atmosfera de comédia agridoce (evocando algo das produções setentistas de Hal Ashby). Acentuando ainda mais esse clima de estranheza, o fato do filme mostrar um rock star aposentado possibilita uma série de referências à cultura rock. E que acabam não sendo gratuitas: Cheyenne (Sean Penn) parece um misto de Robert Smith e David Bowie, conectando duas linhagens importante na história do rock, o gótico e o glam. Esses estilos são bastante ligados a conceitos como a melancolia, o ridículo e a decadência, características essas que baseiam muitas tanto atitudes de Cheyenne como situações do roteiro. Assim, por mais esquisitos e improváveis que sejam os rumos da trama, há uma coerência na conexão de elementos tão distintos. Sorrentino amarra tudo isso dentro de uma concepção formal de certo rigor estético, privilegiando ora planos fixos, ora planos seqüências. Sua abordagem emocional distanciada afasta seu filme do sentimentalismo fácil, fazendo com que transite numa área nebulosa entre o solene e o irônico. Ainda que não apresente a fúria criativa e épica de “O divo”, Sorrentino elabora em “Aqui é o meu lugar” uma obra cativante e de forte cunho autoral.

terça-feira, outubro 16, 2012

Vou rifar meu coração, de Ana Rieper ***


Em um primeiro momento, pode-se pensar que Ana Rieper enveredou em “Vou rifar meu coração” (2011) pelos caminhos tradicionais dos documentários musicais que de forma habitual vêm aparecendo nos cinemas. Afinal, canções e músicos vinculados ao gênero brega aparecem como fios condutores da narrativa. Na essência, entretanto, a produção dirigida por Rieper busca um objetivo mais nebuloso e complexo, querendo traçar uma espécie de itinerário existencial dos descaminhos amorosos do povo brasileiro. A concepção da cineasta é descarnada tanto no seu formalismo quanto no campo temático: no filme não há uma preocupação em detalhar a biografia dos cantores ou ressaltar sua importância (nem mesmo são colocadas legendas para identificação dos artistas), com depoimentos deles e populares simplesmente jogados na tela sem maiores cerimônias, assim como Rieper não se constrange em expor as entranhas sentimentais de seus entrevistados sem medo de resvalar no ridículo ou ofensivo. Nessa linha, o espectador envereda em um roteiro que abarca sexualidade a flor da pele, homossexualismo, bigamia, adultério, prostituição e um pouco de sordidez, mas sempre deixando brecha para mostrar que no meio de tudo isso há sempre espaço para o amor. Para Rieper, nada ilustra melhor essa montanha russa de emoções (que variam entre o emotivo, o perturbador ou o ridículo) do que as letras derramadas das canções de Odair José, Agnaldo Timóteo, Wando ou outro dos bardos focados em “Vou rifar meu coração”.

segunda-feira, outubro 15, 2012

O que eu mais desejo, de Hirokazu Kore-Eda ***1/2


O diretor japonês Hirokazu Kore-Eda trafega em um gênero que beira o melodrama em “O que eu mais desejo” (2011). Com uma trama abordando questões familiares, e ainda tendo como fio condutor da narrativa o olhar infantil de uma dupla de irmãos, o filme se afasta do meramente sentimental. A influência da percepção dos protagonistas faz com que a produção adquira uma espécie de suave tensão entre o realismo e o viés fabular/onírico. O roteiro não apresenta grandes viradas e nem maiores arroubos dramáticos – sua preferência vai pelo registro discreto de pequenos atos do cotidiano. Tal opção não é gratuita, pois reforça ainda mais a angústia dos personagens principais pela reconciliação dos pais separados. O tom sereno da narrativa evoca algo da cinematografia do mestre Yasujiro Ozu, apesar de Kore-Eda não ter uma estética espartana tão rigorosa como Ozu. Essa aproximação se concretiza na proposta temática sem concessões: por mais que se possa comover e torcer pelo destino dos garotos, as resoluções dramáticas não apelam para soluções fáceis, revelando uma coerência com a proposta autoral do cineasta. Assim, ainda que não tenha a contundência criativa de “Depois da vida” (1998) ou “Ninguém pode saber” (2004), “O que eu mais desejo” se mostra em sintonia com o padrão autoral e artístico de Kore-Eda.

quinta-feira, outubro 11, 2012

Bel ami - O sedutor, de Declan Donnellan e Nick Ormerod **1/2


Seria equivocado dizer que uma adaptação cinematográfica de uma obra literária como esse “Bel Ami – O sedutor” (2012) é bem sucedida apenas pelo fato de trazer uma fotografia bonita, uma direção de arte requintada e uma edição competente. Na verdade, tais atributos apenas configuram uma produção agradável para as platéias em geral, mas incapaz de efetivamente de criar algum atrito criativo que possa instigar o espectador. O que azeda o filme na realidade, e o torna aquém do romance original de Guy de Maupassant, é a falta de sintonia dos diretores Declan Donnellan e Nick Ormerod com aquilo que pode ser considerado a essência real do livro. Pode-se perceber que há um descompasso do texto, irônico e cruel, com a narrativa solene e as interpretações do elenco, algo melodramáticas em excesso. Para aqueles interessados em algo mais consistente na linha de combinação de filmes de época com adaptações de clássicos da literatura, recomenda-se obras mais consistentes como “A época da inocência” (1993) e “Orgulho e preconceito” (2005).

quarta-feira, outubro 10, 2012

O que esperar quando vocês está esperando, de Kirk Jones *1/2


Talvez a narrativa-mosaico, onde não existe um protagonista definido (a maioria dos personagens são “principais”), seja o formato ideal para genéricas comédias românticas na linha “água-com-açucar” edificante. Afinal, com tantos personagens na trama não haveria a necessidade de desenvolvê-los com alguma profundidade. Bastaria colocá-los vivenciando algum drama corriqueiro e depois lhes dar o devido final feliz. “O que esperar quando você está esperando” (2012) ilustra bem essa tendência. Sob o pretexto de focar as delícias e agruras da maternidade/paternidade, o filme adota uma postura de almanaque de conselhos e situações superficiais na intenção de criar uma identificação com a platéia. A concepção formal do diretor Kirk Jones é bastante limitada em termos criativos: direção de fotografia e edição estilo “comercial de margarida” e atores e atrizes fotogênicos em interpretações no piloto automático. É provável que agrade um público menos exigente, mas também é possível que fuja logo da lembrança desse mesmo espectador.

terça-feira, outubro 09, 2012

Um verão escaldante, de Philippe Garrel **1/2


Os melhores momentos do cineasta francês Philippe Garrel ocorrem quando ele envereda para o cinema de gêneros a partir de seu estilo cerebral e retrô. O resultado configura obras instigantes e perturbadoras como o policial “Inocência selvagem” (2001) e o horror “A fronteira da alvorada” (2008). Quando Garrel enfoca exclusivamente o drama, como em “Os amantes constantes” (2001), entretanto, acaba não se saindo tão bem. E esse parece ser o caso de “Um verão escaldante” (2010). O cineasta consegue extrair uma interessante química em seus atores, assim como estabelece uma direção de elenco que se vale muito mais de um iconismo do que de profundidades psicológicas. A fotografia evoca uma certa atmosfera atemporal, pelos seus tons esmaecidos, provocando algum encanto estranho, ainda mais pela habitual abordagem emocional distanciada do diretor. O que pega mal para o filme é que esses bons elementos isolados não conseguem interagir de forma convincente devido à narrativa amorfa estabelecida por Garrel. É como se ele se perdesse numa viagem estética nostálgica e blasé da Nouvelle Vague – pode-se até sentir simpatia pelo estilo que lembra algo agradável no universo do nosso imaginário cinematográfico, mas sua inconsistência como obra acabada o joga no limbo do descartável.

segunda-feira, outubro 08, 2012

As idades do amor, de Giovanni Veronesi *


Assim como no recente “Para Roma com amor” (2012) de Woody Allen, “As idades do amor” (2011) evoca aquelas típicas produções episódicas italianas dos anos 60 e 70 que traziam um humor entre o escrachado e o picaresco. Se o filme de Allen apresentava uma certa recriação irônica e particular de tal gênero, neste filme do diretor Giovanni Veronesi a relação se encaixa de forma vaga. É um filme asséptico e bem comportado, com um visual cartão postal. Na realidade, vincula-se muito mais com comédias românticas norte-americanas contemporâneas do que propriamente com a tradição cômica cinematográfica de seu país. E desperta a indagação: será que Robert De Niro está tão necessitado de grana para se meter em mais uma obra tão medíocre?

A guerra dos botões, de Yann Samuell ***


O livro “A guerra dos botões” é um clássico da literatura infantil e já recebeu algumas versões para o cinema. Esta mais recente adaptação (2011) não se propõe a uma visão radical em relação às obras anteriores. Claro, alguns pequenos detalhes buscam uma atualização de leve, como o fato de ter uma menina que adquire um tom mais ativo dentro dos conflitos entre dois grupos rivais de crianças e adolescentes. Mas no cerne, o filme de Yann Samuell busca uma saudável nostalgia, evocando uma época em que os infantes nem poderiam supor que um dia existiria vídeo games ou internet. Isso não quer dizer que o filme seja conservador. Significa que há apenas uma abordagem formal sem estilizações ou tons sombrios. A fotografia é clara e luminosa, o registro da ação dispensa a edição picotada ou outros truques, o delineamento dos personagens não se atem a maiores profundidades psicológicas (mas sem fazer com que eles não tenham um inegável carisma). Samuell elabora com sensibilidade uma atmosfera equilibrada entre a comicidade e a dramaticidade das situações, compondo uma obra em perfeita sintonia com a forte tradição do cinema francês em propor uma visão diferenciada sobre a juventude (a exemplo de título como “Os incompreendidos” e “O pequeno Nicolau”).

quarta-feira, outubro 03, 2012

Além da liberdade, de Luc Besson **1/2


Por mais longe que pudesse estar da unanimidade, a cinematografia de Luc Besson sempre foi marcada na exploração de uma linguagem estética que por vezes enveredava pela estilização e barroquismo exagerados. O lado temático, por sua vez, não era o aspecto prioritário em sua concepção de cinema. “Além da liberdade” (2011) nada contra a corrente dentro dessa lógica. É claro que há um cuidado formal em termos de direção de arte e fotografia, mas o foco principal do filme é a trama baseada em fatos reais, que retrata os percalços de uma líder política em meio a ditadura na Birmânia. A reconstituição de detalhes dessa luta da protagonista tem a clara função panfletária de divulgar a sua causa. Tal intenção é nobre, e é mérito de Besson a condução de uma narrativa longa (mais de duas horas) que até consegue prender a atenção do espectador. No saldo final, entretanto, “Além da liberdade” é frustrante pela ausência de maiores vôos criativos do cineasta: podemos simpatizar com os ideais de sua heroína, mas praticamente não há cenas que se fixem no nosso imaginário.

terça-feira, outubro 02, 2012

Batman - O cavaleiro das trevas ressurge, de Christopher Nolan **1/2


A trilogia concebida por Christopher Nolan para Batman apresenta uma certa esquizofrenia em relação à abordagem de cada um dos filmes. “Batman Begins” (2006) era tão sóbrio e contido que beirava a assepsia. Já “Batman – O cavaleiro das trevas” (2008) era incrivelmente denso na construção psicológica de seus personagens e situações, mas também enveredava para um thriller de ação bastante movimentado. Não à toa, foi o melhor filme disparado da franquia de Nolan. A conclusão da saga em “Batman – O cavaleiro das trevas ressurge” (2012) é a negação dos filmes anteriores: é exagerado, desprovido de sutileza, com uma dramaticidade derramada que beira o brega, repleto de personagens mal caracterizados. É tão barulhento e frenético que chega até a hipnotizar o espectador no seu turbilhão constante de mil coisas acontecendo ao mesmo tempo. Se por um lado a platéia fica seduzida com o pandemônio de Nolan, logo após o final do filme corre o risco de sentir um certo vazio. Fica-se com a sensação de uma obra pensada e executada às pressas, muito distante das nuances narrativas bem delineadas da segunda parte. É claro que o furor sentimental do filme até tem uma certa conotação cativante. Mas irrita ver um protagonista como Batman tão estúpido e impulsivo (como é que lá pela metade do filme ele não percebeu que o seu interesse romântico era a verdadeira vilã da trama? Por que ele, enfraquecido e fora de forma, resolve procurar um Bane no auge do vigor físico para enfrentá-lo num corpo-a-corpo suicida?) e trucagens digitais derivativas em excesso. Diante desse quadro, um reboot para a franquia até não chega a ser uma má idéia...

segunda-feira, outubro 01, 2012

Violeta vai para o céu, de Andrés Wood ***


Dentro do padrão habitual de cinebiografias, a produção chilena “Violeta vai para o céu” (2011) surpreende por fugir de algumas obviedades narrativas. A principal ousadia seria da mera recriação cronológica e linear dos fatos. O diretor Andrés Wood pega situações importantes da vida da célebre cantora e compositora Violeta Parra e os encadeia segundo uma lógica mais poética e simbólica do que histórica. A forma com que monta narrativa parece refletir o próprio caos criativo e sentimental que envolvia a sua protagonista. A montagem e a fotografia também obedecem a essa concepção formal e temática de Wood, sugerindo uma ótica mais sensorial e menos objetiva – é admirável, por exemplo, como os números musicais se relacionam com episódios do roteiro. Nesses termos, o filme acaba sendo revelador não só da intimidade da artista, mas também do seu particular processo de composição e mesmo performático, evocando uma sintonia cultural e existencial de Parra com a vida e a arte dos anônimos que habitam os grotões do Chile. Colabora também para o impacto de “Violeta vai para o céu” a atuação de entrega de Francisca Gavilán no papel principal.