É óbvio que filmes episódicos têm uma forte tendência em serem irregulares na sua consistência artística. “5 Frações de Uma Quase História”, produção brasileira de 2008, é exemplo claro disso. São cinco tramas destoantes entre si, tanto tematicamente quando nas suas respectivas concepções formais. Vai de alguns delírios de inspiração experimental até narrativas mais tradicionais, num caldeirão de referências que abarca de David Lynch a Nelson Rodrigues. Todos os diretores dessa criação coletiva buscam também uma certa autenticidade mais característica do cinema nacional de algumas décadas atrás, mas o resultado final é até asséptico demais. Em vez daquele tom popular anárquico e indiretamente subversivo do cinema “udigrudi” ou da Boca do Lixo, tem-se um filme bem comportado, metido a moderninho e que parece seguir algum manual de faculdades de cinema. Faltou a coragem, por exemplo, de “Conceição – Autor Bom é Autor Morto”, produção nacional recente que tem uma proposta conceitual bem semelhante, mas que não tem medo de meter o pé na jaca ao se aprofundar em referências ora intelectuais ora grotescas. De qualquer forma, vale uma conferida por algumas boas interpretações e por algumas seqüências mais irônicas.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
quinta-feira, março 19, 2009
Sexta-Feira 13, de Marcus Nispel **1/2
Quem for assistir a esse filme de “recomeço” da franquia “Sexta-Feira 13” esperando maiores novidades vai ter uma decepção. Até porque o roteiro do filme é um requentado da trama dos três primeiras partes da série original. Mas desde quando as tramas é o que importavam nos antigos filmes da saga de Jason Vorhees? O que interessava mesmo era a brutalidade das mortes e se de vez em quando apareceria alguma beldade pelada. E nesses quesitos, esse “Sexta-Feira 13” até que dá conta do recado. Jason pode não ser muito criativo na forma como detona uma porção de jovens desmiolados, mas faz com violentas convicção e coerência. E as meninas gostosas que tiram a roupa com facilidade admirável são de tirar o chapéu. E por fim tem um mérito inquestionável: fazia tempo que eu não ia numa sessão de cinema repleta de gritos, urros e assovios como essa. Valeu Jason!!
A Erva do Rato, de Júlio Bressane ***1/2
Tentar decifrar “A Erva do Rato” (2008), a obra mais recente de Júlio Bressane, em uma breve resenha é uma tarefa quase inviável. Roteiro e imagens trazem múltiplas referências culturais, filosóficas e até mesmo antropológicas e que podem implicar em várias interpretações. Além disso, uma narrativa de forte caráter simbólico e a mescla da linguagem cinematográfica com influências literárias vindas de dois contos de Machado de Assis tornam tal filme ainda mais complexo e intrincado em sua concepção. Um dos grandes méritos de Bressane é justamente conseguir dar uma certa unidade formal para esse verdadeiro caleidoscópio de idéias, principalmente através do impressionante trabalho de direção de fotografia de Walter Carvalho e pelos minuciosos desempenhos dramáticos de Selton Mello e Alessandra Negrini. A conjugação de todos esses elementos faz de “A Erva do Rato” uma das experiências mais desafiadoras e estimulantes da cinematografia recente brasileira.
O Leitor, de Stephen Daldry *1/2
Em cada fotograma de “O Leitor” (2008) parece estar estampado um desejo: “Por favor, eu quero ser indicado para o Oscar”. Tudo que a Academia gosta está lá: fotografia limpa, edição sem sobressaltos, roteiro de temática “séria” (tem até II Guerra no meio...), atores respeitáveis em atuações sóbrias, mensagens edificantes. A estratégia deu resultados, sendo que o filme ganhou várias indicações para o Oscar, levando a estatueta para melhor atriz. Isso, entretanto, quer dizer que o filme é bom? Infelizmente, na minha opinião, não é o caso. De tão preso a fórmulas pré-determinadas, “O Leitor” é um filme sem alma e chato. Todos os ingredientes que citei acima (roteiro, fotografia, edição, interpretações, etc) parecem estar ali simplesmente jogados na tela, sem a menor inspiração. A pretensa visão “madura” e “séria” na verdade sucumbe a uma trama com momentos de dramalhão dignos das novelas mais xumbregas. No mais, incomoda ver uma atriz tão talentosa como Kate Winslet, que já teve interpretações memoráveis em filmes como “Almas Gêmeas” (1994) e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” (2004), ganhar o tal do Oscar por uma atuação tão insípida quanto essa de “O Leitor”.
Hermeto Campeão, de Thomas Farkas **1/2 e Tom Zé ou Quem Irá Colocar Uma Dinamite na Cabeça do Século, de Carla Gallo ***
É claro que esses dois médias metragens estão longe de serem obras-primas cinematográficas. São, entretanto, imprescindíveis para quem gosta de música brasileira ou se interessa por cultura em geral por trazerem imagens raras, depoimentos e números musicais dos artistas focalizados. O fato dos mesmos estarem distantes da grande mídia torna ainda mais fascinante todos esses aspectos que são focalizados nos documentários em questão, onde a história pessoal e a concepção artística de cada um deles se mostram ligadas de forma intrínseca à música de ambos.
Filmes Vistos em DVD nas últimas semanas (Cotações de 0 a 4 estrelas)
Sim Senhor, de Peyton Reed ***
Como algumas críticas já disseram, “Sim Senhor” (2009) realmente tem uma trama que lembra “O Mentiroso” (1997), filme que também tinha Jim Carrey como protagonista. A verdade, entretanto, é que trama é o que menos importa em “Sim Senhor”. Afinal, o frágil roteiro é apenas um pretexto para alguns detalhes preciosos como algumas belas gozações de Carrey, o sarro com o rock indie através da banda fictícia Munchausen by Proxy, o jeitinho insólito e adorável de Zooey Deschanel, as festas temáticas do personagem de Rhys Darby, a trilha sonora de banda Eels. Mesmo não tendo a consistência de “Abaixo o Amor” (2003) e “Separados pelo Casamento” (2006), produções anterior de Peyton Reed, “Sim Senhor” está bem acima da média em relação aos lançamentos cômicos mais recentes.
sábado, março 07, 2009
Noivas em Guerra, de Gary Winick *
O problema de “Noivas em Guerra” não é o simples fato dessa produção ser uma comédia romântica. Afinal, já saiu muita coisa boa nesse gênero (“Levada da Breca”, “Harry e Sally – Feitos Um Para o Outro”, a primeira versão de “Sabrina”). O problema de “Noivas em Guerra” é que o filme é medíocre mesmo, sem inspiração, mecânico no seu sentimentalismo barato formulaico. E faz pensar o que aconteceu com a Kate Hudson, que fazia aquela guriazinha adorável e gostosinha de “Quase Famosos” (2001), a inesquecível Penny Lane, e nesse “Noivas em Guerra” está mais parecendo uma patricinha qualquer. O tempo é realmente implacável...
Surpresas do Amor, de Seth Gordon ***
O cara que bolou esse título em português para essa produção norte-americana de 2008 deveria ser processado. Afinal, “Surpresas do Amor” faz pressupor uma comédia romântica água com açúcar daquelas com Meg Ryan, quando na verdade o filme em questão, cuja tradução literal do seu título em inglês seria “4 Natais”, traz uma visão bem sarcástica sobre as relações amorosas e familiares, além de seqüências cômicas regadas a escatologia e grosseria. É claro que se tratando de uma comédia de Hollywood, essa concepção mais irônica não leva a sua crítica até às últimas conseqüências, sendo que a sua conclusão fica mais na linha do edificante. Mesmo assim, “Surpresas do Amor”, apesar do título cretino, é uma comédia acima da média em relação ao que chega normalmente nos nossos cinemas no gênero.
Ninho Vazio, de Daniel Burman ***1/2
Ler a pequena sinopse de “Ninho Vazio”, produção argentina de 2008, que tem saído nos jornais não dá a menor idéia do que o mesmo representa. A descrição é algo como “casal na meia-idade é obrigado a reestruturar a sua rotina após os filhos saírem de casa”, o que faz pensar em algo numa linha melodramática, o que está muito longe do que assistimos na tela. O diretor Daniel Burman utiliza um recurso narrativo muito interessante. Ao longo do filme, situações vão se sucedendo de forma quase aleatória, às vezes quase vaga, em outras oportunidades até francamente inconsistente, beirando um insólito surrealismo. Os personagens parecem ter uma propensão para o caricato. Aos poucos, entretanto, essa trama aparentemente desfocada vai adquirindo um estranho sentido até um ponto que o que se enxerga é o processo criativo do protagonista, um veterano escritor (Oscar Martinez) que vai compondo a sua obra de acordo com o quotidiano e as suas próprias impressões. É como se ele testasse possibilidades dramáticas até chegar a um ponto que considere o ideal. Por mais que tal solução narrativa possa parecer forçada, em “Ninho Vazio” ela se mostra uma opção muito bem delineada, mostrando como cinema e literatura são, em sua essência, jogos de ilusões e impressões pessoais.
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